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HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS das origens ao século XXI HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS das origens ao século XXI Leandro Karnal Sean Purdy Luiz Estevam Fernandes Marcus Vinícius de Morais EDITORA CONTEXTO Diretor editorial Jaime Pinsky Rua Dr José Elias 520 Alto da Lapa 05083030 São Paulo SP PABX 11 3832 5838 contextoeditoracontextocombr wwweditoracontextocombr Copyright 2007 dos autores Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto Editora Pinsky Ltda 2007 Proibida a reprodução total ou parcial Os infratores serão processados na forma da lei Imagem de capa Whashington crossing Delaware Emanuel Leutze 1851 Óleo sobre tela Montagem de capa Antonio Kehl Consultoria histórica Carla Bassanezi Pinsky Diagramação Gustavo S Vilas Boas Revisão Lilian Aquino Ruth Mitzuie Kluska História dos Estados Unidos das origens ao século XXI Leandro Karnal et al São Paulo Contexto 2007 Outros autores Marcus Vinícius de Morais Luiz Estevam Fernandes Sean Purdy Bibliografia ISBN 9788572443616 1 Estados Unidos História I Karnal Leandro II Morais Marcus Vinícius de III Fernandes Luiz Estevam IV Purdy Sean 072384 CDD 973 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Índice para catálogo sistemático 1 Estados Unidos História 973 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 9 INTRODUÇÃO 11 Um primeiro olhar 11 Caso antigo 14 No Brasil 18 Por fim 21 A FORMAÇÃO DA NAÇÃO 23 Leandro Karnal COMPARAÇÕES INCÔMODAS 25 Outras explicações 26 O MODELO ORIGINAL A INGLATERRA 31 A ascensão dos Tudor 31 O século XVII e os Stuart 35 O INÍCIO 39 O difícil nascimento da colonização 40 Nova chance para a Virgínia 42 Quem veio para a América do Norte 44 Os peregrinos e a Nova Inglaterra 46 Educação e religião 47 Os puritanos de Massachusetts 51 O demônio ataca o surto de Salem 51 Os quakers da Pensilvânia e outros grupos 53 Colônias do Norte 55 Colônias do Sul 58 Indígenas 59 Negros 63 População 66 Vida cotidiana 67 O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA 71 Guerras e mais guerras 71 Os colonos vencem a guerra e perdem a paz 74 As leis da ruptura 76 Chá amargo 79 A RUPTURA E O NOVO PAÍS 81 Dêemme a liberdade ou dêemme a morte 82 O pais da pátria 90 E pluribus unum 92 As repercussões da Independência 94 OS EUA NO SÉCULO XIX 99 Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 101 O que fazer com a liberdade conquistada 101 Dobrando de tamanho 102 A nova luta pela Independência 103 Tempo de crescimento para alguns 106 Depressão e mudanças políticas 109 Democracia branca 113 A questão bancária 114 REFORMISMO RELIGIOSO 117 UMA NAÇÃO QUE SE EXPANDE E SE DIVIDE 123 De novo a escravidão 123 Novos territórios 125 A CASA DIVIDIDA E A GUERRA DE SECESSÃO 129 DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 137 A reconstrução 137 A reconstrução presidencial 141 A reconstrução radical 143 A redenção 148 OS TEMPOS MODERNOS E OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA 151 Transporte e comunicações 151 Imigrantes 153 Grandes empresas 154 Urbanização 156 Valores 157 História e memória 159 A CONQUISTA DA ÚLTIMA FRONTEIRA 161 O IMPERIALISMO 165 De um século a outro 170 O SÉCULO AMERICANO 173 Sean Purdy A ERA PROGRESSISTA 19001920 175 Capitalismo monopolista e trabalho 176 Imigrantes e o sonho de fazer a América 178 Racismo e a grande migração de afroamericanos 181 O jazz e o blues 184 O impulso progressista e seus críticos 185 Os wobblies 185 O Partido Socialista da América 186 Alternativos 187 Feministas 188 Cidadãos 190 O cadinho da Primeira Guerra Mundial 192 DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 19201940 197 A nova era imagem e realidade 198 Mudanças sociais e desafios culturais nos anos 1920 203 Crise econômica 205 Tempos duros 206 O New Deal de Franklin Delano Roosevelt 209 Cultura do protesto a resposta de baixo 211 Boa vizinhança e Segunda Guerra Mundial 214 A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 217 Guerra total na Europa e Ásia 218 Guerra total nos Estados Unidos 221 Planejando a ordem pósguerra e a Guerra Fria 226 Sociedade e cultura na Guerra Fria 230 RUPTURAS DO CONSENSO 19601980 235 O fenômeno John F Kennedy e o Estado Liberal 236 Contendo o comunismo 238 Cuba 239 A tragédia do Vietnã 240 América do Sul e Oriente Médio 242 O movimento por direitos civis 243 A nova esquerda a liberdade sexual e a contracultura 249 A contraofensiva conservadora 253 MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 19802000 257 A era do neoliberalismo 258 O novo imperialismo 260 A nova direita e os movimentos sociais 263 A mídia cultura pop e guerras da cultura 271 O fim da História 274 PARA FINALIZAR 277 BIBLIOGRAFIA 281 ICONOGRAFIA 283 OS AUTORES 285 APRESENTAÇÃO Os Estados Unidos Como pode um país provocar tanto ódio a ponto de muita gente no mundo ficar feliz até com ataques suicidas de fanáticos obscurantistas contra eles Os Estados Unidos Como pode uma nação ser considerada sem Deus e ter ao mesmo tempo numerosas escolas que negam o evolucionismo ensinando a seus alunos as alegorias bíblicas como verdades históricas Como pode uma cultura influenciar tantas outras e ostentar na América profunda um provincianismo digno de rincões escondidos no espaço e no tempo Os Estados Unidos que espalharam para o mundo o cinema e o jazz séries de TV e calças jeans padrão de magreza anoréxica e de seios inflados país que defendeu a democracia em guerras justas e atentou contra ela em invasões injustificáveis Grande nação que absorveu mais imigrantes que nenhuma outra na História que respeita as diferenças criando etiquetas para as minorias que incorpora cientistas do mundo todo em suas melhores universidades que inventou o macartismo e o gigante de pés de barro comunista para justificar a Guerra Fria É sobre estes Estados Unidos da América que trata este livro encomendado a um punhado de especialistas Todos os quatro trabalhando no Brasil um deles Sean Purdy é canadense de origem todos com pesquisas importantes na área todos distantes da visão maniqueísta o bem contra o mal que tem orientado muitos livros publicados sobre o tema Aqui não se fala do Grande Satã nem da luz que ilumina a civilização ocidental Os autores construíram esta obra em dois anos de escrita discussão correção e nova versão até o livro ficar satisfatório para eles e para o reconheçamos exigente Editor Nunca se concebeu um projeto como este no Brasil para se entender a história fascinante e assustadora dos Estados Unidos O Editor INTRODUÇÃO Os Estados Unidos não existiam Quatro séculos de trabalho de derramamento de sangue de solidão e medo criaram esta terra Construímos a América e o processo nos tornou americanos uma nova raça enraizada em todas as raças manchada e tingida de todas as cores uma aparente anarquia étnica Então num tempo pequeníssimo tornamonos mais semelhantes do que éramos diferentes uma nova sociedade não grandiosa mas propensa por nossas próprias faltas à grandeza e pluribus unum Steinbeck UM PRIMEIRO OLHAR Vamos começar a narrativa longe dos EUA em plena África do Sul Corre o ano de 2001 Um jornalista norteamericano especializado em questões ambientais cruza o continente para suas pesquisas e palestras Mark Hertsgaard tem vivo interesse pela opinião do mundo sobre seu país Dentro de um ônibus ladeando a costa impressionante do Índico a caminho de Durban ele encontra uma boa conversa com um jovem negro Malcom Adams Falante o motorista entusiasmavase com a origem do interlocutor Sua opinião era muito positiva elogiando as roupas a música e o chamado estilo americano de vida Usando um boné de beisebol o sulafricano comentava em detalhes os seriados e filmes norteamericanos a que assistia Mark vendo seu país tão conhecido e até amado arriscouse a perguntar se os africanos mais velhos como os pais do condutor compartilhavam do mesmo ponto de vista A resposta foi estarrecedora Não eles são mais HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 12 cristãos respondeu Malcom sem ironia Querem levar uma vida sul africana1 O episódio é particularmente rico Traz a ambigüidade da percepção mundial sobre a sociedade dos EUA Nas palavras do motorista há uma contradição clara entre ser cristão e levar um estilo de vida norte americano Não obstante em poucos países do Ocidente o cristianismo tem uma presença tão marcante como nos EUA Seria plausível supor que a ironia nãointencional do sulafricano ao estabelecer uma impossibilidade de convivência entre valores cristãos e norteamericanos soasse estranha até incompreensível à maioria absoluta dos cidadãos norteamericanos2 As ambigüidades exploradas por Hertsgaard continuam Em viagens pela Ásia e Europa ele repete a experiência de indagar e analisar as opiniões mundiais sobre a grande potência do século XXI O autor enumera a lista contraditória do que os estrangeiros pensam sobre a América 1 A América é provinciana e egocêntrica 2 A América é rica e empolgante 3 A América é a terra da liberdade 4 A América é um império hipócrita e dominador 5 Os americanos são ingênuos em relação ao mundo 6 Os americanos são filisteus3 7 A América é a terra da oportunidade 8 A América acha que sua democracia é a melhor que existe 9 A América é o futuro 10 A América só pensa em si mesma4 Como se constata com facilidade muitas coisas boas e a maioria das ruins do mundo são atribuídas aos norteamericanos Processo similar ocorreu com os Impérios Romano e Britânico a potência dominante acaba concentrando tudo o que os externos a ela pensam de si e dos outros Assim pensar os EUA também é uma forma de pensar de maneira ampla pois críticas e elogios são com freqüência espelhos de duas faces Tomemos como exemplo a lista anterior Quando criticamos os EUA como um país que apenas pensa em si e apenas conhece o mundo dentro de suas fronteiras expressamos um sentimento de pesar por não sermos conhecidosreconhecidos por eles Nunca se ouviu no planeta a reclamação de que o Nepal só pensa nele e só conhece o mundo do Himalaia É bastante provável que os nepaleses saibam menos sobre o Brasil do que os norte americanos Porém reclamamos que os EUA não dominam nossa geografia e duplo insulto imaginam que nossa capital seja Buenos Aires Por quê INTRODUÇÃO 13 Falamos antes do Império Britânico Há semelhanças entre os impérios Eles constituem centros de decisão alheios aos anseios das partes dominadas ou externas Porém há uma diferença muito grande entre o domínio imperial britânico e o dos EUA Os ingleses no século XIX tinham certeza de pertencerem ao melhor país do mundo com uma capacidade muito superior não apenas a bárbaros africanos e asiáticos mas também em relação aos próprios europeus Para melhor cumprirem a missão civilizadora do homem branco a civilização britânica constituiu sociedades geográficas museus antropológicos jardins zoológicos expedições para achar as nascentes do Nilo atlas luxuosos e explicações ditas científicas como o darwinismo social para o atraso dos outros povos De muitas formas os europeus em geral e os britânicos em particular queriam classificar o mundo e reforçar a hierarquia profunda que dividia a Europa Ocidental do resto do planeta O ser humano na visão de muitos europeus do século XIX e parte do XX tinha chegado ao seu apogeu em Londres Paris e outros focos Restava espalhar as luzes da civilização européia sobre as áreas obscuras que ainda não partilhavam dos valores e do progresso que vicejava nas margens abençoadas do Tâmisa e do Sena O domínio atual dos EUA é bastante diferenciado Por diversos e complexos motivos que tentaremos tratar ao longo do livro os EUA apresentaram uma dificuldade maior de conhecimento do outro Desastres da política externa como o Vietnã e a Revolução Xiita no Irã nasceram entre outras coisas da dificuldade estrutural em entender processos históricos e culturais distintos do norteamericano O outro adquire certa invisibilidade para os EUA O inglês do XIX olhava para o outro e dizia você é inferior o norteamericano do XXI dificilmente reconhece a existência do outro a não ser no código eu antieu Isso talvez fique mais claro com o exemplo seguinte Começamos esse item com uma história real Vamos agora ao mundo da ficção No início do filme Pulp Fiction dirigido por Quentinn Tarantino 1994 há um diálogo extraordinário O ator John Travolta interpreta um marginal que acaba de voltar da Europa Ele faz reflexões com seu comparsa Samuel Jackson sobre a estranheza dos hábitos dos europeus Para exemplificar o traficante recémchegado diz que em Amsterdã você pode comprar cerveja num cinema e a bebida vem em copo de vidro como num bar Outro dado excêntrico narrado em Paris é possível comprar cerveja no MacDonalds Para identificar mais uma bizarrice européia ao seu ouvinte Vincent Travolta comenta que o clássico sanduíche quarter pounder with cheese é denominado pelos europeus de royal with cheese em função do sistema métrico decimal Para encerrar a conversa Travolta constata HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 14 surpreso que o tradicional Bic Mac é chamado no outro lado do Atlântico de le Big Mac O que está contido no diálogo ficcional O Big Mac não é uma convenção que pode ter nome diferente e manter as mesmas características Chamálo a partir do artigo le é uma deformação Big Mac é Big Mac e pronto Quarter pounder é quarter pounder Erra quem diz de outra forma O significado está fundido com o significante Essa fusão explica muito da força e das críticas que os EUA sofrem hoje Quase todas as culturas são centradas em si e nos seus valores O etnocentrismo une chineses da dinastia Ming e incas do final do século XV Isso vale para um ianomâmi e para um cidadão de Washington A especificidade dos EUA a constituição do seu diálogo com as outras culturas e a densa história do país mais poderoso já registrado na memória mundial constituirão parte do nosso esforço de conferir sentido a esse emaranhado de dados É um mundo complexo do qual vamos nos aproximando aos poucos CASO ANTIGO Tratase de uma relação antiga O mundo observa os EUA há mais de dois séculos Seria difícil constituir uma coerência nas opiniões No fim do século XVIII a Declaração de Independência e a Constituição circulavam por lugares que iam dos grotões das Minas Gerais a Paris Tiradentes no Brasil e Robespierre na França pareciam ter encontrado naquelas colônias recémlibertas um exemplo concreto do Novo Mundo pelo qual lutavam O interesse cresceu no século XIX O governo da França mandou um magistrado nobre Alexis de Tocqueville observar aquela nova organização social e política A obra Democracia na América é o resultado de uma observação privilegiada Todas as ambigüidades das relações do Velho Mundo com o Novo estão ali registradas Já os irlandeses que provavelmente não liam Tocqueville não estavam interessados nas ambigüidades Os olhos dos imigrantes queriam as terras fartas e as promessas de um sonho americano de ascensão social Nenhum outro país parece ter recebido tantos observadores e tantos imigrantes como os Estados Unidos da América A riqueza proverbial dos EUA não seduziu apenas massas despossuídas Em meio à exaustão material e humana da Primeira Guerra os governos da França e da Inglaterra ansiaram pelo auxílio da jovem potência A ajuda veio na forma de recursos de homens e de um sonho ideal de uma guerra para acabar com todas as guerras A indústria o dinheiro e as tropas norteamericanas mudaram o rumo da guerra Em 1918 muitos ainda olhavam para Washington com INTRODUÇÃO 15 grande admiração O presidente W Wilson em meio às raposas políticas em Versalhes parecia a encarnação do idealismo do Novo Mundo Os sonhos e ideais desaparecem logo A guerra para acabar com todas as guerras foi prelúdio de outro e maior conflito A barbárie nazista parecia tragar o planeta A expansão japonesa não encontrava freio na Ásia Mais uma vez os anseios das democracias ocidentais esperaram por Washington O convite japonês em Pearl Harbor era irrecusável O imenso depósito de recursos da América era colocado a serviço dos aliados Mesmo que a França ocupada e a Inglaterra exausta tenham recebido com euforia a entrada a Segunda Guerra mudaria para sempre a visão do mundo sobre os EUA Em 1945 com Hiroxima e Nagasaki ainda fumegantes o idealismo da democracia americana que Tocqueville tinha contemplado tinha outros matizes O pós1945 é um momento de virada ampla na visão do mundo sobre os EUA Muitos passam a destacar as semelhanças do imperialismo das duas potências EUA e URSS Tanto o movimento dos nãoalinhados que incluía Indonésia Índia como a República Popular da China na década de 1960 desenvolviam críticas conjuntas aos dois tipos de imperialismo o de Moscou e o de Washington Consagrase a frase jocosa de que o capitalismo é a exploração do homem pelo homem e o socialismo é justamente o contrário A Guerra do Vietnã foi um argumento poderoso contra os EUA O país de iluministas e de liberdade parecia dar lugar à nação agressiva que derrama napalm sobre aldeias de camponeses A terra de Richard Nixon foi alvo de protestos quase diários no fim dos anos de 1960 e no início da década de 1970 Mas não havia um modelo de pureza do outro lado A URSS reprimiu com violência homicida o levante da Hungria e a primavera de Praga O Afeganistão viveu seu momento de Indochina com a invasão soviética A Guerra Fria não era a luta do Bem contra o Mal mas o choque de dois pólos agressivos que não hesitavam matar para garantir a libertação de algumas áreas O fim da Guerra Fria na última década do século XX parecia ser a vitória histórica do modelo capitalista e liberal Porém os sonhos de fim da História vieram abaixo com duas torres que tombavam Os atentados de 11 de setembro de 2001 passam a significar um contato doloroso dos EUA com o mundo O mal distante outrora isolado no outro lado do mundo parecia agora desfilar dentro de casa Poucos americanos podiam estabelecer uma relação clara entre a política externa do país e os atentados Para alguns habitantes do Oriente Médio as dramáticas cenas do atentado do World Trade Center parecem o castigo justo por anos de violência dos EUA Para a média do cidadão norte americano restava a inquietante pergunta por que eles nos odeiam Eis uma clivagem complexa e que necessita de uma reflexão demorada HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 16 Por que o mundo odeia aos EUA Mark Hertsagaard com o qual iniciamos o texto identificou mais o conteúdo da crítica do que sua origem A crítica envolveria essa mistura imprecisa de desenvolvimento econômico e arrogância domínio mundial e caipirice que atraem e repelem diversas sociedades Há uma outra perspectiva dada por um francês próEUA JeanFrançois Revel Na obra A obsessão antiamericana causas e inconseqüências5 ele deve ter causado horror a muitos compatriotas Para Revel a inveja e o ressentimento explicariam grande parte do ódio contra os EUA A necessidade do auxílio de Washington nas duas guerras mundiais e o papel secundário que a França em particular desempenha no capitalismo global constituem o pano de fundo para a crítica Haveria na Europa uma tendência a concentrar a crítica nas atitudes norteamericanas Tomese um exemplo o governo dos EUA é acusado de pouco ou nada fazer em função das medidas de proteção ambiental do Protocolo de Kyoto o que causa uma chuva de denúncias na imprensa francesa Porém apesar de ter ministros verdes entre 1997 e 2002 a França não adotou nenhuma das medidas mais efetivas daquele protocolo como proibir nitratos ou reduzir o consumo de energia em 52 Da mesma forma a poluição devastadora na Europa Oriental durante o período do domínio soviético jamais foi denunciada na grande imprensa francesa A culpa na denúncia de Revel sempre deve recair sobre os EUA e sobre o capitalismo Revel insiste que a Europa para impedir uma reflexão crítica sobre si mesma preocupase em atribuir aos EUA os desmandos mais graves do mundo contemporâneo Assim tendo matado e torturado agentes dos movimentos basco e irlandês os europeus sempre atacam o comportamento dos EUA diante dos supostos terroristas islâmicos Talvez o grande mérito de Revel seja evidenciar que muitos dos denunciantes da violência americana não apresentam um passado imaculado e que as engrenagens da injustiça da distribuição de renda no planeta não giram apenas em Washington Sua grande limitação é não perceber que vários assassinatos jamais tornam um assassinato isolado mais palatável moralmente A violência histórica e atual da Europa não redime a violência de nenhum outro Estado Analistas mais equilibrados sempre disseram o que Revel afirma Os EUA não são a única fonte dos problemas do mundo Ainda que a História não tenha função moral alguma vimos que a queda de impérios opressivos como o romano não garantiu aos séculos seguintes um porvir de igualdade e equilíbrio Porém o que de mais grave perpassa a obra de Revel é sua defesa implícita da superioridade da cultura ocidental cristã especialmente quando ele a contrapõe aos muçulmanos Para o autor da Academia Francesa INTRODUÇÃO 17 o hiperterrorismo toma emprestado de nossa civilização moderna os meios tecnológicos para tentar abatêla e substituíla por uma civilização arcaica mundial que seria oh que surpresa geradora de pobreza e além disso a própria negação de todos os nossos valores 6 São esses possessivos nossa civilização nossos valores que concentram a verdadeira mensagem do autor o mundo ocidental cristão é o melhor e mais equilibrado e os EUA apenas lutam por ele O parágrafo citado é um bom momento para interromper a leitura da obra Uma defesa ardorosa dos EUA feita por um francês Bem alguns dos críticos mais ácidos são norteamericanos Intelectuais tão distintos nas áreas de atuação como Susan Sontag 19332004 Noam Chomsky 1928 Immanuel Wallerstein 1930 e Michael Moore 1954 tornaramse famosos pelas críticas aos EUA Tomemos o exemplo mais popular O cineasta Michael Moore notabilizouse por documentários como Tiros em Columbine 2002 e Fahrenheidt 1109 2004 e livros como Stupid White Men 2001 Nas obras ele faz uma análise demolidora do sistema americano Seria uma crítica estrutural ou revolucionária O centro da crítica de Moore é contra uma atitude errada ou um grupo mau que se apodera de um benefício que deveria ser mais coletivo Assim no criativo documentário sobre armas e crime nos EUA Tiros em Columbine vemos que algumas medidas muito tópicas podem ajudar a vencer a cultura do medo Se as grandes lojas não venderem armas com a facilidade que vendem se alguns bancos não fornecerem armas de brinde a quem abrir uma conta nas suas agências isso incrivelmente ocorre nos EUA se os noticiários não enfatizarem tanto as notícias ruins e se promotores públicos da posse de armas forem advertidos do mal que causam como o ator Charlton Heston fatalidades como a ocorrida na escola de Columbine seriam superadas Da mesma forma a campanha política de Moore contra o presidente Bush enfatiza sua inaptidão para o cargo Vendo as relações da família Bush com o petróleo do Oriente Médio ou vendo a aparente lentidão mental do presidente para reagir aos atentados às torres de Nova York concluímos que ele é incapaz de ser um bom presidente Assim a mensagem que se passa é que o problema não seria o próprio sistema americano mas pessoas corruptas ou incapazes que se apoderam dele Logo resta a sensação de que pode ter existido ou poderá existir um presidente que não represente uma esfera específica do capital ou que o dinamismo de resposta esteja presente nas virtudes desejadas de bons presidentes do passado ou desejáveis no futuro Um crítico mais estrutural de um país pobre poderia argumentar que mesmo HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 18 que o presidente dos EUA tivesse um QI extraordinário e fosse incorruptível mesmo o honesto A Lincoln aquilo que permite a existência dos EUA como potência é um sistema mundial que faz a balança pender para os norte americanos Assim é mais simpático ser explorado por um sorridente e brilhante Kennedy do que por um amorfo Bush mas o fato exploração continua não importa quão dourada seja a pílula Talvez o mais positivo do pensamento de Moore seja observar a liberdade de expressão com que ele desenvolve suas idéias Seus ataques incidem sobre o domínio dos brancos nos EUA sobre o patriarcalismo do sistema político sobre a inaptidão dos homens brancos em serem agradáveis às mulheres e sobre o predomínio dos norteamericanos em questões negativas o país com mais gastos militares do mundo com o maior número de mortes por armas de fogo no mundo o maior consumidor de energia per capita do mundo o maior emissor de dióxido de carbono o maior produtor de lixo tóxico do planeta e o maior produtor de lixo doméstico entre dezenas de outras vitórias duvidosas7 Moore inventa uma agenda típica do presidente George W Bush que inclui dormir bastante ler apenas horóscopo e quadrinhos nos jornais ter reuniões de trabalho de apenas cinco minutos e ignorar por completo o sistema mundial8 Que estranho país é esse que torna o livro de Michael Moore um grande bestseller lota as salas de cinema que passam seus documentários e reelege com ampla maioria o alvo dessas críticas Que país é esse que lê e cita avidamente Noam Chomsky9 lota suas palestras e dá maioria política aos alvos de suas críticas A explicação usual seria a da dicotomia há dois Estados Unidos da América um crítico e aberto e outro tradicional e fechado Nosso esforço neste livro será tentar desfazer esta idéia As dicotomias são confortáveis e amplamente aceitas mas geralmente escondem mais do que explicam Não há dois mas há dezenas NO BRASIL Antes de todos esses críticos do século XX no Brasil um aristocrata do café escreveu uma pequena obra em 1893 A ilusão americana No libelo Eduardo Prado 18601901 denuncia os Estados Unidos e seu imperialismo temendo que a jovem República brasileira da qual ele era inimigo declarado fosse presa fácil De muitas formas a geração de Eduardo Prado via com desagrado a ascensão do modelo dos EUA e reforçava sua fé em modelos franceses e ingleses INTRODUÇÃO 19 mais tradicionais Rico e instruído o jovem cafeicultor tinha sido modelo para Eça de Queiroz compor a figura de Jacinto no romance As cidades e as serras Desiludido ele via o capitalismo estadunidense substituir com ímpeto crescente as referências que tinham guiado seus contemporâneos da elite brasileira do Império Da mesma forma que Rodó compusera seu Ariel com denúncia similar no Uruguai de 1900 Prado pretendia reagir contra a insanidade da absoluta confraternização que se pretende impor entre o Brasil e a grande república anglosaxônica de que nos achamos separados não só pela grande distância como pela raça pela religião pela índole pela língua pela história e pelas tradições do nosso povo10 Para ele o fato de Brasil e EUA estarem no mesmo continente era mero acidente geográfico A lista de agressões que Eduardo Prado enumera na obra constituise num verdadeiro rol de atrocidades sobre as quais o autor queria alertar os brasileiros Não é à toa que sua obra fruto da pena de um aristocrata católico e conservador encontra eco numa editora de esquerda a AlfaOmega e recebe prefácio de deputado do Partido Comunista Aldo Rebelo Ao longo de mais de um século o antiamericanismo parece ter a magia de continuar aproximando inimigos de classe Nem os EUA são uma unidade nem seus inimigos constituem um bloco homogêneo Nem sempre dominou essa desconfiança Os EUA tinham sido o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil No Segundo Reinado D Pedro II tinha sido simpático aos norteamericanos Sua presença na Feira da Filadélfia 1876 marcou época A visita ao Brasil do pianista norte americano Louis Moreau Gottschalk a composição da sua Grande fantasia sobre o Hino Nacional brasileiro e sua morte no apogeu da carreira em pleno Rio de Janeiro 1869 pareciam entrever uma relação cultural intensa A República estreitou laços com o irmão do norte O Brasil tornavase Estados Unidos do Brazil adotava o regime presidencialista e o modelo federal dos EUA A educação republicana formava almas cívicas ressuscitando da poeira da História a figura de Tiradentes que como muitos inconfidentes de Minas Gerais tinha lido com entusiasmo textos da criação do novo país do Norte Tanto o futuro como o passado pareciam pertencer às relações BrasilEUA com a já registrada voz discordante de Eduardo Prado O século XX foi ambíguo nessa relação Há momentos nos quais a importância geopolítica do Brasil parece justificar uma aproximação econômica e cultural como o Estado Novo 19371940 Envolvido no esforço da Segunda Guerra o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt faz várias concessões ao Brasil e colabora até para que Walt Disney elabore a simpática personagem Zé Carioca pivô de uma aproximação de HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 20 cima para baixo O quadro sorridente de Getúlio e Roosevelt em encontro histórico no Nordeste registra essas intenções mais públicas do que das almas da elite do Estado Novo Governos como o de Eurico Dutra parecem ter realizado uma aproximação quase carnal entre os dois países Na frase usualmente atribuída a Juraci Magalhães configurase uma tradição que nunca cessou o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil A cassação do mandato dos comunistas eleitos e a ruptura de relações com países como a URSS pareciam tornar o Brasil aliado dócil à hegemonia dos EUA no continente americano Noutros momentos como quando da criação da Petrobras em 1953 as relações parecem tensas tanto no plano governamental como nas relações populares ao suicídio de Vargas As denúncias da carta testamento do presidente foram lidas pela população como um incentivo ao ataque aos bens e interesses dos EUA no território brasileiro O desenrolar do nosso processo histórico parece ter trazido à tona elementos variados para esta imagem dos EUA Por um lado uma parte da vida econômica brasileira passa a estar ao lado do capital norteamericano a partir por exemplo da instalação de indústrias automobilísticas no governo Juscelino Kubitschek Do mesmo modo a interferência de embaixadores como Lincon Gordon ao lado de golpistas contra o governo Goulart pareciam aguçar os ânimos da esquerda nacional contra os EUA Os gritos estudantis da década de 1960 jamais deixavam de enfatizar a ação agressiva e exploratória dos EUA A crescente aproximação CubaURSS entusiasmava parte da esquerda e a figura de Che Guevara especialmente após o assassinato não era apenas uma imagem prósocialismo mas também uma barragem contra a presença da cultura norteamericana e seus interesses materiais A ditadura militar em quase tudo tão simpática aos interesses dos EUA também vivia momentos de oscilação quando por exemplo o general Geisel se aproximava da Alemanha para implantar um projeto atômico no Brasil ou quando o pragmatismo diplomático brasileiro fazia estreitamento de laços com o bloco socialista Em suma tanto no patamar das relações políticas internacionais como na visão interna da sociedade e do governo norteamericano no Brasil não há uma linha contínua ou única por considerar Na mesma década lado a lado na rota para o Caribe podem ter voado guerrilheiros brasileiros exultantes pela ação de seqüestro do embaixador Elbrick como turistas endinheirados a caminho da Meca de compras Miami ou da diversão plastificada da Disneyworld INTRODUÇÃO 21 Como em todo o resto do planeta os EUA seu povo e suas instituições despertam reações variadas nos brasileiros Apenas penetrando na densa formação histórica do país do Norte podemos começar a decifrar a complexidade de uma sociedade que multifacetada parece ter o potencial para despertar o pior e o melhor na opinião do resto do planeta Terra Na esfinge nascida com as 13 colônias está uma parte importante da resposta da identidade de todo Novo Mundo Que país é esse Que cultura engendrou Por que seduz e irrita o planeta Existe um típico norteamericano Que processo histórico pode ter originado o american way of life e como é possível explicar tal concentração de riquezas Esse é o caminho deste livro POR FIM Esta obra reúne a pesquisa de alguns especialistas no tema EUA São historiadores em busca de respostas a várias das questões levantadas nesta introdução No espaço dos EUA habitam quase trezentas milhões de pessoas que não podem ser explicadas por uma idéia um livro ou uma corrente apenas Destacamos vários enfoques por acreditar no caráter multifacetado do real É inegável reconhecer que a História mundial implica conhecer os EUA Odiado ou amado a História norteamericana constitui um vocabulário e uma coleção de práticas indispensáveis para nossa análise NOTAS 1 Mark Hertsgaard A sombra da águia por que os Estados Unidos fascinam e enfurecem o mundo Rio de JaneiroSão Paulo Record 2003 p 13 2 Tradicionalmente os nascidos nos Estados Unidos são denominados norteamericanos Debates com origens mais nacionalistas do que gramaticais estipulam estadunidense como adjetivo ou como substantivo afinal também são norteamericanos os cidadãos do México e do Canadá Porém canadenses e mexicanos não utilizam as palavras americano ou norteamericano para sua nacionalidade sendo pouco provável uma confusão 3 Segundo o dicionário Houaiss filisteu significa alguém inculto e cujos interesses são estritamente materiais vulgares convencionais que ou aquele que é desprovido de inteligência e de imaginação artística ou intelectual 4 Mark Hertsgaard op cit p 31 5 Rio de Janeiro Ed UniverCidade 2003 O original francês é de 2002 ed Plon 6 JeanFrançois Revel op cit p 228 Há certa similaridade dessa proposta com o texto de Samuel Huntington O choque de civilizações São Paulo Objetiva 1997 7 Michael Moore Stupid Wite Men uma nação de idiotas 5 ed São Paulo Francis 2003 pp 1901 8 Michael Moore op cit pp 1845 9 A lista do Arts and Humanities Citation Index estabelece como os dez autores mais lembrados em trabalhos entre 1980 e 1992 Marx Lenin Shakespeare Aristóteles a Bíblia Platão Freud Chomsky Hegel e Cícero em Robert F Barsky A vida de um dissidente Noam Chomsky São Paulo Konrad Editora do Brasil 2004 p 15 10 Eduardo Prado A ilusão americana 6 ed São Paulo AlfaOmega 2001 p 31 A FORMAÇÃO DA NAÇÃO Ó admirável mundo novo em que vivem tais pessoas Shakespeare COMPARAÇÕES INCÔMODAS Por que os Estados Unidos são tão ricos e nós não Essa pergunta já provocou muita reflexão Desde o século XIX a explicação dos norteamericanos para seu sucesso diante dos vizinhos da América hispânica e portuguesa foi clara havia um destino manifesto uma vocação dada por Deus a eles um caminho claro de êxito em função de serem um povo escolhido No Brasil sempre houve desconfiança sobre a idéia de um destino manifesto que privilegiasse o governo de Washington Porém muito curiosamente criouse aqui uma explicação tão fantasiosa como aquela A riqueza deles e nossas mazelas decorreriam de dois modelos históricos as colônias de povoamento e as de exploração As colônias de exploração seriam as ibéricas As áreas colonizadas por Portugal e Espanha existiriam apenas para enriquecer as metrópoles Nesse modelo as pessoas sairiam da Europa apenas para enriquecer e retornar ao país de origem A América ibérica seria um local para suportar um certo período extrair o máximo e retornar à pátria européia Da mesma forma que aventureiros e degredados que enchiam nossas praias o Estado ibérico também só tinha o interesse na exploração do Novo Mundo e obter os maiores lucros no menor prazo possível Sobre portugueses e espanhóis corruptos e ambiciosos pairava um Estado igualmente corrupto e ambicioso O escritor Manoel Bonfim consagrou no início do século XX a metáfora desse Estado a coroa ibérica seria idêntica a um certo molusco que só possuía sistema para entrada e saída de alimentos1 Estado sem cérebro sem método sem planejamento apenas com aparelho digestivoexcretor essa era a imagem consagrada do português que nos pariu HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 26 O oposto das colônias de exploração seriam as de povoamento Para lá as pessoas iriam para morar definitivamente A atitude não era predatória mas preocupada com o desenvolvimento local Isso explicaria o grande desenvolvimento das áreas anglosaxônicas como os EUA Famílias bem constituídas pessoas de alto nível intelectual e sólida base religiosa tais seriam os colonos que originaram o povo norteamericano Há uma idéia associada a essa que versa sobre a qualidade dos colonos Para as colônias de exploração as metrópoles enviariam o refugo aventureiros sem valor que chegariam aqui com olhos fixos no desejo de ascensão As colônias de povoamento receberiam o que houvesse de melhor nas metrópoles gente de valor que perseguida na Europa viria com seus bens e cultura para o Novo Mundo trazendo na bagagem apenas a honradez e a Bíblia Pronto A explicação é perfeita Somos pobres porque fomos fundados pela escória da Europa Os Estados Unidos são ricos porque tiveram o privilégio da colonização de alto nível da Inglaterra Adoramos explicações polares Deus e o diabo povoamento e exploração preto e branco Os livros didáticos consagraram isso e o bloco binário povoamentoexploração penetrou como um amplo e lógico conceito em muitos corações Os EUA foram destinados por Deus ao sucesso e os latinos condenados ao fracasso pelo peso da origem histórica Ambos deixavam de ser agentes históricos para serem submetidos ao peso insuperável da vontade divina e da carga do passado OUTRAS EXPLICAÇÕES Vianna Moog contestava várias dessas posturas na obra Bandeirantes e pioneiros2 Escrita no debate do IV Centenário de São Paulo o autor gaúcho ainda dialoga com temas que foram caros a Paulo Bonfim e Gilberto Freyre o que há de específico na formação social brasileira Tal como os dois autores do Nordeste Moog recusa a idéia de raça como elemento definidor para o sucesso ou não de uma civilização O inglês não é melhor do que o português Às diferenças entre brasileiros e norteamericanos prefere fatores geográficos e culturais Quanto à geografia o autor destaca para os Estados Unidos as facilidades de planícies imensas e rios excelentes para a navegação como o Mississipi A natureza norteamericana ao contrário da brasileira facilita em muito o trabalho do colonizador No Brasil a Serra do Mar e os rios encachoeirados dificultariam a ação colonizadora Os analistas atuais costumam ironizar esse aparente determinismo geográfico A temática das relações HistóriaGeografia estava em alta desde o fim do século XIX e cresceu com a obra de Fernand Braudel sobre o espaço do Mediterrâneo COMPARAÇÕES INCÔMODAS 27 A configuração geográfica era só o início A diferença maior estaria entre a postura colonizadora católica e protestante Na Idade Média a Igreja Católica desconfiou do lucro e dos juros O ideal católico era a salvação da alma o progresso econômico era visto com desconfiança Demônio e riqueza estavam constantemente associados na ética ibérica Os protestantes no entanto particularmente os calvinistas desenvolveram postura oposta Deus ama o trabalho e a poupança o dinheiro é sinal externo da graça divina O ócio é pecado o luxo também assim falava o austero advogado Calvino na Suíça Protestantismo e capitalismo estão associados profunda mente conforme analisou Max Weber muito citado por Moog Lembrando esses fatores Moog destaca como as colonizações do Brasil e dos EUA foram baseadas em pressupostos diferentes Se em pontos como a Geografia e as Raças ele parece preso a um debate antigo em outros aspectos como vida cotidiana e organização do espaço doméstico ele continua um arguto observador Mais recentemente Richard Morse indicou outros caminhos para essa questão no texto O espelho de Próspero O norteamericano afirma que o dito subdesenvolvimento da América Latina é uma opção cultural Em outras palavras o mundo ibérico não ficou como está hoje por incompetência ou acidente mas porque assim o desejou As diferenças entre a América anglo saxônica e a ibérica são frutos de escolhas políticas A chegada dos ingleses à Virgínia ilustração de Theodor de Bry 1590 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 28 A expressão de Morse pode gerar dúvidas O que significaria na verdade desejo e opção Não se trata aqui de tornar a América ibérica um indivíduo como se o continente tivesse uma vontade própria fizesse escolhas ou apresentasse desejos Morse destaca aqui a ação dos construtores da história da América ibérica os homens que nela viveram e vivem e que criaram nesse espaço um mundo de acordo com suas visões É evidente que não é possível tratar esses homens como se tivessem uma visão clara do que seria o futuro como profetas e críticos da sociedade que construíam Mas devese afastar segundo Morse a idéia de acidente como se a América Latina fosse fruto do acaso O primeiro deles que contesta várias idéias sobre a colonização da América é que a ibérica foi em quase todos os sentidos mais organizada planejada e metódica que a anglosaxônica Caso atribuamos valor à organização é inegável que a colonização ibérica foi muito melhor que a anglosaxônica Na verdade só podemos falar em projeto colonial nas áreas portuguesa e espanhola Só nelas houve preocupação constante e sistemática quanto às questões da América A colonização da América do Norte inglesa por razões que veremos adiante foi assistemática No século XVII quando a América espanhola já apresentava universidade bispados produções literárias e artísticas de várias gerações a costa inglesa da América do Norte era um amontoado de pequenas aldeias atacadas por índios e rondadas pela fome A península ibérica enviava ao Novo Mundo homens de toda espécie Dentre os primeiros franciscanos que foram ao México por exemplo estava Pedro de Gante parente do próprio imperador da Espanha No Brasil a nova e entusiasmada ordem dos jesuítas veio com o primeiro governador geral Imaginar o Brasil povoado só por ladrões e estupradores é tão falso como supor que apenas intelectuais piedosos foram para as 13 colônias Decorridos cem anos do início da colonização caso comparássemos as duas Américas constataríamos que a ibérica tornouse muito mais urbana e possuía mais comércio maior população e produções culturais e artísticas mais desenvolvidas que a inglesa Nesse fato vai residir a maior facilidade dos colonos norteamericanos em proclamarem sua independência A falta de um efetivo projeto colonial aproximou os EUA de sua independência As 13 colônias nascem sem a tutela direta do Estado Por ter sido fraca como veremos adiante a colonização inglesa deu origem à primeira independência vitoriosa da América Quando a Coroa britânica tentou implantar um modelo sistemático de pacto colonial o resultado foi o desastre Em suma quando Londres tentou imitar Lisboa já era tarde demais COMPARAÇÕES INCÔMODAS 29 O mundo ibérico dá a idéia de permanência Construir e reformar ao longo de três séculos uma catedral como a da Cidade do México não é atitude típica de quem quer apenas enriquecer e voltar para a Europa A solidez das cidades coloniais espanholas seus traçados urbanos e suas pesadas construções não harmonizam com um projeto de exploração imediata O europeu que viesse para a América em primeiro lugar deveria ser de uma coragem extrema Uma vez aqui sua volta tornavase extremamente difícil Em pleno século XIX Simón Bolívar membro de uma das famílias mais ricas e ilustres da América teve dificuldades em obter licença para estudar na Europa E óbvio que a atração das riquezas da América foi forte Porém poucas pessoas tinham liberdade para ir e vir nas Américas No limite do cômico aqueles que apelam para a explicação de colônias de povoamento e exploração parecem dizer que caso um colono em Boston no século XVII encontrasse um monte de ouro no quintal diria não vou pegar este ouro porque sou um colono de povoamento não de exploração vim aqui para trabalhar não para ficar rico e voltar Quando os norte americanos encontraram enfim ouro na Califórnia e no Alasca o comportamento dos puritanos não ficou muito distante do dos católicos das Minas Gerais A cobiça o arrivismo e a violência não parecem muito dependentes da religião ou da suposta raça Em se tratando da colonização ibérica devemos seguir o conselho da historiadora Janice Theodoro da Silva desconfiar da empresa e degustar a epopéia A epopéia incluiu a exploração mercantilista mas não se reduziu a ela Não é certamente nessa explicação simplista de exploração e povoamento que encontraremos as respostas para as tão gritantes diferenças na América Entender a especificidade das colônias inglesas na América do Norte significa falar da Inglaterra moderna NOTAS 1 Manoel Bonfim América Latina males de origem 2 ed São Paulo TopBooks 2005 2 Vianna Moog Bandeirantes e pioneiros 3 ed Porto Alegre Globo 1954 O MODELO ORIGINAL A INGLATERRA A ASCENSÃO DOS TUDOR É impossível entender a colonização inglesa e suas particularidades se não levarmos em conta a situação da própria Inglaterra Já no século XV a Inglaterra enfrentava o mais longo conflito da história a Guerra dos Cem Anos 13371453 Lutando contra um inimigo comum os ingleses começam a pensar no que os unia no que era ser inglês Porém mal terminada a Guerra dos Cem Anos a ilha é envolvida numa violenta guerra civil a Guerra das Duas Rosas 14551485 A família York que usava uma rosa branca como símbolo e a família Lancaster que usava uma rosa vermelha submergiram o país em mais três décadas de violência Qual a importância das duas guerras para a Inglaterra A luta contra a França estimulou certa unidade na ilha reforçando o chamado esplêndido isolamento como os ingleses denominaram seu relativo afastamento do continente A sucessão de guerras colabora também para enfraquecer a nobreza e suscitar no país o desejo de um poder centralizado e pacificador A dinastia Tudor 14851603 que surge desse processo tornase de fato a primeira dinastia absolutista na Inglaterra A família Tudor no governo seria responsável pela afirmação do poder real inglês em escala inédita Um país cansado de guerras ofereceuse à ação dos Tudor sem grandes resistências A expressão país cansado pode dar a idéia de que a Nação seja um indivíduo Quem é o país Nesse momento é importante destacar que as guerras atrapalhavam as atividades produtivas e comerciais Logo uma das partes do país que estava mais cansada era HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 32 constituída por burgueses que em sua maioria queriam um poder forte e centralizado A outra parte do país que poderia oferecer resistência os nobres tinha sido duramente atingida pelas guerras O poder dos Tudor aumentou ainda mais com a Reforma religiosa século XVI Usando como justificativa sua intenção de divórcio o rei Henrique VIII rompeu com o papa e fundou o anglicanismo tornandose chefe da Igreja na Inglaterra e confiscando as terras da Igreja Católica Os dois maiores limites ao poder real eram os nobres e a Igreja Católica Graças à Reforma e à fraqueza da nobreza inglesa esses limites foram eliminados ou diminuídos durante a dinastia Tudor Se o inimigo francês fora a realidade do fim da Idade Média na Moderna ele seria substituído pelo perigo espanhol ou seja o risco de a Espanha invadir a Inglaterra Esse risco foi bastante alto ao menos até a derrota da Invencível Armada da Espanha em 1588 Um inimigo forte e agressivo no exterior refreia críticas internas Atacar o rei condutor da nação diante do risco nacional permanente parecia uma traição No século XVI o nacionalismo na Inglaterra fortaleceuse O que significa isto mesmo com todas as diferenças cada inglês olha para o outro e sente que há pontos em comum coisas que os diferenciam dos franceses e espanhóis formando laços de união entre eles As súbitas mudanças de orientação nas diretrizes religiosas e a convivência com a desordem marcaram a vida espiritual e política na Inglaterra do século XVII Na ilustração perseguição a católicos ingleses O MODELO ORIGINAL 33 Os ingleses estavam desenvolvendo a modernidade política Mas no que ela consistia Basicamente seria uma ação política independente da teologia e da moral Em outras palavras a ação dos príncipes modernos não procura levar em conta se o que fazem é moralmente correto Os príncipes modernos agem porque tal ação é eficaz para atingir seus objetivos dentre os quais o maior é conseguir o poder absoluto Na história política da Inglaterra entre o final da Idade Média e o início da Moderna esse tipo de príncipe foi comum Eram príncipes reais concretos sem fumos divinos ao redor do trono Essa memória política pôde servir de base para personagens de Shakespeare como Macbeth e Ricardo III Mesmo ambientando suas cenas na Escócia medieval ou na Inglaterra do século anterior ao seu Shakespeare remete à memória política dos ingleses marcada pela astúcia violência e acima de tudo por um apego à realidade Macbeth faz de tudo para conseguir o trono da Escócia Mata trai e personifica um tipo particular de política não muito distante daquele a que os ingleses haviam assistido no princípio da Idade Moderna A fala das feiticeiras da peça Macbeth mostra que esse é um mundo em que os valores estão em transformação O belo é feio e o feio é belo Da guerra nasce uma relatividade nos valores tradicionais uma das características do moderno O que valia até aqui pode não valer mais é isso que as feiticeiras dizem aos ingleses que assistem a sua fala Ricardo III segue os passos de Macbeth Que outra figura a literatura terá criado com tamanha maldade e falta de escrúpulos Ele é capaz de matar crianças e supostos amigos feio disforme repugnante de corpo e alma Ricardo duque de Glócester nos obriga a rever o conceito de maldade Não obstante Shakespeare o faz personagem central de uma peça No final de Ricardo III Shakespeare anuncia o fim da guerra civil e o advento da paz com o início do governo Tudor Era preciso descrever como era terrível o rei que antecedeu a dinastia para a qual o poeta trabalhava Mesmo querendo realçar a ruptura entre Ricardo III e Henrique VII Shakespeare acaba nos mostrando quanto a Inglaterra é fruto também de modernidade política seja ela York Lancaster ou Tudor O dramaturgo distanciase o suficiente do poder para analisálo e este bem ou mal exercido tornase um conceito É possível então jogar com ele distanciarse relativizar Apesar do proverbial amor shakesperiano à ordem e a poderes absolutos e sua repulsa figadal a agitações populares o bardo instalou uma modernidade extraordinária Veja se essa notável modernidade moral quando o vilão Iago Otelo o Mouro de Veneza Ato I cena III rejeita qualquer traço externo a suas escolhas pessoais e proclama o primado absoluto da sua vontade individual HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 34 Só de nós mesmos depende ser de uma maneira ou de outra Nossos corpos são jardins e nossa vontade é o jardineiro De modo que se quisermos plantar urtigas ou semear alfaces criar flores ou arrancar ervas guarnecêlo com um só gênero de plantas ou dividilo em muitos para tornálo estéril por meio do ócio ou fértil à força da indústria muito bem o poder a autoridade corretiva disto tudo residem em nossa vontade Se a balança de nossas existências não tivesse o prato da razão como contrapeso à sensualidade o sangue e a baixeza de nossa natureza nos conduziriam às mais desagradáveis conseqüências Mas possuímos a razão para esfriar nossas furiosas paixões nossos impulsos carnais nossos desejos desenfreados O homem é livre Não existe sina estrela ou destino Em vez da política dinástica e da crença na legitimidade do poder real a Inglaterra entra na Idade Moderna tendo convivido com a relatividade desses valores Mas a Inglaterra também passa a conviver com outra questão moderna a diversidade religiosa Henrique VIII casarase seis vezes Ao casarse pela segunda vez rompera com a Igreja de Roma tornandose chefe da Igreja inglesa a Igreja Anglicana Ao morrer deixa como herdeiro seu filho Eduardo VI de tendências calvinistas O curto reinado de Eduardo VI é seguido pelo de Maria I alcunhada de sanguinária pelos ingleses Maria recebeu esse apelido ao reprimir com grande violência os protestantes e tentar reinstalar o catolicismo na Inglaterra chegando mesmo a casarse com o rei Filipe II da Espanha tradicional inimigo Ao morrer sem deixar herdeiros Maria abre o caminho do poder para sua meioirmã Elizabeth I que por quase cinqüenta anos afirmou o anglicanismo como religião da Inglaterra Difícil imaginar a importância da religião no século XVI Romper com Roma negar a autoridade do papa sucessor de São Pedro e figura que por muitos séculos os ingleses respeitaram representa muito mais do que uma ruptura política Os ingleses e o rei ao fundarem uma nova Igreja criaram também uma nova visão de mundo O rei desejou casarse novamente o papa não autorizou o rei casouse mesmo assim Apesar de todas as justificativas bíblicas que Henrique VIII usou o que ele fez foi afirmar a supremacia de sua vontade individual sobre a tradição Em outras palavras Henrique VIII usa sua liberdade contra a tradição quebra o que sempre foi e torna válido um ato de rebeldia Por meio século os ingleses conviveram com súbitas mudanças de orientação nas diretrizes religiosas do país Ao contrário de uma Espanha que se unificava em torno do catolicismo expulsando judeus e muçulmanos e perseguindo as vozes discordantes a Inglaterra conheceu a relatividade religiosa O MODELO ORIGINAL 35 No século XVII quando se iniciou a dinastia Stuart a ilha estava fragmentada em inúmeras denominações protestantes vários focos de resistência católicos e a Igreja Anglicana oficial O SÉCULO XVII E OS STUART A Inglaterra estava em transformação Primeiramente quanto à população havia 22 milhões de ingleses em 1525 e esse número passaria a 41 milhões em 1601 A Revolução Agrícola e o progresso das manufaturas fizeram da era Tudor um momento de prosperidade No século XVII intensificase o processo de cercamentos enclosures que tinham se iniciado no final da Idade Média As velhas terras comuns e os campos abertos indispensáveis à sobrevivência dos camponeses estavam sendo cercados e vendidos pelos proprietários principalmente em função do progresso de criação de ovelhas O capitalismo avançava sobre o campo e o desenvolvimento da propriedade privada excluía muitos trabalhadores Para diversos camponeses o fim das terras comuns foi também o fim da vida no campo O êxodo rural cresce consideravelmente As cidades inglesas aumentam e o número de pobres nelas é grande É dessa massa de pobres que sairá grande parte do contingente que emigra para a América em busca de melhores condições Esse processo de cercamentos e de êxodo rural foi analisado por Karl Marx que destaca as grandes transformações decorrentes dele O rápido crescimento econômico e as mudanças súbitas de valores criam uma época em que segundo Marx tudo o que é sólido se desmancha no ar As cidades se transformam Não há verdades absolutas O mundo tradicional fica diluído inclusive com a ascensão de novos grupos sociais como a burguesia e a pequena nobreza inglesa A política inglesa do século XVII convive com o espírito de Macbeth a política moderna anteriormente explicada os jogos de poder e a luta pelo mundo A dinastia Stuart ao tentar governar sem a rédea do Parlamento entra em colisão com uma parte da sociedade da ilha Estoura a Guerra Civil e a Revolução Puritana O novo líder da Inglaterra Cromwell manda matar Carlos I O regicídio tinha sido comum nas conspirações da história da Inglaterra porém pela primeira vez um rei era morto após um julgamento como os franceses fariam no século seguinte com Luís XVI Ao matarem Carlos I os ingleses estavam declarando os reis devem servir à nação e não o contrário Os juízes em 1649 declararam que Carlos I era tirano traidor assassino e HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 36 inimigo público Como disse o historiador Christopher Hill a ilha da Grã Bretanha tinha virado a ilha da Grãloucura A necessidade concreta de grupos particulares pode vencer tradição e leis Isso é importante para reforçar o que já tratamos várias vezes o conceito de modernidade política Os reis devem servir à nação e não o contrário Uma sessão no Parlamento inglês 1641 Moderna novamente a Inglaterra tornase sede da primeira e efetiva revolução burguesa da Europa por levar os burgueses ao controle do poder político que mais tarde formularia a Declaração de Direitos estabelecendo novas bases para a política Era a Revolução Gloriosa que depôs mais um Stuart em 1688 No mesmo ano a França vivia o apogeu do absolutismo sob o governo de Luís XIV os portugueses eram dominados pela dinastia de Bragança e os espanhóis continuavam sob o poder dos Habsburgo Os choques constantes entre rei e burguesia entre a religião oficial e grupos reformados bem como choques entre grupos mais democráticos e populares contra grupos burgueses tudo isso colabora para tornar o século XVII um momento conturbado na história da Inglaterra e ajuda a explicar o pouco controle inglês sobre suas colônias O MODELO ORIGINAL 37 Outro fator tornava as vidas inglesa e européia bastante difíceis nos séculos XVI e XVII a alta de preços A inflação dos produtos de primeira necessidade estava associada à abundância de ouro e prata que jorrava da Espanha pelo continente Os metais retirados da América empurravam os preços para cima e como costuma acontecer atingiam a classe baixa de forma particularmente violenta As perturbações sociais nesses séculos são constantes A fome e a peste filhas da inflação e do aumento populacional varrem a Europa Essa situação da Inglaterra explica a inexistência de um projeto colonial sistemático para a América e a própria ausência da metrópole no século XVII Há a falta de um referencial uniforme que norteie a colonização As perseguições religiosas que marcaram o período também estimularam muitos grupos minoritários como os quakers a se refugiarem na América O aumento da pobreza nas cidades favorece grupos sem posses a ver na América a oportunidade de melhorarem sua vida e serem livres Os ingleses que vêm para a América trazem uma tradição cultural diversa da espanhola ou portuguesa Os colonos ingleses por exemplo convivem com mais religiões O senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade de opção bem maior uma visão de mundo mais diversificada para nortear as escolhas de vida feitas na nova terra O Estado e a Igreja oficial na verdade não acompanharam os colonos ingleses Aqui eles teriam de construir muita coisa nova inclusive a memória No entanto uma nova memória só foi possível graças às transformações que a própria história inglesa havia sofrido desde o final da Idade Média e a conseqüente criação de novos referenciais culturais O fantasma de Macbeth acompanhou os colonos Suficientemente fluido para permitir a criatividade Suficientemente nítido para resistir à travessia do Atlântico O INÍCIO A presença européia na América é bem anterior ao século XV Temos provas concretas da presença de vikings no Canadá quase cinco séculos antes de Colombo Porém apenas a partir de 1492 uma imensa massa de terras com mais de 44 milhões de quilômetros quadrados tornase um horizonte para a presença colonizadora dos europeus A princípio donos do oceano Atlântico portugueses e espanhóis dividiram o Novo Mundo entre si Os ingleses contestam a validade de Tordesilhas e praticam a pirataria oficial como corsários Por muitos anos o saque de riquezas dos galeões espanhóis foi mais tentador do que o esforço sistemático da colonização A Inglaterra entretanto não ficou apenas concentrada no roubo dos navios ibéricos e nos saques da costa Ainda no final do século XV encarregara John Cabot de explorar a América do Norte A marca do desconhecido é evidente na carta que Henrique VII entrega ao italiano O rei concede o que ninguém sabe o que é a América entregando a Cabot quaisquer ilhas quaisquer nativos quaisquer castelos que o navegante encontrasse A América é um mundo de incertezas terra do desconhecido mas capaz de atrair expedições em busca de riquezas De concreto Cabot encontraria bacalhau no atual Canadá Das terras espanholas começavam a chegar notícias crescentes de muita riqueza como o ouro e a prata retirados do México e do Peru A América cada vez mais passa a ser vista como um lugar de muitos recursos e de possibilidades econômicas Comerciantes e aventureiros a Coroa inglesa e pessoas comuns nas ilhas britânicas agitamse com essas notícias A idéia da exploração vai se tornando uma necessidade aos súditos dos Tudor Cada ataque que o corsário inglês Francis Drake fazia aos ricos galeões espanhóis HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 40 no Atlântico estimulava essa idéia Pérolas das Filipinas ornam as jóias da rainha Elizabeth Ouro saqueado de Lima ou do Rio de Janeiro por piratas ingleses incendeiam a imaginação britânica O DIFÍCIL NASCIMENTO DA COLONIZAÇÃO Como vimos os ingleses não foram pioneiros na América Também não o foram no território dos atuais Estados Unidos Navegadores como Verrazano a serviço da França Ponce de Leon a serviço da Espanha e muitos outros já tinham pisado no território que viria a ser chamado de Estados Unidos Hernando de Soto por exemplo batizou como Rio do Espírito Santo um imenso curso dágua que viria a ser conhecido como Mississipi Essas primeiras aproximações européias do território dos Estados Unidos já causaram um efeito duplo sobre as imensas populações indígenas da região Primeiro foram trazidas doenças novas como o sarampo e a gripe que causaram milhares de vítimas entre os povos nativos absolutamente despreparados para esse contato biológico Também restaram cavalos nas terras da América do Norte trazidos e depois abandonados pelos conquistadores tomandose selvagens Esses cavalos passaram a ser depois de domados utilizados pelos índios que assim modificavam suas táticas de guerra e seus meios de transporte Ignorando as pretensões de outros soberanos a rainha Elizabeth I concedeu permissão a sir Walter Raleight para que iniciasse a colonização da América Sir Walter estabeleceu em 1584 1585 e 1587 expedições à terra que batizou de Virgínia em homenagem a Elizabeth a rainha virgem Em agosto de 1587 nascia também Virgínia a primeira criança inglesa na América do Norte filha de Ananias e Ellinor Dare A cédula de doação a sir Walter assumia um tom que iniciava um verdadeiro processo de colonização Walter Raleight poderá apropriarse de todo o solo dessas terras territórios e regiões por descobrir e possuir como antes se disse assim como todas as cidades castelos vilas e vilarejos e demais lugares dos mesmos com os direitos regalias franquias e jurisdições tanto marítimas como outras nas ditas terras ou regiões ou mares adjuntos para utilizálos com plenos poderes para dispor deles em todo ou em parte livremente ou de outro modo de acordo com os ordenamentos das leis da Inglaterra reservando sempre para nós nossos herdeiros e sucessores para atender qualquer serviço tarefa ou necessidade a quinta parte de todo o mineral ouro ou prata que venha a se obter lá 25 de março de 1585 O INÍCIO 41 Imagens feitas por John White na Virgínia do século XVI Índios e animais aparecem como parte do Novo Mundo HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 42 O projeto que estava sendo montado no final do século XVI em muito se assemelhava ao ibérico O soberano absoluto concede a um nobre um pedaço de terra assegurando seus direitos Pouca coisa diferenciava sir Walter de um donatário brasileiro do período das capitanias hereditárias Além dessa semelhança notamos a mesma preocupação metalista no documento a fome de ouro e prata que marca a era do Estado Moderno A Coroa impossibilitada de promover ela própria a colonização delega a outros esse direito reservando para si uma parte de eventuais descobertas de ouro e prata A aventura de sir Walter no entanto fracassou O sistema colonial que parecia esboçarse com sua cédula morreu com ele Os ataques indígenas aos colonizadores a fome e as doenças minaram a experiência inicial da Inglaterra A ilha de Roanoke na atual Carolina do Norte sede dessas primeiras tentativas estava deserta quando em 1590 chegou uma expedição de reforço para os colonos O líder da expedição que tinha vindo salvar a colônia desaparecida encontrou apenas a palavra Croatoan escrita numa árvore Talvez a palavra indicasse uma tribo ou um líder indígena próximos Ninguém foi achado O Novo Mundo tragou seus debutantes ingleses Na Inglaterra apesar da derrota da Espanha e da Invencível Armada o perigo da invasão espanhola permanecia Até o final do século XVI não houve outras tentativas de colonização sistemática da América do Norte NOVA CHANCE PARA A VIRGÍNIA No início do século XVII já sob a dinastia Stuart a Inglaterra reviveu o impulso colonizador Passou o perigo espanhol imediato o país estava tranqüilo e a necessidade de comércio avançava A estabilidade alcançada na era Tudor continuava a dar frutos Mais uma vez porém a Coroa entrega a particulares essa atividade Não mais nobres individuais mas as companhias como a de Londres e a de Plymouth As companhias foram organizadas por comerciantes e apresentavam todas as características de empresas capitalistas Aqui ao contrário da América ibérica definese uma colonização de empresa não de Estado A Companhia de Plymouth receberia as terras e o monopólio do comércio entre a região da Flórida e o rio Potomac restando à Companhia de Londres as terras entre os atuais cabo Fear e Nova York Separando as duas concessões havia uma região neutra para evitar conflitos de jurisdição Nessa área os holandeses aproveitaram para fundar colônias das quais a mais famosa daria origem à cidade de Nova York Curiosamente ao chegarem à região os holandeses compraram a ilha de Manhattan pelo equivalente a O INÍCIO 43 24 dólares em contas e bugigangas Os vendedores os índios canarsees acabavam de vender ao líder holandês Peter Minuit um dos pedaços mais valorizados do mundo atual o centro da cidade de Nova York chamada no século XVII de Nova Amsterdã A cédula de concessão à Companhia de Londres falava dos objetivos de catequese dos índios da América do Norte conduzirá a seu devido tempo aos infiéis e selvagens habitantes desta terra até a civilização humana e um governo estabelecido e tranqüilo No entanto mesmo que esse fosse o desejo do rei James I nenhum projeto efetivo de catequese aconteceu na América As companhias não estabeleceram práticas para a conversão dos índios ao cristianismo conversão é atitude própria de epopéia aventura não de empresa capitalista A atitude diante dos índios nessa fase inicial foi praticamente a mesma ao longo de toda a colonização inglesa na América do Norte um permanente repúdio à integração do índio O universo inglês mesmo quando eventualmente favorável à figura do índio jamais promoveu um projeto de integração O índio permaneceu um estranho aliado ou inimigo mas sempre estranho As duas companhias não durariam muito Em 1624 a Companhia de Londres teria sua licença caçada Igual destino teve a Companhia de Plymouth em 1635 ambas com grandes dívidas Batizado da primeira criança inglesa nascida na Virgínia Tanto a terra como a menina receberam o nome em homenagem à última soberana Tudor HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 44 Apesar dos fracassos a colonização tinha ganhado um impulso que não cessaria As dificuldades foram imensas Só para se ter uma idéia de quantos obstáculos havia 144 colonos tinham partido para a fundação de Jamestown Apenas 105 colonos desembarcaram e passados alguns meses a fome mataria outra parcela importante dessa comunidade A fome inicial era tanta que cães gatos e cobras foram utilizados como alimentos e um colono foi acusado de fatiar o corpo da sua esposa falecida e utilizálo como refeição Não bastassem todos esses problemas havia ainda traições e ataques de índios George Kendall por exemplo foi o primeiro inglês executado por espionagem na Virgínia acusado de trabalhar secretamente para o rei da Espanha Um começo muito difícil As 13 colônias originais Nome Fundada por Ano Virgínia Companhia de Londres 1607 New Hampshire Companhia de Londres 1623 Massachusetts John Mason e outros 16201630 Plymouth separatistas puritanos Maryland Lord Baltimore 1634 Connecticut Emigrantes de Mass 1635 Rhode lsland Roger Williams 1636 Carolina do Norte Emigrantes da Virgínia 1653 Nova York Holanda 1613 Nova Jersey Barkeley Carteret 1664 Carolina do Sul Nobres ingleses 1670 Pensilvânia William Penn 1681 Delaware Suécia 1638 Geórgia George Oglethorpe 1733 QUEM VEIO PARA A AMÉRICA DO NORTE O processo de êxodo rural na Inglaterra acentuavase no decorrer do século XVII e inundava as cidades inglesas de homens sem recursos A idéia de uma terra fértil e abundante um mundo imenso e a possibilidade de enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas Naturalmente as autoridades inglesas também viam com simpatia a ida desses elementos para lugares distantes A colônia serviria assim como receptáculo de tudo o que a metrópole não desejasse A idéia de que para a América do Norte dirigiuse um grupo seleto de colonos altamente instruídos e com capitais abundantes é como se vê uma generalização incorreta O INÍCIO 45 A própria Companhia de Londres declarara em 1624 que seu objetivo era a remoção da sobrecarga de pessoas necessitadas material ou combustível para perigosas insurreições e assim deixar ficar maior fartura para sustentar os que ficam no país Ao contrário de Portugal nação de pequena população a Inglaterra já vivia problemas com seu crescimento demográfico no momento do início da colonização dos Estados Unidos Portugal sofreu imensamente com o envio dos contingentes de homens para o alémmar A Inglaterra faria da colonização um meio de descarregar no Novo Mundo tudo o que não fosse mais desejável no Velho Mas a idéia de colônias de povoamento parece sobreviver a tudo Em 1620 a Companhia de Londres trazia cem órfãos para a Virgínia Da mesma maneira mulheres eram transportadas para serem leiloadas no Novo Mundo E natural concluir que essas mulheres dispostas a atravessar o oceano e serem vendidas na América como esposas não eram integrantes da aristocracia intelectual ou financeira da Inglaterra Poucos podiam pagar o alto preço de uma passagem para a América Esse fator combinado à necessidade de mãodeobra fez surgir uma nova forma de servidão nas colônias a servidão temporária indenturent servant O sistema consistia em prestar alguns anos de trabalho gratuito à pessoa que se dispusesse a pagar a passagem do imigrante O transporte desses servos era feito sob condições tão difíceis que houve quem o comparasse ao tráfico de escravos africanos Em vários momentos e lugares o servo temporário foi a principal força de trabalho branca das colônias Nem todos os servos eram voluntários para essa situação Uma dívida não saldada poderia também reduzir o devedor a esse trabalho forçado no período de geralmente sete anos Raptos de crianças na Inglaterra para vendêlas como empregadas na América prática muito comum no século XVII eram outra fonte de servidão As imagens da chegada dos peregrinos puritanos à América do Norte sempre reforçam as idéias de sacrifício virtude e coragem No Novo Mundo eles deveriam prover a própria subsistência HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 46 Mesmo entre os servos que aceitavam o contrato de servidão para o pagamento da passagem a situação não era tranqüila Ao longo do século XVII ocorrem várias rebeliões de servos na América do Norte reivindicando melhores condições de vida OS PEREGRINOS E A NOVA INGLATERRA Nem só de órfãos mulheres sem outro futuro e pobres constituiuse o fluxo de imigrantes para as colônias Há minoritariamente um grupo que a História consagraria como peregrinos A perseguição religiosa era uma constante na Inglaterra dos séculos XVI e XVII A América seria um refúgio também para esses grupos religiosos perseguidos Um dos grupos que chegou a Massachusetts em 1620 tinha como líderes John Robinson William Brewster e William Bradfort indivíduos religiosos e com formação escolar desenvolvida Ainda a bordo do navio que os trazia o Mayflower esses peregrinos firmaram um pacto estabelecendo que seguiriam leis justas e iguais Esse documento é chamado Mayflower Compact e sempre é lembrado pela historiografia norteamericana como um marco fundador da idéia de liberdade ainda que o documento dedique longos trechos à gloria do rei James da Inglaterra A chegada ao território que hoje é Massachusetts não foi fácil O navio aportou mais ao norte do que se imaginava O clima era frio e o mar congelava O inverno na região era mais rigoroso do que o inglês O primeiro ano dos colonos na terra prometida custou a vida de quase a metade dos peregrinos Pouco antes de a nova estação fria chegar em 1621 os sobreviventes decidiram fazer uma festa de Ação de Graças Thanksgiving Os colonos utilizaram sua primeira colheita de milho já que a plantação de trigo europeu tinha falhado e convidaram para a festa o chefe Massasoit da tribo wampanoag que os havia auxiliado desde a sua chegada O cardápio foi reforçado com uma ave nativa o peru e tortas de abóbora Desde então os norteamericanos repetem no mês de novembro a festa de Ação de Graças reiterando a idéia de que eles querem ter os pais peregrinos de Massachusetts como modelo de fundação Os pais peregrinos pilgrim fathers são tomados como fundadores dos Estados Unidos Não são os pais de toda a nação são os pais da parte WASP em inglês white anglosaxon protestant ou seja branco anglosaxão e protestante dos EUA Em geral a historiografia costuma consagrálos como O INÍCIO 47 os modelos de colonos Construiuse uma memória que identificava os peregrinos o Mayflower e o Dia de Ação de Graças como as bases sobre as quais a nação tinha sido edificada Como toda memória ela precisa obscurecer alguns pontos e destacar outros Os puritanos protestantes calvinistas tinham em altíssima conta a idéia de que constituíam uma nova Canaã um novo povo de Israel um grupo escolhido por Deus para criar uma sociedade de eleitos Em toda a Bíblia procuravam as afirmativas de Deus sobre a maneira como Ele escolhia os seus e as repetiam com freqüência Tal como os hebreus no Egito também eles foram perseguidos na Inglaterra Tal como os hebreus eles atravessaram o longo e tenebroso oceano muito semelhante à travessia do deserto do Sinai Tal como os hebreus os puritanos receberam as indicações divinas de uma nova terra e como veremos adiante são freqüentes as referências ao pacto entre Deus e os colonos puritanos A idéia de povo eleito e especial diante do mundo é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos Diante de uma desgraça como a seca de 1662 na Nova Inglaterra os puritanos ainda encontravam novos paralelos com a Bíblia Deus também castigara os judeus quando estes foram infiéis ao pacto Deus salva a poucos como os pregadores puritanos costumavam afirmar Fiéis à tradição dos reformistas Lutero e Calvino a predestinação era uma idéia forte entre eles Para manter sua identidade e a coesão do grupo os puritanos exerceram um controle muito grande sobre todas as atividades dos indivíduos A idéia de uma moral coletiva onde o erro de um indivíduo pode comprometer o grupo é também um diálogo com a concepção da moral hebraica no deserto O pacto Deuspovo é com todos os eleitos A população das colônias crescia rápido passando de 2500 pessoas em 1620 sem contar índios para três milhões um século depois Nesse grande contingente embrião do que seriam os Estados Unidos misturamse inúmeros tipos de colonos aventureiros órfãos membros de seitas religiosas mulheres sem posses crianças raptadas negros e africanos degredados comerciantes e nobres Tomar assim os peregrinos protestantes como padrão é reforçar uma parte do processo e ignorar outras EDUCAÇÃO E RELIGIÃO A educação formal escolar adquiriu um caráter todo especial nas colônias A existência de muitos protestantes colaborou para isso Uma das origens da reforma religiosa na Europa tinha sido a defesa da livre interpretação da HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 48 Bíblia Tal como Lutero traduzira a Bíblia para o alemão e os calvinistas para o francês em Genebra os ingleses tinham várias versões do texto na sua língua especialmente a famosa versão do rei James desde 1611 Essa preocupação levou a medidas bastante originais no contexto das colonizações da América É certo que em toda a América espanhola houve um grande esforço em prol da educação formal A universidade do México havia sido fundada em 1553 e havia similares em Lima e em quase todos os grandes centros coloniais hispânicos No entanto um sistema tão organizado de escolas primárias e a preocupação de que todos aprendessem a ler e escrever é algo mais forte nas colônias protestantes do Norte Em 1647 Massachusetts publica uma lei falando da obrigação de cada povoado com mais de cinqüenta famílias em manter um professor O texto dessa lei tornase interessante por suas justificativas Sendo um projeto principal do Velho Satanás manter os homens distantes do conhecimento das Escrituras como em tempos antigos quando as tinham numa língua desconhecida se decreta para tanto que toda municipalidade nesta jurisdição depois que o Senhor tenha aumentado sua cifra para cinqüenta famílias dali em diante designará a um dentre seu povo para que ensine a todas as crianças que recorram a ele para ler e escrever cujo salário será pago pelos pais seja pelos amos dos meninos seja pelos habitantes em geral É importante notar que os documentos sobre educação nas colônias inglesas apresentam um caráter religioso mas não clerical As propostas são na verdade leigas A educação será feita e paga por membros da comunidade Um grupo que se pretendia eleito por Deus deveria voltarse também para a educação superior As instituições de caráter superior faziam parte dessa preocupação com a religião já que se destinavam notadamente à formação de elementos para a direção religiosa das colônias Os estatutos da Universidade de Yale datados de 1745 estabelecem alguns elementos interessantes para a compreensão dos projetos educacionais dos colonos Para ser admitido na universidade era necessário ter capacidade de ler e interpretar Virgílio e trechos em grego da Bíblia escrever em latim saber aritmética e levar uma vida inofensiva O candidato a pupilo deveria ser piedoso e seguir as regras do Verbo de Deus lendo assiduamente as Sagradas Escrituras a fonte da luz e da verdade e atendendo constantemente a todos os deveres da religião tanto em público como em segredo O presidente deveria rezar no auditório da universidade toda manhã e toda tarde lendo trechos da Sagrada Escritura Os alunos que faltassem ou chegassem atrasados às aulas O INÍCIO 49 pagariam multas e receberiam advertências Quem praticasse os crimes de fornicação furto e falsificação seria imediatamente expulso Blasfêmias opiniões errôneas sobre a Bíblia difamação arrombamento da porta de um colega jogar baralho ou dados na universidade praticar danos ao prédio falar alto durante o estudo portar revólver ou vestirse inadequadamente poderiam resultar em advertência multa ou expulsão conforme a gravidade do ato Um grupo que se pretendia eleito por Deus preocupavase também com a educação superior Universidade de Harvard Cambridge Massachusetts 1682 Em todos os documentos sobre educação há a mesma preocupação o conhecimento das coisas relativas à religião Do ensino primário ao superior o conhecimento da Bíblia parece ter orientado todo o projeto educacional das colônias inglesas Quando Samuel Davies escreve sobre as Razões para fundar universidades insiste na necessidade de formar líderes religiosos para uma população que crescia sem parar Nesse texto de 1752 o autor argumenta que a religião deve ser a meta de toda a instrução e dar a esta o último grau de perfeição Com essa preocupação não é difícil imaginar o surgimento de várias instituições de ensino superior nas 13 colônias Até 1764 estabeleceramse nas colônias sete instituições de ensino superior HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 50 Harvard 1636 Massachusetts William and Mary 1693 Virgínia Yale 1701 Connecticut Princeton 1746 Nova Jersey Universidade da Pensilvânia 1754 Pensilvânia Columbia 1754 Nova York Brown University 1764 Rhode Island Nos séculos XVII e XVIII essas instituições foram influenciadas pelo pensamento ilustrado Não sem oposições as teses de Newton e Locke constavam nas bibliotecas das colônias Muitos alunos das famílias abastadas iam estudar na Europa Da França e da Inglaterra partiam livros e idéias para a América O grande interesse pela educação tornou as 13 colônias uma das regiões do mundo onde o índice de analfabetismo era dos mais baixos Apesar das variações regionais o sistema educacional da Nova Inglaterra era melhor do que em outras áreas e raciais poucos negros eram alfabetizados as 13 colônias tinham um nível de educação formal bastante superior à realidade dos séculos XVII e XVIII seja na Europa ou no restante da América Ainda assim é inegável que havia mais alfabetizados brancos homens e ricos do que mulheres negros indígenas e pobres A situação religiosa da Inglaterra era marcada pela diversidade quando da colonização da América do Norte Essa diversidade colaborou para o que chamamos de um pensamento mais moderno na Inglaterra e posteriormente nas 13 colônias Imaginese uma cidade no México colonial Lá todos são católicos e só encontramos igrejas católicas Em toda a colônia a missa é rezada com o mesmo ritual romano na mesma língua e por um grupo que em traços gerais teve uma formação semelhante os padres Todo o ensino está nas mãos da Igreja e a noção de Deus é imposta como igual por toda a colônia As diversidades são consideradas crime e a heresia punida com a Inquisição Judeus e protestantes são queimados O oposto ocorre nas aldeias e cidades das colônias inglesas Aqui puritanos lá batistas mais adiante quakers por vezes também católicos além de uma infinidade de pequenas seitas protestantes também de outras partes da Europa Unidade Genericamente todos acreditam em Jesus Daí por diante o caleidoscópio muda de forma com grande variação É natural também imaginar a dificuldade de absolutizar as posições religiosas desse universo O confronto permanente com outras formas de O INÍCIO 51 crença obriga o crente ou a radicalizar suas posições e por vezes isso aconteceu ou a assumir de forma mais crítica sua fé As posições protestantes têm outro efeito a leitura individual da Bíblia Em permanente processo de reciclagem pessoal das narrativas bíblicas o protestante cria uma relação diferente com o sagrado O institucional a igreja estabelecida diminui sua importância diante do pessoal A importância de ler a Bíblia determina até como vimos um impulso educacional forte nas colônias A Igreja formal protestante é um apoio à salvação e não o canal insubstituível como no mundo católico OS PURITANOS DE MASSACHUSETTS A colônia de Massachusetts recebera puritanos descontentes com a Igreja inglesa Sua disposição era contrária à tolerância religiosa que caracterizava outros grupos protestantes Na colônia esses puritanos de influência calvinista acreditavam numa Igreja forte que tivesse poderes civis Para a construção dessa IgrejaEstado tomaramse várias providências Primeiro estabeleceuse que somente os membros da Igreja Puritana poderiam votar e ter cargos públicos Depois tornouse obrigatória a presença na igreja para as cerimônias fato que não acontecia no resto das Igrejas protestantes Todos os novos credos deveriam ser aprovados pela Igreja e pelo Estado Por fim estabeleceuse que Igreja e Estado atuariam juntos para punir as desobediências a essas e outras normas Essa colônia aproximavase dessa forma dos ideais católicos da teocracia O DEMÔNIO ATACA O SURTO DE SALEM Um dos fatos mais significativos derivado do ideal de IgrejaEstado foi a perseguição às bruxas O autoritarismo de uma religião que se pretendia única desencadearia naturalmente na perseguição de todas as formas de contestação fossem reais ou imaginárias As acusações de bruxaria uma constante em todo o mundo cristão da época existiam desde o início da colonização No entanto um surto de feitiçaria como o de Salem em 1692 assumia proporções inéditas Nesse ano um grupo de adolescentes acusou várias pessoas de enfeitiçálas O processo acabou envolvendo muitos membros da comunidade entre homens e mulheres A cidade de Salem viveu uma histeria coletiva Havia surtos freqüentes moças rolavam gritando caíam doentes sem causa aparente não conseguiam acordar pela manhã animais morriam árvores cheias de frutos secavam As razões no entender dos habitantes de Salem só poderiam ter ligação com uma ação demoníaca HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 52 Alguém era acusado de feitiçaria e comparecia diante do juiz O juiz fazia o acusado e as vítimas as moças aflitas como eram usualmente chamadas ficarem frente a frente Era comum as moças terem novo ataque histérico diante do suposto feiticeiro Os acusados eram enviados à prisão A acusação caía sobre gente de todas as categorias sociais e sobre pessoas que gozavam da confiança da comunidade há anos O acusado era examinado Havia uma crença generalizada de que a associação com o demônio produzia marcas no corpo um tumor uma mancha regiões que não sangravam polegar deformado Submetidos a tratamentos especiais muitos réus acabavam confessando que de fato estavam associados ao demônio e realizavam feitiços contra a comunidade Imagem fantasiosa dos julgamentos de Salem Enquanto a moça depõe raios caem do céu A histeria das feiticeiras não seria possível sem as ardentes pregações de pastores como Cotton Mather 16631728 Esse pastor nascido em Boston escreveu o livro As maravilhas do mundo invisível em que o leitor é levado a conhecer as grandes forças maléficas que agem sobre o mundo Como no mundo católico a crença num mal real e com ação efetiva era um dado social que unia desde o rei James I autor de livro sobre feitiçaria até o mais humilde camponês Os Processos de Salem já receberam várias explicações Algumas de caráter mais psicológico lembram as tensões entre mães e filhas estas fazendo coisas O INÍCIO 53 que não poderiam normalmente fazer e alegando estarem enfeitiçadas Em outras palavras alegando o poder do demônio uma jovem poderia gritar com sua mãe ou mesmo ficar nua Afinal era tudo obra do demônio A moral puritana de oração e trabalho era tão forte que os jovens não podiam por exemplo praticar esportes de inverno como patinar pois isso era considerado imoral Assim diante dessa vida dura a possessão passou a ser uma boa saída Outras explicações remetem às tensões internas das colônias entre as principais famílias em que acusar o membro de uma família rival de bruxo ou bruxa tinha um grande peso político Conflitos entre indígenas e puritanos como a chamada Guerra do Rei Filipe nome que os colonos deram a um líder indígena em 167576 tinham deixado a Nova Inglaterra em tensão permanente Muitos colonos haviam sido mortos ou capturados As tensões entre vizinhos vinham se acumulando Tudo isso colabora para explicar o ambiente que gerou o surto de Salem Por fim sem esgotar as explicações há de se levar em conta todas as frustrações dos protestantes no Novo Mundo onde o sonho de uma comunidade perfeitamente construída de acordo com as leis de Deus e da Bíblia não havia se realizado Os pastores puritanos viram no aparente surto de feitiçaria uma maneira de recuperar o controle e o entusiasmo do grupo Os habitantes de Massachusetts haviam se dado conta de que não apenas a Bíblia e as boas intenções haviam atravessado o oceano mas todas as suas mesquinharias maledicências e tensões Melhor seria assim atribuir esses problemas ao demônio e a seus seguidores Ao final da crise quase 200 pessoas tinham sido presas e 14 mulheres e 6 homens executados A teocracia puritana tinha deixado um saldo trágico na memória dos colonos Quase 100 anos depois a primeira emenda à constituição dos EUA estabelecia que o Congresso não faria leis sobre o livre exercício da religião OS QUAKERS DA PENSILVÂNIA E OUTROS GRUPOS Além dos puritanos as colônias receberam outros grupos religiosos como os quakers ou sociedades de amigos o grupo mais liberal que surgiu com a Reforma Tratarse por tu sem nenhum título sendo cada homem sacerdote de si mesmo eis um dos princípios dos quakers que valeu até a admiração do pensador Voltaire no Dicionário filosófico Ao iniciar sua pregação no Novo Mundo os quakers encontraram grande oposição dos líderes puritanos Alguns foram até mortos como HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 54 subversivos ao mesmo tempo em que suas idéias encontravam eco entre os desencantados com a rígida disciplina puritana A experiência quaker no Novo Mundo foi solidificada quando William Penn estabeleceu uma grande colônia para abrigálos a Pensilvânia A Pensilvânia não era apenas um local para refúgio dos quakers mas também de todas as religiões que desejassem viver em liberdade e paz O próprio Penn referiase a esse fato como a santa experiência Nascido em Londres em 1644 Penn era filho de um almirante conquistador da Jamaica Em Oxford converteuse aos quakers após ouvir um animado sermão de Thomas Loe Há nas idéias de Penn e dos quakers princípios anarquistas Penn gostava de dizer No cross no crown nem cruz nem coroa Perseguido por suas idéias na Inglaterra ele desejou estabelecer uma comunidademodelo na América obtendo então uma vasta extensão de terra a oeste do rio Delaware Oferecendo terras gratuitas e a garantia de liberdade religiosa Penn atraiu grande quantidade de colonos da Europa e das outras colônias inglesas Gente de todas as partes da Europa viu nas propostas do líder uma nova oportunidade Dentre eles por exemplo alemães e holandeses do grupo menonita rumaram para a América Sua marca até hoje é uma vida no campo sem eletricidade ou outros símbolos do mundo industrial Descrevendo os quakers em 1696 o próprio Penn afirmava que Deus ilumina cada homem sobre sua missão Por isso os quakers insistem em expressões do tipo luz de Cristo dentro de cada homem e luz interior Com esses princípios Penn defendia a grande liberdade religiosa tendo em conta que Deus pode falar de maneiras variadas a cada homem No início do século XVIII Filadélfia capital da Pensilvânia era uma das maiores cidades das colônias inglesas e também uma das mais alfabetizadas Um viajante a descreve em 1748 Todas as ruas exceto as que estão mais próximas do rio correm em linha reta e formam ângulos retos nos cruzamentos A maior parte das ruas está pavimentada As casas têm boa aparência freqüentemente são de vários pisos A cada ano se montam duas grandes feiras uma em 16 de maio outra em 16 de novembro Além destas feiras a cada semana há dois dias de mercado às quartas e sábados Nesses dias gente do campo da Pensilvânia e Nova Jersey traz à cidade grande quantidade de alimentos e outros produtos do campo A experiência de Penn funcionou de fato enquanto seu fundador esteve à frente dela Os problemas da Pensilvânia longe do governo pessoal do fundador revelaramse grandes Choques entre os grupos religiosos tentativa O INÍCIO 55 de diminuir a liberdade religiosa e outras tantas desavenças ocorreram perturbando o ideal primitivo No entanto mesmo que ao longo do século XVIII a Pensilvânia em pouco se diferenciasse das outras colônias permaneceu sendo um dos locais de maior tolerância religiosa do mundo No século XVIII um fenômeno chamado grande despertar great awakening marcou a vida religiosa das colônias Uma das características do movimento foi o surgimento de pregadores itinerantes Os ministros religiosos iam de povoado em povoado pregando uma religião mais emotiva e carismática Sermões exaltados conversões milagrosas entusiasmo e cantos as pregações desses pastores atraíam os grupos cansados do formalismo da religião oficial O grande despertar foi descrito em 1743 pelo pesquisador norte americano J Edwards Ultimamente em alguns aspectos as pessoas em geral têm mudado e melhorado muito em suas noções de religião parecem mais sensíveis ao perigo de apoiarse em antigas experiências e estão mais plenamente convencidas da necessidade de esquecer o que está atrás e avançar mantendo avidamente o trabalho a vigilância e a oração enquanto vivam Ao valorizar a experiência pessoal da religião o grande despertar estimulou o surgimento de inúmeras seitas protestantes Mais importante ainda esse movimento procurou negar a tradição religiosa Como vimos no documento transcrito as pessoas devem evitar o apoio de antigas experiências e esquecer o passado Isso colabora ainda mais para o particularismo religioso das colônias Também existia uma importante comunidade católica em Maryland Apesar de quase 13 dos cidadãos norteamericanos serem católicos hoje e terem fornecido um presidente ao país no século XX Kennedy no período colonial havia grande desconfiança contra os chamados papistas Os católicos romanos foram vistos como avessos à democracia no período das Guerras de Independência e fiéis seguidores de uma autoridade estrangeira o papa sendo por isso considerados potencialmente perigosos à nova nação COLÔNIAS DO NORTE As colônias do Norte da costa atlântica apresentam o clima temperado semelhante ao europeu Dificilmente essa área poderia oferecer algum produto de que a Inglaterra necessitasse HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 56 Essa questão climática favoreceu o surgimento único no universo colonial das Américas de um núcleo colonial voltado à policultura ao mercado interno e não totalmente condicionado aos interesses metropolitanos A agricultura das colônias setentrionais destacava o consumo interno com produtos como o milho O trabalho familiar em pequenas propriedades foi dominante Nas colônias da Nova Inglaterra parte norte das 13 colônias surge uma próspera produção de navios Desses estaleiros favorecidos pela abundância de madeira do Novo Mundo saem grandes quantidades de navios que seriam usados no chamado comércio triangular Interior de casa do período colonial Massachusetts final do século XVII O comércio triangular pode ser descrito simplificadamente como a compra de cana e melado das Antilhas que seriam transformados em rum A bebida obtinha fáceis mercados na África para onde era levada por navios da Nova Inglaterra e trocada usualmente por escravos Esses escravos eram levados para serem vendidos nas fazendas das Antilhas ou nas colônias do sul Após a venda os navios voltavam para a Nova Inglaterra com mais melado e cana para a produção de rum Era uma atividade altamente lucrativa entre outros motivos por garantir que o navio sempre estivesse carregado de produtos para vender em outro lugar O INÍCIO 57 O comércio triangular também poderia envolver a Europa para onde os navios levavam açúcar das Antilhas voltando com os porões repletos de produtos manufaturados Estabeleciamse assim sólidas relações comerciais embasadas na próspera indústria naval das colônias da Nova Inglaterra O comércio triangular é muito diferente da maioria dos procedimentos comerciais do resto da América Apesar de as leis estabelecerem limites os comerciantes das colônias agiam com grande liberdade e seguiam mais a lei da oferta e da procura do que as leis do Parlamento de Londres Na prática estabeleceram um sistema de liberdade muito grande desconhecido para mexicanos e brasileiros e intocado pela repressão inglesa até pelo menos 1764 Outra atividade desenvolvida foi a pesca Próxima a um dos maiores bancos pesqueiros do mundo Terra Nova as colônias da Nova Inglaterra exploraram largamente a atividade pesqueira A venda de peles também foi importante na economia dessas colônias Do norte das colônias e do Canadá fluíam para a Europa milhares de peles de animais que iriam adornar roupas elegantes contra o frio do Velho Mundo As colônias do Norte estavam voltadas à policultura e ao mercado interno e não se condicionavam totalmente aos interesses da metrópole Na ilustração fiação e tecelagem caseiras na Nova Inglaterra HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 58 COLÔNIAS DO SUL As colônias do Sul por sua vez abrigaram uma economia diferente Seu solo e clima eram mais propícios para uma colonização voltada aos interesses europeus O produto que a economia sulina destacou desde cedo foi o tabaco A planta implicou permanente expansão agrícola por ser exigente esgotando rapidamente o solo e obrigando a novas áreas de cultivo O fumo tomouse um produto fundamental no Sul A falta de braços para o tabaco em pouco tempo impôs o uso do escravo Esse trabalho escravo cresceu lentamente posto que como vimos a mão deobra branca servil era muito forte no século XVII A sociedade sulina que acompanha essa economia é marcada como não poderia deixar de ser por uma grande desigualdade Como ressaltou um contemporâneo Isaac Weld logo após a Independência Os principais donos de plantações na Virgínia têm quase tudo que querem em sua própria propriedade As propriedades grandes são administradas por mordomos e capatazes todo o trabalho é feito por escravos Suas habitações estão geralmente a cem ou duzentas jardas 90 a 180m da casa principal o que dá aparência de aldeia às residências dos donos de plantações na Virgínia Com essa economia mais voltada ao mercado externo as colônias do Sul resistirão mais à idéia de independência Os plantadores meridionais das 13 colônias temiam que uma ruptura com a Inglaterra pudesse significar uma ruptura com sua estrutura econômica Ilustrando essa idéia uma testemunha registrava em 1760 como as colônias do Sul dependiam da Inglaterra afirmando que quase todas as roupas vinham de lá apesar de o Sul produzir excelente linho e algodão Constatava ainda horrorizada que apesar de as colônias estarem cheias de madeira importam bancos cadeiras e cômodas As colônias centrais teriam sua vida econômica mais ligada à agricultura principalmente a de cereais Últimas colônias conquistadas pela Inglaterra predominaram nelas as pequenas propriedades e a exemplo do Norte desenvolveram atividades manufatureiras Assim podemos identificar com clareza duas áreas bastante distintas nas 13 colônias As colônias do Norte com predominância da pequena propriedade do trabalho livre de atividades manufatureiras e com um mercado interno relativamente desenvolvido realizando o comércio triangular As colônias do Sul com o predomínio do latifúndio voltado quase que inteiramente à exportação ao trabalho servil e escravo e pouco desenvolvidas quanto às manufaturas Essas diferenças serão fundamentais tanto no momento da Independência quanto no da Guerra Civil americana O INÍCIO 59 INDÍGENAS Centenas de tribos indígenas habitavam a América do Norte até a chegada dos europeus Há uma variedade enorme nessas tribos só em línguas diferentes encontraramse mais de trezentas Grupos indígenas como os cherokees iroqueses algonquinos comanches e apaches povoavam todo o território do Atlântico até o Pacífico Alguns outros grupos deram nomes à geografia dos EUA Dakota Delaware Massachusetts Iowa Illinois Missouri Por toda a América a história dessas tribos seria profundamente modificada pela chegada dos europeus As opiniões dos colonos sobre os indígenas variaram mas foram quase sempre negativas Um dos mais antigos relatos sobre eles de 1628 de autoria de Jonas Michaëlius mostra bem isso Quanto aos nativos deste país encontroos totalmente selvagens e primitivos alheios a toda decência mais ainda incivilizados e estúpidos como estacas de jardim espertos em todas as perversidades e ímpios homens endemoniados que não servem a ninguém senão o diabo É difícil dizer como se pode guiar a esta gente o verdadeiro conhecimento de Deus e de seu mediador Jesus Cristo Jonas Michaëlius parte de um ponto de vista europeu Como os índios não têm uma cultura semelhante à européia ele os considera incivilizados Jonas não pode ver outro tipo de civilização vê apenas dois grupos os que são civilizados e os que não são Os que não são no caso os nativos são como estacas de jardim O preconceito como mostrado no documento não foi o único dano que os ingleses causaram aos índios Mesmo se não fossem agressivos os europeus já seriam perigosos A imigração européia havia introduzido na América do Norte doenças para as quais os nativos não tinham defesa As epidemias nas colônias inglesas atingiram os indígenas da mesma forma que nas áreas ibéricas O sarampo matou milhares de indígenas em toda a América A ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseavase em argumentos de ordem teológica Os peregrinos haviam se identificado com o povo eleito que Deus conduzia a uma terra prometida Tal como Deus dera força a Josué na Bíblia para expulsar os habitantes da terra prometida eles acreditavam no seu direito de expulsar os que habitavam a sua Canaã John Cotton pastor puritano fez vários sermões nos quais destacou a semelhança entre a nação inglesa e a luta pela terra prometida descrita no Antigo Testamento Embora o fato seja bem pouco conhecido da História norteamericana os índios também foram escravizados Os colonos das Carolinas em HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 60 particular desenvolveram o hábito de vender índios como escravos Em 1708 a Carolina do Sul contava com 1400 escravos índios Essa prática permaneceria até a Independência É natural imaginar uma reação indígena A expansão agrícola por sobre áreas indígenas originou violentos ataques às terras dos colonos No começo da colonização mais de uma aldeia inglesa foi arrasada por ataques de índios como por exemplo a de Wolstenholme na Virgínia Dos diversos tratados de paz entre colonos e índios demarcando terras de uns e de outros surgiu a prática das reservas indígenas áreas que pertenceriam exclusivamente aos índios A permanência de conflitos mesmo com os índios das reservas revela que estes acordos não foram cumpridos em sua totalidade Mais de uma vez historiadores empregaram a expressão genocídio para caracterizar o massacre de populações indígenas na América do Norte Isto não é incorreto nem diferente do que ocorria em todo o resto da América A idéia européia de colonização significou uma mortandade imensa em todo o continente americano Um grande debate ocorreu em função dos casamentos mistos ou não Encontramos no mundo inglês da América documentos que apóiam a mestiçagem como instrumento de evangelização e até de domínio dos índios Em 1728 Byrd havia dito isto literalmente afirmando que todas as nações formadas por homens têm a mesma dignidade cultural e todos sabemos que talentos muito brilhantes podem estar albergados em peles muito morenas as mulheres indígenas poderiam ser esposas muito honestas dos primeiros colonos Da mesma forma Peter Fontaine havia defendido a mestiçagem com as mulheres índias em vez de com as negras em 1757 Já nos primórdios da colonização temos um caso significativo Em 1607 chegara a Jamestown o capitão inglês John Smith Pouco tempo após sua chegada foi capturado por índios Quando a cabeça do capitão estava para ser esmagada a jovem Pocahontas que então contava dez ou doze anos reivindica a vida do prisioneiro para si No futuro muitas vezes a jovem Pocahontas levaria comida até a vila faminta dos ingleses avisaria o capitão dos ataques indígenas e tudo faria para agradálo No entanto ao contrário do que se poderia esperar o capitão J Smith não se casa com a jovem indígena Ele acaba voltando para a Inglaterra Em 1614 Pocahontas aceita a fé cristã passa a se chamar Rebeca e casase com um plantador de tabaco John Rolfe Em 1616 ela viaja para a Inglaterra e é recebida pelo próprio rei envolvida pela mística de uma princesa indígena na corte Stuart O clima inglês parece ter sido danoso a sua saúde pois morreu lá tentando voltar para a América O INÍCIO 61 Pocahontas aos 21 anos já cristã e com trajes europeus Existem é bem verdade experiências puritanas de conversão do índio além de Pocahontas Havia mesmo um colégio índio em Harvard onde os puritanos pretendiam formar elites índias cristianizadas para atuarem próximos aos índios Os índios deveriam estudar Lógica Retórica Grego e Hebraico É fácil imaginar que o colégio não foi um sucesso enorme entre as populações indígenas Em 1665 um índio com o complexo nome de Caleb Cheesahahteaumuck concluiu seu bacharelado no colégio Foi HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 62 o único Nenhum outro índio conseguiu esta proeza O colégio tornara se um fracasso e em 1698 foi demolido Houve outras experiências de conversão e catequese Nunca houve um processo sistemático e permanente como no mundo da América ibérica Os esforços do reverendo Eliot que chegou a traduzir o Novo Testamento para os índios algonquinos são exceção não a regra Existem vários relatos em inglês sobre a visão do índio em relação ao homem branco Com todas as limitações de se descrever uma invasão na língua dos invasores esses relatos ainda assim apontam dados interessantes Um índio descreve a chegada dos brancos buscaram por todos os lados bons terrenos e quando encontravam um imediatamente e sem cerimônia se apossavam dele nós estávamos atônitos mas ainda assim nós permitimos que continuassem achando que não valia a pena guerrear por um pouco de terra Mas quando chegaram a nossos terrenos favoritos aqueles que estavam mais próximos das zonas de pesca então aconteceram guerras sangrentas Estaríamos contentes em compartilhar as terras uns com os outros mas esses homens brancos nos invadiram tão rapidamente que perderíamos tudo se não os enfrentássemos Por fim apossaramse de todo o país que o Grande Espírito nos havia dado A idéia de predestinação o ideal de empresa tudo colaborou para enfraquecer a mestiçagem e a catequese dos índios O mundo inglês conviveria com o índio mas sem amálgama De várias formas os índios resistiram à violência da colonização Uma maneira comum era fugir para o interior estratégia que seria utilizada até o século XIX Outra era reagir com violência à invasão Em 1622 por exemplo os índios atacaram Jamestown e mataram 350 colonos da Virgínia O chefe Metacom chamado rei Filipe pelos brancos atacou em 1676 os colonos da Nova Inglaterra causando muitas mortes Ao longo dos séculos XVII e XVIII os índios fizeram várias alianças com franceses contra os ingleses É importante dizer por fim que nem todos os colonos tinham o mesmo grau de agressividade contra os índios Grupos quakers e menonitas recusavam a violência contra índios e também a violência da compra de escravos negros Porém quakers menonitas católicos e puritanos ocupavam de igual modo as terras que foram originalmente dos índios A longa trilha de lágrimas indígena continuaria durante todo o período colonial e seria até intensificada com a expansão para o Oeste no século XIX Apenas recentemente a população indígena dos Estados Unidos voltou a crescer O INÍCIO 63 NEGROS O primeiro navio holandês com escravos negros chegou à Virgínia em 1619 Em 1624 em Jamestown o primeiro menino negro nascia em solo americano Era William Tucker filho de africanos e oficialmente o primeiro afroamericano Em duas décadas a escravidão já estava presente em todas as colônias e havia uma legislação específica para ela A escravidão negra concorria com a servidão branca mas o contato dos mercadores das colônias com as Antilhas foi servindo como propaganda para o uso da mãodeobra africana Aos plantadores a escravidão negra foi parecendo cada vez mais vantajosa e seu número crescia bastante Gustavus Vassa um nigeriano trazido para os Estados Unidos como escravo e batizado com nome cristão em 1794 descreve a terrível travessia do oceano que os negros enfrentavam Em navios superlotados a mortalidade era alta Alimentação escassa e chicote abundante eram responsáveis pelo aumento dessa mortalidade Os que sobreviviam à travessia eram vendidos nos mercados da América A impressão dessa venda é descrita por Vassa ele próprio tendo sido leiloado na chegada Conduziramnos imediatamente ao pátio como ovelhas em um redil sem olharem para idade ou sexo Como tudo me era novo tudo o que vinha causavame assombro Não sabia o que diziam e pensei que esta gente estava verdadeiramente cheia de mágicas A um sinal de tambor os compradores corriam ao pátio onde estavam presos os escravos e escolhiam o lote que mais lhes agradava O ruído e o clamor com que se fazia isso e a ansiedade visível nos rostos dos compradores serviam para aumentar muito o terror dos africanos Dessa maneira sem escrúpulos eram separados parentes e amigos a maioria para nunca mais voltarem a se ver Muitos autores costumam considerar a escravidão norteamericana como a mais cruel que a América registrou É extremamente difícil fazer uma comparação de ordem moral melhorpior entre as formas que a escravidão africana conheceu na América O historiador norteamericano Frank Tannenbaum diz que a escravidão em áreas anglosaxônicas fez parte de um mundo moderno com relações sociais individualistas e um sistema jurídico baseado nas leis anglosaxônicas Isso faria do escravo mais um objeto do que um ser humano O escravo negro em zona ibérica faria parte de uma sociedade paternalista e fundamentada no Direito Romano o que o tornaria um elemento da base da sociedade mas ainda assim um ser humano O quanto essas diferenças de fato foram sentidas pelos escravos e qual o melhor chicote ou o trabalho menos árduo são questões que ainda merecem maiores pesquisas HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 64 Houve historiadores especialmente o sulista Ulrich Phillips que fizeram defesa apaixonada de uma escravidão benéfica A visão foi duramente atacada por historiadores mais críticos como Herbert Aptheker ou Kenneth Stamp Na verdade as posições sobre a escravidão colonial dialogam sempre com a situação do negro na sociedade norteamericana O que fazia de alguém escravo Leis votadas na Virgínia em 1662 determinavam que a condição de escravo fosse dada pela mãe Dessa forma o filho de pai inglês e mãe africana seria escravo Pouco tempo depois outra questão importante é tratada pela assembléia da Virgínia que decide que os escravos batizados permanecem escravos O interessante é colocar a hipótese de amos piedosos batizarem seus escravos A conversão dos escravos não era então obrigatória como nas áreas ibéricas Integrar ou não o escravo negro ao universo cristão imporlhe ou não o batismo era um ato de piedade que dependia do proprietário Em outubro de 1669 uma nova lei sobre escravos determina que se um escravo vier a morrer em conseqüência dos castigos corporais impostos pelo capataz ou por seu amo não será considerado isso delito maior mas se absolverá o amo A lei continua com lógica implacável matar o escravo não é ato intencional posto que ninguém intencionalmente procura destroçar seus próprios bens Essa lei revela a reificação tornar coisa do escravo na legislação colonial Para uma parte importante da população o sonho do Novo Mundo foi este o pesadelo dos instrumentos para punir escravos O INÍCIO 65 No século XVIII a legislação sobre os escravos se desenvolve bastante acompanhando o próprio aumento da escravidão no sul das 13 colônias Um código escravista da Carolina do Sul faz nessa época 1712 um amplo conjunto de leis se referindo à vida dos escravos verdadeiro retrato da escravidão nas áreas coloniais inglesas Nesse código havia uma proibição de os negros saírem aos domingos para a cidade a fim de evitar ajuntamentos de negros nas Carolinas Nenhum escravo poderia portar armas de qualquer espécie Recomendavase rigor aos juízes que tratassem de crimes cometidos por escravos especialmente se o crime fosse de rebelião coletiva contra a autoridade instituída A escravidão havia assim crescido a ponto de a revolta dos escravos tornarse um pesadelo para o mundo branco Naturalmente diante da violência da escravidão os negros resistiram de várias maneiras O historiador norteamericano Aptheker retrata algumas formas de resistência lentidão no trabalho doenças fingidas maustratos aos animais da fazenda fugas incêndios assassinatos especialmente pelo veneno automutilações insurreições etc Em 1740 os escravos tentaram em Nova York envenenar todo o abastecimento de água da cidade Em regiões como a Carolina do Sul com cerca de 60 da população composta por negros eram comuns revoltas de escravos Gordas recompensas eram oferecidas pela captura dos que fugiam de seus amos Apesar de os escravos no conjunto da população das colônias não ultrapassarem os 20 em áreas como a Carolina do Sul eram a maioria da população E justamente nessas áreas que o medo de uma rebelião generalizada aparecia Entre 1619 e 1860 cerca de 400 mil negros foram levados da África para os Estados Unidos Ao fim da época colonial havia cerca de meio HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 66 milhão de escravos nas colônias inglesas da América do Norte A escravidão não sofreria abalos com o movimento de independência levado adiante em parte por ricos escravocratas Os ventos de liberdade de 1776 tinham cor branca No século XIX um romance abolicionista A cabana do Pai Tomás Uncle Toms Cabin de Harriet Stowe colocase radicalmente contra a escravidão concluindo que ela era um mal em si Porém para poder elogiar um negro como Pai Thomas a autora atribui a ele virtudes brancas como ordem limpeza e trabalho cristão O mesmo apareceria no século XX em filmes como E o vento levou Gone With the Wind 1939 que com seu racismo declarado mostrava as delícias da vida de um escravo nos algodoais do Sul POPULAÇÃO No século XVIII há um grande crescimento da população Em 1700 250 mil pessoas habitavam as 13 colônias Na época da Independência esse número havia subido para dois milhões e meio As fontes desse crescimento são a imigração e o desenvolvimento natural da população A devastadora Guerra da Sucessão Espanhola havia empurrado grandes massas da Europa para a América Um desses grupos estava constituído pelos alemães da região do Palatinado chegando em tão grande número que preocuparam os colonos de origem inglesa Em 1751 escrevia B Franklin Por que permitimos aos alemães do Palatinado encher nossas comunidades e estabelecer sua língua e costumes até expulsar as nossas Por que vamos converter a Pensilvânia que foi fundada por ingleses numa colônia de estrangeiros que são tão numerosos que nos germanizarão em lugar de eles se anglicizarem Além dos alemães chegaram também muitos escoceses e irlandeses Os franceses protestantes também constituíram um significativo grupo de imigrantes no século XVIII Perseguidos na França foram para a América e tornaramse responsáveis pelo crescimento da indústria da seda nas colônias Um dos efeitos dessa grande leva de imigrantes não ingleses foi colaborar para o afastamento das colônias americanas de sua metrópole Constituía se assim um novo mundo com valores diversos dos ingleses Em 1754 Virgínia era a mais povoada das colônias inglesas na América com 284 mil habitantes seguida por Massachusetts e Pensilvânia respectivamente com 210 mil e 206 mil habitantes O INÍCIO 67 Às vésperas da Independência as maiores cidades das colônias eram Filadélfia 40 mil habitantes Nova York 25 mil habitantes Boston 16 mil habitantes Charleston 12 mil habitantes Obs no mesmo período a Cidade do México tinha 70 mil habitantes Nas cidades a elite comerciante era o grupo mais importante Comparativamente à Inglaterra do mesmo período havia menos pobres nas cidades da América No entanto a maioria da população das 13 colônias era rural No Norte predominavam as pequenas propriedades familiares no Sul as grandes plantações eram mais freqüentes VIDA COTIDIANA A família das colônias em muito se assemelhava às famílias européias Havia uma média de sete filhos por casa com uma alta taxa de mortalidade infantil A autoridade residia no pai mas todos os membros da família deveriam trabalhar As mulheres tinham trabalhos dentro e fora de casa Por suas mãos a família se vestia comia e obtinha iluminação tendo em vista que tecidos alimentos e velas eram geralmente produção caseira No século XVIII as mulheres das colônias dificilmente ficavam solteiras casandose por volta dos 24 anos bem mais tarde que as mulheres européias do período Já no século XIX o autor francês Alexis de Tocqueville notaria que as mulheres da América eram muito mais liberadas do que as européias A História tradicional preocupouse pouco com a vida das pessoas anônimas guardando para si os atos dos reis e figuras notáveis Mesmo assim por meio de poucos documentos podemos reconstituir uma parte da vida cotidiana O viajante francês Durant de Dauphiné descreveu por exemplo um casamento na Virgínia de 1765 Havia cerca de cem pessoas convidadas várias delas de boa classe e algumas damas bem vestidas e agradáveis à vista Mesmo sendo o mês de novembro o banquete realizouse debaixo das árvores Era um dia esplêndido Éramos oitenta na primeira mesa e nos serviam carnes de todo o tipo e em tanta abundância que estou seguro havia suficiente para um regimento de quinhentos homens HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 68 Prossegue o cronista relatando a falta de vinho substituído por cerveja cidra e ponche Temos até a receita desse ponche três partes de cerveja três de brandy um quilo e meio de açúcar e um pouco de nozmoscada e canela O banquete começava por volta das duas da tarde e durava até noite alta As mulheres dormiam dentro da casa e os homens pela rua e no celeiro Quase todos pernoitavam no anfitrião e retornavam para suas casas no dia seguinte As mulheres brancas gozavam de boa fama entre os viajantes que visitavam a América Lord Adam um inglês visitando os EUA em 1765 descreveas como diligentes excelentes esposas e boas para criar família Apesar dos elogios as mulheres não tinham identidade legal Sua vida transcorria à sombra do pai e do marido O divórcio foi escasso nas colônias A maior parte das mulheres casavase uma única vez O universo puritano dividia a existência humana entre infância e idade adulta sem intermediários Assim depois dos sete anos de idade as crianças eram vestidas como adultos pequenos Aprender a ler e escrever e o ofício dos pais era basicamente a educação que os pequenos recebiam As crianças tinham várias tarefas na casa colonial concebida como uma microcomunidade de trabalho Mesmo com o desenvolvimento do comércio e das atividades manufatureiras grande parte da população ligavase ao campo a maioria dos homens portanto dedicavase à agricultura Cozinha de colonos na Nova Inglaterra local de encontro e intensa atividade familiar O INÍCIO 69 Em uma cultura prática os objetos também são acima de tudo práticos Casas geralmente pequenas camas compartilhadas por várias crianças Banheiro exterior à habitação Poucos móveis As roupas eram como já vimos confeccionadas em casa A sociedade puritana em particular vestiase sobriamente com tons escuros As jóias eram quase inexistentes Quase todos os homens andavam armados A vida cotidiana nas colônias inglesas da América do Norte revela uma cultura voltada à função e não à forma Nas igrejas coloniais ibéricas quadros ornamentados altares cheios de detalhes pinturas tudo destacava uma forma opulenta que devia levar a Deus As igrejas da América anglosaxônica eram despojadas com bancos para os fiéis um local elevado para a pregação do pastor púlpito e um órgão As igrejas puritanas notadamente tinham o destaque para o púlpito ao contrário das católicas que destacavam o altar Em um mundo que se dedicava pouco às diversões o anglosaxão costumava ligar trabalho e lazer As reuniões festivas dos colonos tinham quase sempre um objetivo prático construir um celeiro preparar conservas etc A festa misturavase ao trabalho Em 1759 o clérigo britânico Burnaby descreveu Williamsburg na Virgínia como uma cidade de duzentas casas ruas paralelas praça ao centro e construções de madeira O autor destaca a simplicidade dos edifícios públicos à exceção do palácio governamental A cidade só ficava mais animada em época de assembléias quando a população rural se destinava a ela Nos relatos da vida cotidiana nas colônias há um princípio prático que volta com insistência Tanto na vida cultural como na econômica as populações das colônias dedicaramse pouco a atividades de especulação filosófica ou artística Poucos documentos ilustrariam tão bem essa característica como uma carta de John Adams em 1780 Residindo em Paris escrevia ele Eu poderia encher volumes com descrições de templos e palácios pinturas esculturas tapeçarias e porcelanas se me sobrasse tempo Mas não poderia fazer isso sem negligenciar os meus deveres Devo estudar política e guerra para que meus filhos possam ter a liberdade de estudar matemática e filosofia geografia história natural arquitetura naval navegação comércio e agricultura a fim de que dêem a seus filhos o direito de estudarem pintura poesia música arquitetura estatuária tapeçaria e porcelana Logo na mentalidade de Adams que não constitui uma exceção nas colônias a guerra era o primeiro item depois viriam as atividades econômicas e por fim quando tudo isso estivesse feito sobraria o espaço para a arte formal propriamente dita O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA GUERRAS E MAIS GUERRAS O final do século XVII e todo o século XVIII foram acompanhados de muitas guerras na Europa e na América De muitas formas essas guerras significaram o início do processo de independência das 13 colônias com relação à Inglaterra A primeira dessas guerras ocorreu no final do século XVII anunciando o clima de conflitos permanentes que acompanhariam as 13 colônias durante quase todo o século XVIII Tratase da Guerra da Liga de Augsburgo que nas colônias inglesas foi chamada de Guerra do Rei Guilherme William Essa guerra foi uma reação da Inglaterra à política expansionista do rei Luís XIV da França Inicialmente indiferente a essa política a Inglaterra muda de atitude quando da expulsão dos protestantes franceses promovida por Luís XIV O rei Guilherme da Inglaterra ao subir ao trono declara guerra à França Essa guerra 16881697 já apresenta as características dos conflitos seguintes iniciamse na Europa e contam na América com a participação dos índios Estes aliados dos franceses quase tomaram Nova York mas navios da colônia de Massachusetts impediram a investida atacando Porto Royal nas possessões francesas Ao final da guerra o tratado entre França e Inglaterra Tratado de Ryswick estabeleceu a devolução de Porto Royal para os franceses que a essa altura já tinha sido rebatizado como Nova Escócia Esse tratado mostra como os interesses dos colonos pouco importavam para a Inglaterra Aos negociantes ingleses do tratado interessaram apenas as necessidades da Inglaterra traçando decisões sobre o mapa das colônias sem levar em conta HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 72 os interesses dos habitantes locais Esses tratados ajudam a explicar por que logo após as guerras coloniais começa a se acelerar o processo de independência das 13 colônias A guerra seguinte é a da Rainha Ana ou da Sucessão Espanhola 1703 1713 Carlos II rei da decadente Espanha havia morrido sem deixar herdeiros A política de casamentos entre a realeza européia tornava inúmeros reis sucessores em potencial A Inglaterra apoiava a Áustria em oposição à França que tentava colocar no trono espanhol Filipe neto de Luís XIV Durante o conflito as colônias inglesas enfrentaram duas frentes de batalha Ao norte os colonos franceses e os índios aliados Nessa como em todas as outras guerras os franceses haviam seduzido mediante promessas de territórios algumas tribos indígenas O mesmo aconteceu com os colonos ingleses que também tinham aliado índios essas promessas eram com freqüência esquecidas após a vitória Ao sul a Carolina do Sul enfrentava os espanhóis da Flórida Os interesses europeus na América misturavamse e até opunhamse aos interesses dos colonos Os colonos do Sul queriam o domínio do Mississipi os do Norte o domínio do comércio de peles e a posse dos bancos pesqueiros da Terra Nova Ao enviar uma tropa de dez mil soldados para a América a fim de auxiliar os colonos a Inglaterra acabou atrapalhando a luta das 13 colônias contra os franceses e espanhóis O exército inglês foi acusado pelos colonos de ineficiente corrupto e acima de tudo extremamente caro para a economia das colônias Mais uma vez as guerras coloniais contribuíam para contrapor os interesses dos colonos aos interesses da Inglaterra Apesar desses atritos entre os colonos e as tropas inglesas o Tratado de Utrecht que pôs fim à guerra foi extremamente benéfico para as 13 colônias particularmente para as do Norte Os colonos adquiriram o controle da baía de Hudson e o conseqüente domínio sobre o comércio de peles na região A Acádia francesa tornouse possessão da Inglaterra e as ilhas da Terra Nova abriramse ao domínio da pesca dos colonos ingleses que se apossaram do lucrativo comércio de bacalhau A Guerra da Orelha de Jenkins entre 1739 e 1742 agitou a vida na América após o conflito da Sucessão Espanhola Aproveitandose do ataque espanhol ao navio do capitão Jenkins durante o qual ele perdeu uma orelha os colonos atacaram possessões espanholas O ataque dirigiuse à Flórida e logo em seguida à Cartagena na atual Colômbia Três mil e quinhentos colonos foram comandados por oficiais ingleses nesses ataques A febre amarela atacouos com violência no Caribe O fracasso O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA 73 da expedição naturalmente foi atribuído ao comando inglês Apenas seiscentos colonos sobreviveram aumentando o ressentimento contra o exército britânico Outro problema de sucessão desta feita na Áustria provocaria um atrito entre as nações da Europa Tratase da Guerra da Sucessão Austríaca entre 1740 e 1768 A Inglaterra apoiava Maria Teresa os franceses alegando a impossibilidade de uma mulher assumir o trono opuseramse a ela Na América essa guerra foi conhecida como Guerra do Rei Jorge Durante a guerra nas colônias o forte francês de Louisbourg foi tomado por uma expedição saída de Boston Quando foi assinado o tratado de paz Tratado de AixLaChapelle a Inglaterra comprometeuse a devolver o forte para a França Mais uma vez os interesses ingleses eram sobrepostos aos interesses dos colonos Os colonos que haviam financiado a tomada do forte enviaram ao Parlamento as despesas de sua captura A Guerra do Rei Jorge colaborou também para despertar o interesse da França e da Inglaterra pelo vale de Ohio interesse que apareceria de forma bastante intensa no conflito seguinte Dois anos antes de começar na Europa a Guerra dos Sete Anos 1756 1763 começavam na América os conflitos nomeados de Guerra Franco Índia O início do choque ligavase exatamente às pretensões dos colonos de se expandirem sobre as áreas indígenas do Ohio Faça a união das colônias ou desapareça a primeira caricatura norteamericana a favor da união das 13 colônias HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 74 Em junho de 1754 foi organizada uma conferência das colônias inglesas em Albany Nova York Pela primeira vez de fato surge um plano de união entre as colônias elaborado pelo bostoniano Benjamin Franklin como forma de dar mais força aos colonos em sua luta contra os inimigos A idéia de uma união desagradou o governo inglês que temia os efeitos posteriores dela As próprias colônias desconfiaram também dessa união temendo a perda da autonomia A Guerra Francoíndia e a dos Sete Anos acabaram por eliminar o Império Francês na América do Norte Derrotada na Europa e na América a França entrega para a Inglaterra uma parte de suas possessões no Caribe e no Canadá De muitas formas a Guerra dos Sete Anos é a mais importante de todas as guerras do século XVIII Deixou evidente o que já aparecera em outras guerras os interesses ingleses nem sempre eram idênticos aos dos colonos da América A derrota da França afastou o perigo permanente que as invasões francesas representavam na América deixando os colonos menos dependentes do poderio militar inglês para sua defesa Além disso os habitantes das 13 colônias tinham experimentado a prática do exército e o exercício da força para conseguir seus objetivos e haviam tido ainda que fracamente sentimentos de unidade contra inimigos comuns Somandose a esse novo contexto a política fiscal inglesa para com as colônias após a Guerra dos Sete Anos alterouse bastante como veremos adiante Levando em conta os argumentos apresentados é absolutamente correto relacionar as guerras coloniais com as origens da independência das 13 colônias OS COLONOS VENCEM A GUERRA E PERDEM A PAZ Como já foi visto a colonização inglesa da América do Norte particularmente das colônias setentrionais não foi feita mediante um plano sistemático Em parte pelas características das colônias em parte pela própria situação da Inglaterra no século XVII com suas crises internas as colônias gozavam de certa autonomia A metrópole ausente e distante raramente interferia na vida interna das colônias Essa situação tende a mudar no século XVIII O sistema político inglês definirase como uma monarquia parlamentar o que proporcionará à Inglaterra grande estabilidade política Participando do poder a burguesia inglesa promove grande desenvolvimento econômico Os séculos XVIII e XIX na Inglaterra ao contrário da França serão de relativa paz interna favorecendo a expansão e o controle do Império colonial O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA 75 A burguesia no poder inglês contando com matériaprima como ferro e carvão com vasta mãodeobra e a invenção de máquinas na área têxtil passa a concentrar trabalhadores em espaços chamados fábricas A Revolução Industrial é antes de mais nada a introdução de uma nova disciplina de trabalho explorando ao máximo a mãodeobra e provocando um aumento extraordinário de produção Essa produção é claro provoca uma nova busca de mercados consumidores e de maiores necessidades de matériasprimas como o algodão Assim na segunda metade do século XVIII as colônias da América são vistas como importantes fontes para alimentar o processo industrial inglês Outro elemento que colaborou para a mudança da atitude inglesa com relação às colônias foram as guerras do século XVIII Essas guerras obrigaram a uma maior presença de tropas britânicas na América causando inúmeros atritos Os acordos ao final desses conflitos nem sempre foram favoráveis aos colonos Por fim guerras como a dos Sete Anos mesmo terminando com a vitória da Inglaterra implicaram altos gastos Eram inúmeras as vozes no Parlamento da Inglaterra que desejavam ver as colônias da América colaborando para o pagamento desses gastos A Guerra dos Sete Anos estabelecera uma maior presença militar nas colônias A Coroa decidiu manter um exército regular na América a um custo de 400 mil libras por ano Para o sustento desse exército os colonos passariam a ver aumentada sua carga de impostos Situação desagradável para os colonos pagar por um exército que a rigor estava ali para policiálos O final da Guerra dos Sete Anos também trouxe novos problemas entre colonos e índios Vencido o inimigo francês os colonos queriam uma expansão mais firme entre os montes Apalaches e o rio Mississipi áreas tradicionais de grandes tribos indígenas O resultado disso foi uma nova fase de guerra entre os índios e os colonos Várias tribos unidas numa confederação devastaram inúmeros fortes ingleses com táticas de guerrilha Contra essa rebelião liderada por Pontiac os ingleses usaram de todos os recursos inclusive espalhar varíola entre os índios Apesar da derrota dos índios o governo inglês decidiu apaziguar os ânimos e em setembro de 1763 o rei Jorge III proibiu o acesso dos colonos a várias áreas entre os Apalaches e o Mississipi O decreto de Jorge III reconhecia a soberania indígena sobre essas áreas afirmando também que Considerando que é justo e razoável e essencial ao nosso interesse e à segurança de nossas colônias que as diversas nações ou tribos de índios como as que estamos em contato e que vivem sob nossa proteção não sejam molestadas ou incomodadas na posse das ditas partes de nossos domínios HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 76 Geralmente pouco considerada a Declaração de 1763 é uma origem importantíssima para a revolta colonial contra a Inglaterra Importante em primeiro lugar porque fere os interesses de expansão dos colonos Tanto os que exploravam as peles como os que plantavam fumo viam nessas ricas terras que o decreto agora reconhecia como indígena uma ótima oportunidade de ganho Importante também porque representava uma mudança grande da Coroa inglesa em relação às colônias da América o início de uma política de interferência nos assuntos internos dos colonos O ano de 1763 marcou uma mudança na história das relações entre a Inglaterra e suas colônias AS LEIS DA RUPTURA A Inglaterra tornouse após a Guerra dos Sete Anos a grande potência mundial e passou a desenvolver uma política crescente de domínio político e econômico sobre colônias A Lei do Açúcar American Revenue Act ou Sugar Act em 1764 representou outro ato dessa nova política Essa lei reduzia de seis para três pence o imposto sobre o melaço estrangeiro mas estabelecia impostos adicionais sobre o açúcar artigos de luxo vinhos café seda roupas brancas Desde 1733 havia lei semelhante no entanto os impostos sobre os produtos perdiamse na ineficiência das alfândegas inglesas nas colônias O que irritava os colonos não era tanto a Lei do Açúcar mas a disposição da Inglaterra em fazêla cumprir Criouse uma corte na Nova Escócia com jurisdição sobre todas as colônias da América para punir os que não cumprissem essa e outras leis Além disso a Lei do Açúcar procurava destruir uma tradição dos colonos da América comprar o melaço para o comércio triangular onde ele fosse oferecido em melhores condições Isso significava que a escolha nem sempre recaía sobre as ilhas inglesas do Caribe mas também sobre as possessões francesas Ao indicar em sua introdução que seu objetivo era melhorar a receita deste reino a Lei do Açúcar torna claro o mecanismo mercantilista que a Inglaterra pretendia No segundo século da colonização a Coroa britânica queria fazer as colônias cumprirem a sua função de colônias engrandecimento da metrópole Ficava clara uma mudança na política inglesa Os colonos reagiram imediatamente Um deles James Otis publicou uma obra denunciando as medidas e reafirmando um velho princípio inglês que os colonos invocavam para si taxação sem representação é ilegal O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA 77 O que significa isso Desde a Idade Média até o século XVIII a Inglaterra sofreu muitos movimentos que afirmavam este princípio para alguém pagar um imposto taxação essa pessoa deve ter votado num representante que julgou e aprovou este imposto representação Assim foi com os burgueses que impuseram limites a Carlos I Era esse princípio tradicional da Inglaterra que Otis no fundo queria fazer valer para as colônias Além dos protestos como o de James Otis os colonos organizaram boicotes às importações de produtos ingleses como por exemplo às rendas para a confecção de vestidos No mesmo ano de 1764 o governo inglês baixa a Lei da Moeda proibindo a emissão de papéis de crédito na colônia que até então eram usados como moeda O comandante do exército britânico na América general Thomas Gage sugeria e fazia aprovar no mesmo ano a Lei de Hospedagem Essa lei determinava as formas como os colonos deveriam abrigar os soldados da Inglaterra na América e fornecerlhes alimento Mais uma vez a Lei de Hospedagem e a da Moeda revelam mudanças na política inglesa O objetivo claro da Lei da Moeda era restringir a autonomia das colônias A Lei da Hospedagem desejava em última análise tornar as colônias mais baratas para o tesouro inglês Porém é somente com a Lei do Selo de 1765 que notamos uma resistência organizada dos colonos a esta onda de leis mercantilistas A Inglaterra estabelecia em 22 de março de 1765 que todos os contratos jornais cartazes e documentos públicos fossem taxados A lei caiu como uma bomba nas colônias Foram realizados protestos em Boston e em outras grandes cidades Em Nova York um agente do governo inglês foi dependurado pelas calças num denominado poste da liberdade Um grupo chamado Filhos da Liberdade chegou a invadir e saquear a casa de Thomas Hutchinson representante do governo inglês em Massachusetts Além de todos esses atos foi convocado o Congresso da Lei do Selo Em Nova York os representantes das colônias elaboraram a Declaração dos Direitos e Reivindicações Esse documento é bastante interessante para avaliarmos o sentimento dos colonos em particular da elite comerciante às medidas inglesas O documento afirma sua lealdade em relação ao rei Jorge III No entanto invoca para as colônias os mesmos direitos que os ingleses tinham na metrópole O documento afirma lembrando uma tradição que remonta às idéias do filósofo inglês Locke que nenhuma lei pode ser válida sem uma representação dos colonos na Câmara dos Comuns Por fim pede a Declaração que essa e outras leis que restringem o comércio sejam abolidas HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 78 Com a Lei do Selo a Coroa havia incomodado a elite das colônias A reação foi grande assustando os agentes do tesouro da Inglaterra Houve um movimento de boicote ao comércio inglês no verão de 1765 decaiu o comércio com a Inglaterra em 600 mil libras Em quase todas as colônias os agentes do tesouro inglês eram impossibilitados de colocar os selos nos documentos A reação era generalizada Em 1766 o Parlamento inglês viu se obrigado a abolir a odiada lei Os colonos haviam demonstrado sua força A Inglaterra retrocedia para avançar mais logo em seguida Um novo ministério formado na Inglaterra traria ao poder homens mais dispostos a submeter a colônia do que ceder às pressões dos colonos O ministro da Fazenda Charles Townshend decretou em 1767 medidas O Massacre de Boston gravura de Paul Revere O episódio do Massacre de Boston foi usado largamente como propaganda por parte dos adeptos da separação O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA 79 que foram conhecidas como Atos Townshend Esses atos lançavam impostos sobre o vidro corantes e chá A Assembléia de Nova York foi dissolvida por não cumprir a Lei de Hospedagem Foram nomeados novos funcionários para reprimir o contrabando bastante praticado nas colônias O resultado dessas novas leis foi novos protestos novos boicotes e declarações dos colonos contra as medidas As leis acabariam sendo revogadas No entanto em Boston quase ao mesmo tempo em que se deu a anulação dos Atos Townshend um choque entre americanos e soldados ingleses tornaria as relações entre as duas partes muito difíceis Protestando contra os soldados um grupo de colonos havia atirado bolas de neve contra o quartel O comandante assustado mandara os soldados defenderem o prédio Estes acabaram disparando contra os manifestantes Cinco colonos morreram Seis outros colonos foram feridos mas conseguiram sobreviver Era 5 de março de 1770 O Massacre de Boston como ficou conhecido foi usado largamente como propaganda dos que eram adeptos da separação Um desenho com a cena do massacre percorreu a colônia O cheiro de guerra começava a ficar mais forte CHÁ AMARGO Mais uma vez entra em cena o chá Mais uma vez surge o mercantilismo que a Inglaterra parece disposta a implantar nas colônias Mais uma vez a reação dos colonos Para favorecer a Companhia das Índias Orientais que estava à beira da falência o governo britânico lhe concede o monopólio da venda do chá para as colônias americanas Os colonos tinham o mesmo hábito britânico do chá Tal como na Inglaterra o preço da bebida vinha baixando tornandoa cada vez mais popular Com o monopólio do fornecimento de chá nas mãos de uma companhia os preços naturalmente subiriam A reação dos colonos à lei foi pelo menos original Primeiro a população procurou substituir o chá por café e chocolate para escapar ao monopólio Além disso na noite de 16 de dezembro de 1773 150 colonos disfarçados de índios atacaram 3 navios no porto de Boston e atiraram o chá ao mar Era a Boston Tea Party Festa do Chá de Boston Cerca de 340 caixas de chá foram arremessadas ao mar Um patriota entusiasmado disse O porto de Boston virou um bule de chá esta noite HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 80 A reação do Parlamento inglês foi forte Foram decretadas várias leis que os americanos passaram a chamar de leis intoleráveis A mais conhecida delas interditava o porto de Boston até que fosse pago o prejuízo causado pelos colonos A colônia de Massachusetts foi transformada em colônia real o que emprestava grandes poderes a seu governador O direito de reuniões foi restringido A Inglaterra demonstrava que não toleraria oposições às suas leis No lugar da esperada submissão das colônias a Inglaterra conseguiu com estas medidas apenas incentivar o processo de independência Nessa ilustração de Paul Revere oficiais ingleses obrigam a América a tomar chá amargo uma alusão à arbitrária lei britânica que concedia à Companhia das Índias Orientais o monopólio da venda do chá para as colônias A RUPTURA E O NOVO PAÍS A Independência das 13 colônias foi influenciada por muitos autores do Iluminismo movimento filosófico de crítica ao poder dos reis e à exploração das colônias por meio de monopólios Dos filósofos do mundo iluminista um dos mais importantes para os colonos foi John Locke O inglês John Locke filho de uma família protestante nasceu em 1632 Viveu o agitado século XVII na Inglaterra e quando Guilherme e Maria de Orange foram entronados olhou com aprovação para o novo governo que se instalava As idéias de Locke estavam profundamente relacionadas com a Revolução Gloriosa inglesa que estabeleceu o governo de Guilherme e Maria e consagrou a supremacia do Parlamento na Inglaterra Na sua maior obra política Ensaio sobre o governo civil Locke justifica os acontecimentos da Inglaterra O filósofo desenvolveu a idéia de um Estado de base contratual Esse contrato imaginário entre o Estado e os seus cidadãos teria por objetivo garantir os direitos naturais do homem que Locke identifica como a liberdade a felicidade e a prosperidade Para o filósofo a maioria tem o direito de fazer valer seu ponto de vista e quando o Estado não cumpre seus objetivos e não assegura aos cidadãos a possibilidade de defender seus direitos naturais os cidadãos podem e devem fazer uma revolução para depôlo Ou seja Locke é também favorável ao direito à rebelião Esse princípio de resistência à tirania justificava a revolta dos ingleses diante das medidas autoritárias dos Stuart no trono da Inglaterra Tais princípios expostos na obra de Locke tornaramse com o tempo parte da tradição política da Inglaterra Muitos ingleses que emigraram para as colônias conheciam as idéias do filósofo Os estudantes das colônias que HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 82 iam para a Europa em busca das universidades voltavam influenciados por ele e por outros pensadores Dessas e de muitas outras formas as idéias liberais atravessavam o oceano e frutificavam nas colônias onde encontravam terreno fértil passando a fazer parte da tradição política também do Novo Mundo O filósofo inglês defendia a participação política para determinar a validade de uma lei As leis inglesas eram votadas sem que os colonos participassem da votação Por várias vezes os colonos recusaramse a aceitar leis votadas por um parlamento no qual eles não tinham assento alegando o direito de participar em decisões que os afetariam Na visão dos colonos o governo inglês não procurava preservar a vida a liberdade e a propriedade Pelo contrário atentava com sua legislação mercantilista contra a propriedade dos colonos e por vezes como no Massacre de Boston contra a própria vida dos colonos As palavras de Locke Segundo tratado sobre o governo assumiam na colônia o papel de ideário de uma revolução Quem quer que use força sem direito como o faz todo aquele que deixa de lado a lei colocase em estado de guerra com aqueles contra os quais assim a emprega e nesse estado cancelamse todos os vínculos cessam todos os outros direitos e qualquer um tem o direito de defenderse e de resistir ao agressor É interessante identificarmos na Declaração de Independência das 13 colônias longos trechos extraídos das idéias de Locke O filósofo inglês ao pretender justificar um movimento em sua terra acabou servindo de base quase um século depois para um movimento contra o domínio da Inglaterra a mesma Inglaterra que Locke tanto amava DÊEMME A LIBERDADE OU DÊEMME A MORTE Essa frase foi dita por um patriota americano Patrick Henry Give me liberty or give me death Ela representa muito do crescente estado de espírito que as leis inglesas iam provocando nas colônias Quando a Inglaterra começou sua política mercantilista os colonos americanos passaram de forma crescente a protestar contra esses fatos E importante lembrar que não havia na América do Norte de forma alguma uma nação unificada contra a Inglaterra Na verdade as 13 colônias não se uniram por um sentimento nacional mas por um sentimento antibritânico Era o crescente ódio à Inglaterra não o amor aos Estados Unidos que nem existiam ainda que tornava forte o movimento pela A RUPTURA E O NOVO PAÍS 83 independência Mesmo assim esse sentimento a favor da independência não foi unânime desde o princípio Já vimos anteriormente que o Sul era mais resistente à idéia da separação E tanto entre as elites do Norte como as do Sul outro medo era forte o de que um movimento pela independência acabasse virando um conflito interno incontrolável em que os negros ou pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles Na verdade as elites latifundiárias ou comerciantes das colônias resistiram bastante à separação aceitandoa somente quando ficou claro que a metrópole desejava prejudicar seus interesses econômicos As sociedades secretas foram uma das primeiras reações dos colonos contra as medidas inglesas A mais famosa delas foi Os Filhos da Liberdade que estabeleceu uma grande rede de comunicações em muito facilitando a articulação entre os colonos Os Filhos da Liberdade também eram uma escola de política pois seus membros liam as principais obras políticas como a de Locke entre outras para darem base intelectual ao movimento Houve também um grupo feminino intitulado Filhas da Liberdade com o mesmo propósito As mulheres também organizaram Ligas do Chá com o objetivo de boicotar a importação de chá inglês Nas grandes cidades como Nova York e Boston mulheres encabeçavam campanhas contra produtos elegantes importados da Inglaterra e incentivavam produtos feitos em casa mais simples porém mais patrióticos Na Carolina do Norte um grupo de mulheres chegou a elaborar um documento chamado Proclamação Edenton dizendo que o sexo feminino tinha todo o direito de participar da vida política Mais tarde quando a guerra entre as colônias e a Coroa Britânica começou as colonas demonstraram mais uma habilidade foram administradoras das fazendas e negócios enquanto os maridos lutavam A continuidade das medidas inglesas para as 13 colônias levou os colonos a organizarem o Congresso Continental da Filadélfia mais tarde conhecido como Primeiro Congresso Continental Representantes de quase todas as colônias com exceção da Geórgia acabaram elaborando uma petição ao rei Jorge protestando contra as medidas O texto redigido em 1774 era moderado o que mostra que a separação não era ainda um consenso Depois de protestar contra as medidas inglesas os colonos encerraram o documento dizendo que prestavam lealdade a sua Majestade O conservadorismo da elite colonial reunida no Congresso não foi suficiente para uma generosa influência de Locke no texto enviado ao rei A reação inglesa foi ambígua Ao mesmo tempo em que houve tentativas de conceder maiores regalias aos colonos foi aumentado o número de soldados ingleses na América Esse incremento da força militar acabou HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 84 estimulando um inevitável choque entre as forças dos colonos e as inglesas Em Lexington e Concord ocorreram os primeiros choques armados Em meio ao início de hostilidades deuse o Segundo Congresso da Filadélfia Esse Congresso acabaria reunindo todas as colônias inclusive a resistente Geórgia Inicialmente apenas renovou seus protestos junto ao rei que acabou se decidindo a declarar as colônias em rebeldia A opinião dos congressistas estava dividida enquanto panfletos como o de Thomas Paine Senso comum Common Sense pregavam enfaticamente a separação e atribuíam ao rei os males das colônias Pode parecer contraditório mas Paine nasceu na Inglaterra Entretanto aos 37 anos já era um cidadão do mundo quando chegou à América em Mulheres patriotas organizam boicotes a produtos ingleses e incentivam a produção caseira Na ilustração as damas da Sociedade de Senhoras Patriotas de Edenton Carolina do Norte jurando não tomar mais chá até a libertação e defendendo a participação feminina na vida política americana A RUPTURA E O NOVO PAÍS 85 1774 Filho do dono de uma fábrica de espartilhos o ativista teve uma vida atribulada e marcada por movimentos políticos Falido e divorciado passou nove semanas dentro de um navio até chegar à Pensilvânia Nos jornais da Pensilvânia adquire fama de escritor radical contrário à escravidão e adepto da independência das colônias A 10 de janeiro de 1776 o folheto Senso comum chega às livrarias da Filadélfia Em meio às agitações políticas do inverno de 1776 as cinqüenta páginas desse folheto divulgado como anônimo teriam uma importância muito grande fundamental como elemento de propaganda Suas afirmações foram espalhadas pelas colônias com grande velocidade Como o próprio nome diz Paine sistematizou um sentimento que era crescente entre os colonos um senso comum e bom deu forma escrita à revolta e corpo às idéias esparsas e aos protestos contra a Inglaterra Diz o autor A Inglaterra é apesar de tudo a pátriamãe dizem alguns Sendo assim mais vergonhosa resulta sua conduta porque nem sequer os animais devoram suas crias nem fazem os selvagens guerra a suas famílias de modo que esse fato voltase ainda mais para a condenação da Inglaterra Europa é a nossa pátriamãe não a Inglaterra Com efeito este novo continente foi asilo dos amantes perseguidos da liberdade civil e religiosa de qualquer parte da Europa a mesma tirania que obrigou aos primeiros imigrantes a deixar o país segue perseguindo seus descendentes Firmemente republicano Paine ataca não só o abuso da monarquia sobre as colônias mas também a própria monarquia como instituição A necessidade de uma constituição é ressaltada no folheto Na visão de Paine um corpo de leis elaborado nas colônias seria o mais lógico e conveniente para a vida dos colonos Era a hora da separação A Europa está separada em muitos reinos para que possa viver muito tempo em paz e onde quer que estoure uma guerra entre a Inglaterra e qualquer potência estrangeira o comércio da colônia sofre ruínas por causa de sua conexão com a GrãBretanha Tudo o que é justo ou razoável advoga em favor da separação O sangue dos que caíram e a voz chorosa da natureza exclamam Já é hora de separarnos Inclusive a distância que o TodoPoderoso colocou entre a Inglaterra e as colônias constitui uma prova firme e natural de que a autoridade daquela sobre estas nunca entrou nos desígnios do Céu O próprio autor manifestouse surpreso com o sucesso do seu folheto Mais tarde porém mais vaidoso afirmava numa carta que a importância daquele panfleto foi tanta que se não tivesse sido publicado e no momento exato em que o foi o Congresso não teria se reunido ali onde se reuniu A obra deu à política da América um rumo que lhe permitiu enfrentar a questão HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 86 O sucesso dos escritos de Paine está ligado ao que no início do livro chamamos de espírito de Macbeth Essa modernidade política é exatamente a capacidade de separar as partes constitutivas da política como um todo avaliá las de forma quase abstrata manipular os conceitos e jogar com eles a favor de um determinado interesse Paine afirma que a sociedade é produzida por nossas necessidades o governo por nossa iniqüidade A Inglaterra é negada em sua condição de mãepátria por seus erros pregando o autor a separação A 2 de julho de 1776 o Congresso da Filadélfia acaba decidindose pela separação e encarrega uma comissão de redigir a Declaração da Independência A Declaração fica pronta dois dias depois em 4 de julho O teor da Declaração de Independência é típico desse pensamento ilustrado presente nas colônias no século XVIII Em muitos aspectos lembra o panfleto de Paine misturando elementos de pensamento racional com argumentos religiosos Thomas Jefferson não é o único mas é o mais importante autor desse documento A consciência de que as colônias inglesas da América do Norte pretendiam algo inédito separarse da metrópole deu aos autores do texto um sentido de importância e majestade como se as colônias estivessem diante do tribunal do mundo A América WASP declara a Independência A RUPTURA E O NOVO PAÍS 87 Em 4 de julho de 1776 o Congresso se reuniu na Filadélfia e proclamou com o apoio da população o surgimento de uma nova nação os Estados Unidos da América Na ilustração O espírito de 1776 de Archibald M Willard simboliza a Independência HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 88 Quando no curso dos acontecimentos humanos tornase necessário para um povo dissolver o vínculo político que o mantinha ligado a outro e assumir entre as potências da terra a situação separada e igual a que as leis da natureza e o Deus da natureza lhe dão direito um decoroso respeito às opiniões da humanidade exige que ele declare as causas que o impelem à separação Os representantes das colônias reunidos na Filadélfia resolveram então explicar ao mundo o que o mundo não tinha perguntado as causas da separação Para isso enumeram 27 atitudes da Inglaterra que prejudicaram as colônias A explicação e a justificativa não se destinavam à humanidade como dizia o texto mas aos próprios colonos que só pouco antes haviam decidido pela separação Os problemas que a Declaração de Independência enumera já são nossos conhecidos as leis mercantilistas as guerras que prejudicavam os interesses dos colonos a existência de tropas inglesas que os colonos deviam sustentar etc A paciência dos colonos sua calma e ponderação são destacadas em oposição à posição intransigente e autoritária do rei da Inglaterra no caso Jorge III Interessante que dentro do sistema parlamentarista inglês o rei tem menos importância do que o Ministério As ações contra os colonos não partiram diretamente de Jorge III mas dos ministros que pelo Parlamento as impunham à aprovação real A Declaração no entanto resolve concentrar seus ataques na figura do rei tentando talvez criar um inimigo conhecido e fixo No último parágrafo por fim o rompimento definitivo é anunciado As colônias declaramse estados livres e independentes sem qualquer ligação com a GrãBretanha Invocando a proteção divina selam a primeira Independência das Américas A Declaração foi recebida com entusiasmo por quase todos os colonos Em Nova York a estátua do rei Jorge III foi derrubada pela população entusiasmada Em quase todas as colônias houve festas Declarar independência era porém mais fácil do que lutar por ela As colônias tiveram que enfrentar uma guerra para garantir essa independência diante da Inglaterra George Washington fazendeiro da Virgínia foi nomeado comandante das forças rebeldes As hostilidades haviam começado em Lexington e Concord como dissemos Foi organizado o Exército Continental uma força regular a cargo de Washington Porém a Guerra de Independência é também fruto da luta das milícias grupos mais ou menos autônomos de colonos que faziam atos de sabotagem contra o Exército inglês Nessa época desenvolvese uma noção muito importante para os Estados Unidos os minutemen homens A RUPTURA E O NOVO PAÍS 89 que deveriam estar prontos para defenderse a qualquer minuto dos ataques da Inglaterra sendo os verdadeiros cidadãos em armas Em decorrência dessa mentalidade na futura Constituição dos EUA seria garantido o direito ao cidadão de portar armas princípio mantido até hoje Se na época da guerra contra a Inglaterra essa idéia tinha uma certa validade hoje ela é um obstáculo ao desarmamento da população A guerra não foi fácil Os ingleses enviaram vários generais conceituados como William Howe John Burgoyne e Lord Corwallis e tropas apoiadas pela maior marinha do mundo Apesar do entusiasmo dos colonos a experiência e a marinha britânicas pareciam ser obstáculos quase intransponíveis Os ingleses pagaram ainda uma grande quantidade de mercenários alemães famosos pela energia de ataque para lutar na América Para piorar a situação dos rebeldes muitos colonos passaram para o lado dos ingleses contrários à Independência ou simplesmente em busca de recompensas imediatas Houve traições ainda mais graves como a do general Benedict Arnold que levou aos ingleses muitas informações sobre as forças rebeldes Havia uma parte dos colonos entusiasmada com a causa da ruptura Havia uma parte leal à Coroa Britânica e havia um grande número de colonos absolutamente indiferente aos dois lados Um dos fatores que mais uniu os colonos em tomo da causa da Independência foi a violência inglesa Banastre Tarleton por exemplo foi apelidado de açougueiro pelos norteamericanos pela ferocidade com que matava mulheres e crianças e incendiava aldeias inteiras Um dos objetivos de Tarleton era capturar um gerrilheiro próIndependência Francis Murion apelidado de Raposa do Pântano Tarleton morreu com título de Sir na Inglaterra em 1833 Francis Murion morreu como um respeitado patriota na Carolina do Sul em 1795 Cada um foi herói para o seu país A guerra foi uma sucessão de batalhas que ora favoreciam os britânicos ora os colonos Vitórias dos colonos como em Saratoga permitiram que o embaixador das colônias Benjamin Franklin conquistasse em definitivo o apoio espanhol e francês A França enviou exército e marinha sob o comando do marquês de Lafayette e do general Rochambeau A Holanda também aproveitou a guerra para atacar possessões inglesas ainda que a princípio não reconhecesse a independência das colônias As rivalidades européias dessa vez eram canalizadas a favor dos colonos A entrada da França e da Espanha mudou os rumos da guerra O conflito havia se deslocado para o Sul Em 19 de outubro de 1781 as tropas de colonos e seus aliados obtêm a vitória decisiva em Yorktown na Virgínia Dois anos após a vitória de Washington em 1783 pelo Tratado de Paris a França recebia HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 90 o Senegal na África e algumas ilhas das Antilhas a Espanha recebia a ilha de Minorca no Mediterrâneo e territórios da Flórida Pela primeira vez na história um país da Europa reconhecia a independência de uma colônia OS PAIS DA PÁTRIA A tradição política e historiográfica norteamericana elegeu alguns homens como pais da pátria ou pais fundadores Eles figuram com rostos felizes nas também felizes notas de dólar George Washington e Benjamin Franklin são dois dos mais destacados O povo de Nova York derruba a estátua do rei Jorge III as colônias rompem com antigos símbolos Logo surgirão outros como os pais da pátria A RUPTURA E O NOVO PAÍS 91 George Washington era um fazendeiro da Virgínia Lutou nas guerras coloniais e adquiriu fama de bom militar Quando a Independência aconteceu tornouse chefe maior das tropas americanas contra as inglesas Nascido em 1732 Washington pertencia à elite colonial A participação dele no Primeiro e Segundo Congressos da Filadélfia não é algo estranho A Independência e a construção do novo regime republicano foi um projeto levado adiante pelas elites das colônias Escravos mulheres e pobres não são os líderes desse movimento a Independência norteamericana é um fenômeno branco predominantemente masculino e latifundiário ou comerciante Washington é o pai dessa pátria uma parte da nação que em 1776 identificouse com a noção de toda a pátria Benjamin Franklin foi um dos mais famosos intelectuais do século XVIII Sua imagem é associada com freqüência ao páraraio bibliotecas públicas corpo de bombeiros e outras instituições que se não foram inteiramente criação sua muito lhe devem Nascido em Boston em 1706 Franklin representa o elemento urbano que participou do processo de independência Franklin foi alimentando ao longo de sua vida idéias sobre a liberdade e a democracia Crítico da escravidão foge do pensamentopadrão dos outros líderes tendo em vista que a escravidão foi um dos elementos em que não chegaram as idéias de liberdade pregadas pelos colonos Franklin defendera desde muito cedo a unidade das colônias Vimos que é de sua autoria o Plano de União de Albany em 1745 Honesto trabalhador Franklin reúne todas as condições para tomarse um pai da pátria Em 1748 ainda longe do destaque que o movimento de independência lhe traria Franklin dava instruções a um jovem aprendiz Recorda que tempo é dinheiro Recorda que crédito é dinheiro O dinheiro pode gerar dinheiro e tua prole pode gerar mais O caminho da riqueza depende principalmente de duas palavras diligência e frugalidade isto é não desperdices tempo nem dinheiro mas os emprega da melhor maneira possível Quem ganha tudo o que pode honradamente e guarda tudo o que ganha excetuando os gastos necessários sem dúvida alguma chegará a ser rico se este Ser que governa o mundo a quem todos devemos pedir a bênção para nossas empresas honestas não determina o contrário na Sua sábia providência O bom trabalhador protestante que envolve Deus em seus negócios esse é o retrato que o próprio Franklin traçou de si Trabalhar de sol a sol não desperdiçar poupar e acumular regras franklinianas para um viver HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 92 feliz Franklin é o pai de outra parte da pátria os protestantes dedicados a guardar o dinheiro que Deus lhes envia em retribuição a seus esforços E PLURIBUS UNUM Essa frase em latim significa de muitos um Ela foi escolhida como lema do novo país e consta em muitos símbolos oficiais dos Estados Unidos Representa o surgimento de um país unificado nascido de muitas colônias Essa unidade porém não era tão fácil de ser sustentada A unidade contra os ingleses não significou em tempo algum um sentimento nacional de fato A idéia de ser membro de um país deveria ser construída e essa construção não terminaria com a Independência A bandeira já havia sido escolhida Tinha 13 listras alternando o vermelho e o branco cada listra representando uma colônia No canto superior esquerdo 13 estrelas sobre um fundo azul A primeira foi confeccionada por Betsy Ross Cada novo estado que ao longo da história foi sendo incorporado ao país hoje são cinqüenta acrescentou uma nova estrela nesta área Como símbolo dos Estados Unidos também foi escolhida uma ave a águia careca animal típico da América do Norte Houve protestos contra a escolha Por incrível que pareça alguns chegaram a sugerir o peru como ave nacional porque além de ser também típico da América era mais sociável e menos agressivo Prevaleceu a águia O trabalho de construção de identidade entretanto seria longo bem mais complicado do que escolher uma ave ou bandeira Na expressão do historiador norteamericano Joyce Appleby Inheriting the Revolution houve ainda uma geração inteira que teve que se conscientizar de que era americana e absorver os novos valores republicanos e de independência Por meio da análise de muitas cartas e biografias da época Appleby fala de uma geração que se viu diante da tarefa de inventar um país na América Pela primeira vez uma colônia ficara independente Deviase a partir de então criar um país livre com novos princípios A primeira dificuldade era exatamente a existência não de uma colônia mas sim de 13 A luta contra os ingleses havia unido as 13 colônias Desaparecido o inimigo em comum restavam os problemas da organização política interna Para enfrentálos Benjamin Franklin havia proposto os Artigos de uma Confederação e União Perpétua ainda antes da independência de fato Com base nesse texto uma comissão passou a elaborar uma Constituição A lenta discussão preparatória da Constituição perturbava o andamento de outras medidas Unidade em torno de um governo central forte ou A RUPTURA E O NOVO PAÍS 93 liberdade para as colônias agirem de forma mais autônoma Esse problema fora levantado ainda antes da Independência e permaneceu mal resolvido até o século XIX acabando por gerar a Guerra Civil Americana Durante vários meses a Convenção da Filadélfia discutiu o texto da nova Constituição James Madison foi um dos mais destacados redatores desse texto Desde que foi submetido ao Congresso em setembro de 1787 até maio de 1790 quando ratificado pelo mesmo Congresso transcorreram quase três anos demonstrando a dificuldade de consenso em torno de algumas questões De muitas formas o texto constitucional é inovador Começa invocando o povo e falando dos direitos inspirados em Locke A nação americana procurava assentar sua base jurídica na idéia de representatividade popular ainda que o conceito de povo fosse nesse momento extremamente limitado Já no início da Constituição encontramos a expressão Nós o povo dos Estados Unidos Quem eram nós Certamente não todos os habitantes das colônias A maior parte dos americanos estava excluída da participação política O processo de independência fora liderado por comerciantes latifundiários e intelectuais urbanos Com a Constituição cada estado por exemplo tinha a liberdade de organizar suas próprias eleições O momento histórico da assinatura da Constituição na interpretação do artista Howard C Christy HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 94 O federalismo autonomia para cada estado é um conceito que atravessa toda a Constituição A Constituição criou uma república federalista presidencial O governo de cada colônia agora estado procura se equilibrar com o governo federal Além disto os poderes estão dentro da tradição ensinada pelo filósofo Montesquieu divididos em Executivo Legislativo e Judiciário Por seu caráter bastante amplo a carta magna dos Estados Unidos assegurou a sua durabilidade Ao contrário da primeira constituição brasileira de 1824 a norteamericana estabelece princípios gerais e suficientemente vagos para garantirem sua estabilidade e permanência À Suprema Corte dos Estados Unidos iria caber no futuro o papel de interpretar a constituição e decidir sobre a constitucionalidade ou não das leis estaduais e das decisões presidenciais A eleição de Washington como o primeiro presidente era um fato mais ou menos óbvio Era o único a contar com apoio em quase todos os estados Um colégio eleitoral constituído de eleitores por estados deu maioria de votos a Washington e a vicepresidência a John Adams AS REPERCUSSÕES DA INDEPENDÊNCIA O primeiro país atingido pela Independência dos Estados Unidos foi a Inglaterra O rei Jorge III que vinha tentando uma maior concentração de poderes ficou extremamente desacreditado com a separação das 13 colônias A derrota inglesa e o Tratado de Paris abalaram momentaneamente a expansão inglesa A França absolutista de Luís XVI também foi atingida Os soldados franceses que haviam lutado na Independência voltaram para a Europa com idéias de liberdade e república Haviam lutado contra uma tirania na América e de volta à pátria reencontravam um soberano absoluto No entanto só 13 anos depois da Independência norteamericana esse germe de liberdade frutificará na França As despesas do Estado francês com a guerra no alémmar foram elevadas fazendo o já debilitado tesouro francês sofrer bastante As vantagens obtidas pelo Tratado de Paris só supriram parte do déficit Dessa forma também a Revolução Americana colaborou para enfraquecer o poder real e desencadear a Revolução Francesa Para o resto da América os Estados Unidos serviriam como exemplo Uma independência concreta e possível passou a ser o grande modelo para as colônias ibéricas que desejavam separarse das metrópoles Os princípios iluministas que também influenciavam a América ibérica demonstraram A RUPTURA E O NOVO PAÍS 95 ser aplicáveis em termos concretos Soberania popular resistência à tirania fim do pacto colonial tudo isso os Estados Unidos mostravam às outras colônias com seu feito Para os índios a Independência foi negativa pois a partir dela aumentou a pressão expansionista dos brancos sobre os territórios ocupados pelas tribos indígenas Para os negros escravos foi um ato que em si nada representou Temos notícia de um grande aumento do número de fugas durante o período da Guerra de Independência Thomas Jefferson declarou que em 1778 a Virgínia perdeu trinta mil escravos pela fuga No entanto nem à Inglaterra que dependia do trabalho escravo em áreas como a Jamaica nem aos colonos os sulinos em particular interessavam que a Guerra de Independência se transformasse numa guerra social entre escravos e latifundiários o que de fato não ocorreu Com todas as suas limitações o movimento de independência significava um fato histórico novo e fundamental a promulgação da soberania popular como elemento suficientemente forte para mudar e derrubar formas estabelecidas de governo e da capacidade tão inspirada em Locke de romper o elo entre governantes e governados quando os primeiros não garantissem As negociações de paz foram retratadas pelo artista Benjamin West mas os delegados ingleses se recusaram a posar para o quadro que ficou incompleto HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 96 aos cidadãos seus direitos fundamentais Existia uma firme defesa da liberdade a princípio limitada mas que se foi estendendo em diversas áreas Já nas dez primeiras emendas à Constituição em 1791 os direitos e liberdades individuais são esclarecidos e aprofundados Essas emendas chamadas Bill of Rights são muitas vezes consideradas mais importantes do que todo o texto da Constituição A Primeira Emenda proíbe que se estabeleça uma religião oficial ou se limite o exercício de qualquer religião A liberdade de expressão e de imprensa são declaradas fundamentais e o povo tem o direito de reunirse pacificamente e fazer petições contra um ato governamental que não lhe agrade A Segunda Emenda garante o direito de cada cidadão ao porte de armas A Terceira trata da proibição de se alojar soldados nas casas sem consentimento do proprietário Outras emendas falam do direito ao júri do direito a um julgamento público e rápido proíbem multas excessivas e penas cruéis e no máximo do cuidado democrático a Nona Emenda afirma que todos os direitos garantidos nas emendas não significam que outros não escritos não sejam válidos também Surgia um novo país que apesar de graves limitações aos olhos atuais permanência da escravidão falta de voto de pobres e de mulheres causava admiração por ser uma das mais avançadas democracias do planeta naquela ocasião Essas realidades encantariam um pensador francês em visita aos Estados Unidos no século XIX Alexis de Tocqueville que entusiasmado afirmou Há países onde um poder de certo modo exterior ao corpo social age sobre ele e o força a marchar em certa direção Outros há em que a força é dividida estando ao mesmo tempo situada na sociedade e fora dela Nada de semelhante se vê nos Estados Unidos ali a sociedade age sozinha e sobre ela própria O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo É ele a causa e o fim de todas as coisas tudo sai de seu seio e tudo se absorve nele Entretanto o mesmo Tocqueville vindo de uma sociedade aristocrática não deixa de tecer críticas à maneira de ser da jovem nação Em passagem venenosa o autor declara Freqüentemente observei nos Estados Unidos que não é fácil fazer uma pessoa compreender que sua presença pode ser dispensada e as insinuações nem sempre bastam para afastála Se contradigo um americano a cada palavra que diz para lhe mostrar que sua conversação me aborrece ele logo se esforça com redobrado ímpeto para me convencer se mantenho um silêncio mortal ele julga que estou meditando profundamente nas verdades que profere se por fim fujo da sua companhia ele supõe que algum assunto urgente me chama para outro lugar Esse homem nunca compreenderá que me cansa mortalmente a não ser que eu diga e assim a única maneira de me ver livre dele é transformálo em meu inimigo pela vida inteira A RUPTURA E O NOVO PAÍS 97 Como vemos a admiração pela política do novo país não era ampliada para a admiração pela conversa dos novos cidadãos Estava mais uma vez registrada a ambigüidade permanente do mundo com relação aos EUA Ilustração da primeira sede do governo americano o Federal Hall em Nova York Sobre a fachada em estilo colonial a águia símbolo do novo país No balcão George Washington presta juramento como presidente OS EUA NO SÉCULO XIX Eu celebro a mim mesmo e canto a mim mesmo E o que eu pensar também vais pensar Pois cada átomo que pertence a mim igualmente pertence a ti Walt Whitman INVENTANDO A NOVA NAÇÃO O QUE FAZER COM A LIBERDADE CONQUISTADA Após os anos iniciais de nação independente os Estados Unidos da América precisavam definir o modelo republicano a ser adotado Depois de tanto tempo em conflito e por ser formado por inúmeras regiões distantes não apenas geograficamente mas também nos costumes e nas práticas econômicas o país precisava encontrar unidade para que o governo fosse capaz de dar conta de tantas diferenças A guerra contra a Inglaterra tinha unido as colônias mas sem ter criado de fato uma nação homogênea e bem integrada Os interesses locais eram predominantes e poucos estavam dispostos a abrir mão deles para formar algo que ainda era uma novidade os Estados Unidos da América George Washington havia sido um grande líder militar e o primeiro governante Seu vicepresidente tornouse o chefe seguinte do Executivo John Adams 17971801 e ainda teve de lidar com os efeitos da guerra contra a Inglaterra e com os debates em torno da naturalização de imigrantes Normalmente é ao terceiro presidente Thomas Jefferson 17431826 que a memória dos norteamericanos atribui a obra de construção política do jovem país Thomas Jefferson havia lutado pela independência e desempenhou papel ativo na Constituição Intelectual refinado e erudito queria combater o que ele supunha ser a tradição aristocrática da Inglaterra Para formar um novo país e mais justo do que a tradição britânica ele se baseava num sólido republicanismo Para ele a igualdade rural dos tempos da colônia sem HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 102 títulos de nobreza e com assembléias de homens tornados iguais pela lei e pelos princípios políticos era a grande meta Seu ideal de país parecia ser uma associação de pequenos produtores diminuindo o peso do governo central ao estritamente necessário A Europa do início da industrialização com classes distintas bem evidentes e imensas cidades estava próxima da sua concepção de inferno O primeiro discurso de posse de Thomas Jefferson a 4 de março de 1801 desenvolvia seu ideal político Um governo prudente e frugal que impeça os homens de se prejudicarem uns aos outros mas ao mesmo tempo os deixe livres para regulamentar suas próprias buscas de indústria e progresso e que não tire da boca dos trabalhadores o pão ganho por eles O país como um todo permanecia fiel à visão que tinha construído de si mesmo um lugar independente democrático e autosuficiente guiado por pessoas virtuosas que marchavam em direção ao progresso O tom adotado por Jefferson acabou lhe permitindo receber grande apoio político mesmo na Nova Inglaterra em que as tendências ruralistas eram menores Os cidadãos norteamericanos pareciam acreditar que o sonho de uma república perfeita e intacta seria realizado As maiores ameaças a esse relativo sentimento de paz e vitória sem dúvida acabariam sendo as guerras na Europa num contexto internacional e a expansão para o Oeste dentro da própria nação DOBRANDO DE TAMANHO No início do século XIX as Guerras Napoleônicas e o sonho de Napoleão Bonaparte em criar um verdadeiro império não poderiam deixar de influenciar a América do Norte Os conflitos liderados pelo Império Francês de certo modo forneceriam para Jefferson uma grande oportunidade diplomática no que diz respeito aos territórios europeus na América e à expansão geográfica dos Estados Unidos Napoleão após invasão na Península Ibérica forçou a Espanha a devolver o território da Louisiana à França Nesse momento a presença francesa em terreno americano certamente representava uma ameaça maior do que a espanhola para os Estados Unidos O embaixador norteamericano foi auxiliado por James Monroe em Paris no começo das negociações com os franceses a pedido do próprio Jefferson Mas os crescentes gastos de Paris com os conflitos e batalhas modificaram o rumo dos acontecimentos O declínio das forças francesas fez Napoleão Bonaparte priorizar os combates na Europa em detrimento do sonho de expansão do império para o outro lado do Atlântico Os franceses INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 103 necessitando de dinheiro e com tropas enfraquecidas ofereceram a Louisiana para os norteamericanos por um preço de 15 milhões de dólares A compra da região pelo governo Jefferson se encaixava no desejo expansionista crescente da perfeita e solidificada república da liberdade O sentimento nacionalista começou a ganhar nova roupagem sob a forma de conquistas territoriais Mesmo antes da compra desses locais Jefferson já havia demonstrado interesse nas terras localizadas a oeste estimulando viagens de reconhecimento pelas regiões do Missouri e das Montanhas Rochosas com vistas à posterior ocupação do território selvagem A marcha para o Oeste nasceu portanto como símbolo de expansão do modo de vida da nova república nacionalista dos norteamericanos Enquanto isso as guerras na Europa continuavam e na verdade se intensificavam De um lado França império em expansão do outro Inglaterra e sua poderosa marinha de guerra Os norteamericanos ficaram em situação delicada na medida em que eram parceiros comerciais das duas potências européias envolvidas no conflito Como resposta a essa situação particular os Estados Unidos formularam uma doutrina de direitos de neutralidade entre os quais o de comerciar sem serem atacados com todas as nações envolvidas na guerra A partir da crença de que seu comércio era muito importante e totalmente necessário para os países da Europa os norteamericanos passaram a tentar utilizar esse mesmo comércio como arma de guerra e moeda de troca em negociações Os ingleses por exemplo forçavam marinheiros norte americanos presos em alto mar a lutar ao lado dos britânicos Como resposta o Congresso norteamericano em 1805 impediu a entrada de alguns produtos ingleses nos portos dos Estados Unidos Esse embargo no entanto causou um impacto muito maior para os comerciantes americanos mais dependentes desses produtos do que para os britânicos que apresentavam uma indústria sólida e consolidada Jefferson deixaria para o seu sucessor presidencial em 1809 a obrigação de encontrar soluções melhores para as questões de guerra e comércio A NOVA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA A neutralidade desejada pelo governo norteamericano não conseguiu sobreviver aos choques entre Inglaterra e França Navios eram tomados em alto mar Marinheiros americanos eram obrigados a servir em navios ingleses HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 104 O novo presidente James Madison 18091817 então tentou substituir o antigo embargo do comércio com nações agressivas que não havia funcionado pela Lei de Proibição ao Comércio promulgada no mesmo ano de 1809 em que os comerciantes eram liberados a negociar com todas as nações exceto França e Inglaterra A primeira dentre essas duas que baixasse suas restrições teria o comércio reaberto com os Estados Unidos Os lucros eram tão altos que a lei na prática mal funcionou pois era mais vantajoso continuar o comércio de modo ilegal com a França e a Inglaterra do que obedecer ao governo norteamericano Tanto o embargo comercial como a Lei de Proibição demonstravam o imenso otimismo dos norteamericanos com relação a seu próprio país A imagem que tinham de si mesmos só poderia ser imensamente positiva a ponto de Madison e seus correligionários pensarem que potências européias poderiam ceder diante de qualquer ameaça comercial vinda dos americanos Seja como for as medidas adotadas nessa questão foram em vão e pela primeira vez a nação sentiuse impotente para resolver seus próprios problemas Estava em jogo o orgulho nacional A humilhação internacional de algum modo mexeu com a identidade norteamericana Pensouse que uma guerra poderia salvar a honra dos americanos e permitir o reinício de sua marcha para o progresso e a prosperidade baseados entre outras coisas na conquista de novos territórios Em junho de 1812 Madison e o Congresso aprovaram a declaração de guerra contra a Inglaterra Pouco antes o governo em Londres resolvera revogar todas as restrições ao comércio dos Estados Unidos mas mesmo assim a guerra teve início O otimismo e a necessidade de guerra contudo não eram suficientes para vencer os britânicos A marinha britânica era maior do que o orgulho do jovem país do Novo Mundo A capital recémedificada Washington foi incendiada pelos ingleses Já Baltimore resistiu bravamente ao avanço inglês e o heroísmo de seus defensores especialmente o Forte McHenry inspirou Francis Scott Key a compor o que se tornaria o hino dos EUA The StarSpangled Banner A tentativa americana de invadir e anexar o Canadá foi ambígua com oscilações de resultados Ao final a ambição dos expansionistas que defendiam a conquista do Canadá acabou frustrada Não interessava ao Império Britânico lutar do outro lado do Atlântico com a ameaça napoleônica forte na Europa A paz foi celebrada na Bélgica Antes que as notícias dos acordos diplomáticos chegassem uma frota britânica tentou tomar Nova Orleans e acabou derrotada pelo general Andrew Jackson A Guerra de 1812 trouxe paradoxalmente certa segurança ao país pois a antiga metrópole fora novamente enfrentada e mesmo derrotados os Estados Unidos mantiveram sua independência INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 105 Há outro fato importante ocorrido durante esse período As guerras napoleônicas tinham sido fatais para o domínio hispânico na Flórida Aproveitandose da situação o governo Madison em 1813 enviou tropas para a Flórida No ano seguinte a mesma Espanha teve que enfrentar diversas manifestações de independência e revoltas liberais em suas posses coloniais na América e foi obrigada a deixar o território da Flórida em segundo plano Essa situação fez com que houvesse uma diminuição na jurisdição e na presença de funcionários espanhóis na região o que serviu de pretexto para que Madison alegando a ameaça dos indígenas da Flórida aos territórios norteamericanos que se situavam nas proximidades consolidasse a invasão do território Em 1817 Andrew Jackson o mesmo general que defendera Nova Orleans e que viria a ser presidente foi enviado para pacificar esses indígenas e ocupar todo o norte da área da costa do Golfo O secretário de Estado John Quincy Adams dirigindose ao governo espanhol acusouo de incapaz de manter suas obrigações na América e sugeriu a venda do território para os Estados Unidos Com receio de possível guerra os espanhóis cederam à pressão e pelo Tratado AdamsOnís de 1819 a Flórida passou para os Estados Unidos por uma soma de cinco milhões de dólares Encerrados os conflitos na Europa e após a prisão de Napoleão uma onda conservadora varreu o continente e reinos como Áustria Rússia e Prússia se colocaram como verdadeiros guardiões do mundo impedindo a partir de intervenções militares quaisquer focos de manifestações liberais que pudessem lembrar a Revolução Francesa e as justificativas de domínio usadas por Napoleão Essas três nações européias formaram a chamada Santa Aliança e suas ações se expandiriam para todo e qualquer lugar do mundo em que as monarquias fossem colocadas em risco de acordo com suas próprias interpretações Se necessário interviriam também na América e seus princípios de legitimidade e restauração definidos no Congresso de Viena colocariam em risco o sonho de liberdade e república que fora construído durante o processo de independência e que havia conquistado as mentes dos norteamericanos Ao assumir a presidência James Monroe optou por exercer uma postura diplomática mais neutra de não envolvimento em assuntos estrangeiros Essa resposta às monarquias européias foi fruto de um aprendizado obtido após a guerra de 1812 Denominada Doutrina Monroe tal política foi anunciada no ano de 1823 em troca da nãointervenção dos europeus na América o presidente prometia a nãointerferência dos Estados Unidos nas questões exclusivamente européias Ao mesmo tempo colocavase como juiz e guardião de todas as questões que pudessem envolver a América como um todo tanto na parte central como no cone sul do continente HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 106 O medo dos EUA era sobretudo que as grandes potências européias pudessem se unir para subjugar as colônias espanholas rebeladas e acabassem ameaçando a autonomia de seu próprio território ou seus interesses comerciais em todos esses mercados na América Nesse sentido a Doutrina Monroe pode ser entendida como um dos primeiros passos da política externa norteamericana no século XIX em nome da paz e da liberdade a presença dos Estados Unidos se fortaleceu em todo o Novo Mundo Seu princípio básico traduzido na frase a América para os americanos seria o guia de toda política externa dos EUA até o século XX É impossível que as potências aliadas estendam seu sistema político a qualquer porção de qualquer continente sem por em perigo nossa paz e nossa felicidade ninguém tampouco acreditará que nossos irmãos do Sul entregues a si mesmos o adotem voluntariamente É também impossível portanto que consideremos tal intervenção com indiferença Assim na sua fala ao Congresso em 1823 James Monroe estabeleceu o princípio dos EUA como protetores do Novo Mundo Como afirmava o presidente o sistema político da Europa diferia do restante da América TEMPO DE CRESCIMENTO PARA ALGUNS Após o conflito de 1812 e a consolidação de uma relativa paz externa o século proporcionou para os Estados Unidos rápida expansão e desenvolvimento econômico atingindo pontos antes inimagináveis de crescimento Viviase o período da chamada revolução de mercado que se caracterizou pela tendência de concentração de investimentos em um único produto ou serviço que graças a certas invenções tecnológicas poderia ser produzido de modo mais eficaz proporcionando lucros rápidos e incremento acelerado de venda e compra Um produto que ganhou muita expressão foi o algodão principalmente após a invenção do descaroçador em 1793 por Eli Whitney disseminando plantações pelas regiões da Geórgia e Carolina do Sul Além do algodão o tabaco também obteve grande expansão na área costeira da Virgínia e Maryland e em novas regiões de produção como em Kentucky Missouri e Tennessee Tanto o aumento da produção do algodão quanto o do tabaco fizeram crescer a demanda por mãodeobra e conseqüentemente por escravos negros nessas regiões Nesse momento a Virgínia além do tabaco passou a fornecer um novo produto para o Sul escravos vindos da África INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 107 Enquanto a escravidão dominava no Sul os estados do Norte enfatizavam o trabalho livre Ainda no século XIX a maior parte dos produtos industrializados era de origem doméstica como a tecelagem a fiação e diversos outros produtos confeccionados em residências oficinas e lojas de artesãos Alguns historiadores afirmam que a passagem da indústria caseira para o sistema de fábricas ocorreu primeiro na região Nordeste dos EUA Essa alteração estaria relacionada sobretudo à carência nessa região de solo fértil necessário à agricultura em grande escala Por outro lado a região era riquíssima em matériasprimas mercado interno consumidor e energia hidráulica possibilitando o investimento de empresários vindos em sua maioria da Nova Inglaterra O sistema fabril norteamericano teve início em 1790 com o cotonifício de Almy Brown em Rhode Island O setor industrial e inicialmente o têxtil que naturalmente se comunicava com as grandes produções de algodão da Geórgia rapidamente modificou a vida cotidiana das pessoas com artigos de lã borracha couro e vidro relógios armas de fogo e em bens de consumo em geral A idéia de progresso andava de mãos dadas com a de transportes mais rápidos O barco a vapor foi criado por Robert Fulton e o primeiro deles foi o Clermont que passou a navegar no rio Hudson em 1807 Enquanto no início do século XIX o barco a vapor era um dos símbolos do progresso e das conquistas da geração presente as gerações seguintes tratariam de transformar o mesmo barco a vapor em símbolo de vida no campo mais simples sem a correria da cidade grande A imagem de um barco descendo calmamente um rio rodeado de belas paisagens naturais e eliminando fumaça povoaria o imaginário de muitas pessoas quase como uma antítese crítica do que irá se desenvolver bem mais tarde nos grandes Uma plantação de algodão no Mississipi de Currier e Ives O Rei do Algodão é entronizado no Sul por meio do trabalho forçado de escravos negros da África HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 108 centros urbanos Nas cenas iniciais do filme E o Vento Levou de 1939 para retratar a vida calma do Sul que teria sido destruída pela Guerra Civil o diretor coloca cenas de barcos a vapor navegando no Mississipi As estradas de ferro proporcionaram grande impacto nos meios de transporte Implantadas entre as décadas de 1840 e 1850 elas conseguiram aumentar a eficiência da locomoção de pessoas e mercadorias No início da segunda metade do século XIX foram completadas as grandes linhas que ligavam o Leste ao Oeste e em 1860 o país já contava com cerca de cinqüenta mil quilômetros de ferrovias Os trens representavam um grande avanço e mudaram a concepção de velocidade e distância da maioria das pessoas Além disso até mesmo o seu modo de funcionamento parecia representar algo pesados barulhentos como uma fábrica cheios de engrenagem e maquinarias carregavam em si mesmos os sinais visíveis da indústria e da tecnologia seguindo sempre em linha reta e para frente as locomotivas se tornavam fortes símbolos de progresso linear e contínuo que ia sempre adiante sem obstáculos As ferrovias carregavam a idéia de que tudo era possível e de que os homens haviam finalmente alcançado o progresso Locomotiva a vapor da Illinois Central Desde o fim da Guerra Civil a malha ferroviária aumentou muito e os EUA estavam próximos da finalização da segunda ilha transcontinental INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 109 DEPRESSÃO E MUDANÇAS POLÍTICAS É certo que até 1819 os Estados Unidos viveram um período de intenso crescimento econômico Esse crescimento colaborou para reforçar o espírito nacionalista nascido no processo de independência de 1776 e na guerra de 1812 A rápida ascensão comercial teve origem no próprio desequilíbrio do mercado europeu ocasionado durante os anos de conflitos iniciados por Napoleão Mas uma vez restabelecido o fluxo comercial normal a Inglaterra passou a inundar o mercado norteamericano com artigos mais baratos e de excelente qualidade que a jovem nação ainda não podia produzir ou com os quais não podia concorrer A exportação de algodão por exemplo teve terrível queda na medida em que os ingleses procuravam fornecedores alternativos e faziam cair o preço a partir de contra ofertas Quando os preços do algodão despencaram nos mercados mundiais um número incontável de pessoas enfrentou a situação de perder suas casas fazendas oficinas e condições de sobrevivência por incapacidade de saldar suas dívidas Muitas indústrias demitiram funcionários e pararam suas produções A crise econômica assolou o país Naquele contexto muitos bancos estatais realizaram empréstimos para que pessoas pudessem sanar suas dívidas ou mesmo acabar de pagar as terras que tinham adquirido do governo Muitos clientes não puderam entretanto pagar os empréstimos feitos junto aos bancos e por outro lado os próprios bancos não tinham fundos suficientes para amparar essa política de empréstimos As notas perderam parte do valor comerciantes faliram trabalhadores ficaram sem seus empregos e a economia estagnou Então muitos bancos estatais foram forçados a fechar suas operações e isso provocou um pânico financeiro causando inclusive o encerramento das atividades de empresas bancárias consideradas sólidas As regiões mais afetadas foram o Oeste e o Sul cujos habitantes culparam diretamente o Banco dos Estados Unidos e sua desastrosa política monetária pelo desastre econômico Também se culpou indiretamente a política fiscal do governo federal acusandoo de ser um agente dos interesses da elite comercial Esse pânico estendeuse de 1819 a 1824 e os preços dos produtos agropecuários tiveram queda vertiginosa O clima de tensão em toda a nação fez ressurgir velhos ressentimentos regionais As diferenças políticas entre as regiões tornavamse mais claras na medida em que o país passava por dificuldades Após o término da guerra com a Inglaterra os territórios conquistados pelos norteamericanos a oeste foram se tornando estados Como seriam então esses novos estados Escravistas como no Sul ou nãoescravistas como os do Norte Esse era um problema importante porque determinaria a posição de cada um nos assuntos políticos de interesse de cada região HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 110 Em 1820 o Congresso Nacional admitiu o Missouri escravista como mais um estado na federação Isso provocou protestos dos estados nortistas acirrando o debate o Norte afirmava existir certa dominação do Sul na política federal na medida em que as cadeiras no Congresso norteamericano eram definidas a partir de uma divisão proporcional em relação ao número de pessoas residentes nos estados O que ocorria é que três quintos dos escravos de acordo com a lei entravam nessa proporção e desse modo com mais indivíduos os sulistas tinham maior representatividade federal Uma tentativa de equilibrar o poder das regiões escravista e nãoescravista na política federal foi a decisão do Congresso de ainda em 1820 admitir um outro estado o Maine como livre e confirmar o Missouri como escravocrata Isso acalmou temporariamente os ânimos políticos Entretanto os efeitos causados pelo pânico econômico tiveram fortes conseqüências de impacto coletivo o povo mergulhou num período de pessimismo privação desespero e assim os ideais agrários e os valores tradicionais acabaram sendo resgatados em oposição ao progresso e à tecnologia que passaram a ser vistos como os responsáveis por levar o país à falência O choque também fez com que aumentasse o interesse dos americanos por política devido sobretudo à insatisfação com relação às lideranças que deveriam ser punidas pelos problemas que estavam acontecendo Exigiamse novas posturas que fossem mais atentas às necessidades da maioria em detrimento das idéias de apoio à indústria e ao avanço científico Assim novos líderes surgiram no cenário político aparecendo como representantes dos interesses da maioria da população prometendo aos eleitores fazer aquilo que eles queriam apresentandose como soldados na batalha das dificuldades do diaadia O povo esperava dos governos estaduais ajuda para a solução dos problemas gerados pela crise Em algumas cidades o movimento trabalhista ganhou força pedindo educação pública gratuita para as crianças e opondo se às prisões por dívidas não pagas muito comuns na época Alguns estados criaram bancos forneceram créditos mas nem sempre era possível agradar a todas as partes envolvidas nas questões de credores e devedores Essa situação tornou as pessoas bastante cientes de que em jogo estavam interesses conflitantes e que cada um via e entedia a crise de uma maneira a partir de situações extremamente particulares Não se sustentava mais a idéia de república harmônica em que todos são iguais marchando para uma felicidade sem limites ao construir a nação INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 111 Dessa situação beneficiouse o político Andrew Jackson herói da Batalha de Nova Orleans Buscando identificarse com a população e com os ânimos vigentes as suas principais idéias e posturas políticas faziam com que fosse visto como uma pessoa comum um soldado contra as velhas lideranças tradicionais Jackson tinha um discurso popular Sua fala simples transmitia o que a maioria desejava segurança Nas eleições de 1820 no entanto a vitória ficou com John Quincy Adams Ele foi então acusado por Jackson de ter vencido as eleições de modo fraudulento o que causou agitação dentro do Partido Democrata Seu programa nacionalista sustentava a construção de estradas canais e o estabelecimento de uma Universidade e um Observatório além de uniformizar os pesos e as medidas Além disso Adams investiu em novas campanhas para a conquista do Oeste No ano de 1827 o governo federal reviu as tarifas de alguns produtos vendidos no território norteamericano e ao mesmo tempo em que protegeu a produção de lã na Nova Inglaterra tornou as matériasprimas como a madeira e o ferro excessivamente caras Essas medidas acabariam com o pouco apoio que Adams tinha de empresários e comerciantes Andrew Jackson e seus partidários aproveitaramse dessa situação para liquidar politicamente o presidente eleito Nesse sentido a campanha a favor de Jackson para as eleições de 1828 começou nos primeiros anos do governo Adams em que as acusações de fraude eleitoral ressuscitaram Recebendo apoio do vicepresidente Calhoun e do senador Van Buren de Nova York Jackson caminhou em direção à vitória com grande respaldo popular A eleição de 1828 viu nascer uma nova era da democracia das massas em que as campanhas eleitorais ganharam uma nova cara O período e o contexto fizeram surgir uma aproximação do candidato com a população e nesse caso o uso de comícios públicos a utilização de personalidades simpatizantes e o ataque à vida pessoal e moral do adversário começaram a fazer parte das disputas políticas O que deu ampla vantagem aos seguidores de Jackson foi a habilidade de mostrálo como um autêntico homem do povo simples mesmo tendo escravos fazendas e fortuna A propaganda destacava a infância do candidato criado no campo mas de boa educação Preparado pela vida pelo exército e ao mesmo tempo próximo da população Por outro lado a imagem que se erguia de Adams era justamente o contrário uma pessoa refinada que se sentia melhor nas festas em salões do que ao lado do povo No dia de sua posse Andrew Jackson 18291837 abriu a Casa Branca a uma multidão de pessoas humildes Essa atitude aproximou o presidente do povo destacando o valor do homem simples ante a antiga aristocracia HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 112 Simbolicamente o novo presidente conduzia o povo ao poder capaz de decidir o destino da nação Tornavase um exemplo de que alguém simples pode vencer os obstáculos da vida e alcançar a vitória A eleição de Jackson fez renascer a convicção no novo regime numa nova época A mensagem transmitida era de que todos são iguais e de que qualquer homem independente de sua origem e formação poderia exercer importantes cargos públicos Isso contribuiu para eliminar a sensação de impotência causada pela crise econômica Jackson foi o primeiro presidente a agir de acordo com o princípio de que o povo devia fazer a política do governo Afirmou que seu principal objetivo ao assumir a presidência era o de fazer um governo simples e saldar as dívidas nacionais o mais rápido possível além de apoiar os pequenos proprietários e estimular a mobilidade social Jackson todavia enfrentou a oposição de alguns estados sulistas liderados pela Carolina do Sul dominada por uma rica e dominante classe de comerciantes O vicepresidente Calhoun acabou por romper com Jackson e passou a liderar a resistência do Sul contra certas medidas vindas da Casa Branca Os sulistas promulgaram por exemplo a Doutrina da Anulação afirmando que a Constituição tinha sido elaborada como um pacto entre os estados e que assim deveria continuar a ser A partir dessa afirmação somente os estados seriam os juízes de si próprios caso o governo federal não cumprisse ou extrapolasse o poder que lhe foi concedido Se algum estado considerasse que alguma lei federal constituía uma violação a seus interesses poderia declarar essa lei anulada e o governo federal deveria desistir de aplicála Jackson na direção contrária anunciou que iria fazer cumprir todas as leis federais nem que fosse pelo uso da força militar A partir desse anúncio Calhoun procurou unificar os estados sulistas contra a ditadura e a tirania de Jackson Em discurso de 26 de julho de 1831 Calhoun defendeu um federalismo radical com cada estado gozando de muita autonomia dada a diversidade do país Tão numerosos e diversificados são os interesses do nosso país que não poderiam ser representados com justeza num só governo organizado de modo que desse a cada interesse importante uma voz separada e distinta Os poderes do governo foram divididos não como antes em referência a classes mas geograficamente Por diversas vezes ressurgiria nos EUA o debate sobre a as relações entre governo central e governos locais A divergência de opiniões somada a tantos outros fatores contribuiu para a eclosão da Guerra Civil trinta anos depois deste discurso INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 113 DEMOCRACIA BRANCA Outro problema enfrentado pelo presidente foi a situação da localização de nações indígenas O que fazer com os nativos americanos uma vez que eram vistos como obstáculos à conquista de territórios e aos interesses de pequenos e grandes proprietários Os chamados selvagens resistiam como podiam inclusive com emprego da violência ao avanço dos brancos sobre seus territórios Jackson era a favor da remoção dos índios do Leste para as terras além do Mississipi No momento da eleição cidadãos dos estados da Geórgia e Alabama eram os que mais cobravam uma rápida solução para essa questão O maior obstáculo entretanto era a tribo dos cherokees que detinha terras localizadas em vários estados Guerra contra os indígenas A reação indígena à presença dos colonos resultou em conflitos violentos Procurando criar fato consumado a Geórgia expropriou algumas terras de determinadas nações indígenas e juntamente com Alabama e Mississipi tornou suas leis estaduais extensivas também para os cherokees Andrew Jackson simplesmente ignorou essas medidas anticonstitucionais tomadas pelos estados e em 1830 promulgou a Lei de Remoção dos Índios que previa o deslocamento das comunidades indígenas de seus territórios tradicionais para a região de Oklahoma onde deveriam se estabelecer em uma reserva determinada pelo governo Os indígenas foram forçados a marchar para lá e nessa viagem ao HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 114 longo de mil e quinhentos quilômetros milhares de índios morreram de frio fome doenças na jornada que ficaria conhecida como trilha das lágrimas Em 1839 outras tantas nações indígenas como a choctaw a creek e a chickasaw foram levadas à força para o Oeste com aprovação do governo federal Essa remoção abriu cerca de cem milhões de acres de terras férteis para a agricultura dos brancos Ao mesmo tempo condenou milhares de nativos à morte na viagem ou já nas reservas onde não se adaptavam bem e estavam sujeitos à desnutrição e doenças varrendoos da história americana As tribos resistentes foram combatidas e várias dizimadas A QUESTÃO BANCÁRIA Para muitos indígenas o nome de Jackson foi sinônimo de morte e destruição Para muitos eleitores brancos ele foi a esperança de uma grande renovação Como foi dito ele parecia encarnar o ideal do homem comum que pelo esforço atinge realizações extraordinárias A desconfiança de Jackson com relação às grandes empresas era famosa Quando um grande banco nacional o chamado Segundo Banco dos Estados Unidos dirigido por Nicholas Biddle tentou renovar sua carta patente surgiu a chance de o presidente mostrar na prática suas concepções políticas e econômicas Em discurso a 10 de julho de 1832 quando vetou o pedido da renovação da carta patente do banco Andrew Jackson afirmou É muito para lamentar que os ricos e poderosos inclinem com demasiada freqüência as leis do governo aos seus propósitos egoístas As distinções na sociedade sempre existirão sob todos os governos justos mas quando as leis se põem a acrescentar a essas vantagens naturais a justas distinções artificiais a conceder títulos gratificações e privilégios exclusivos para tornar os ricos mais ricos e os poderosos mais poderosos os membros humildes da sociedade lavradores mecânicos e trabalhadores que carecem de tempo e de meios para conseguir favores semelhantes têm direito de queixarse da injustiça do seu governo Não há males necessários no governo Os males só existem nos abusos Se o governo se limitasse a dispensar proteção igual e como o céu manda a chuva fizesse chover seus favores do mesmo modo sobre o alto e o baixo o rico e o pobre seria uma bênção absoluta A própria existência de um Banco Nacional forte foi o tema da campanha eleitoral na qual Jackson tentava a reeleição em oposição a Henry Clay Ao obter 219 votos no colégio eleitoral contra 49 do adversário o presidente Jackson apelidado Old Hickory Velho Castanheiro tinha demonstrado que o eleitorado estava a seu lado Com mais cacife político Jackson deu o passo seguinte transferiu todos os depósitos federais da instituição de Biddle para bancos estaduais menores INVENTANDO A NOVA NAÇÃO 115 Diversos estados do Sul e a região Oeste já haviam acusado o Banco dos Estados Unidos como culpados pelo pânico de 1819 e a objeção contra a instituição residia simplesmente no fato de ela deter grandes poderes e privilégios sem estar sob qualquer tipo de controle popular Ao assumir a presidência Jackson solicitou ao Congresso uma redução dos poderes dos bancos Para ele o banco era inconstitucional violava os direitos fundamentais do povo numa sociedade democrática e o governo deveria garantir a igualdade de oportunidades entre as pessoas e não os privilégios juros especiais e vantagens exclusivas como de acordo com Jackson o banco fazia O presidente ainda afirmava que o Banco dos Estados Unidos criava um clima de especulação produzia ciclos de altas quebras e principalmente transferia riquezas da população simples para os mais ricos As opiniões de Jackson refletiam em parte sua mentalidade agrária e paternalista A opinião pública em geral apoiava o presidente nos seus duelos com os magnatas das finanças e o atrito sempre foi lido pelo eleitorado como um choque entre um presidente teimoso e ao lado do povo Jackson e magnatas ambiciosos e arrogantes A questão do Segundo Banco dos Estados Unidos intensificou o debate sobre instituições financeiras centrais Quanto o governo pode interferir na liberdade dos cidadãos Um poder forte em Washington permite a liberdade e a livre iniciativa Se o governo for forte o cidadão deve enfraquecerse Essas eram questões centrais para os eleitores durante esse período REFORMISMO RELIGIOSO A valorização da ciência da razão e dos métodos tão comuns nos estudos sobre o século XIX europeu também pode ser observada na América do Norte Os exemplos do crescimento da indústria das ferrovias e o forte sentimento nacionalista observado nas tentativas de expansão territorial e nos conflitos externos mostram como os Estados Unidos de alguma forma compartilhavam esses valores do período Por outro lado a reação contra os antigos políticos da aristocracia tradicional e a valorização de figuras como Andrew Jackson demonstram uma outra face desse mesmo momento histórico A visão romântica criada sobre a força do homem simples pareceu surgir como contra visão crítica da idéia de mundo mecânico sugerido por pensamentos racionais de tradição iluminista Essa postura desconfiava da intelectualidade e valorizava a emoção e a intuição No momento em que Jackson venceu Adams o que se teve foi metaforicamente a vitória dos sentimentos sobre o intelecto e o camponês pouco alfabetizado era a partir de agora também considerado superior em sabedoria por suas vivências ligadas à natureza Já vimos com relação aos tempos de colônia a manifestação religiosa conhecida como O Grande Despertar Religious Awakening iniciado em 1730 e 1740 Na virada do século XVIII para o XIX surgiu um novo grande despertar religioso De forma geral foi em decorrência desse movimento bastante heterogêneo que a porcentagem da população que pertencia às igrejas protestantes ou que participava de organizações voluntárias ligadas a elas aumentou Esse novo despertar ocorrido inicialmente na fronteira sulista e do baixo Meio Oeste ficou marcado pelas reuniões campais altamente emotivas organizadas em sua maioria por metodistas ou batistas que HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 118 acabaram por superar em adeptos as antigas denominações anteriores como congregacionais anglicanos e presbiterianos Essas reuniões cumpriam uma dupla função religiosa e social A primeira dessas reuniões que temos registro deuse em julho de 1800 na Creedance Clearwater Church a sudoeste de Kentucky Para muitos as reuniões representavam a única maneira de conseguir se batizar casar ou ter uma experiência religiosa comunitária Na região dos Apalaches podiam durar dias inteiros com vários pastores se revezando à frente de centenas por vezes milhares de pessoas rezando dançando cantando e gritando em êxtase religioso O renascimento religioso na fronteira fortaleceu sentimentos de piedade e moralidade pessoal mas não chegou a estimular a benevolência organizada ou manifestações por uma reforma social generalizada As tendências reformistas foram mais evidentes no tipo de renascimento religioso surgido na Nova Inglaterra e na parte ocidental do estado de Nova York Em sua maioria congregacionais e presbiterianos fortemente influenciados pelas tradições puritanas os evangelistas do Norte promoviam reuniões menos emotivas do que as da fronteira e encontraram terreno muito fértil nas cidades de tamanho pequeno e médio Surgido como resposta calvinista ao iluminismo e ao liberalismo aplicado à religião o movimento reformista da Nova Inglaterra foi liderado por pessoas como o reverendo Timothy Dwight que mais tarde em 1795 seria presidente da Universidade de Yale Dwight fez frente à crescente tendência unitarista grupo congregacional que tomara o controle da Harvard Divinity School uma escola religiosa e que encarava Deus como um benevolente arquiteto de um universo racional mais do que um ser misterioso e todopoderoso Esse grupo negava a doutrina da Trindade afirmando que Deus era uno teoria que batizou o movimento Dwight reafirmava o credo calvinista de que o homem era pecador e depravado embora tenha dispensado a dureza da doutrina calvinista ortodoxa que enfatizava o pecado original e a predestinação Além de Dwight uma geração mais jovem de pastores congregacionais também propôs reformas ao puritanismo da Nova Inglaterra aumentando seu apelo popular O principal teólogo do neocalvinismo do início do século XIX Nathaniel Taylor era discípulo de Dwight Taylor nos passos de seu mentor amenizou a doutrina da predestinação aceitando que todos os indivíduos eram seres livres ou seja que tinham habilidade para superar suas inclinações naturais para o pecado A nova doutrina acabava por reconciliar idéias liberais de liberdade e crença no progresso do indivíduo com a noção de pecado original abrindo aos neocalvinistas a possibilidade de competir com sucesso contra outras denominações do renascimento religioso REFORMISMO RELIGIOSO 119 Lyman Beecher mais um dos discípulos de Dwight na década de 1810 promoveu a nova doutrina calvinista em uma série de sessões de reavivamento religioso nas igrejas congregacionais da Nova Inglaterra em que milhares de pessoas de diferentes igrejas reconheciam seu estado pecaminoso e entregavamse a Deus Na década seguinte Beecher enfrentou uma nova e mais radical forma de renascimento religioso praticado na região ocidental do estado de Nova York por Charles G Finney O interior do estado de Nova York era ocupado em sua maioria por uma população transplantada da Nova Inglaterra com forte influência puritana mas preocupada com as rápidas transformações econômicas e deslocamentos sociais A cidade de Rochester por exemplo ouviu as pregações de Finney que enfatizavam o fato de todos os homens e mulheres terem o poder de escolher Cristo e uma vida santificada Esse evangelista atraiu milhares de pessoas para sua doutrina milenarista e as estimulou a converter por sua vez parentes vizinhos e empregados Mais do que empreender sua guerra contra o pecado Finney acabou tornandose referência para o movimento abolicionista uma vez que pregava abertamente contra a escravidão e recusavase a dar a comunhão a donos de escravos Embora trabalhasse dentro de igrejas congregacionais e presbiterianas Finney abandonou totalmente as doutrinas tradicionais Completamente indiferente às questões teológicas Finney apelava diretamente para o coração afirmando que era possível para os cristãos redimidos serem totalmente livres de pecado perfeitos como o Pai no Céu Sua bemsucedida concepção libertária da teologia condizia com os meios que usava para conquistar novos adeptos Finney procurava obter conversões instantâneas através de uma variedade de novos métodos que incluíam reuniões prolongadas durando toda a noite ou por vários dias seguidos em que muitas vezes os assistentes caíam no chão em transe e recebiam imediatamente a graça de Deus Em um primeiro momento Beecher e os evangelistas do Leste opuseramse aos novos métodos de Finney que davam às mulheres o direito de orar em voz alta nas igrejas quebrando a antiga tradição cristã Com o tempo entretanto a oposição no Leste começou a enfraquecer uma vez que Finney ajudara a consolidar igrejas fortes e ativas Em pouco tempo os reformadores religiosos e morais começaram a propor além da reforma do indivíduo mudanças para a sociedade estadunidense Queriam que todas as instituições sociais e políticas alcançassem os níveis de perfeição cristã atacando os pecados coletivos como o tráfico de bebidas alcoólicas a guerra a escravatura e combatendo até o governo HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 120 A partir de então o reformismo de inspiração religiosa por um lado trouxe uma certa unidade às comunidades divididas e cheias de problemas por outro inspirou uma variedade de movimentos mais radicais que almejavam derrubar instituições e princípios estabelecidos como foi o caso da luta abolicionista No geral os reformadores evangélicos achavam que o povo comum precisava ser redimido e elevado a novos ideais Caso contrário a democracia ficaria à mercê de incrédulos e pecadores pessoas que viviam em meio à infidelidade palavra utilizada naquele contexto para designar toda e qualquer afirmação exclusivamente mundana ou a negligência da fé Essas idéias geraram um grande movimento de reforma social em que muitos convertidos organizaramse em associações voluntárias para combater o pecado e os males sociais e conquistar o mundo para Cristo A maioria dos convertidos cidadãos da classe média ativos em suas comunidades procurava ajustarse ao mundo da nova economia por caminhos que não violassem a moral e os valores sociais Na Nova Inglaterra Beecher e seus associados evangélicos estabeleciam uma grande rede de sociedades missionárias e de caridade cujo intuito era espalhar os ensinamentos de Cristo pelas mais remotas partes do mundo Organizações como a American Bible Society Sociedade Bíblica Americana de 1816 também sob a batuta de Beecher distribuíam por sua vez Bíblias em regiões do Oeste onde havia escassez de igrejas e de pastores As metas dessas organizações visavam a coibir atividades não religiosas praticadas no domingo acabar com os duelos jogos de azar e prostituição Acabavam funcionando como expoentes de uma certa cultura urbana do Leste em terras da fronteira Beecher teve influência especial na cruzada da abstinência o mais bemsucedido de todos os movimentos de reforma dirigido contra o consumo epidêmico de uísque dado o enorme número de alcoólatras que desde a Revolução Americana se tornara a bebida mais popular dos norteamericanos Encabeçada por instituições como a Society for the Promotion of Temperance Sociedade para a Promoção da Temperança fundada em 1826 e que oito anos depois contava com mais de um milhão de afiliados a luta pela sobriedade foi árdua dado que o uísque e outros destilados eram mais baratos do que o leite ou a cerveja e mais seguros do que a água muitas vezes contaminada na década de 1820 o consumo dessas bebidas era três vezes maior nos Estados Unidos em números per capita do que nos dias atuais Os reformistas da abstinência viam o alcoolismo como uma perda de autocontrole e de responsabilidade moral que gerava o crime e a degradação da sociedade REFORMISMO RELIGIOSO 121 Cartaz de divulgação do livro A cabana do Pai Tomás que teria um forte efeito de propaganda para a causa abolicionista HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 122 Essa vertente social levou ao despertar missionário ou Movimento de Evangelismo Social Social Gospel Movement Depois da Guerra de Secessão pregadores como Dwight Moody e seu Moody Bible Institute em Chicago prepararam muitos pastores e missionários Crítico do trabalho infantil e da exploração das mulheres nas fábricas o movimento evangelista social espalhou seus missionários não apenas pelos EUA como também por várias partes do mundo Na segunda metade do século XIX outras tendências observadas como decorrência do novo despertar foram a associação de universidades com igrejas e a chegada e consolidação nos EUA no meio urbano da YMCA Associação Cristã de Moços organização desportiva evangélica fundada na Inglaterra em 1844 por George Williams e que rapidamente espalhou se pelo mundo e do Exército da Salvação organização de promoção de caridade e serviços sociais fundado por metodistas ingleses em 1865 UMA NAÇÃO QUE SE EXPANDE E SE DIVIDE DE NOVO A ESCRAVIDÃO Em 1830 organizouse uma sociedade antiescravista em Nova York e um ano depois foi fundado o jornal The Liberator pelo estudante de Boston William Garrison O jornal parou de circular apenas no ano de 1865 e a maioria dos assinantes no início era formada por negros já que o nível de alfabetização era grande até mesmo entre os escravos Isso se deve ao fato de o protestantismo ser a religião predominante em que a leitura da Bíblia era fundamental Esse dado é importante na medida em que mostra que a alfabetização não é apenas uma questão social ou econômica mas também um dado cultural Nos quatro primeiros meses antes mesmo de existir interesse dos brancos pelo jornal foram os próprios negros os responsáveis pela sobrevivência e manutenção do periódico Garrinson defensor da abolição imediata afirmava que os escravos deveriam ser livres do mesmo modo como nasceram Para denunciar a situação do escravo utilizou a metáfora da casa em chamas e instou que um assunto como esse não poderia ser tratado com moderação Ele foi um abolicionista radical e chegou até mesmo a queimar a Constituição norteamericana Alguns pregadores abolicionistas enfatizavam o mal moral da escravidão o dever religioso dos bons de resistir contra essa situação destacando os direitos das pessoas e a idéia de liberdade e igualdade dentro de uma sociedade que se dizia fundada sob esses mesmos valores A maior parte dos abolicionistas na época era formada por pessoas religiosas A idéia de ser HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 124 salvo e de obter o perdão fazia com que muitas pessoas se preocupassem em realizar as boas obras O reduto da escravidão era o Sul do país principalmente nas regiões produtoras de tabaco e algodão na Virgínia Geórgia e Maryland Nessas regiões ter um escravo era o mesmo que ter um valioso bem e a quantidade de escravos simbolizava posição de prestígio social do proprietário Além disso a idéia de que brancos e negros jamais poderiam conviver em harmonia também reforçava a escravidão na medida em que segundo essa premissa nada se poderia fazer com os negros caso ficassem livres Outro importante fator que pesava contra a possibilidade de abolição da escravatura é que o escravo mercadoria já fazia parte do mercado econômico do país Ele estava inserido numa complexa rede de compra e venda e sua força de trabalho sustentava a produção nos campos sendo o responsável pela mobilização de milhões de dólares Quanto mais se dependia do escravo maior era o esforço para mantêlo nessa posição mesmo porque crescia cada vez mais o Fotografia tirada em Beaufort Carolina do Sul onde vemos cinco gerações de uma única família de escravos A imagem é rara porque os proprietários costumavam dividir as famílias durante a compra e venda UMA NAÇÃO QUE SE EXPANDE E SE DIVIDE 125 receio de manifestações coletivas de escravos que de fato resistiam fugiam ou matavam senhores em nome da liberdade A questão da escravidão acirrou ainda mais as disputas de opinião no país na primeira metade do século XIX Uma nova identidade comum deveria ser forjada algo que pudesse novamente conferir unidade ideológica à nação dividida nas questões raciais Os inimigos externos as campanhas de expansão para o Oeste e uma missão comum a todos contribuíram para isso O imperialismo norteamericano que veremos mais adiante começou a justificarse pelo discurso religioso NOVOS TERRITÓRIOS A compra dos territórios franceses da Louisiana e a aquisição da Flórida tinham sido apenas os primeiros passos nos avanços territoriais Posturas e concepções presentes nos movimentos religiosos como a idéia de que existem povos escolhidos e abençoados por Deus passariam a povoar o imaginário coletivo da nação que se acreditava eleita para um destino glorioso A fé nas instituições livres e democráticas também se intensificava A partir disso desenvolveuse a idéia de destino manifesto seria uma missão espalhar a concepção de sociedade norteamericana para as regiões vistas como carentes e necessitadas de ajuda Argumento semelhante de superioridade étnica estava sendo utilizado pelos europeus no movimento neocolonialista na Ásia e na África do século XIX o homem branco seria responsável por levar a civilização e o progresso às outras nações selvagens e atrasadas Entre os norteamericanos no discurso que justificava o imperialismo junto de civilização e progresso liase democracia e liberdade A questão do Texas é um dos exemplos da anexação de territórios feita pelo governo americano com base nesses argumentos O México se tornara independente em 1821 e herdara o Texas da Espanha mas também havia a insistência por parte dos norteamericanos em adquirir o território Em 1823 os mexicanos assinaram um acordo com Moses e Stephen Austin dois colonos americanos que lhes garantiu o uso de grandes quantidades de terra e a permissão à entrada de pessoas dos Estados Unidos para servir de agentes de colonização na região Contudo diversos atritos surgiram entre os norte americanos que chegavam ao Texas e o governo mexicano o México libertava todos os escravos que chegavam à região forçava os novos colonos a se converter ao catolicismo e em 1830 por conta das desavenças proibiu a entrada de HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 126 Mapa da guerra entre EUA e México O vizinho do Sul cedeu os presentes estados da Califórnia Nevada Arizona Novo México Utah Colorado e Wyoming UMA NAÇÃO QUE SE EXPANDE E SE DIVIDE 127 mais imigrantes Os abusos e o desrespeito contra a legislação mexicana aumentavam na medida em que mais norteamericanos chegavam ao Texas Em 1833 Stephen Austin foi à Cidade do México para apresentar as reclamações dos americanos contra as leis do Texas tentando obter inclusive autorização para a formação de um governo independente Porém não conseguiu e acabou sendo preso por mais de um ano Os norteamericanos que viviam no Texas iniciaram uma revolta e declararam a independência da região em 1836 adotando uma República e uma Constituição baseadas naturalmente nos Estados Unidos Mas o governo mexicano disposto a resistir reuniu cerca de quatro mil soldados para invadir o forte Álamo local que os colonos norteamericanos costumavam utilizar nos seus conflitos contra os indígenas e pessoas consideradas estrangeiras O fato de conter imagens de São Francisco e São Domingos dava um caráter especial ao forte que se tornava cada vez mais símbolo de resistência e heroísmo principalmente num momento em que os Estados Unidos se firmavam como nação independente e em que as guerras de fronteiras assumiam caráter definidor da identidade e do espaço geográfico do país Batalhas como essas contra indígenas e mexicanos eram associadas naturalmente às realizadas no processo de independência em 1776 pois garantiriam a paz em relação ao inimigo externo lançando para bem longe toda e qualquer ameaça à soberania norteamericana Heróis eram criados a partir é claro de referências na realidade Eles se tornavam símbolos de uma geração de pessoas por conter em suas imagens traços trajetórias valores que de algum modo se ligavam à grande maioria Esse foi o caso por exemplo de Daniel Boone explorador e caçador que no final do período colonial percorreu o famoso caminho Wilderness Road no atual estado de Kentucky fundando o primeiro povoado a falar inglês na região Durante a Guerra de Independência lutou para defender o território contra os ataques indígenas cristalizando uma imagem de herói aquele que defende os EUA uma projeção futura dado que na época de Boone sequer o país existia do inimigo Foi durante os conflitos ocorridos no Texas que outro personagem ganhou destaque o deputado Davy Crockett do Tennessee conhecido como o rei da fronteira selvagem Após carreira como congressista e depois de ter publicado o seu livro Uma narrativa da vida de Davy Crockett ele se juntou no ano de 1835 à Revolução do Texas e ao exército que defenderia o Álamo Crockett se transformaria em herói Sobre ele as mais maravilhosas histórias são contadas um homem de valor que nunca mentia e que era capaz de saltar sobre o rio Mississipi de caçar ursos de cavalgar em um relâmpago e de comer batatas cozidas na gordura que escorria dos corpos de indígenas queimados Do outro lado do combate o general mexicano Santana procurava garantir que os norteamericanos respeitassem as leis do México e que a região não se HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 128 separasse Para ele seu país havia conquistado a independência da Espanha e não era admissível que suas terras fossem roubadas por colonos vindos de outra nação Os colonos vindos dos Estados Unidos por sua vez afirmavam que jamais seriam humilhados por um ditador e que definiriam a questão num campo de batalha Em resposta Santana atacou o Álamo com suas tropas A inferioridade numérica a falta de suprimentos e as poucas armas fizeram o forte cair Ocorreu um verdadeiro massacre e a morte dos colonos norteamericanos foi vista nos EUA como exemplo de luta e coragem a favor do nacionalismo de um povo capaz de defender até a morte a sua liberdade Esses colonos mortos no Álamo transformaramse em verdadeiros mártires inspiração para outros combates Uma tropa imensa dos Estados Unidos foi envida à região e os mexicanos acabam derrotados em abril de 1836 ano em que o México cortou relações diplomáticas com os Estados Unidos teve que aceitar a independência do Texas e ceder aos norteamericanos também outros territórios que se estendiam até o Rio Grande Resolvida a questão do Texas o presidente James K Polk 18451849 dedicouse a uma nova linha de expansão que se estendia das montanhas Rochosas até o Pacífico A próxima conquista seria a Califórnia mexicana devido ao interesse norteamericano no comércio marítimo da região Os mexicanos sequer tentaram saídas diplomáticas e os americanos entenderam isso como motivo para mais uma guerra Ao fim do conflito em 1848 os mexicanos assinaram o Tratado de GuadalupeHidalgo reconhecendo a fronteira do Rio Grande e cedendo o Novo México e a Califórnia aos Estados Unidos O forte expansionismo estadunidense parece ter sido mesmo num primeiro momento uma tentativa de encontrar uma causa que pudesse unir todos os americanos em uma nova onda de nacionalismo Por outro lado as anexações esbarraram num antigo e velho problema Os estados do Norte sabiam que não deveriam permitir de forma alguma que essas novas terras anexadas servissem para aumentar a área de escravidão e o poder político dos escravocratas Em 1846 uma cláusula proposta por um democrata faria com que os sulistas tivessem durante muito tempo enorme receio do Congresso Federal A proposta feita por David Wilmot a chamada Cláusula Wilmot dizia que todo território anexado do México teria a escravidão banida Mesmo não sendo aprovada foi o suficiente para provocar a ira dos sulistas e aumentar a tensão Agora o problema era elaborar uma nova legislação para os territórios recém anexados que agradasse a nortistas e sulistas A questão no fundo ainda era formar uma unidade uma nação a partir de regiões tão distantes e diferentes Os sulistas diziam que iriam se separar da União dos estados caso a Cláusula Wilmot fosse cumprida e os nortistas estavam firmemente empenhados em barrar o avanço e o crescimento de áreas escravocratas A CASA DIVIDIDA E A GUERRA DE SECESSÃO Ainda que unidos em nome de causas comuns como as guerras contra o México as invasões a Oeste e também o sentimento de imperialismo e a vontade de expandir seus estilos de vida para áreas maiores o Sul queria aumentar seu império do algodão e da escravidão e o Norte a expansão das chamadas terras livres Mesmo tendo interesses e estruturas bem diferentes não se pode afirmar que as regiões fossem completamente antagônicas O Norte mais avançado em termos industriais tinha uma classe média nascente e uma indústria de importância crescente O Sul embora apresentando características fundamentalmente agrícolas baseavase no sistema de plantation e escravidão muito bem inserido no sistema capitalista o escravo era visto como mercadoria O Sul interagia economicamente com o Norte e participava do comércio internacional especialmente com a Inglaterra Mesmo se constituindo como dois mundos bastante diferentes um ao Norte de trabalhadores livres assalariados pequenos proprietários e mais consistente classe média urbana e o outro ao Sul escravista e senhorial a idéia da superioridade do homem branco era comum e inquestionável em ambos Nos dois mundos os negros estavam fora das decisões políticas e eram vítimas de preconceito principalmente no Sul onde a escravidão era garantida por lei Isso subsistiria na primeira metade do século XX quando se manifestariam dois tipos muito diferentes de racismos um determinado juridicamente no Sul e o outro um pouco envergonhado mas sempre presente no Norte Entretanto no século XIX havia questões maiores que formavam uma separação nítida entre as regiões Sul e Norte cujas semelhanças talvez não tivessem tanto peso quanto as diferenças existentes HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 130 Na década de 1850 o Norte superava o Sul em população mas o Sul por sua vez dispunha de maior força política no governo federal Nessa época os sulistas exigiam o direito de estender a escravidão aos novos territórios conquistados pelos Estados Unidos postura essa que parecia ser essencial ao imperialismo do algodão sendo que ainda com isso os políticos do Sul poderiam manter o maior número de representantes no governo federal Mais um exemplo das disputas com o Norte foi o projeto de governo territorial pensado para as novas regiões de Kansas e Nebrasca Os sulistas representados por David Atchison propuseram uma lei em que nenhum projeto de administração territorial poderia ser aprovado a não ser que contivesse uma cláusula que anulasse a proibição da escravidão O Congresso aprovou o projeto que passou a se chamar Lei KansasNebrasca e os nortistas ficaram indignados pelo fato de o governo federal e o presidente Franklin Pierce 18531857 terem se curvado diante da escravocracia Desse modo o império do algodão desafiava de uma vez por todas o imperialismo do solo livre O território do Kansas tornouse um verdadeiro palco de disputas políticas em torno do controle político da região além de ficar amplamente aberto aos imigrantes que acabavam apresentando posturas pró e contra o regime da escravidão Os abolicionistas da Nova Inglaterra colaboravam e apoiavam os defensores do solo livre com armas e dinheiro ao passo que alguns imigrantes apoiavam o regime sulista vendendo votos ilegalmente O presidente Pierce mais uma vez acabou autorizando a formação de um legislativo formado por escravistas eleitos por esses votos ilegais Indignados políticos do Kansas favoráveis ao solo livre separaramse formaram um Legislativo próprio e elegeram para si um novo governador A partir de agora a casa estava de fato dividida O debate sobre a escravidão sem sombra de dúvida seria a grande questão das eleições de 1860 O principal nome de indicação dos democratas foi Stephen Douglas e dos republicanos um jovem advogado de grande eloqüência chamado Abraham Lincoln Este por sua vez era favorável aos ideais de solo livre trabalho e homens livres Lincoln venceu as eleições Novos rumos seriam tomados na história norteamericana A maior parte dos sulistas ficou irritada com a eleição de Lincoln visto por eles como um verdadeiro abolicionista Já alguns nortistas o viam como conservador na medida em que não defendia abertamente uma luta para terminar com o regime escravista embora o condenasse como um grande erro da humanidade Seu discurso ambíguo e carregado de retórica foi capaz de administrar por algum tempo a forte pressão sofrida durante o seu mandato Afirmava A CASA DIVIDIDA E A GUERRA DE SECESSÃO 131 por exemplo que a raça branca era sim superior Dizia que não toleraria que algo fosse feito contra a escravidão nos territórios em que ela já existia mas ao mesmo tempo que defenderia a todo custo os interesses da União que invadiria os estados que quisessem se separar e recolheria da mesma forma os direitos aduaneiros de importação nos estados que fossem a favor da secessão O próprio Lincoln demonstrou suas expectativas ao afirmar que não esperava que a casa não caísse mas que ao menos deixasse de ser dividida Abraham Lincoln de Jean Leon Gerome Ferris HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 132 O presidente pode ser considerado um antiescravista mas nunca um abolicionista aberto e declarado Mesmo assim os senhores do Sul queriam a expansão da escravidão para o Oeste e para eles pouca diferença existia entre a fixação da escravidão apenas no Sul proposta por Lincoln e a abolição imediata proposta por jornais como o Liberator Para os sulistas a ambigüidade de Lincoln era tão abolicionista quanto o discurso radical de William Garrinson Acreditavam que desde que o tráfico de escravos fora abolido em 1808 e que a reprodução natural de escravos não era suficiente para atender à demanda por mãodeobra a única forma de aumentar a escravidão era expandila para novas terras A idéia de separação do Sul ganhava corações e mentes das elites sulistas Entretanto como havia dito Lincoln não aceitaria a secessão e a atacaria com força os estados adeptos da idéia Sua eleição portanto foi o estopim necessário para o início formal das hostilidades entre as duas regiões Convocando uma convenção a Carolina do Sul anulou sua ratificação da Constituição federal Isso provocou o desespero de alguns políticos que tentavam lutar a favor de uma conciliação Em pouco tempo outros estados como Alabama Flórida Mississipi Geórgia e Texas também se declaram separados da União formando os chamados Estados Confederados da América e elegendo Jefferson Davis como seu presidente O início dos conflitos militares se deu em Charleston na Carolina do Sul onde se situava um forte de tropas da União o Sumter Antes que o presidente Lincoln pudesse enviar esforços e ajuda de guerra para o forte os confederados sulistas exigiram a evacuação imediata do local em abril de 1861 Lincoln reagiu com um reforço de quase oitenta mil soldados A guerra estava declarada Nesse momento mais quatro estados do Sul se retiraram da União e juntaramse aos seus compatriotas regionais No início o clima de otimismo parecia tomar conta das duas regiões O Norte imaginava uma guerra curta e fácil confiando em sua superioridade técnica e os sulistas por sua vez pareciam esquecidos do enorme contingente e da superioridade em recursos que teriam que enfrentar Isso parece indicar o tradicional orgulho sulista da sua superioridade em relação à ralé do Norte bem como a idéia corrente no Sul de que o Norte não iria à guerra de fato O Norte possuía uma vantagem de quatro para um no número de pessoas aptas ao serviço militar uma vez que os negros não podiam integrar o exército sulista além de concentrar as maiores empresas do país e contar com cerca de 35 mil quilômetros de estradas de ferro Por outro lado grandes nomes da estratégia militar dos Estados Unidos lutavam ao lado do Sul como por exemplo o general Robert Lee que impediu no início diversas invasões em Richmond mesmo contando com menos soldados A CASA DIVIDIDA E A GUERRA DE SECESSÃO 133 As batalhas tornaramse verdadeiros palcos de horror Numa delas os nortistas com cerca de 30 mil homens a mais que os sulistas obrigaram o general Lee a se refugiar na Virgínia e cerca de 12 mil homens morreram em cada um dos lados envolvidos no conflito Em outra os confederados lançaramse com mais de 150 mil homens contra as trincheiras da União próximas a Gettysburg na Pensilvânia Os confederados acabaram dizimados pelas tropas federais e cerca de 30 mil soldados sulistas morreram nesse conflito Aos poucos o investimento exigido pela guerra e a falta de recursos foram devastando o Sul Na esperança de contar com um apoio europeu na guerra as autoridades confederadas em vez de exportar o algodão e usufruir os lucros cancelaram as vendas pensando que assim poderiam forçar por exemplo a entrada da Inglaterra ao seu lado contra as tropas da União Mas os ingleses tinham um ano de estoque do produto e os franceses se negaram a ajudar os sulistas sem o apoio inglês Além disso Lincoln proibiu a entrada e saída de produtos dos estados sulistas dificultando a chegada de bens de primeira necessidade tanto para a população do Sul quanto para as tropas que se viam cada vez mais sem armas roupas e famintas Assim as fugas do serviço militar foram intensas e somadas às vitórias nortistas em 1863 cerca de um terço das tropas sulistas abandonaram o campo de batalha forçando inclusive alguns senhores a convocar até mesmo escravos para formar o exército Essa medida foi um verdadeiro suicídio do regime escravista pois seria insustentável manter essa irônica situação escravos lutando em nome de uma região que os condenava aos maustratos e ao trabalho compulsório O presidente Abraham Lincoln propôs então uma emancipação dos escravos de modo lento gradual e indenizado em que o governo pagaria a quantia equivalente ao valor dos escravos libertos para os fazendeiros já que os escravos eram verdadeiras mercadorias e perdêlos significaria perder um bem um investimento Lincoln reafirmava assim que seu objetivo maior era manter a União Em agosto de 1861 foi aprovada a primeira Lei do Confisco em que qualquer propriedade usada em favor dos confederados como gado algodão matériasprimas e sobretudo escravos que caísse em mãos dos nortistas seria imediatamente confiscada Essa lei impulsionou as fugas coletivas de escravos das fazendas pois sabiam que em mãos dos nortistas poderiam alcançar a liberdade A pressão de políticos radicais do Norte fez com que em 1862 a escravidão fosse abolida nos territórios do Distrito de Colúmbia No mesmo ano foi aprovada a segunda Lei do Confisco que finalmente declarava livre todo escravo capturado ou fugido Em maio de 1862 Lincoln promulgou uma nova lei relacionada às terras o que fez ressurgir o velho debate do tempo do Compromisso do HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 134 Missouri assinado anos antes em 1820 por ocasião da entrada desse estado na União O Homestead Act Lei de Terras foi uma lei federal que entregava um quarto de um distrito ainda não desenvolvido no Oeste para qualquer família ou indivíduo maior de 21 anos dispostos a migrar para a região A lei era o resultado de anos de agitação e manobras políticas Muitos projetos de lei haviam sido criados antes desse mas sem sucesso até que em 1862 com a ausência do voto contrário sulista o Homestead Act foi finalmente aprovado Ele foi introduzido com a esperança de que se pudesse aliviar a concentração de estrangeiros no Leste e diminuir também o desemprego As atitudes de Lincoln caminhavam na direção de retomar as rédeas de todo o país impedir a fragmentação do território e criar se possível uma unidade nas leis e na administração dos estados O governo agia de forma enérgica violando correspondências fechando jornais prendendo sem julgamento e punindo os que desertavam do exército tudo em nome da vitória da União Durante a Secessão os escravos utilizaram a Guerra Civil do melhor jeito que podiam para se tornar livres cada vez que uma tropa do Norte invadia uma região confederada um enorme contingente de negros fugia das fazendas e dessa maneira colaborava para o desmoronamento do sistema escravista Graças aos escravos e aos abolicionistas um combate que se iniciara em nome da recuperação da unidade territorial do país transformouse numa luta pelo fim da escravidão Lincoln diante das pressões crescentes de diversos setores pela abolição e da ausência de acordo sobre a escravidão nas novas terras do Oeste percebeu que a emancipação total dos escravos lhe traria popularidade e que poderia acelerar o fim da guerra além de angariar apoio de europeus críticos do regime de escravidão Assim no dia 1º de janeiro de 1863 foi proclamada a Lei de Emancipação dos escravos Nas áreas longe do alcance legal da União os escravos tornavamse livres na medida em que as tropas do Norte venciam Essa data se tornou simbólica pois representou a liberdade para um grande número de escravos O século XX celebraria o centenário da lei com intensas manifestações de lutas por direito iguais de negros e brancos A lei federal que proibiu a escravidão em todo o território nacional seria promulgada apenas em 1865 como a Décima Terceira Emenda da Constituição norteamericana Em novembro de 1863 logo após a sangrenta Batalha de Gettysburg o presidente Lincoln proferiu seu famoso discurso em que dava ao conflito um caráter de luta pela democracia Essa fala tornouse um dos mais famosos documentos da história dos EUA A CASA DIVIDIDA E A GUERRA DE SECESSÃO 135 Há oitenta e sete anos nossos antepassados implantaram sobre este continente uma nova nação concebida em liberdade e dedicada à idéia de que todos os homens são iguais Presentemente estamos envolvidos numa grande guerra civil testando assim o poder de resistência dessa nação ou de qualquer outra concebida sobre aquele princípio Encontramonos agora num grande campo de batalha dessa guerra Viemos até aqui para dedicar uma porção de tal campo como um lugar de repouso eterno para aqueles que aqui deram suas vidas a fim de que a nação pudesse viver E é conveniente e apropriado que nós prestemos juntos essa homenagem Mas num sentido mais amplo nós não podemos dedicarlhes não podemos consagrar nem santificar este local Os homens bravos vivos ou mortos que lutaram aqui já o consagraram muito mais do que o nosso poder de acrescentar algo ou diminuílo O mundo deverá registrar bem pouco e nem de longe recordar o que dissemos aqui mas ele nunca poderá esquecer o que aqueles homens fizeram É para nós os que continuam vivos que temos diante de nós uma obra inacabada pela qual eles se bateram e tão nobremente adiantaram que melhor caberia tal dedicatória Sim é para nós que estamos aqui dedicados a grande tarefa que se nos defronta que isso se endereça mais do que a esses mortos honrados dos quais retiraremos a devoção ampliada àquela causa pela qual eles esgotaram a última reserva de dedicação tarefa essa que aqui devemos assumir para que esses mortos não tenham morrido em vão e para que essa nação sob a autoridade de Deus deva renascer em liberdade e a fim de que o governo do povo pelo povo e para o povo não pereça na terra Os ataques finais da União foram lançados em maio de 1864 e o presidente dos confederados Jefferson Davis foi preso tentando fugir na Geórgia Como explicar a vitória nortista A Revolução Industrial estava em andamento no Norte desde aproximadamente 1820 com as ferrovias o barco a vapor e o telégrafo como bons exemplos da expansão econômica A região conseguiu enriquecer ainda mais com a Guerra Civil fortalecendo a indústria têxtil de calçados e principalmente a bélica Muitos imigrantes europeus recémchegados se integraram às tropas da União E os enfrentamentos de tropas aconteceram principalmente no Sul o que livrou o Norte de maior destruição de cidades e da grande mortandade de civis Na região Sul a situação foi diferente a guerra significou grande colapso econômico e desestruturação No decorrer do conflito a população sulista foi se tornando cada vez mais desmotivada e desmoralizada o que contribuiu para o desfecho de derrota Com a guerra a região viuse impossibilitada de vender algodão e tabaco e de fabricar armas As milícias e os regimentos sulistas eram formados por soldados brancos de baixa condição social que não possuíam escravos e precisavam ser alimentados Para prover as tropas os líderes sulistas lançaram uma política de aquisição de gêneros alimentícios de todos os tipos exigindo preços menores de seus produtores o que ocasionou prejuízo a muitos comerciantes e proprietários de terras Outro fator importante a explicar a derrota sulista é que o Sul manteve durante a guerra a liberdade de imprensa as pessoas HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 136 que criticavam o governo e o exército por meio dessa não eram punidas criando assim um clima desfavorável ao consenso exigido numa época de guerra Essa foi a guerra mais letal e mais custosa da história dos Estados Unidos Para uma comparação breve morreram mais de 600 mil norteamericanos na Guerra Civil já na famosa Guerra do Vietnã o número de baixas oficiais foi de 58 mil mortos O conflito também serviu para criar o mito de Lincoln como grande estadista defensor da liberdade forjar certo sentimento de identidade nacional baseada na superioridade do mundo do Norte abrir caminho para o surgimento de determinadas leis comuns e definir a trilha histórica de um país unificado a partir das armas A emancipação dos escravos trouxe certo sentimento de justificativa moral para o enfrentamento já que ela ocorreu em meio aos combates se milhões morreram milhares ganharam a liberdade Os números das atrocidades e a violência da Guerra de Secessão perderam força diante do impacto simbólico do fim da escravidão Mas milhares de pessoas morreram em nome de causas que mal compreendiam e milhões lutaram nas mais indignas condições Após a Independência de 1776 a nação estava incompleta e só foi decididamente formada com o fim da Guerra Civil Agora era preciso recolher os destroços Coleta de corpos na Guerra Civil DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE A RECONSTRUÇÃO O período posterior ao término das hostilidades entre Norte e Sul trouxe além das inúmeras conseqüências da Guerra já mencionadas um grande questionamento como reincorporar os territórios sulistas à União Qual seria o estatuto legal de um estado soberano que se separara e era forçado a voltar à União Seria ainda um estado ou apenas uma província conquistada Como seria a reconstrução Essas perguntas longe de terem resposta unânime geraram um intenso e acirrado debate que acabou evoluindo para uma crise política Quem daria a palavra final uma vez que a Constituição era vaga em relação a esses pontos o Congresso ou o presidente O presidente chefe do Executivo era o comandante chefe das forças armadas e tinha o poder de perdoar O Congresso órgão máximo do Legislativo tinha por sua vez o autoridade para admitir novos estados elaborar leis para territórios e julgar as qualificações de seus próprios membros Na política havia aqueles que defendiam uma reconstrução radical dos territórios devastados dos antigos estados da Confederação Esses radicais não ofereciam garantia alguma aos direitos dos antigos donos de escravos que reivindicavam indenização Além disso aceitavam a readmissão dos estados sulistas desde que comandada por homens leais ao Norte Queriam também que os negros do Sul se beneficiassem dos direitos básicos da cidadania norteamericana HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 138 Por outro lado havia os que buscavam uma reconstrução mais moderada que não garantiria aos libertos nada mais que sua liberdade abrindo margem ao desejo dos proprietários sulistas de utilizar a mãode obra dos exescravos em algum tipo de regime de trabalhado compulsório A presidência favorecia esse enfoque mínimo enquanto o Congresso endossava uma política mais radical A tensão entre a Casa Branca e o Congresso sobre o que fazer ao fim da guerra começou mesmo antes do término dos combates Lincoln ainda que não de forma conclusiva e sistemática indicara uma tendência à clemência e à conciliação em favor dos sulistas que renunciassem à sua luta e repudiassem a escravatura Em dezembro de 1863 o presidente oferecera perdão completo aos sulistas que jurassem fidelidade à União e reconhecessem a abolição excetuando do indulto líderes confederados Ainda na mesma proposta Lincoln afirmara que se 10 da população de qualquer estado confederado jurasse fidelidade à União essas pessoas poderiam organizar um governo legal com apoio de Washington O plano pareceu dar certo visto que em 1864 Louisiana e Arkansas já contavam com governos legalistas em funcionamento Lincoln partia da idéia de que a secessão fora obra de certos indivíduos e não dos estados em si Logo constitucionalmente como o desafio à autoridade federal havia sido individual o presidente poderia usar seus poderes de perdão para legalizar o eleitorado leal que então poderia constituir seu governo estadual O Congresso por sua vez insatisfeito com a proposta moderada de Lincoln recusou a posse dos unionistas eleitos por Arkansas e Louisiana para a Câmara e o Senado No geral o Legislativo entendia que o presidente extrapolava sua autoridade ao usar poderes do Executivo para restaurar o país visto que segundo interpretava os estados confederados teriam prejudicado definitivamente seus direitos à União e que cabia portanto ao Congresso decidir quando e como eles seriam readmitidos Uma minoria de republicanos no Congresso conhecidos como radicais fortemente abolicionistas exigia uma précondição para a readmissão dos estados sulistas o alistamento eleitoral dos negros fato que na esperança dos radicais aumentaria suas bases políticas ganhando votos de libertos gratos pela medida Um grupo maior e de tendência moderada também fazia oposição ao plano de Lincoln por não confiar no arrependimento dos confederados que teriam um papel majoritário nos novos governos do Sul Unido contra a proposta do presidente o Congresso aprovou um projeto próprio de reconstrução em julho de 1864 a Lei WadeDavis que exigia o juramento de fidelidade à União de metade do eleitorado sulista antes que DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 139 o processo de restauração pudesse ser iniciado Depois disso aqueles que jurassem nunca ter apoiado voluntariamente a Confederação poderiam votar numa eleição para delegados de uma convenção constitucional Essa medida esvaziaria o poder político do Sul na nação que emergiria da guerra Lincoln entretanto invalidou a lei recusandose a assinála antes do recesso do Congresso irritando muitos congressistas Lincoln acabou assassinado logo após o fim da guerra quando assistia a uma peça de teatro por um manifestante extremista que via o presidente recémreeleito como um ditador Pouco antes de morrer durante a campanha de sua reeleição Lincoln havia sinalizado finalmente a possibilidade de acordo com o Congresso mas não viveu para concretizar a conciliação Quando Andrew Johnson 18651869 vicepresidente assumiu o cargo tornado vago com o assassinato o quadro era desanimador Além da destruição física das cidades da bancarrota financeira do Sul e da questão constitucional de reintegração havia o problema de como lidar com os anseios imediatos dos ex escravos dos sulistas brancos derrotados e dos nortistas vitoriosos Cerca de 286 mil negros vestiam o uniforme do exército da União alguns haviam se estabelecido nas fazendas confiscadas nas ilhas ao largo da costa das Carolinas e muitos simplesmente perambulavam entre os acampamentos dos exércitos da União e as cidades sulistas cheios de esperança mas sem garantia alguma de sustento Embora lideranças negras tenham rapidamente aparecido a imensa maioria dos exescravos era analfabeta e nunca participara da política ou de instituições econômicas Para a maior parte dos mais de quatro milhões de negros libertos a aquisição de terras o acesso à educação e o direito de voto eram os meios de atingir a cidadania Os milhares de brancos nortistas que se mudaram para o Sul depois da guerra seja por razões econômicas ou humanitárias entendiam que estavam estendendo a civilização ao que consideravam uma região bárbara e o caminho para isso devia contar com a ajuda dos libertos Entretanto mesmo entre estes nortistas havia racismo e assim não chegavam a um consenso sobre qual a participação dos negros na nova Nação Os democratas 45 do eleitorado eram críticos acerbados da maneira pela qual a guerra havia sido conduzida e combateram a emancipação dos negros Para eles o único objetivo da luta fora a restauração da União como ela era Entre os republicanos como vimos havia os grupos radical e moderado que discordavam em seu apoio a Lincoln e depois a Johnson além de debaterem calorosamente sobre tarifas e finanças e sobre o futuro dos libertos Dois paradoxos tornavam a reconstrução muito difícil O primeiro deles era que mesmo com a escravidão abolida a nação acreditava esmagadoramente HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 140 na inferioridade inata da raça negra Mesmo entre os abolicionistas eram poucos os que aceitavam os negros como intelectual e politicamente iguais O segundo era que durante a reconstrução o governo precisava empreender um programa de medidas drásticas ainda que isso contradissesse a tradição liberal norteamericana nos moldes de Jefferson Jackson e Lincoln de acreditar que a ação do governo devia ser rigorosamente limitada As opções que se abriam ao Norte portanto eram em termos simples a ocupação ou a conciliação A maioria do Congresso acreditava na segunda opção desde que o Sul reconhecesse seus erros e se governasse de acordo com ideais nortistas Ainda assim restavam questões quem comporia esses novos governos Exrebeldes que talvez não fossem tão arrependidos assim Exescravos vistos pela maioria dos nortistas como membros de uma raça inferior No Sul não havia capital disponível para a reconstrução uma vez que a moeda e títulos de crédito confederados não tinham mais valor de acordo com algumas estimativas a riqueza per capita do Sul em 1865 correspondia à metade do que havia sido em 1860 Os negros tinham forte preferência em se estabelecer como pequenos proprietários em vez de serem trabalhadores nas plantações de donos brancos Durante algum tempo tiveram razão em esperar que o governo apoiasse suas ambições Algumas propriedades de 40 acres chegaram a ser distribuídas pelo governo entre os escravos libertos Em julho de 1865 40 mil fazendeiros negros trabalhavam 300 mil acres do que eles pensavam ser sua própria terra Mas o sonho de 40 acres e uma mula não se realizaria para a grande maioria Nem o presidente Johnson nem o Congresso foram favoráveis a um programa efetivo de confisco e redistribuição de terras Conseqüentemente a maior parte dos negros que já ocupavam um pedaço de terra e efetivamente trabalhavam nele não obteve títulos de propriedade tendo sido então abandonado A guerra tinha terminado com a escravidão no Sul mas não representou a integração dos negros como cidadãos efetivos Apesar da pobreza e da falta de terras os exescravos relutavam em se fixar e se tornar empregados dos seus antigos senhores A situação era tão grave que os próprios donos de fazendas achavam que não teriam como realizar a colheita em fins de 1865 A solução encontrada pela maioria em 1866 foi o contrato de trabalho sistemático em que os trabalhadores se engajariam por um ano em troca de salário fixo Esses contratos previam pagamentos muito baixos e na maior parte dos casos protegiam mais os empregadores do que os empregados Descontentes grupos de negros exigiram sociedade nos resultados o direito de trabalhar pequenos lotes de terra independentemente em troca DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 141 de uma percentagem da colheita em geral a metade Mais uma vez o medo da falta de trabalhadores forçou alguns proprietários a aceitar esse tipo de contrato muitos deles inclusive acharam o sistema vantajoso porque não exigia muito capital e obrigava o arrendatário a participar dos riscos do fracasso da colheita ou de uma eventual baixa do preço do algodão Durante a década de 1870 entretanto esses contratos transformaram se em uma nova forma de servidão visto que os trabalhadores tinham que contrair débitos até que o algodão fosse vendido e os fazendeiros e comerciantes aproveitaram a oportunidade para vender produtos de primeira necessidade a preços altos e juros exorbitantes Resultado as dívidas dos trabalhadores se multiplicavam mais rápido do que os lucros Por todo o Sul a sociedade começou a consolidar uma profunda segregação baseada em critérios raciais À exceção do mundo do trabalho em que brancos e negros conviviam a sociedade sulista comportava dois mundos separados Por meio de instrumentos legais e ilegais as pessoas consideradas negras ficavam segregadas das brancas na maioria dos locais públicos na maioria dos hotéis restaurantes e outros estabelecimentos particulares Mesmo quando os governos republicanos apoiados pelos negros assumiram o poder em 1868 e foram aprovadas leis de direitos civis exigindo acesso igual às instalações públicas muito pouco esforço foi feito para aplicar a legislação A RECONSTRUÇÃO PRESIDENCIAL Ainda em 1865 em vista de todos esses problemas Andrew Johnson tentou refazer a União à sua própria maneira acirrando suas divergências com o Congresso O presidente nascera muito pobre na Carolina do Norte e emigrara ainda jovem para o leste do Tennessee onde ganhava a vida como alfaiate Embora tivesse pouca instrução ele aprendeu a escrever já adulto entrou na política e tornouse um tribuno eficiente que atacava a aristocracia dos fazendeiros Após tornarse membro do Congresso e depois governador em 1857 foi eleito para o Senado Quando o Tennessee separouse em 1861 Johnson foi o único senador de um estado confederado a permanecer leal à União continuando a servir em Washington Longe de nutrir simpatia pela causa abolicionista desejava que cada chefe de família norteamericano tivesse um escravo para evitar que sua família fosse obrigada a executar serviços inferiores e desagradáveis segundo suas próprias palavras Durante a Guerra como governador militar do Tennessee Johnson seguiu as ordens HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 142 emancipatórias de Lincoln por acreditar que elas destruiriam a aristocracia que sempre combateu Quando em 1864 entrou na chapa eleitoral de Lincoln poucos achavam que chegaria à presidência Em maio de 1865 Johnson pôs em prática seu plano para afastar de vez os grandes fazendeiros sulistas do poder colocando alguns estados sob a administração de governadores provisórios escolhidos entre os políticos sulistas opositores do movimento secessionista Essas pessoas deveriam convocar Convenções Constitucionais para eleger dirigentes Uma vez eleitas as convenções deveriam declarar ilegais as resoluções confederadas repudiando dívidas assumidas pelos sulistas durante o conflito e ratificando a Décima Terceira Emenda Ao cumprir essas etapas o processo de reconstrução estaria completo As convenções sulistas foram eleitas e Johnson para desilusão dos republicanos radicais parecia disposto a dar carta branca para que elas determinassem o estatuto civil e político dos escravos libertos Dessa forma foram aprovados os Códigos Negros Black Codes que restringiam a liberdade dos negros em diversos aspectos Entre essas leis estavam as de vadiagem que obrigavam os exescravos a trabalhar sem poder escolher seus empregadores Em alguns estados os negros não tinham permissão para se reunir casarse com brancos beber álcool possuir armas de fogo ou atuar em ofícios especializados Aqueles que cometessem alguma infração podiam ser vendidos em leilão Na Carolina do Sul uma lei definiu os contratos de trabalho os negros só poderiam trabalhar em serviços rurais ou domésticos No Mississipi poderiam lavrar a terra jamais possuíla Até mesmo alguns sulistas brancos acharam que essas medidas eram muito provocadoras para os nortistas que as consideravam uma escravidão disfarçada Em fins de 1865 todos os estados haviam passado pela chamada reconstrução presidencial em que os presidentes Lincoln e Johnson haviam comandado a cena política Aos olhos conservadores e sulistas a reconstrução já estava pronta o governo sulista voltara a funcionar e em alguns estados reconstituídos exconfederados ilustres foram eleitos para cargos estaduais e federais O ressentimento entre o presidente e o Congresso no entanto aumentou ainda mais em dezembro quando o Legislativo recusou a posse à delegação sulista recémeleita Além disso os congressistas criaram uma comissão conjunta para estabelecer novas condições de readmissão dos estados sulistas Na primavera de 1866 o Congresso aprovou a Lei de Direitos Civis proibindo numerosos tipos de legislação discriminatória Johnson por sua vez endureceu seu discurso ao atribuir aos radicais a violência e os distúrbios DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 143 racistas no Sul minimizando as infrações dos direitos dos negros e perdoando centenas de líderes confederados Entretanto os planos presidenciais seriam minados de uma vez quando em novembro nas eleições para o Congresso os republicanos obtiveram dois terços das duas Casas e a liderança radical assumiu alguns postos chave no governo apesar de todo o esforço de Johnson durante a campanha eleitoral em detratar os radicais perante a opinião pública A RECONSTRUÇÃO RADICAL O cerne do conflito irreconciliável entre o Congresso e o presidente era a própria natureza daquilo que deveria ser a reconstrução Para Johnson o sistema federal deveria ser restaurado o mais rápido possível nos mesmos moldes de antes da Guerra excetuandose a questão da escravidão Os deputados por sua vez buscavam uma política de reconstrução que limitasse o papel dos exconfederados e trouxesse alguma proteção para os negros Os republicanos do Congresso com exceção de alguns radicais extremados não consideravam que os negros fossem iguais aos brancos mas que como cidadãos deveriam ter os mesmos direitos básicos Esse programa político acreditavam aqueles congressistas deveria engrossar as fileiras do próprio Partido Republicano com os negros que ele ajudara a emancipar Em meio aos vetos presidenciais e disputas com o Congresso Johnson revelou que pretendia abandonar o Partido Republicano e criar um novo partido de caráter mais conservador que uniria seus correligionários com um Partido Democrata revitalizado que apoiava a sua política de reconstrução Em contrapartida a maioria republicana no Capitólio aprovou em junho de 1866 a Décima Quarta Emenda Constitucional que em sua seção principal estendia a cidadania a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos Os estados ficavam proibidos de restringir os direitos dos cidadãos americanos e não poderiam privar qualquer pessoa da vida liberdade ou propriedade sem prévio procedimento legal nem negar a qualquer pessoa proteção igual dentro das leis A segunda seção da emenda estabelecia que se um estado negasse o voto a qualquer homem adulto sua representação seria proporcionalmente reduzida A terceira e quarta seções vedavam o acesso de confederados importantes a cargos federais e proibia que os estados repudiassem dívidas federais ou reconhecessem dívidas rebeldes Para ser ratificada por três quartos dos estados essa nova emenda deveria contar com algum apoio sulista Mas Johnson pessoalmente endossou a decisão de todos os estados sulistas à exceção do Tennessee de rejeitaremna HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 144 Em 1867 o Congresso contraatacou com a implementação de seu próprio plano era o início da chamada Reconstrução Radical O plano original elaborado por republicanos radicais como Charles Summer e Thaddeus Stevens previa um período extenso de governo militar no Sul que deveria confiscar e redistribuir grandes latifúndios entre os libertos e observar com tutela federal que as escolas educassem os negros para a cidadania A maioria dos representantes republicanos mais moderada achou o programa original inaceitável uma vez que ele contradizia as tradições americanas de federalismo e respeito pelo direito de propriedade e decidiu implantálo apenas em parte A primeira Lei de Reconstrução promulgada apesar do veto de Johnson em 2 de março de 1867 colocou por um período curto o Sul sob governo militar dividindo a região em cinco distritos Sob supervisão militar cada estado deveria compor uma convenção constitucional eleita pelo voto de toda a população masculina incluindo os negros emancipados e excluindo confederados importantes e aprovada pelo Congresso Quando o novo estado houvesse ratificado a Décima Quarta Emenda seus representantes poderiam ser admitidos no Congresso Essa lei foi regulamentada e tornada mais rigorosa posteriormente A reconstrução radical ou Congressional duraria até 1870 quando se ratificou a Décima Quinta Emenda que proibia de uma vez por todas a discriminação do sufrágio por motivo de raça cor ou anterior condição de servidão Durante esses três anos todas as medidas apoiadas pelos radicais visando à reconstrução contariam com a oposição do presidente e na maioria dos casos com a repulsa do Supremo Tribunal Para alguns historiadores esse foi o período da história americana em que uma esfera do governo ousou tornarse mais poderosa que as outras duas para garantir a reconstrução radical o Congresso retirou certos tipos de ação judicial da alçada do Supremo Tribunal e tentou o impeachment do presidente através da Lei de Permanência no Cargo de 1867 Essa lei aprovada em um contexto de constitucionalidade duvidosa proibia a demissão de membros do gabinete presidencial sem aprovação do Congresso Johnson havia tentado demitir o Secretário da Guerra Edwin Stanton que fora nomeado por Lincoln e em 1868 a Câmara de Representantes votou o impeachment do presidente baseandose num longo e nebuloso conjunto de acusações Por apenas um voto no Senado sua condenação entretanto foi evitada Já quanto ao caráter da reconstrução radical o debate entre os historiadores é intenso As abordagens mais tradicionais vêem esse período como um erro Os governos estaduais sulistas teriam sido dominados por DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 145 negros ignorantes especuladores gananciosos e por uma desprezível ralé sulista de colaboracionistas que haviam imposto um reino de terror excessos e corrupção Essa era de corrupção só teria tido fim com o renascimento da opinião moderada no Norte e o restabelecimento de governos democráticos no Sul o próprio nome dado àqueles que derrubaram a Reconstrução radical redentores revelanos a essência dessa vertente mais conservadora da historiografia norteamericana1 Após a década de 1940 surgiram outras versões da reconstrução radical nas quais esse período aparece como uma tentativa de levar justiça e progresso ao Sul arcaico Essas versões mais recentes sustentam no geral que qualquer aspecto positivo dessa época deveuse à ação das forças federais que contaram com resoluto apoio negro A corrupção política generalizada do período e o terrorismo que eclodiu no Sul como reação da elite branca teriam ocorrido por conta do recuo prematuro do Norte2 A década de 1870 começava com a aprovação da 15ª Emenda que ao mesmo tempo em que era celebrada por garantir o voto universal masculino decepcionava os advogados dos direitos das mulheres Na prática foram criados limites à universalidade do próprio voto masculino como a exigência de alfabetização a possibilidade de votar condicionada à propriedade ou a existência de impostos para votar todas medidas que visavam especialmente à exclusão dos negros dos pleitos Leis de segregação racial haviam feito breve aparição durante a reconstrução mas desapareceram até 1868 Ressurgiram no governo de Grant a começar pelo Tennessee em 1870 lá os sulistas brancos promulgaram leis contra o casamento interracial Cinco anos mais tarde o Tennessee adotou a primeira Lei Jim Crow e o resto do Sul o seguiu rapidamente O termo Jim Crow nascido de uma música popular referia se a toda lei foram dezenas que seguisse o princípio separados mas iguais estabelecendo afastamento entre negros e brancos nos trens estações ferroviárias cais hotéis barbearias restaurantes teatros entre outros Em 1885 a maior parte das escolas sulistas também foram divididas em instituições para brancos e outras para negros Houve leis Jim Crow por todo o Sul Apenas nas décadas de 1950 e 1960 a Suprema Corte derrubaria a idéia de separados mas iguais Dentro dessa postura segregacionista surgiu uma corrente ainda mais extremada que defendia em última instância o extermínio da população inferior Desse grupo emergiu a Ku Klux Klan KKK do grego Kyklos círculo criada em Nashville em 1867 A idéia de círculo aparece como HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 146 símbolo de sociedade secreta fechada em si mesma Ancorada numa antiga tradição de linchamentos de negros a KKK combatia além dos negros os brancos liberais que apoiavam o fim da segregação também chamados de negro lovers amantes de negros com duplo sentido os chineses os judeus e outras raças consideradas inferiores A KKK colocavase como uma entidade moralizante de defesa da honra dos costumes e da moral cristã A prática pavorosa dos linchamentos era justificada por seus membros a partir de acusações de supostos estupros de mulheres brancas por negros numa clara hierarquização da sociedade a mulher indefesa e inocente estaria sendo vitimizada pelo negro ser inferior e bestial que precisava ser combatido pelos protetores dos bons costumes os cavaleiros brancos da Klan A organização tem começo incerto mas se sabe que surgiu da união de vários outros grupos locais associações clandestinas e racistas como a Fraternidade Branca do Tennessee por exemplo Outras organizações como a dos Cavaleiros do Sol Nascente os Cavaleiros da Camélia Branca as Guardas Constitucionais e os Caras Pálidas antecederam e coexistiram com a Klan assemelhandose a ela em preceitos princípios e ações numa demonstração do racismo profundamente arraigado Entre 1867 e 1871 as estimativas falam em mais de vinte mil pessoas mortas por terroristas brancos Alguns desses grupos como a própria Klan usavam um lençol branco como vestimenta simbolizando os senhores mortos durante a Guerra Civil que voltavam para se vingar na forma de espíritos acusando os exescravos de os terem abandonado em meio ao conflito Outra explicação para o uso do lençol branco é a idéia de que os negros seriam supersticiosos e que portanto acreditariam em espíritos que voltavam para assombrar os vivos A KKK era apoiada pela participação de muitos políticos sulistas mas toda a sua base era composta por brancos pobres ressentidos Para se tornar membro da Klan era necessário ser branco não ser judeu defender a pátria até as últimas conseqüências e ser um bom cristão protestante já que não se aceitavam católicos Nos anos de 1871 e 1872 o governo federal aprovou leis e tomou providências que contiveram o avanço dessas organizações Mesmo assim outras semelhantes como a Linha Branca o Clube do Povo Os Camisas Vermelhas e a Liga Branca surgiram no Sul contando com a complacência dos governos locais A Klan reapareceu na Geórgia em 1915 O século XX abriuse com 214 linchamentos promovidos por organizações racistas apenas em seus dois primeiros anos DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 147 Grant em 1874 pela última vez usou da força para conter esses grupos Quando uma milícia da supremacia branca instigou uma série de sangrentos distúrbios raciais no Mississipi antes das eleições de 1875 Grant negou o pedido de tropas federais feito pelo governador Como resultado os negros temendo a intimidação afastaramse das urnas Isso fez com que em 1876 os republicanos só conseguissem se manter em três estados do Sul Carolina do Sul Louisiana e Flórida A ação do presidente pode ser explicada em parte porque a população do Norte já não tolerava mais ações militares para manter governos ou defender os negros no Sul Crescia entre os nortistas a idéia que o Sul havia sido tomado por maus governos cujo único intuito era tirar proveito de vantagens pessoais e partidárias O Partido Republicano na era Grant perdia rapidamente o idealismo da década anterior e passava a ser comandado pelos chamados recolhedores de despojos base de apoio do presidente Durante o primeiro mandato de Grant a Casa Branca viuse envolta em escândalos envolvendo o vice presidente Schuyler Colfax de Indiana e o Crédit Mobilier uma firma de construção que desviava divisas para pagar acionistas da estrada de ferro Union Pacific beneficiária de enormes concessões de terras federais Os republicanos romperam com Grant em 1872 e formaram um terceiro partido comprometido com a reconciliação entre o Norte e o Sul os Republicanos liberais defensores do fim do clientelismo e favoráveis a uma política estrita de laissezfaire o que representava tarifas baixas o fim dos subsídios governamentais para as estradas de ferro e moeda forte O pleito daquele ano ficou dividido entre Grant que contava com imenso apoio popular advindo da época da Guerra e Horace Greeley editor do respeitado jornal New York Tribune candidato do novo partido mas que galvanizara o voto dos democratas ao prometer que acabaria com a reconstrução radical Grant foi reeleito e sua segunda administração ficou também marcada por suspeitas de corrupção nas altas esferas Mas se os governos federal e estaduais na época da reconstrução radical ficaram marcados pela corrupção o governo redentor que se seguiu esteve bem longe da probidade política ou fiscal Fazendo um balanço desse período podemos perceber que as tentativas de reforma deramse mais na área econômica através de subsídios para a construção de estradas de ferro e outras obras públicas do que nas áreas social e política A corrupção e a escolha do traçado das vias férreas baseada em critérios duvidosos geraram uma crescente dívida pública e mais tributos sem proporcionar um transporte barato e de qualidade Quando o Pânico de 1873 levou muitos HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 148 estados sulistas à beira da bancarrota diversas estradas de ferro subsidiadas faliram deixando os contribuintes com os débitos a pagar e convencidos de que os republicanos haviam arruinado a economia sulista Certos negros tiveram somente uma pequena responsabilidade pela desonestidade dos governos radicais dado que nunca controlaram governo estadual algum e jamais ocuparam postos de comando Alguns congressistas negros comprovadamente aceitaram empréstimos de lobistas de estradas de ferro para financiar suas campanhas Mas contrariamente ao mito o pequeno número de negros eleitos para as assembléias estaduais ou para o Congresso durante o período de reconstrução demonstrou integridade e competência e era composto quase que totalmente por pessoas com razoável grau de instrução Mesmo assim os críticos democratas da reconstrução radical conseguiram convencer em vista do preconceito racial enraizado na cultura americana que bom governo deveria ser sinônimo de supremacia branca A REDENÇÃO A disputa eleitoral de 1876 travouse entre Rutherford B Hayes governador republicano de Ohio e Samuel J Tilden governador de Nova York Quando os resultados foram divulgados Tilden havia ganhado no voto popular e parecia ter chances de obter uma vitória estreita no colégio eleitoral Esse resultado todavia nos três estados do Sul ainda controlados pelos republicanos foi posto em dúvida se Hayes ganhasse nesses estados e se mais uma votação fosse impugnada no Oregon pensavam os estrategistas republicanos ele triunfaria no colégio eleitoral por um voto O resultado da eleição ficou meses em suspenso O Congresso nomeou uma comissão eleitoral de 15 membros para determinar a quem seriam atribuídos os votos dos estados com contagem duvidosa A comissão dividida entre os partidos votou oito a sete pela vitória de Hayes nos estados disputados mas essa decisão ainda tinha que ser ratificada pelo Congresso e na Câmara havia forte oposição democrata Uma barganha informal o Compromisso de 1877 cujos detalhes ainda são nebulosos assegurou a eleição de Hayes em troca da evacuação das últimas tropas federais do Sul Com a posse de Hayes 18771881 caiu o último dos governos radicais e todo o Sul passou para o controle dos democratas brancos os redentores Esse grupo por sua vez era bastante heterogêneo Parte dele vinha da velha aristocracia secessionista e tentava restabelecer a antiga ordem das DAS CINZAS DA GUERRA EMERGE O MODELO DO NORTE 149 coisas Aqueles de classe média favoreciam por sua vez interesses comerciais ou industriais sobre os interesses agrários queriam o Novo Sul cujo futuro dependeria mais de um desenvolvimento econômico diversificado e menos ligado às atividades rurais Um terceiro grupo políticos profissionais seguiam a direção de quem estivesse no poder Os pontos de convergência entre esses segmentos eram no entanto sólidos Acreditavam em práticas liberais o governo deveria ser neutro e limitado nas suas atividades e na supremacia branca Também eram contrários à intervenção nortista mas não quando isso significava fortalecer seus interesses particulares Quando a industrialização começou a ganhar força na década de 1880 os regimes redentores receberam com entusiasmo o capital nortista Entretanto mesmo com o avanço da industrialização até a Segunda Guerra Mundial o Sul permaneceu pobre e predominantemente rural Ainda que as elites brancas tenham prometido no Compromisso de 1877 seguir as Emendas 14 e 15 em 1890 por meio de fraudes e violência em todas as seções eleitorais no Sul os negros foram praticamente excluídos Entre 1889 e 1899 quase duzentas pessoas por ano em média foram linchadas por supostos crimes contra a supremacia branca Esse período foi também o auge da promulgação das leis Jim Crow Uma série de julgamentos do Supremo Tribunal entre 1878 e 1898 deu ganho de causa e estabeleceu jurisprudências racistas deixando os negros praticamente sem defesa contra a discriminação social e política Além de desfavorecer os negros a redenção negligenciou os interesses dos pequenos fazendeiros brancos que endividados perdiam seus títulos de bens de família e se viam reduzidos a arrendatários Seria estranho pensar que uma nação fizera uma sangrenta guerra civil por causa da escravidão trinta anos antes e agora aceitava a segregação e a violência racial Mas como já aventamos os pressupostos de supremacia branca eram reforçados pelo imperialismo norteamericano na passagem do século o pardo filipino era uma raça inferior de homem que precisava da mão firme e orientadora de uma nação norteamericana branca superior os negros pela mesma lógica perversa também Por tradição política o governo deveria ratificar aquilo que era a moral social pois as regras do federalismo estadunidense exigiam respeito geral a costumes locais estaduais e regionais Se no início os novos governos brancos como lírios permitiram aos negros uma participação simbólica na política o fim do século XIX assistiu ao governo federal e à opinião pública nortista passarem a julgar a harmonia nacional mais importante do que a idéia de direitos iguais para todas as pessoas HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 150 Os republicanos continuaram ocupando a presidência até o século XX com exceção dos dois mandatos de Grover Cleveland 18841888 e 1892 1896 Os democratas por sua vez recuperandose dos tempos da reconstrução obtiveram com mais freqüência apoio popular e controlaram a Câmara de Representantes por várias legislaturas NOTAS 1 Até a década de 1930 a reconstrução era caracterizada como um período de depravação humana a Era do Ódio O Blecaute do Governo Honesto A Década Pavorosa e a Era Trágica A maioria desses estudiosos brancos partia de pontos de vista decididamente racistas Exemplo disso é o livro Reconstruction and the Constitution 1902 de John W Burgess no qual os negros eram pintados como seres humanos inferiores incapazes de sujeitar a emoção à razão ou ainda a obra de William A Dunning Reconstruction Political and Economic 1907 em que uma grande riqueza de fontes foi trabalhada sob pressupostos sulistas e racistas mostrando a reconstrução como uma época de licenciosidade e de extrema crueldade para o prostrado Sul Apenas em 1939 Francis Butler Simkins em artigo no Journal of Southern History instou com seus colegas historiadores para que adotassem uma atitude mais crítica criativa e tolerante em relação ao período sugerindo uma interpretação que não se baseasse na convicção de que o negro pertence a uma raça inatamente inferior 2 Ainda em 1935 W E B Du Bois autor de Black Reconstruction 1935 contestou veementemente as conclusões de Dunning Refletindo uma crescente sensibilidade nacional aos direitos civis As décadas seguintes viram a publicação de livros como Reconstruction After the Civil War 1961 de John Hope Franklin e The Era of Reconstruction 1965 de Kenneth Stampp em que foram descartados os estereótipos raciais e o período do pós guerra foi reavaliado geralmente de forma mais favorável Segundo esses estudiosos os trabalhos tradicionais haviam exagerado muito na extensão das fraudes ocorridas e no papel de negros no governo Franklin e Stampp concluem no entanto que a reconstrução não conseguiu garantir a igualdade econômica política e social dos negros OS TEMPOS MODERNOS E OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA Embora a indústria norteamericana fosse anterior à Guerra Civil foi durante o conflito com maciço apoio governamental que ela alcançou patamares de produção que se mantiveram entre os mais altos do mundo durante o resto do século XIX Nas décadas posteriores à guerra famílias dos chamados senhores da Criação como os Carnegie os Duke os Hill os Morgan os Rockfeller os Swift os Vanderbilt etc acumularam espantosas riquezas e poder criando a partir de 1860 a chamada Era da Iniciativa Privada TRANSPORTE E COMUNICAÇÕES As estradas de ferro mola central dessa industrialização passaram por um forte surto de crescimento na década de 1850 criando as primeiras grandes companhias ferroviárias do país Essa febre da locomotiva diminuía distâncias entre centros de matériaprima e indústria ligava o país de costa a costa por meio de cinco ferrovias intercontinentais criava novos padrões de tempo e hábitos de trabalho e acelerava o crescimento demográfico do Oeste Na virada do século os Estados Unidos possuíam cerca de um terço de todas as vias férreas do mundo algo em torno de 320 mil quilômetros de trilhos de aço Anterior a essa verdadeira revolução nos transportes a mecanização da agricultura gerava aumentos exponenciais de produção e expansão das áreas de cultivo Um fazendeiro acompanhado de ceifadeira trançador e debulhador a vapor em 1896 podia colher mais trigo do que 18 homens 70 anos antes Talvez motivados pelas dimensões continentais os norteamericanos excederam a todos no campo das comunicações Aperfeiçoaram uma HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 152 invenção italiana o telefone creditandoo como invenção norteamericana Criaram a máquina de escrever a máquina registradora a máquina de somar e o linotipo Vincularam o receptor telegráfico contínuo em fita às bolsas de valores Se já na década de 1870 a eletricidade era usada como fonte de luz e energia dez anos depois ela movia bondes elétricos lâmpadas incandescentes e vitrolas nas crescentes cidades O inventor Thomas Edison personagem romântico que simboliza um dos cérebros da engenhosidade norteamericana demonstra a lâmpada Ele teira dito Não me importo tanto em fazer fortuna mas adoro ficar adiante dos outros Essa era da industrialização forjou o mito dos grandes inventores gerado pelo confuso sistema de patentes estadunidense Como se a nação fosse berço dos maiores talentos inventivos do mundo a figura do inventor solitário criativo genial e laborioso que no fundo de sua casa transformava idéias em aparatos tecnológicos revolucionários para a vida cotidiana e industrial tornou se mais um sonho norteamericano O público se inclinava aos créditos dos jornais à engenhosidade norteamericana simbolizada por personagens românticos como Thomas Alva Edison um dos homens mais populares de sua época Hoje sabemos que a despeito das notáveis engenhocas de pessoas como Edison a industrialização foi sustentada por incrementos continuados e melhorias tecnológicas paulatinas criadas em laboratórios das próprias indústrias ou universidades fruto de esforços de cientistas e engenheiros anônimos Também é notório que boa parte dessa tecnologia tivesse origem européia ou fosse resultado de parcerias entre o velho continente e os Estados Unidos como os processos Bessemer e SiemensMartin de produção de aço OS TEMPOS MODERNOS E OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA 153 IMIGRANTES Atraídos pela terra das oportunidades entre 1870 e 1900 a população dos Estados Unidos recebeu mais de 20 milhões de imigrantes vindos da Europa e da Ásia em sua maioria Essa imigração somada ao crescimento vegetativo fez a população do país quase dobrar no mesmo período indo de quase 40 milhões para cerca de 76 milhões Uma das grandes barreiras da imigração era o aprendizado da língua inglesa Escolas públicas e privadas partidos e sindicatos providenciavam instrução para americanizar os recémchegados HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 154 O preconceito de grande parte dos norteamericanos entretanto acabou por julgar esses imigrantes Chineses foram vistos como sujeitos de raça inferior gente porca e portadora de doenças Aos olhos da velha estirpe de descendentes de anglosaxões os europeus recémchegados compunham uma massa de camponeses maltrapilhos e ignorantes Destinados parcialmente ao trabalho mal remunerado das fábricas e ferrovias os imigrantes acabaram por diminuir ainda mais o relativamente pequeno número de negros nos centros industriais porque os estrangeiros brancos ou amarelos mesmo os que não falavam inglês eram mais aceitáveis nesses tipos de trabalho A pressão social contra os asiáticos ou europeus católicos em sua maioria resultou em medidas governamentais para conter a imigração Em 1882 o Congresso proibiu a entrada de chineses presidiários indigentes e criminosos lista posteriormente acrescida de anarquistas e outros elementos indesejáveis Em 1885 proibiuse a importação de mãodeobra contratada Em 1907 proibiuse a entrada de japoneses Nos tempos de Primeira Guerra Mundial contrariando o veto do presidente Woodrow Wilson o Congresso criou o requisito de alfabetização para a entrada de imigrantes Finalmente nos anos 1920 foram aprovadas leis que atribuíam quotas a nacionalidades restringindo o ingresso de latinoamericanos e eslavos GRANDES EMPRESAS As depressões econômicas acabaram curiosamente por consolidar o poderio das grandes empresas e corporações expondo as desvantagens da competição acirrada que se praticava Entre 1869 e 1898 estimase que cerca de 13 da renda nacional foi aplicada na expansão da indústria e esse grande investimento de capital espelha a ascensão dos bancos de investimento centralizados em Wall Street Nova York Surgiam as grandes corporações que caminhavam sempre no mesmo sentido o do monopólio Para sustentar essa industrialização que crescera mais do que a demanda por bens de consumo ou por serviços ferroviários os industriais tinham altos custos Em busca de rentabilidade alguns desses homens de negócio fecharam acordos de cavalheiros que levaram pouco adiante à formação de cartéis com o intuito de limitar a concorrência e dividir os lucros Esses acordos iniciais eram sempre pontuais Com o tempo muitos se formalizaram gerando crescimento gigante em algumas indústrias Esse crescimento podia ser horizontal na tentativa de monopolizar um único produto comprando e tirando do negócio empresas concorrentes OS TEMPOS MODERNOS E OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA 155 ou vertical unindo empresas correlatas em vários níveis da produção e distribuição de produtos Exemplo disso foi John D Rockfeller e seus sócios que construíram o primeiro truste em 1882 quando os acionistas das maiores refinarias da nação abandonaram a forma de cartel e trocaram suas ações com direito a voto por certificados da Standard Oil Trust Com isso a administração de cerca de 90 da capacidade de refino da indústria ficou nas mãos de um único conselho Enorme em termos horizontais a Standard Oil passou à integração vertical unindo setores da perfuração de poços à fábrica de barris e oleodutos era o virtual monopólio dos mercados internos e externos Até sua dissolução nos termos da Lei Antitruste Sherman 18901 a Standard Oil dominou a indústria nos Estados Unidos e em grande parte do mundo O desenho de 1900 traz a versão popular de como o governo era controlado pelas grandes companhias chamadas trustes J Rockfeller tem a Casa Branca nas mãos e usa o Capitólio Nas indústrias que mais utilizavam tecnologia onde se procurava otimizar custos de produção as fusões prevaleceram Fosse através de trustes de companhias de controle holding companies ou de criação de empresas gigantes a consolidação industrial expandiuse rapidamente entre 1888 e 1905 foram formados 328 conglomerados ou empresas consolidadas Mesmo com essa tendência no mercado industrial norteamericano em algumas áreas a HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 156 concorrência não desapareceu notadamente naquelas que mais se valiam de mãodeobra e baixa tecnologia como as de mobiliário alimentos e vestuário Esse tipo de capitalismo o monopolista marcou o fim do outro o altamente competitivo e deu início à chamada liderança de preços espécie de acordo informal entre membros de um setor da indústria para seguir preços previamente estabelecidos Fugindo da vigilância federal antitruste e satisfeitas com os lucros garantidos por preços tacitamente aceitos a competição se dava em publicidade e design levando incontáveis pequenas empresas à falência e concentrando riquezas de maneira inédita Mesmo assim os Estados Unidos viveram um período de euforia industrial que louvava o próprio crescimento capaz de integrar o país e tornálo competi tivo diante das maiores nações industrializadas da Europa Em 1900 por exemplo os estadunidenses produziam tanto aço quanto Inglaterra e Alemanha juntas além de dominarem a outrora sem importância indústria do petróleo URBANIZAÇÃO A urbanização decorrente desse processo de industrialização também foi grande Mesmo que consideremos que até 1900 a maior parte dos norteamericanos vivesse diretamente do campo cidades nos Grandes Lagos costa do Pacífico e no Leste expandiramse Na década de 1890 já era A imensa ponte ligando o Brooklyn a Manhattan foi uma conquista tecnológica que assombrou os cidadãos dos EUA OS TEMPOS MODERNOS E OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA 157 possível ver nesse meio urbano a formação de uma crescente classe média admiradora de esportes leitora de revistas e romances de grande circulação e fanática pela nova invenção a bicicleta Em termos populacionais em 1890 havia 26 cidades com mais de cem mil habitantes Em 1900 seis dessas cidades haviam ultrapassado a marca do milhão Esse quadro de otimismo ajudava a propaganda norteamericana no exterior mas a distribuição da riqueza era muito desigual e a mesma cidade que atraía imigrantes em busca de oportunidades iluminação incandescente telefone saneamento e bondes acabava oferecendolhes trabalho mal remunerado e péssimas condições de vida VALORES Essa nova maneira de viver a de grandes cidades tinha um caráter dúbio para os valores tradicionais norteamericanos ao mesmo tempo em que se louvavam as promessas materiais de uma economia industrial madura temiamse as desigualdades profundas geradas pelo monopolismo Competiam a profunda crença nos direitos da propriedade que se aliava aos influentes interesses da indústria e a também enorme crença na livre concorrência e nas oportunidades da Terra da liberdade interesses que pediam uma regulamentação ao poder monopolista Na segunda corrente a tradição de valorizar o individualismo competitivo acreditavam os intelectuais que os assuntos humanos eram governados por leis naturais imutáveis o bem geral era mais bem servido com a busca da satisfação dos interesses individuais O eventual sofrimento social causado seria infinitamente inferior às recompensas trazidas àqueles laboriosos espíritos independentes que por meio do trabalho atingiam a plenitude econômica A pobreza era quase sempre vista como castigo advindo aos indolentes Logo acreditavase ser imoral que o Estado ou qualquer organização privada interviesse nos assuntos econômicos Alguns religiosos protestantes influenciados pela ética calvinista de realização e respon sabilidade individuais justificavam essa concorrência com argumentos éticos e religiosos A santidade é aliada da riqueza comentou a autoridade episcopal de Massachusetts à época Inicialmente chocado com a Teoria da Evolução o puritanismo norte americano acabou pelo mesmo motivo aceitando o darwinismo social HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 158 Segundo o filósofo inglês Herbert Spencer e seu discípulo norteamericano William Graham Sumner a luta sem controle pela existência era o meio através do qual a raça humana alcançara seu alto desenvolvimento As ações sociais ou estatais incentivariam os desajustados contendo os fortes e retardando o progresso era a confirmação científica dos valores do individualismo competitivo Mas nem todos os norteamericanos concordavam com o darwinismo social embora até a década de 1890 esse modo de pensar estivesse em ascensão Havia muitos e influentes críticos do laissezfaire que não eram nem remotamente defensores dos industriais monopolistas Os de inspiração marxista como Daniel De Leon do Partido Socialista Trabalhista e Eugene V Debs do Partido Socialista da América ou ainda Edward Bellamy queriam o fim da concorrência e da propriedade privada pregando uma nova ordem socialista de cooperação e coletivismo O teórico social mais influente do fim do XIX Henry George autor de Progress and Poverty Progresso e pobreza 1879 era voraz crítico do monopólio da terra ao qual atribuía todos os males sociais A solução Educação feminina OS TEMPOS MODERNOS E OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA 159 capaz de reduzir o contraste entre a Casa da Abundância e a Casa da Carência propunha George poderia ser a criação de um imposto único confiscatório sobre esse incremento imerecido O ataque de George ao laissezfaire contribuiu para que se fizesse um exame mais crítico dos problemas sociais da nação Mesmo assim a crença de senso comum era a de que os capitães da indústria norteamericana compunham uma camada social admirável de selfmade men Uma pequena análise biográfica desses personagens revela todavia que as histórias de sucesso individual não estão tão comumente atreladas a imigrantes pobres ou garotos que cresceram em fazendas mas a gente que emergira em circunstâncias vantajosas Em pleno século XIX época de grande louvor à industrialização críticos como o poeta Walt Whitman escreviam sobre a depravação das classes empresariais HISTÓRIA E MEMÓRIA A própria memória do período foi tratada de forma ambivalente pela historiografia No pico do período de euforia consumista norteamericana a explosão industrial norteamericana foi diretamente associada à Guerra Civil2 Essa teria sido por sua alta barreira tarifária protecionista estabilização da atividade bancária e da moeda e a construção de uma estrada de ferro transcontinental uma nova Revolução Americana Durante a Grande Depressão que se seguiu à quebra da Bolsa de 1929 o historiador Matthew Josephson comparou os industriais aos barões salteadores da Europa medieval capazes de trapacear e roubar sem o menor escrúpulo Em tempos de Guerra Fria politicamente mais conservadores os estudos sobre a industrialização do século XIX procuraram se ater mais às descrições estruturais do crescimento industrial e a exaltar os estadistas industriais retratados como indivíduos inovadores que haviam trazido progresso econômico à nação Análises mais recentes tendem a desconstruir a tese de que a Guerra Civil foi uma Segunda Revolução Americana ao demonstrar que os industriais e homens de negócios não formavam um bloco único de interesses diante dos assuntos da guerra e do período de reconstrução Pelo contrário sequer estiveram de acordo sobre a maior parte dos programas econômicos da época As novas pesquisas ainda contestam a importância econômica do HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 160 período da Secessão e comprovam que os maiores ganhos percentuais do século XIX ocorreram nas décadas de 1840 e 1850 Ao mesmo tempo em que concordam que a Guerra tenha criado certos tipos de demanda por calçados cobertores armas e tecidos de lã para uniformes esses estudiosos argumentam que essa produção desviou recursos de outros setores levando na verdade a uma diminuição na taxa de avanço tecnológico NOTAS 1 Em 1890 a demanda por uma legislação geral antimonopólio foi atendida pela Lei Sherman Antitruste que proibiu formalmente os contratos combinações monopólios ou conluios que restringissem o comércio interestadual ou externo Como acontecera com a Lei de Comércio Interestadual essa medida durante anos ficou apenas no papel Ambas as leis representavam um curioso paradoxo a intervenção do governo em nome do laissezfaire regulamentando para preservar a livre competição No caso da Standard Oil Company até a década de 1910 ela continuou obtendo lucros funcionando como um truste ainda que disfarçado 2 Em The Rise of American Civilization 1927 Charles e Mary Beard chamaram a Guerra Civil de Segunda Revolução Americana um conflito social e econômico no qual os outrora predominantes interesses agrícolas haviam sido deliberadamente substituídos por forças industriais em expansão do Norte e do Leste A produção de guerra o novo sistema financeiro e medidas governamentais favoráveis ao liberalismo industrial tomadas durante a Secessão foram fundamentais para o crescimento de uma economia industrializada A CONQUISTA DA ÚLTIMA FRONTEIRA Entre as décadas de 1860 e 1880 cerca de metade da atual área dos Estados Unidos já estava ocupada e era explorada por norteamericanos incluindo zonas recémincorporadas como Kansas e Nebrasca Cidades como São Francisco e Sacramento eram bastante movimentadas e a produção agrícola estava firme no vale do Willamette Oregon Entre essas duas fronteiras os povoados da costa do Pacífico e os estados imediatamente a oeste do Mississipi estendiase o chamado Grande Deserto uma imensa região de pradarias planícies e montanhas praticamente intocada por qualquer civilização de origem européia A ocupação dessa última fronteira se deu por várias razões quais sejam a liberdade religiosa no caso dos mórmons ou o desejo de obter terras e ouro Entre 1859 e 1876 houve corridas do ouro para pontos dispersos que mais tarde se tornariam os estados de Nevada Colorado Idaho Montana Arizona e Dakota do Sul Da noite para o dia surgiam cidadelas de centenas por vezes milhares de pessoas entre garimpeiros prostitutas mercadores jogadores bandidos comuns e diversos outros grupos cujas profissões eram mais bem aceitas para os rígidos padrões morais do Leste professores advogados etc Passada a euforia da cata fácil de pepitas na superfície muitas dessas cidades mineiras eram literalmente abandonadas transformandose em cidadesfantasma Por vezes a essa primeira fase seguiase outra de uma exploração mais sistemática dos veios de ouro mais profundos utilizandose de maquinaria cara No último quartel do XIX as febres do ouro norteamericanas duplicaram a oferta mundial de ouro HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 162 Além da construção dessas cidades a ocupação do Grande Deserto levou a novos choques com populações indígenas culturas que no geral viviam da caça aos búfalos e dependiam de amplos espaços para esse fim Embora os indígenas tenham muitas vezes massacrado populações brancas o contrário é que provocou um dos episódios mais horripilantes da história recente dos Estados Unidos O Massacre de Sand Creek em 1864 por exemplo em que foram mortas por um destacamento de tropas federais muitas centenas de homens mulheres e crianças de uma tribo que tentava se render Atirando nos búfalos por esporte A caçada ao búfalo de Currier e Ives 1862 Os sioux nação indígena das planícies do Norte e os apaches do Sudoeste foram os povos que mais resistência bélica ofereceram aos invasores O primeiro massacre foi feito pelos sioux em uma população de brancos em Minnesota em 1862 Durante os anos de Guerra Civil e década de 1870 os embates com os sioux e muitas outras tribos continuaram mesmo que esporadicamente O último e sangrento combate entre sioux e norteamericanos1 estourou em 1876 quando começou a corrida do ouro de Dakota Os garimpeiros acabaram ocupando uma região que havia sido prometida aos indígenas pouco antes Black Hills provocando as primeiras escaramuças O conflito terminou apenas em 1890 quando um levante em Wounded Knee Dakota do Sul resultou num massacre da população indígena A CONQUISTA DA ÚLTIMA FRONTEIRA 163 No sudoeste as guerras com os apaches haviam se prolongado até a captura de Jerônimo um dos últimos líderes daquela nação em 1885 Mesmo antes do episódio de Wounded Knee o sistema de vida dos indígenas havia sido destruído pela dizimação dos búfalos Desde o governo Monroe 18171825 a política oficial fora transferir os ameríndios para terras além da fronteira branca sempre de maneira inábil e por vezes cruel gerando campanhas de protesto entre indigenistas nas cidades e levantes indígenas como os descritos A crítica mais feroz da política federal em relação aos nativos foi Helen Hunt Jackson Seus livros de grande sucesso A Century of Dishonor 1881 e Ramona 1884 romantizaram as tribulações dos povos indígenas comovendo boa parte da opinião pública De qualquer forma mesmo os defensores dos indígenas acreditavam que se tratava de culturas menores ou inferiores e que os nativos deviam ser trazidos para os benefícios da civilização branca e ser assimilados na cultura dominante Uma bemintencionada lei em 1876 previa colocar indígenas em reservas mais bem estruturadas e montar escolas normalmente protestantes que os alfabetizariam e os introduziriam na sociedade norteamericana Isso se provou desastroso na medida em que não se consultou em nenhum momento as reais necessidades e vontades de nenhuma nação ameríndia e as terras acabaram nas mãos de colonos americanos que as usavam para especulação fundiária Destruídas as autoridades tribais e submetidas ao Estado na maior parte das vezes ausente as comunidades indígenas entraram o século XX em grandes dificuldades Em 1934 essa política mal orientada foi revogada pela Lei de Reorganização dos índios numa tentativa também desastrada de proteger o que sobrara da vida tribal O fim da cultura das pradarias começou ainda mais cedo com a implantação de gado em terras antes ocupadas por búfalos O fim dessa indústria pecuária se deu com as desastrosas nevascas de 188586 e 188687 quando milhões de cabeças de gado vacum congelaram ou morreram de fome Para evitar novos problemas da mesma natureza os fazendeiros abandonaram os costumes tradicionais cercaram as pastagens e contrataram funcionários fixos para as fazendas responsáveis pelo conserto de cercas e plantio de forragem Morria dessa forma a era clássica do vaqueiro norteamericano o cowboy que oferecia seu serviço por curtas jornadas e percorria cidades em uma vida errante e incerta Esse vaqueiro lendário reencarnaria na ficção de escritores como Zane Grey e depois no cinema e televisão sempre de forma bastante romanceada A ponta de lança desse último impulso de conquista da fronteira não foi nem o ouro nem o gado mas as estradas de ferro maiores vendedoras HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 164 de terra para colonos uma vez que tinham interesse em fomentar o assentamento de populações nas áreas que serviam às ferrovias transcontinentais Nos últimos trinta anos do século XIX mais terra foi colonizada do que em toda a história americana anterior A lenda sobre a última fronteira originouse ainda em 1893 quando o historiador Frederick Jackson Turner afirmou que ao desaparecer a fronteira em 1890 encerravase um período na história do país Até aquele momento para Turner a fronteira modelara o caráter e as instituições do país servindo também como válvula de segurança para os descontentes urbanos dado que muitos marginalizados das cidades teriam migrado para fazer o Oeste Essa tese da fronteira foi contestada por outros historiadores em produções mais recentes uma vez que mais terras governamentais haviam sido postas à disposição da colonização na década que se seguiu a 1890 do que na década anterior Essas terras em sua maioria ao contrário da lenda de um território de pequenos agricultores laboriosos e pioneiros caíram nas mãos de especuladores Por último para desmontar a tese de Turner e seus seguidores é preciso lembrar que os trabalhadores urbanos que tentavam fazer o Oeste muitas vezes vinham sem treinamento equipamentos poupança ou crédito e acabavam seus dias em grandes dificuldades ou vendendo suas terras a especuladores Os índices de migração desde a Guerra Civil mostram que a maioria das pessoas que queria fugir da pobreza movia se do campo para a cidade e não o contrário Seja como for o legado óbvio desse último Oeste foi com seus vigilantes xerifes de fronteira e associações de criadores de gado a criação de uma tradição de justiça rude Junto da violência um dos traços mais evidentes da lenda da fronteira foi a idealização de uma terra de liberdade individual e de igualdade Até hoje em filmes que trabalham com idéias do senso comum as pessoas que querem liberdade fazem uma viagem pelo Oeste percorrendo suas estradas desertas pradarias e parando em cidades em que há um bar que reúne todos os tipos de gente e onde a lei é levada pelas mãos dos justos NOTA 1 A cidadania norteamericana naquela época não era extensiva aos indígenas O IMPERIALISMO De modo geral entre 1814 e 1898 os Estados Unidos permaneceram longe da política internacional européia vivendo os princípios da Doutrina Monroe e de aquisição de territórios no Oeste seja por meio de compra seja por meio de guerras contra o México A maioria dos norteamericanos no entanto acreditava que seu país era a maior nação do planeta e que aquelas terras viviam em constante e natural perigo diante de ameaças externas O interesse por assuntos externos portanto sempre esteve presente Em parte porque o país se via como guardião das instituições republicanas e democráticas caminho em que o mundo todo estaria se movendo em parte pela Doutrina Monroe que revelara interesses norteamericanos no Caribe região cobiçada também pela Inglaterra A relação ambivalente com a antiga metrópole também levou os EUA a choques freqüentes com os britânicos concernentes às fronteiras das possessões do Novo Mundo britânico além de os norteamericanos demonstrarem visível simpatia pela rebelião canadense Outro fator que contribuía para a presença norte americana em assuntos exteriores diz respeito ao desejo de expandir o comércio exterior especialmente no Extremo Oriente interesse que resultou no estabelecimento de relações com Japão China e Coréia na aquisição de ilhas no Pacífico e no estabelecimento de um protetorado no Havaí A Guerra HispanoAmericana é um divisor de águas na presença dos Estados Unidos em cenário internacional Ainda que possamos relativizar esse paradigma argumentando que após uma onda de debates sobre imperialismo a opinião pública voltou a se concentrar no início do século XX em assuntos HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 166 internos a partir de 1898 as potências européias aceitaram o pressuposto de que a antiga colônia britânica tinha os olhos voltados a crises mundiais Alguns historiadores apontam a existência de uma elite bélica e imperialista composta por uma classe alta geralmente da costa leste que defendia a existência de uma marinha de guerra poderosa antes mesmo da Guerra Civil Em uma ponta da elite estariam homens como William H Seward Secretário de Estado 18611869 responsável pela incorporação do Alasca1 e de Midway aos domínios norteamericanos que dizia ainda em 1850 que um império marítimo era o único e verdadeiro império Na outra já no início do século XX o futuro presidente Theodore Roosevelt quando ainda secretárioassistente da Marinha do governo McKinley 18971901 afirmou que qualquer guerra justa era capaz de unir o país promovendo virtudes cívicas entre a mocidade Entre os que assim pensavam estariam alguns líderes políticos e formadores de opinião muito influentes O presidente Grant por exemplo alimentara aspirações expansionistas sobre a República Dominicana Na década 1880 o Secretário de Estado James G Elaine 1881 18891892 tentara sem sucesso obter posições no Caribe e discutiu com a Grã Bretanha sobre os direitos de construção de um canal cortando o istmo do Panamá Em 1889 Elaine de volta ao cargo propôs uma idéia de panamericanismo que uniria todo o Hemisfério Ocidental sob liderança dos Estados Unidos2 Cuba sempre fora o desafio mais imediato ao controle norteamericano do Caribe Uma das últimas remanescentes do outrora grande império espanhol no Novo Mundo a ilha após uma fracassada e sangrenta tentativa de insurreição em 1878 vivia uma relativa prosperidade sustentada pelo mercado norteamericano de açúcar e mantida pela Lei McKinley de Tarifas 1890 que permitia a entrada do produto em solo estadunidense sem pagamento de tarifas aduaneiras Quando em 1894 a Tarifa Wilson Gorman voltou a cobrar esses encargos Cuba mergulhou em uma depressão econômica que levou ao início de outro levante contra os espanhóis A brutalidade da repressão espanhola à revolta foi destacada por jornais norte americanos levando grupos patrióticos organizações trabalhistas reformadores e membros do Congresso a exigir a intervenção norte americana O presidente Cleveland 18931897 insistiu com a Espanha para que concedesse autonomia a Cuba mas não sucumbiu aos clamores de compatriotas por uma guerra O IMPERIALISMO 167 Durante o governo do presidente McKinley empossado em 1897 o quadro virou diante de dois acontecimentos Um documento produzido pelo embaixador espanhol em Washington a Carta Lome que continha uma descrição bastante ácida de McKinley caiu nas mãos da imprensa norte americana causando escândalo Mas o pior o estopim da guerra foi a perda do USS Maine em fevereiro de 1898 enviado a Cuba para uma visita de cortesia o navio de guerra norteamericano explodiu enquanto estava ancorado em Havana matando 260 marinheiros Diante de uma enorme pressão de jornalistas e políticos belicosos e ultranacionalistas e temeroso de que o Congresso pudesse declarar guerra à sua revelia McKinley em 11 de abril solicitou permissão para usar armas a fim de restabelecer a ordem em Cuba A guerra seria oficialmente declarada duas semanas depois Antiimperialistas na contramão dos eventos conseguiram aprovar no Congresso a Resolução Teller que impossibilitava os Estados Unidos de se apossarem da ilha em caso de vitória No Pacífico outra colônia espanhola as Filipinas também passava por uma rebelião colonial Theodore Roosevelt secretárioassistente da Marinha ordenou ao comodoro George Dewey que reunisse em Hong Kong a Esquadra Asiática da Marinha dos Estados Unidos e se preparasse caso eclodisse a guerra em Cuba para atacar a esquadra espanhola na baía de Manila Em maio a frota espanhola de dez navios foi destruída sem a perda de nenhuma vida norteamericana a imprensa de maneira ufanista classificou aquele acontecimento como a maior batalha naval dos tempos modernos A rápida guerra encerrouse em 12 de agosto de 1898 levando o Secretário Hay a chamála de esplêndida guerrinha Como condições do armistício os Estados Unidos tomaram da Espanha o controle sobre Cuba e Porto Rico no Caribe Na esteira mesmo diante de um relutante McKinley receoso em anexar muitos territórios distantes vieram as Filipinas mais de sete mil ilhas grandes e pequenas e cerca de oito milhões de habitantes mediante o pagamento de US 20 milhões Os EUA passaram a considerar seu dever erguer e civilizar as Filipinas3 No Senado o tratado de anexação das Filipinas enfrentou séria oposição de uma coalizão profundamente heterogênea uma maioria de democratas do Norte e uma minoria de republicanos do Leste de mentalidade reformista que acabou fracassando Alguns argumentavam que um império construído sobre povos submetidos violava a Declaração de Independência e a Doutrina Monroe Outros legalistas observavam HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 168 que a Constituição não previa maneira de governar territórios que não estavam destinados a se tornarem estados Racistas por sua vez afirmavam que os pardos filipinos eram inassimiláveis Já os estrategistas argumentavam que uma possessão no Extremo Oriente poria em risco a segurança norteamericana Quatro anos depois de vencida a guerra contra a Espanha os Estados Unidos que tinham votado pela não anexação de Cuba não haviam se retirado da ilha afirmando que faziam uma hercúlea tarefa a fim de acabar com a febre amarela Em 1902 retiraramse mas não antes que a Emenda Platt fosse incorporada à Constituição cubana transformando a ilha em uma espécie de protetorado norteamericano os Estados Unidos garantiam o direito de intervir em assuntos cubanos a fim de garantir a continuação da independência e a estabilidade do país além de assegurarem uma base naval Guantánamo na ilha A Emenda Platt foi revogada na década de 1930 mas Cuba continuou a gravitar ao redor da economia dos Estados Unidos Nas Filipinas para onde prometeram levar a boa vontade a proteção e as mais ricas bênçãos de uma nação libertadora e não conquistadora os Estados Unidos acabaram subestimando os desejos locais por independência uma sangrenta rebelião irrompeu durando de forma intermitente até 1906 com o intuito de proclamar a República das Filipinas Vítimas da guerra ou de doenças morreram cerca de cinco mil norteamericanos vinte mil guerrilheiros e duzentos mil civis filipinos Em 1901 um governo civil substituiu o governo militar das Filipinas e uma assembléia eletiva foi instaurada em 1907 Os filipinos conseguiram sua independência somente após a Segunda Guerra Mundial Em Porto Rico um movimento em prol da instalação de um governo popular local começou com a criação do legislativo de Porto Rico em 1900 A ilha acabou se tornando no século XX um estadolivre associado aos EUA As relações com a Inglaterra melhoraram muito após a Guerra Hispano Americana que contou com apoio britânico aos norteamericanos A florescente harmonia angloamericana era baseada na concordância britânica com os objetivos comuns de estabilidade e manutenção do status quo no Caribe e no Extremo Oriente e em uma suposta herança cultural e acreditavam alguns racial comuns A GrãBretanha reconheceu a hegemonia estadunidense no Caribe no Segundo Tratado HayPauncefote de 1901 em que o controle exclusivo do projetado canal no istmo do Panamá foi passado aos EUA O IMPERIALISMO 169 Com o assassinato de MacKinley em 1901 seu vice Theodore Roosevelt ascendeu à presidência Veterano da Guerra HispanoAmericana era um expansionista mas para alguns historiadores contrariando seu adágio muito citado ele não falava tão mansamente assim e seu porrete algumas vezes não foi verdadeiramente usado4 Quando o Japão protestou contra a segregação de escolares orientais em São Francisco Roosevelt negociou um acordo internacional 1907 que acabou com a divisão mas não com outras formas de discriminação apesar de restringir a imigração japonesa Mas para que esse gesto de natureza conciliatória não parecesse sinal de fraqueza mandou a Marinha em um cruzeiro de treinamento em volta do mundo Isso pode além de ter acirrado uma corrida armamentista ter levado ao Acordo RootTakahira 1908 pelo qual os Estados Unidos e o Japão concordavam em respeitar a integridade da China e do Pacífico reconhecendo a dominação japonesa na Manchúria e garantindo a posse das Filipinas No Caribe Roosevelt iniciou a construção do canal do Panamá apaziguando os poderosos investidores franceses da French Panamá Canal Company e contrariando a Colômbia que recusava as condições norte americanas para construir em seu território Não admitindo que os interesses da civilização como um todo fossem contrariados por latinos o presidente estimulou uma revolução de independência panamenha em troca do acordo para a construção do canal Mais tarde a Colômbia seria parcialmente indenizada Entre 1900 e 1920 os EUA intervieram nos assuntos internos de pelo menos seis países do Hemisfério Sob William Howard Taft 19091913 sucessor de Roosevelt o intervencionismo norteamericano assumiu uma conotação claramente econômica ao passo que mais tarde sob Woodrow Wilson 19131921 assumiu a forma de imperialismo missionário os norteamericanos se reservavam o direito de esclarecer e elevar povos pela força se necessário O presidente Wilson fazia discursos antico lonialistas e apesar disto interveio em Cuba estabeleceu protetorados norteamericanos no Haiti e na República Dominicana e ainda apoiou uma ditadura na Nicarágua O conflito mais visível entre princípios e práticas ocorreu durante a Revolução Mexicana quando levou os Estados Unidos à beira da guerra a fim de ensinar o conturbado México a eleger boa gente As interpretações historiográficas sobre o imperialismo norteamericano são as mais variadas A interpretação econômica tradicional é bastante HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 170 determinista e defende a tese de que a economia norteamericana chegara à maturidade e por conseguinte ela precisava de novas matériasprimas e de mercados externos5 Outras explicações para essa política externa ressaltam a reafirmação do Destino manifesto sob a forma de anglosaxonismo a crença de que a nação norteamericana angloteutônica era superior do ponto de vista racial e tinha uma missão civilizatória a realizar nesse sentido o mundo estaria sendo beneficiado com a expansão bem como a guerra manteria virtudes morais altas e os espíritos disciplinados em pressupostos bem próximos aos do darwinismo social Essa missão divina levou protestantes evangélicos a promoverem um imperialismo baseado na retidão moral isto é que os norteamericanos liderariam não só pelo exemplo remoto mas também pela presença física entre raças ainda não remidas do pecado O reverendo Josiah Strong e seu livro Our Country 1885 fizeram muito sucesso ao insistir que os Estados Unidos com seu gênio anglosaxão para a colonização deviam espalhar as bênçãos do protestantismo e da democracia na direção do México América Central e do Sul para as ilhas do mar para África e além O século XX parece ter concordado com essa idéia DE UM SÉCULO A OUTRO Em 1800 os Estados Unidos eram um aglomerado de pequenos estados isolados na situação de país independente na América Em breve o Haiti e toda a América Hispânica seguiriam cada um a seu modo o exemplo do Norte Em 1900 tendo atravessado uma devastadora Guerra Civil o país era uma potência imperialista que se preparava para assumir o posto de maior parque industrial do planeta O século XIX tinha assistido a uma extraordinária expansão territorial um fluxo de imigrantes sem precedentes e a ascensão de um discurso democratizante que ainda não atingia de fato mulheres e negros Dada como presente pelos franceses aos EUA em 1886 a Estátua da Liberdade guardava a entrada de Nova York e saudava as massas despossuídas do planeta como diz a inscrição na base do monumento A indústria tinha se expandido como o território e o racismo e a exclusão continuavam mas os norteamericanos haviam formado uma nação a partir de milhares de cacos O IMPERIALISMO 171 O país que nascera sem nome e adotara a forma política e o lugar como denominação Estados Unidos da América tinha passado de 16 estados em 1800 para 45 em 1900 A nova potência banhada por dois oceanos mantinha a mesma Constituição e sonhava com um futuro glorioso à frente NOTAS 1 A Guerra da Criméia 18531856 debilitou muito a economia da Rússia Os russos por conseguinte viram se querendo se desfazer dos territórios americanos conquistados duas décadas antes em seu momento de expansionismo imperialista sobre a América Entre as terras que passaram a ser vistas como desnecessárias estava o Alasca que vinha causando prejuízos à companhia russa na região Seward propôs comprálo No início houve críticas pois a população americana acreditava que o Alasca não passava de uma região imprestável e coberta de gelo Muitos americanos entre eles vários políticos eram contra essa compra do que apelidaram de a Caixa de Gelo de Seward Mas a descoberta de grandes reservas de recursos naturais atraiu milhares de pessoas à região pressionando o Congresso americano a aprovar a compra em 1867 Em 30 de março daquele ano os Estados Unidos adquiriram o Alasca por 72 milhões de dólares ou seja por cinco centavos o hectare 2 Seja como for o expansionismo norteamericano pode ser estudado em um contexto mais amplo de imperialismo majoritariamente europeu que já havia dilacerado a África dividindoa entre potências do Velho Continente e que se expandiam naquele momento para a Ásia A construção de impérios certamente despertou a mesma vontade nos governos norteamericanos do fim do XIX 3 Em 1968 no próprio auge do debate nacional sobre a Guerra do Vietnã e sobre os interesses norteamericanos no Sudoeste da Ásia Walter LaFeber escreveu no Texas Quarterly A linha da conquista das Filipinas em 1898 até a tentativa de pacificação do Vietnã não é reta mas pode ser acompanhada com absoluta nitidez LaFeber se filiava a uma tradição de historiadores críticos do imperialismo norteamericano que se iniciara com o decano da Velha Esquerda Charles Beard e sua conclusão de que o expansionismo de seu país no começo do século xx não fora acidente mas resultado do sistema econômico sem escrúpulos No trabalho de LaFeber representante da Nova Esquerda a mesma tese foi revisitada o conflito hispanoamericano não pode ser mais considerado apenas como uma esplêndida guerrinha Foi uma guerra para preservar o sistema norteamericano 4 Roosevelt ficou famoso pelo Corolário Roosevelt à Doutrina Monroe pelo qual se ampliava o direito norte americano de intervir na América inclusive nos negócios internos dos países do continente e de manter neles somente governantes aceitáveis por Washington A história consagraria o Corolário com o nome de política do Big Stick Grande Porrete e o adágio de Roosevelt Fale macio e use o porrete que simbolizava uma política de paz pronta para a guerra 5 A interpretação econômica embora seja ainda muito utilizada tem inúmeros críticos Julius Pratt autor de The Expansionists of 1898 1936 afirmou que a preponderância esmagadora dos interesses comerciais mais eloqüentes do país desejava ardentemente a paz Para Pratt a comunidade empresarial queria o aumento do comércio com o exterior tornandose imperialista apenas depois do início da Guerra HispanoAmericana Por sua vez essa guerra embora estimulada pela imprensa sensacionalista e pelo estado de espírito belicoso então reinante fora para libertar Cuba O SÉCULO AMERICANO Na política externa os Estados Unidos não punem atrocidades apenas desobediência Noam Chomsky A ERA PROGRESSISTA 19001920 Cento e vinte cinco anos depois de sua formação e três décadas depois de uma guerra civil que dividiu a nação em duas os Estados Unidos entrariam no século XX como o maior poder econômico no mundo Sua produção industrial cada vez mais controlada por grandes monopólios era enorme e superava as velhas potências européias A imigração massiva nas duas últimas décadas do século XIX elevou a população total a 76 milhões de habitantes e propiciou a consolidação de grandes metrópoles como Nova York Chicago e Filadélfia Expansionistas no governo aliados a elites econômicas lançaram projetos imperialistas visando à obtenção do controle de novos territórios no Caribe América Central e no oceano Pacífico Grande parte da elite e seus defensores intelectuais baseavamse na doutrina do darwinismo social segundo a qual o grande poder político e econômico refletia o sucesso natural dos mais aptos da sociedade O poderoso banqueiro Russell Sage por exemplo argumentou num debate público em 1902 que a sua inteligência superior honestidade e habilidade para negócios foram responsáveis pela sua enorme fortuna pessoal Criticar a acumulação de riqueza de acordo com ele era criticar os decretos de justiça A exploração extrema da classe trabalhadora carga horária excessiva com salários muito baixos e péssimas condições de trabalho era apresentada como um estado natural da sociedade Segregação formal e informal da população negra e políticas discriminatórias contra a população indígena latinoamericana e imigrante foram justificadas por meio dessa ideologia de superioridade HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 176 Houve entretanto muitas contestações nos EUA Nas últimas décadas do século XIX surgiram movimentos sociais variados feministas planejadores urbanos religiosos sindicalistas socialistas criticando a falta de direitos políticos a miséria nas cidades grandes e a concentração aguda de riqueza nas mãos dos industriais e grandes proprietários Escritores e artistas passaram a enfatizar temas de crítica social e conflito em suas obras Novos setores da população começaram a formular suas próprias noções de liberdade e do sonho americano Simpatizantes das reivindicações ou temerosos de mais agitação e desordem social setores da classe média profissionais liberais alguns políticos e jornalistas denunciaram escândalos econômicos e injustiças sociais advogando por uma mudança no comportamento social e no sistema econômico e político do país Em resposta os governos implantaram leis para aliviar os abusos mais extremados Essa época que mais tarde foi chamada progressista viu diversas campanhas defenderem o argumento de que só um Estado atuante e socialmente consciente podia garantir medidas de justiça social e manter a ordem num país em franca mudança Porém o impulso progressista era cheio de contradições que ficariam evidentes durante a Primeira Guerra Mundial quando o novo Estado intervencionista viria usar seus poderes para violentamente arrasar seus críticos mais radicais CAPITALISMO MONOPOLISTA E TRABALHO Nas décadas seguintes à Guerra Civil a economia agrícola e artesanal foi substituída pelo mundo industrial do carvão aço e vapor Pequenas firmas individuais e familiares foram superadas por grandes complexos industriais que aproveitaram da ampla disponibilidade de matériasprimas mãodeobra extensiva e barata inovação tecnológica um crescente mercado de consumo e políticas estatais favoráveis para transformar os Estados Unidos de longe na maior nação industrial no mundo na virada do século XX A extensão das ferrovias aumentou seis vezes entre 1860 e 1920 abrindo vastas áreas à agricultura comercial criando um mercado nacional para produtos industrializados e provocando um avanço espantoso da mineração de carvão e da produção de aço A necessidade de dinheiro em grande escala para financiar esses empreendimentos consolidou o mercado financeiro de Wall Street uma rua no centro de Nova York que passou a ser a sede dos grandes bancos e A ERA PROGRESSISTA 177 financeiras do país Avanços tecnológicos como eletricidade aço motores a vapor e o automóvel revolucionaram a produção industrial e o transporte Em 1900 metade dos operários da indústria trabalhava em firmas com mais de 250 empregados principalmente em algumas corporações gigantescas que dominavam os principais setores da economia Empresas enormes que combinavam poder industrial e financeiro passaram a dominar a economia como a International Harvester a Carnegie Steel e a Standard Oil Não é surpresa que em 1904 318 corporações poderosas controlassem 40 da indústria nacional O Senado dos Estados Unidos relatou em 1903 que o banqueiro J P Morgan participava da diretoria de 48 corporações enquanto John D Rockefeller presidente da Standard Oil atuava em 37 A grande riqueza dos chamados capitães de indústria não foi compartilhada com os trabalhadores Os salários dos operários industriais em 1900 eram muito mais baixos do que o necessário para manterem um padrão razoável de vida Benefícios não existiam Os trabalhadores não tinham qualquer defesa diante das oscilações do mercado perda de emprego ou arrocho salarial nas freqüentes recessões econômicas A jornada de trabalho típica era de dez horas por dia seis dias por semana Doenças ocupacionais e acidentes fatais eram comuns No dia 25 de março de 1911 por exemplo um incêndio numa confecção de roupas em Nova York a Triangle Shirtwaist Company matou 146 trabalhadores Não foi um caso isolado Muitas empresas empregavam preferencialmente mulheres e crianças cujos salários eram bem menores que os pagos aos homens Até 1920 mulheres constituíram 20 de mãodeobra industrial Sem direitos políticos e sociais mulheres também tinham que lidar com o fardo duplo de cuidar da casa e dos filhos além de trabalhar Em 1900 pelo menos 17 milhão de crianças menores de 16 anos de idade trabalhavam em fábricas e no campo Esforços para banir o trabalho infantil tiveram pouco impacto até a Primeira Guerra Mundial O movimento sindical que organizou cinco milhões de trabalhadores até 1920 aproximadamente 10 da mãodeobra não agrícola sofreu várias limitações externas e internas As políticas da principal central sindical a Federação do Trabalho Americano AFL em inglês favoreciam apenas uma luta moderada pelas reformas nas condições de trabalho e melhorias de salário e preocupavamse somente em organizar a elite da classe trabalhadora ignorando negros mulheres e muitos imigrantes os quais constituíam a maioria do operariado HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 178 Divisões ideológicas entre negros e brancos nativos e imigrantes homens e mulheres obstaculizaram a organização sindical Além disso imigrantes e negros foram usados pelos patrões para furar greves e a contratação da mãodeobra barata de mulheres e crianças sempre constituiu uma ameaça das empresas contra as reivindicações sindicais Muitos imigrantes chegaram aos Estados Unidos com a intenção de voltar com algum dinheiro a seus países de origem enquanto outros constantemente tiveram que se mudar em busca de trabalho Tudo isso minava as possibilidades de criar laços institucionais necessários à organização de greves manifestações e mobilizações Elas ocorreram nesse período mas o movimento como um todo não conseguiu generalizar as lutas e construir uma força política suficientemente coerente e poderosa Houve exceções importantes algumas seções sindicais sob a influência de idéias socialistas engajaramse em movimentos fortes por vezes unindo negros brancos imigrantes e mulheres O premiado filme de John Sayles Matewan 1987 mostra a sindicalização multirracial nas minas da Virgínia do Oeste onde mineiros negros brancos e italianos se uniram para defender seus interesses diante das grandes empresas mineradoras Se essas ações foram exceções que provaram a regra mostraram contudo o forte desejo de muitos americanos por uma política social alternativa IMIGRANTES E O SONHO DE FAZER A AMÉRICA O enorme crescimento econômico dos Estados Unidos dependia de uma mãodeobra massiva que foi providenciada pelos grandes movimentos populacionais do fim do século XIX no mundo Expulsos de seus países pelo crescimento demográfico modernização agrícola pobreza e opressão política e religiosa 25 milhões de imigrantes chegaram aos Estados Unidos entre 1865 e 1915 um contingente mais de quatro vezes superior ao dos 50 anos anteriores Nas últimas quatro décadas do século XIX a maioria dos imigrantes veio de origens tradicionais como Reino Unido Irlanda Alemanha Canadá México e Escandinávia Entre 1890 e 1914 os países da Europa do Sul e Leste e Japão aumentaram o número de imigrantes significativamente A maioria dos imigrantes depois de 1900 era jovem e vinda de áreas rurais para trabalhar nas grandes cidades Muitos viviam em condições precárias amontoados em apartamentos pequenos em cortiços decadentes no centro da cidade Doenças fatais como a febre amarela e incêndios eram preocupações constantes no ambiente doméstico A ERA PROGRESSISTA 179 Em 1890 a maioria da população urbana era formada por imigrantes 87 da população em Chicago 80 em Nova York 84 em Milwaukee e Detroit Além de residências os bairros de concentração étnica que surgiam na época abrigando os que chegavam tinham lojas tavernas instituições culturais políticas e religiosas vinculadas ao país de origem de seus habitantes Alguns grupos étnicos como judeus e alemães progrediram economicamente mais rápido do que outros como irlandeses e especialmente as minorias raciais O grau de exclusão existente nos Estados Unidos influenciou bastante as chances dos imigrantes Estrangeiros brancos especialmente aqueles com qualificação profissional eou algum dinheiro geralmente deramse melhor do que outros grupos que sofreram racismo sistemático Até 1900 descreve o historiador Eric Foner a linguagem da raça conflito de raça sentido de raça problemas de raça tinha assumido um lugar central no discurso público americano Raça significava supostas diferenças biológicas e culturais entre povos e foi um conceito invocado para explicar a desigualdade econômica e social entre povos tidos como superiores geralmente brancos originários da Europa Ocidental e do Norte e outros povos inferiores geralmente não brancos eou imigrantes da periferia da Europa Negros latinoamericanos e asiáticos foram os principais alvos da discriminação racial Inteligência caráter qualidade de vida participação política adesão aos valores democráticos tudo foi analisado por meio das lentes da idéia preconceituosa e pseudocientífica de raça O economista Francis Amasa Walker afirmou na época que os imigrantes enfraqueceriam a fibra da sociedade americana quando a população de raça inferior ultrapassasse numericamente a anglosaxônica Não é surpresa ser dessa época a invenção de muitas tradições americanas como o juramento de fidelidade à nação a prática de ficar em pé durante a execução do Hino Nacional e a comemoração do Dia da Bandeira Um patriotismo coercitivo se desenvolveu elogiando principalmente tradições anglosaxônicas e brancas Práticas informais de exclusão relativas a local de moradia serviços públicos e educação afetaram muitos imigrantes judeus bem como italianos asiáticos e latinoamericanos nesse período Entretanto apesar do preconceito poucas leis contra imigração foram criadas depois da proibição de entrada de chineses em 1882 A necessidade de mãodeobra barata pesou muito mais nos cálculos dos industriais e políticos norteamericanos Contudo noções como raça inferior e superior infiltraramse em muitos aspectos da sociedade e da cultura norteamericana criando sensíveis distinções socioeconômicas na população do país HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 180 Freqüentemente imigrantes não tinham outra escolha senão adaptar sua dieta roupa língua e estilo de vida ao padrão americano para tentar evitar maiores discriminações inclusive no mundo do trabalho Um desejo de assimilação também partiu dos próprios imigrantes Muitos chegavam motivados pelos sonhos sobre as possibilidades de sucesso nos Estados Unidos e conscientemente tentaram se integrar na sociedade Alguns líderes comunitários e religiosos aconselhavam a adoção do american way of life enquanto outros procuravam combater certos valores da cultura dominante distintos dos seus Emprego educação lazer e práticas sexuais mais livres adotadas por jovens mulheres eram motivo de conflitos familiares Os Estados Unidos ofereciam oportunidades que as mulheres não tinham na Europa Muitas moças resolveram aproveitálas como certas funcionárias do correio em Nova York que se diziam muito satisfeitas com sua independência e liberdade Vários imigrantes descontentes se engajaram em grupos que lutavam por alternativas políticas como o socialismo e o anarquismo Emma Goldman e Alexander Berkman Imigrantes da Lituânia os dois líderes do movimento anarquista americano foram condenados em 1917 a dois anos de prisão por atividades antiguerra e deportados para a União Soviética em 1919 A inscrição na lápide de Goldman 18691940 em Chicago é A liberdade não vai descer ao povo o povo deve se levantar para a liberdade A ERA PROGRESSISTA 181 A população americana foi feita e refeita pelas ondas sucessivas de imigração no período de 18501915 Processos de adaptação assimilação e resistência à cultura dominante continuariam ao longo do tempo imigrantes brancos como os irlandeses alemães e eslavos conseguiram se integrar bem depois de algumas gerações tornandose inclusive lideranças políticas em regiões onde predominavam Judeus sofreram discriminação por mais tempo e em muitos aspectos embora também fossem se acomodando As restrições à cidadania plena na época constituiriam porém obstáculos firmes à inclusão social e cultural para imigrantes vindos da Ásia e da América Latina RACISMO E A GRANDE MIGRAÇÃO DE AFROAMERICANOS Nos anos 1890 um novo sistema de subordinação racial nasceu nos Estados Unidos a partir do Sul exescravista Nessa região do país os negros acabaram perdendo o direito de voto entre outros direitos conquistados e foram socialmente segregados Negros e brancos não podiam mais se misturar ou conviver nos espaços públicos Escolas serviços públicos e lojas reservavam aos negros instalações separadas assinaladas por placas bem visíveis afixadas em locais como bebedouros salas de espera restaurantes e ônibus diferenciando pessoas de cor e brancos Negros também não podiam freqüentar diversos parques e praias ou ser atendidos em vários hospitais A terrível situação dos negros no Sul com o aval das autoridades locais e leis específicas foi reforçada pela violência dos linchamentos Para manter a supremacia branca racistas freqüentemente com a colaboração da polícia e políticos espancavam enforcavam ou queimavam os negros suspeitos de crimes os atrevidos ou os que tinham de algum modo protestado contra a opressão Entre 1889 e 1903 na média dois negros eram linchados por semana nos estados do Sul A ideologia da supremacia branca ganhou adeptos fervorosos entre todas as classes sociais do Sul sendo abraçada inclusive pela maioria dos brancos pobres O intelectual negro W E B DuBois chamou esse fenômeno de salário psicológico aos olhos do pobre branco a superioridade da sua cor compensa sua miséria socioeconômica Em 1900 90 dos 10 milhões de negros nos Estados Unidos moravam nos estados sulistas em grande parte trabalhando as terras das regiões algodoeiras A maioria era constituída por arrendatários de latifundiários brancos pagando aluguel das terras em dinheiro ou com parte de sua HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 182 produção Esse sistema econômico chamado sharecropping compartilhado com muitos brancos pobres não era viável no longo prazo pois os arren datários tinham que tomar dinheiro emprestado a juros altos 5060 de comerciantes locais para manterse Alguns anos de cultivo ruim freqüentemente resultavam em dívidas difíceis de serem pagas num ciclo vicioso de endividamento Formalmente livres os negros no Sul dos Estados Unidos eram cativos economicamente Nos primeiros anos do século XX a precarização da vida o racismo e a oferta de trabalho nas indústrias do Norte provocaram o êxodo de negros do Sul dos Estados Unidos para o Norte onde se uniram aos imigrantes na crescente economia industrial Além de motivados por salários bem melhores do que os do Sul os negros sulistas sem direitos civis básicos onde viviam mudaramse atraídos pela possibilidade de como escreveu W E B DuBois escapar à condição de casta subordinada pelo menos nas suas feições pessoais mais agravantes WEB DuBois c1910 Primeiro afroamericano a receber o título de doutor pela Universidade de Harvard e autor de dezenas de livros consagrados nos campos da Sociologia e História DuBois atuou no movimento negro por sete décadas até sua morte aos 95 anos em 1963 A ERA PROGRESSISTA 183 O desejo de conseguir emprego estável fora do alcance da aberta discriminação racial tornouse uma febre entre os negros sulistas Depois que metade da população afroamericana saiu de sua cidadezinha no Mississipi uma senhora negra lamentouse Se eu ficar aqui mais tempo vou ficar louca Toda vez que eu volto para casa eu passo de casa em casa de cada um dos meus amigos todos estão no Norte e se dando bem Estou tentando ficar aqui mantendo minha propriedade Mas não tem gente suficiente aqui que me conheça e que possa me dar um enterro decente A maioria dos migrantes negros eram jovens da geração pósGuerra Civil insatisfeitos e impacientes não queriam se acomodar a papéis subservientes Um migrante da Carolina do Norte afirmou não ser possível morar no Sul e ser tratado como homem Entre 1910 e 1920 a população negra de Detroit subiu de 5 mil para 41 mil pessoas em Cleveland de 84 mil para 35 mil em Chicago de 44 mil para 110 mil e em Nova York de 917 mil para 152 mil Entretanto a vida no Norte também não era fácil para os negros Havia uma segregação informal pois idéias racistas estavam bem ancoradas na cultura dominante Os negros conviviam com diversas formas de violência racial Suas oportunidades de emprego restringiamse a serviços domésticos ou trabalhos braçais Eventualmente entravam em conflitos com brancos por questões de moradia trabalho e escola Porém em comparação com o racismo sufocante do Sul as cidades do Norte ofereciam para muitos negros a esperança de prosperidade e liberdade social Assim as comunidades negras ampliaramse em bairros e regiões dessas cidades tais como a Zona Sul de Chicago e o Harlem em Nova York Proliferaram igrejas de fiéis negros e clubes bares e casas de show freqüentadas por negros Artistas músicos poetas e romancistas traduziram a nova experiência de migração e vida urbana negra em diversas expressões culturais Intelectualmente a filosofia de autoajuda e de reformas gradativas defendida pelo proeminente educador negro Booker T Washington veio a ser desafiada por propostas políticas mais agudas Novos intelectuais negros radicados no Norte como o brilhante sociólogo e historiador W E B DuBois passaram a criticar Washington por limitar as aspirações de negros às escolas técnicas e agrícolas ao invés de advogar acesso pleno ao nível superior e às profissões liberais DuBois pregava também o início imediato de uma luta por diretos civis plenos e contra a discriminação racial na HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 184 educação nos serviços públicos e no mundo do trabalho Em 1909 junto com progressistas brancos ele fundou a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor NAACP em inglês dedicada a esta luta O JAZZ E O BLUES Apesar das adversidades os negros do Sul não foram somente vítimas A esperança dada pela liberdade acordada após a Guerra Civil persistiu Muitos criaram famílias estáveis lutaram para sobreviver e construíram espaços sociais e culturais autônomos inclusive linguagens musicais populares dinâmicas e criativas como o jazz e o blues O blues basicamente misturou ritmos e melodias africanos e europeus Originouse nas canções de trabalho entoadas na época da escravidão e desenvolveuse nas rotinas opressivas de trabalho e vida décadas depois da Abolição Mais tarde ao longo do século XX alimentouse da experiência do gueto em cidades do Norte Esse gênero musical expressou brilhantemente a condição contraditória de ser livre e cativo ao mesmo tempo As letras tocaram nas vicissitudes da exploração econômica e da discriminação racial da solidão das preocupações e sobretudo dos desejos de escapar aos confinamentos de raça classe e gênero A pobreza uma constante na vida dos negros foi um dos temas principais da música blues Sonhei ontem à noite pensei que o mundo inteiro era meu acordei hoje de manhã e não tinha um tostão A ferrovia foi freqüentemente utilizada como metáfora para o escape Quando o homem fica com blues ele pega o trem e sai O historiador Bryan Palmer comenta o blues era uma articulação de justiça e uma negociação de injustiça com uma representação poderosa em muitas comunidades negras até as primeiras décadas do século XX Ante o racismo sistemático e a pobreza a música traduzia entre os negros seus próprios sonhos americanos Mais tarde junto com o jazz o blues marcaria uma nova presença pública negra na sociedade americana E com o tempo décadas e décadas passaria não só a fazer parte do patrimônio cultural do país como seria também uma das principais contribuições culturais dos EUA para o mundo A ERA PROGRESSISTA 185 O IMPULSO PROGRESSISTA E SEUS CRÍTICOS As desigualdades e a miséria evidenciadas pelo drástico crescimento econômico e urbano no período 19001920 provocaram acirrados questionamentos e protestos Nessa era progressista surgiram numerosas correntes e movimentos intelectuais sociais culturais e políticos afirmando que a gerência estatal da economia e da sociedade era necessária para construir um mundo melhor e prevenir o conflito social As campanhas reformistas porém foram extremamente diversas e freqüentemente contraditórias contando em um lado do espectro com socialistas que queriam transformação social e política profunda e no outro lado com empresários e políticos de partidos tradicionais incomodados com o malestar provocado pelos descontentamentos nos meios industriais OS WOBBLIES A mais penetrante crítica ao capitalismo americano foi feita pelo movimento socialista Em 1905 duzentos socialistas anarquistas e sindicalistas radicais se reuniram em Chicago para fundar a Industrial Workers of the World IWW como alternativa ao sindicalismo conservador da AFL Popularmente conhecidos como wobblies os membros da IWW visavam a organizar todos os trabalhadores independentemente de sexo etnia e qualificação Rejeitavam as formalidades das relações de trabalho institucionalizadas argumentando que a ação direta greves mobilizações manifestações ocupações era mais eficiente do que as negociações contratuais Influenciado pelas idéias anarcossindicalistas circulantes na Europa na época e com elas contribuindo seu objetivo último era formar um grande sindicato de todos os trabalhadores e promover uma greve geral nacional que permitiria a tomada do poder pela classe trabalhadora A IWW nunca conseguiu organizar mais de cem mil membros mas suas idéias e práticas inclusivas tiveram influência muito além do seu tamanho formal Organizando mineiros estivadores operários homens e mulheres nativos e imigrantes brancos e negros a IWW mostrou extraordinária persistência energia e capacidade de mobilização Os wobblies criaram uma cultura movimentista com sua própria literatura teatro práticas de manifestação slogans e canções inclusive o famoso hino Solidariedade para sempre Os wobblies sofreram repressão violenta por parte do Estado e dos patrões Autoridades municipais em dezenas de cidades uniramse para prevenir suas palestras e manifestações Os wobblies contraatacaram com campanhas contundentes a favor da liberdade de expressão tendo obtido HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 186 algumas vitórias Porém milhares de ativistas foram presos e espancados pelas polícias milícias e vigilantes particulares e dezenas deles acabaram assassinados como o trovador do movimento Joe Hill que foi injustamente condenado por latrocínio e executado em 1915 A coerção não impediu a IWW de organizar várias das mais importantes greves da história do país Em Lawrence Massachusetts em 1912 uma greve em fábricas têxteis controladas pelo banqueiro J P Morgan chamou a atenção dos trabalhadores por todo o país Os vinte mil grevistas eram imigrantes portugueses ingleses irlandeses russos italianos sírios poloneses e canadenses com ascendência francesa grande parte mulheres e combatiam uma diminuição drástica em seus salários A falta de apoio da AFL fez com que os trabalhadores apelassem à IWW Com a coordenação dos ativistas ítaloamericanos da IWW Joe Ettor e Arturo Giovannitti os trabalhadores montaram um comitê central de greve representando todas as nacionalidades que se reunia diariamente para tomar decisões Organizaram passeatas e grandes reuniões semanais em várias línguas Fizeram piquetes 24 horas por dia e providenciaram comida para 50 mil pessoas Os grandes oradores do movimento socialista como Elizabeth Gurley Flynn discursavam para os grevistas em enormes comícios A chave do sucesso de uma greve era a solidariedade de outros trabalhadores Na de 1912 a IWW apelou pela ajuda de trabalhadores no país inteiro Temendo pela segurança de seus filhos os grevistas os deixaram com apoiadores residentes em outras cidades Ao chegarem a Nova York e Filadélfia as crianças de Lawrence foram recebidas com grandes manifestações de apoio por parte de socialistas e sindicalistas A solidariedade a persistência e a garra foram recompensadas Depois de três meses de greve as empresas atenderam as reivindicações dos grevistas Muitas das greves da IWW não foram bemsucedidas mas o exemplo de Lawrence inspirou milhões Nós queremos pão e rosas fora o slogan da greve significando que a luta não era somente por melhores salários mas também por respeito e dignidade Essa esperança ecoaria em todos os cantos do país O PARTIDO SOCIALISTA DA AMÉRICA Um partido socialista nunca teve tanta influência nos Estados Unidos quanto o Partido Socialista da América SPA antes da Primeira Guerra Mundial Fundado em 1901 por sindicalistas e intelectuais misturava idéias marxistas como a necessidade de acabar com propriedade privada com bandeiras da democracia social que defendia reformas e mudanças graduais dentro do sistema capitalista Seu programa de nacionalização das ferrovias A ERA PROGRESSISTA 187 e bancos criação de seguro desemprego diminuição da jornada de trabalho salário mínimo e imposto de renda mais justo obteve apoio significativo O partido foi mais forte nos bairros imigrantes das grandes cidades atraindo para suas fileiras milhares de judeus e alemães também ganhou bastante apoio entre pequenos proprietários no Sul e no centro do país Em 1912 o partido contava com 150 mil membros e significativo apoio nos sindicatos tendo já publicado dezenas de jornais inclusive o principal o Appeal to Reason Apelo à Razão que atingiu uma circulação de 760 mil em 1913 Nesse mesmo ano o partido tinha mais de mil representantes eleitos em 340 cidades inclusive 73 prefeitos e um deputado federal no Congresso Ativistas do partido envolveramse em diversas campanhas greves e movimentos Em 1912 seu candidato para presidente o veterano sindicalista Eugene Debs obteve um milhão de votos Mulheres também tinham vez e se destacaram no SPA Não constituíram mais de 15 dos membros mas ocuparam posições importantes na base do partido publicaram seu próprio jornal e lutaram ativamente em greves em campanhas sobre moradia e direitos do consumidor e em batalhas feministas pelo direito de voto O SPA não abraçou o programa pleno da emancipação da mulher mas engajouse na luta contra a opressão das mulheres mais do que qualquer outra organização de trabalhadores na época Entre as ativistas mais populares do partido estavam Kate Richards OHara líder socialista de Oklahoma e a escritora cega surda e muda Helen Keller famosa também por sua atuação no movimento pelos direitos dos deficientes Como a IWW o movimento socialista seria abalado pela repressão durante a Primeira Guerra Mundial Mas deixou uma marca importante nas lutas por reformas elaborando muitas das idéias e dos argumentos mais radicais do impulso progressista que tomou o país e forçando uma tomada de posição dos políticos dos partidos tradicionais e dos reformistas mais moderados ALTERNATIVOS A crítica radical à exploração capitalista no período como vimos também esteve presente nos círculos artísticos Destacase o romance The Jungle 1906 de Upton Sinclair no qual as indignas condições de trabalho nos matadouros de Chicago representam em microcosmo a situação das classes baixas do país Foi publicado pela primeira vez no jornal da SPA e depois em livro vendeu milhões de cópias Muitos outros escritores críticos das desigualdades sociais desfrutaram de bastante HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 188 popularidade na época tais como Jack London Theodore Dreiser Stephen Crane e Frank Norris No início do século XX antes da Primeira Guerra Mundial despontou uma nova geração de jovens que questionava ordem social estabelecida Além de se tornar um centro extraordinário de experimentação social com sua ativa comunidade gay e um ambiente de liberdade sexual entre jovens o bairro boêmio de Nova York Greenwich Village também cultivou um ambiente político radical Nesse bairro um grupo diversificado de artistas e intelectuais floresceu nos bares cafés e parques com destaque para a ativista feminista Margaret Sanger o dramaturgo Eugene ONeal a líder anarquista Emma Goldman e a dançarina inovadora Isadora Duncan Esse ambiente alternativo está bem relatado no filme Reds de Warren Beatty que conta a história do jornalista radical John Reed o cronista da Revolução Russa FEMINISTAS Embora socialistas e sindicalistas radicais fossem importantes nesse período o impulso progressista foi muito mais amplo englobando campanhas pelo sufrágio feminino contra corrupção política em municípios e estados pelo fortalecimento das instituições democráticas e a favor da regulação e do gerenciamento eficiente da economia e de uma distribuição mais justa da riqueza nacional Os diversos movimentos feministas defendiam bandeiras variadas A tendência predominante no século XIX fora a que defendia terem as mulheres diretos naturais ou seja que o papel desempenhado pela mulher como mãe esposa irmã e filha seria suplementar ao seu papel mais amplo e mais importante de cidadã da nação Na primeira década do século XX porém essa mensagem foi moderada e transformouse em algo que certos historiadores chamam de feminismo materno que enfatiza o instinto materno e as habilidades específicas das mulheres no cuidado das crianças e da casa Nessa linha as pessoas que defendiam o sufrágio feminino argumentavam que as mulheres por sua própria natureza e virtudes femininas seriam capazes de tratar com eficiência e carinho as políticas nacionais Exigências mais abrangentes como o fim da desigualdade sexual no trabalho e na vida privada foram colocadas em segundo plano Com essa mensagem sob a liderança de Anna Howard Shaw e Carrie Chapman Catt a Associação Nacional de Sufrágio para Mulheres NAWSA em inglês conseguiu afiliar dois milhões de membros em 1917 A ERA PROGRESSISTA 189 Inserindose nos debates nacionais sobre reformas sociais os sufragistas conseguiam o direito de voto para mulheres em 39 estados até 1919 e finalmente em 1920 uma Emenda à Constituição garantiu esse direito no nível federal A conquista do sufrágio feminino foi uma vitória contraditória Junto com os esforços bemsucedidos de mulheres em campanhas sociais a favor de crianças doentes e miseráveis por melhores condições de moradia e no movimento sindical da época representou um fundamental primeiro passo na luta contra discriminação de gênero Por outro lado a ênfase no voto limitou a luta feminista à busca desse direito político formal colocando em segundo plano o problema das desigualdades de classe Aliás a tendência Parada de sufragistas 1918 Ilustração publicada no jornal do movimento sufragista No cartaz se lê Senhor Presidente quanto tempo as mulheres precisarão esperar pela LIBERDADE HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 190 feminista dominante na época aceitava idéias discriminatórias prevalecentes sobre raça A líder Carrie Chapman Catt por exemplo sugeriu que o voto das mulheres brancas nativas pudesse compensar o poder crescente do voto estrangeiro ignorante e o potencial deletério de uma temida segunda Reconstrução favorável aos negros do Sul CIDADÃOS Os ganhos contradições e limitações do impulso progressista também foram evidentes em movimentos pela reforma urbana e política Novos jornais e revistas de grande circulação como McClures Magazine contribuíram para o ambiente de dissenso ao investigar e publicar matérias sobre a pobreza nas cidades e a corrupção na política Entre determinados religiosos protestantes nasceu um movimento chamado O Evangelho Social que relacionava fé cristã a reformas sociais e políticas adicionando um impulso moral poderoso às diversas intervenções dos movimentos reformistas Nas universidades uma nova geração de cientistas sociais e filósofos como John Dewey Louis Brandeis Thorstein Veblen e Walter Lippmann influenciados pelas correntes intelectuais progressistas que circulavam entre a América e a Europa propuseram diversos programas de intervenção estatal para o combate das desigualdades sociais No nível municipal a corrupção e a ineficiência das chamadas máquinas políticas controladas por alguns líderes poderosos sofreram os primeiros ataques Algumas cidades como Galveston Texas Des Moines Iowa Portland e Oregon criaram comissões eleitas que substituíram na administração urbana o sistema de prefeitos e vereadores Essa inovação durou em certos municípios até o período pósSegunda Guerra e em conformidade com as elites locais conseguiu melhorar a eficiência da administração municipal Outras cidades contrataram gerentes municipais presumindo que esse tipo de cargo seria livre das influências corruptas dos partidos políticos E muitas cidades ainda implementaram agências públicas direcionadas à melhoria da vida da população carente Os progressistas também formularam programas relacionados à esfera estadual Graças a isso até 1918 vinte estados tinham estabelecido dispositivos legais permitindo que reformistas apresentassem diretamente para a aprovação dos eleitores propostas de leis as chamadas iniciativas e referendos nos quais políticos eleitos podiam ser retirados do poder durante o mandato se a população desaprovasse das suas ações No estado A ERA PROGRESSISTA 191 de Wisconsin o governador progressista Robert M La Follette lançou em 1901 um programa amplo de reformas implementando iniciativas referendos leis trabalhistas regras para a indústria e reformas tributárias A maioria da legislação reformista na época aconteceu nas esferas local e estadual Mas políticas nacionais também foram altamente abaladas por causa dos impulsos reformistas Afinal esse período testemunhou a consolidação do EstadoNação com seus órgãos reguladores e leis governando a conduta das relações de trabalho comportamento empresarial e política financeira Como vimos o movimento progressista reconhecia que somente a ação na órbita nacional poderia alcançar as reformas essenciais Sob os mandatos dos presidentes republicanos Theodore Roosevelt 1904 1908 e William Taft 19081912 e do democrata Woodrow Wilson 1912 1916 19161920 uma série de comissões inquéritos e leis foi estabelecida para investigar e formular as regras básicas de comportamento industrial Foram elaboradas algumas leis que limitavam a grande concentração de capital em poucas mãos que passavam a exigir emprego com contrato de trabalho em certos setores que regulamentavam alguns aspectos da concorrência nos negócios e que definiam a jornada de trabalho e outros benefícios trabalhistas Na eleição acirrada de 1912 Theodore Roosevelt concorreu contra seu ex partido o Republicano como candidato do Partido Progressista defendendo um programa extenso de reformas socioeconômicas forçando os outros candidatos a prometer mudanças semelhantes Sem dúvida a intervenção estatal defendida em primeira instância pelos movimentos sociais temperou os excessos mais graves do sistema capitalista Nova legislação e ação pública mostraram aos ativistas que a mobilização política obstinada podia forçar o governo a tomar um papel ativo em defesa dos interesses das pessoas comuns Ao mesmo tempo no entanto os direitos de alguns grupos como os imigrantes os negros e os pobres estavam sendo restringidos Enquanto mulheres ganharam o voto muitos negros no Sul perderamno A obrigatoriedade de alfabetização e a necessidade de residência fixa para a contratação em determinados empregos diminuíram as oportunidades de imigrantes e pessoas muito pobres Num balanço geral as condições fundamentais de vida da maioria dos americanos não mudaram e existe bastante evidência de que as reformas do período serviram tanto aos interesses do povo comum quanto aos da classe empresarial Preocupada com as recessões econômicas conflitos sociais e a popularidade crescente do socialismo a maior parte das elites econômicas e HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 192 políticas acabou apoiando a necessidade de regulação estatal e muitas das iniciativas reformistas como forma de apaziguar os ânimos e diminuir a pressão por mudanças mais radicais No nível estadual e municipal as reformas em última instância trouxeram eficiência e estabilidade política por meio da centralização do poder nas mãos de grandes empresários e tecnocratas aliados Roosevelt Taft e Wilson foram fundamentalmente conservadores com a adesão firme da maioria das grandes corporações cujos líderes cultivavam um ideal de eficiência e regulação para garantir estabilidade paz social e mais importante o aumento dos próprios lucros Houve um esforço consciente e bemsucedido conta o historiador James Weinstein a guiar e controlar as políticas econômicas e sociais de governos federais estaduais e municipais por parte de vários grupos de empresários no seu próprio interesse de longo prazo Esse capitalismo político pretendeu aliviar a pressão política vinda de baixo e manter controle efetivo da economia nas mãos dessas elites Essa estratégia se tornaria crucial durante os trágicos anos da Primeira Guerra Mundial O CADINHO DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL O principal desejo dos diversos movimentos progressistas um Estado nacional intervencionista foi realizado durante a Primeira Guerra Mundial Os Estados Unidos entraram na guerra em 1917 dando à Entente do Reino Unido França e Rússia a ajuda militar crucial para derrotar a Alemanha Ironicamente as políticas domésticas do Estado americano durante o conflito europeu enterraram os movimentos reformistas desencadeando uma onda de repressão e autoritarismo no país A Primeira Guerra Mundial nas palavras do presidente Wilson foi uma guerra pela democracia e liberdade A linguagem de liberdade já tinha sido usada pelos Estados Unidos nas suas campanhas imperialistas nas Américas e no Pacífico Era uma linguagem repleta de noções como a superioridade da raça anglosaxônica e a inferioridade de latinoamericanos e asiáticos bem como a necessidade de o capitalismo americano conquistar mercados e matériasprimas fora do país A administração do presidente Taft manteve possessões e esferas de influência dos Estados Unidos em Cuba Filipinas e América Central Efetivamente controlando esses países por meio da cooptação das elites e forças armadas locais e da influência econômica os Estados Unidos também A ERA PROGRESSISTA 193 fizeram várias intervenções militares para sobrepujar ameaças ao seu controle Tropas americanas intervieram eou mantiveram forças de ocupação militar em Cuba 19061909 19171922 Haiti 19151934 República Dominicana 19161924 Nicarágua 19091910 19121925 e México 1914 19161919 Refletindo seus preconceitos raciais os Estados Unidos ajudaram as elites militares brancas de Cuba a esmagar brutalmente uma revolta de soldados negros em 1912 Os Estados Unidos também orquestraram um golpe de Estado na Colômbia que criou o novo país do Panamá onde logo foi construído um canal entre os oceanos Atlântico e Pacífico para atender aos interesses das corporações americanas Usando a diplomacia dos dólares Taft e Wilson encorajaram bancos americanos a conceder empréstimos a muitos países das Américas fortalecendo o controle econômico nas mãos dos Estados Unidos Esses presidentes continuaram a política de Theodore Roosevelt de expandir o capitalismo dos EUA e tentar impor a cultura norteamericana nos países subjugados A Primeira Guerra Mundial ofereceu melhores oportunidades aos políticos para a consolidação da supremacia econômica do país e o alívio Operárias durante a Primeira Guerra Mundial A necessidade de mãodeobra industrial durante a guerra resultou na contratação de milhares de mulheres para funções anteriormente restritas aos homens Nesta foto as operárias estão usando martelos pneumáticos numa fábrica em Nicetown Pensilvânia em 1918 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 194 dos conflitos sociais internos A linguagem de nacionalismo democracia econômica e liberdade utilizada pelas elites e governos durante a guerra refletiu bem muitas das trajetórias ideológicas dos movimentos progressistas A guerra proclamaram oferecia a possibilidade de racionalizar a sociedade e a economia trazendo não só eficiência mas também justiça social Quase todos os líderes e as bases dos diversos movimentos progressistas com exceção das alas radicais do movimento sindical e socialista apoiaram Wilson e a participação do país na guerra Durante o conflito o Estado nacional assumiu poderes econômicos e sociais extraordinários instituiu novos impostos criou uma série de órgãos centralizados para organizar a produção e a distribuição bem como regular o trabalho nas indústrias de guerra Wilson montou o Comitê de Informação Pública e largamente encheu o país com propaganda em favor da guerra Patriotismo em nome da democracia e liberdade alémmar contra Alemanha e em casa contra a desigualdade econômica dominou o discurso oficial do governo e de muitos dos movimentos Trabalhando na indústria de guerra muitas mulheres ganharam uma porção de liberdade e não foi surpresa que o sufrágio lhes tenha sido estendido nessa época durante a guerra Para manter paz no ambiente industrial o governo encorajou as empresas a conceder aumentos de salário e melhorias nas condições de trabalho Sindicatos dobraram seu número de filiados e milhões foram animados com a promessa do fim da escravidão industrial Procurando ampliar as conquistas trabalhistas em novembro de 1918 uma onda de greves tomou os Estados Unidos inclusive uma greve nacional de metalúrgicos e ferroviários e uma greve geral na cidade de Seattle Muitas dessas manifestações foram inspiradas abertamente pela Revolução Russa de 1917 Porém a combinação do patriotismo estreito cultivado em tempos de guerra com os novos poderes autoritários do governo a recessão econômica no período pósguerra e as preocupações com a crescente popularidade das ideais socialistas desencadeou em 19181919 a mais intensa repressão da história americana a chamada Caça aos vermelhos O Espionage Act Lei de Espionagem de 1918 restringiu a liberdade de expressão censurou jornais e proibiu qualquer atividade contrária aos objetivos do governo na guerra Centenas de ativistas políticos como os líderes socialistas Eugene Debs e Kate Richards OHare foram presos O Congresso autorizou a deportação de imigrantes radicais prendendo mais de dez mil e expulsando mais de quinhentos incluindo a anarquista Emma Goldman A ERA PROGRESSISTA 195 A mídia as autoridades universitárias e muitas igrejas participaram da orgia de repressão denunciando qualquer tipo de idéia alternativa Os patrões colaboraram com o governo para esmagar a IWW e as principais greves freqüentemente com violência brutal como no caso da paralisação dos metalúrgicos em Gary Indiana na qual 18 trabalhadores foram mortos pela polícia Afroamericanos enfrentaram o ímpeto do ataque contra os direitos civis dos negros No Sul os linchamentos aumentaram de repente em 1918 com bandos brancos matando mais de 70 negros vários do quais veteranos militares Em 1919 as tensões causadas pela desmobilização dos exércitos inflação súbita de preços e falta de emprego e moradia contribuíram para uma atmosfera racial explosiva Em vários motins urbanos naquele ano mais de 120 negros acabaram mortos O pior distúrbio aconteceu em Chicago desencadeado pelo assassinato de um jovem negro Por mais de uma semana batalhas violentas espalharam se pela cidade contrapondo brancos e policiais de um lado e negros de outro matando 23 negros e 15 brancos e ferindo centenas de pessoas Motins urbanos contra negros explica o historiador Alan Brinkley não eram novidade nos Estados Unidos Mas o sangrento verão de 1919 em Chicago foi diferente em um aspecto importante pela primeira vez negros não só apanharam eles corajosamente se defenderam Além de exigir a proteção do governo a NAACP aconselhou autodefesa O jovem poeta negro Claude McKay reagiu aos eventos de Chicago registrando Como homens nós vamos enfrentar o bando assassino covarde Prensados contra a parede morrendo mas lutando Assim como vimos o período de 1900 a 1920 abarcou uma série de desafios ao capitalismo monopolista e a fermentação de diversas tensões sociais intelectuais e econômicas nos Estados Unidos Ao mesmo tempo liberdades foram expandidas e contraídas num impulso reformista contraditório As elites políticas e econômicas conseguiram incorporar algumas das exigências principais dos movimentos eventualmente usando o ambiente especial da Primeira Guerra Mundial para acertar as contas com os mais radicais Os problemas econômicos os conflitos sociais e raciais e o ambiente repressivo de 19181920 puseram fim ao idealismo da era progressista inaugurando uma sensação geral de desilusão e um dos períodos mais conservadores da história do país mas que não conseguiu apagar completamente a chama da esperança social que tinha sido ateada anos antes DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 19201940 A História das décadas de 1920 e 1930 é um estudo de contrastes em muitos aspectos Depois da derrota da agenda progressista os anos 1920 viram um crescimento econômico e a retomada do conservadorismo na sociedade nas políticas e na cultura Nessa nova era as grandes corporações recuperaram a direção da economia com a ajuda dos governos que abruptamente abandonaram reformas marginalizaram movimentos sociais e instituíram novas restrições contra trabalhadores mulheres negros e imigrantes Porém a economia robusta acendeu a esperança da população de compartilhar dos novos padrões de consumo lazer e cultura de massa A maior crise econômica da história do capitalismo na década de 1930 pôs fim às certezas econômicas e sociais dos anos 1920 Bancarrota desemprego e miséria social em massa caracterizaram os Estados Unidos depois do colapso financeiro do país em outubro de 1929 Diante do que mais tarde foi chamado de Grande Depressão o Estado então retomou as propostas reformistas da era progressista implementando um programa inovador de intervenção estatal em todas as áreas da economia e sociedade A severidade da crise econômica e a aparente incapacidade do governo para resolvêla haviam provocado ampla desilusão com relação ao sistema o que se refletiu com nitidez no surgimento em massa de renovados movimentos no desenvolvimento de uma cultura de protesto social e nos questionamentos difundidos na sociedade como um todo HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 198 Apesar dos claros contrastes entre as décadas de 1920 e 1930 não obstante houve continuidades marcantes As sementes da crise econômica encontravamse na especulação financeira na má distribuição da renda e na produção anárquica do capitalismo dos anos 1920 Enquanto o impulso reformista foi abalado nessa década pela contraofensiva do Estado e do capital movimentos sociais e correntes radicais continuaram engajados nas questões da igualdade racial social e econômica Em vários aspectos aliás a explosão social e cultural dos anos 1930 foi uma continuação do desencantamento da nova era A NOVA ERA IMAGEM E REALIDADE Depois de uma visita aos Estados Unidos em 1923 o romancista inglês D H Lawrence escreveu Eu nunca estive num país onde o indivíduo tivesse um medo tão terrível de seus compatriotas Por quê Vejamos Muitos contemporâneos se maravilharam com o crescimento econômico dos Estados Unidos depois da breve recessão do período pósguerra Os números eram impressionantes a produção industrial cresceu 60 a renda per capita aumentou em um terço o desemprego e a inflação caíram Avanços tecnológicos nos processos de produção na indústria automobilística linha de montagem e mecanização de comunicações rádio e telefone eletrônicos e plásticos eletrodomésticos e outros bens de consumo criaram produtos inovadores a preços cada vez mais acessíveis Circulavam entre as massas produtos antes restritos aos ricos carros luz elétrica gramofone rádio cinema aspirador de pó geladeira e telefone o jeito americano de viver american way of life tornouse o slogan exaltado do período Esta sociedade de consumo na qual a capacidade de consumir era vista como o principal direito da cidadania não foi plenamente realizada até depois da Segunda Guerra Mundial Não há duvida porém de que a promessa de consumo em massa brotava no período A nova indústria de propaganda e marketing ajudada pelos jornais revistas de grande circulação e rádio que atraía grande audiência disseminou a idéia da liberdade associada ao consumo em oposição à idéia da liberdade associada a mudanças nas relações de trabalho A busca por autonomia econômica e soberania política foi substituída nas mentes de muitas pessoas pelas possibilidades de consumo como o elemento essencial de felicidade e cidadania DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 199 As 10 cidades mais populosas dos Estados Unidos entre 1900 e 1940 Note o crescimento das cidades industriais do MeioOeste e Nordeste na primeira metade do século XX tais como Cleveland Detroit Baltimore e Pittsburgh 1900 1920 1940 Cidade Pop Cidade Pop Cidade Pop 1 Nova York 3437202 Nova York 5620048 Nova York 7454995 2 Chicago 1698575 Chicago 2701705 Chicago 3396808 3 Filadélfia 1293697 Filadélfia 1823779 Filadélfia 1931334 4 St Louis 575238 Detroit 993078 Detroit 1623452 5 Boston 560892 Cleveland 796841 Los Angeles 1504277 6 Baltimore 508957 St Louis 772897 Cleveland 878336 7 Cleveland 381768 Boston 748060 Baltimore 859100 8 Buffalo 352387 Baltimore 733826 St Louis 816048 9 São Francisco 342782 Pittsburgh 588343 Boston 770816 10 Cincinnati 325902 Los Angeles 576673 Pittsburgh 671659 Fonte US Census Bureau No famoso estudo da cidade de Muncie Indiana os sociólogos Robert e Helen Lynd concluíram que a influência da propaganda e das novas opções comerciais de lazer como o cinema e os esportes profissionais havia suplantado a política como foco da preocupação pública Um jornal de Muncie chegou a proclamar A expectativa prioritária dos cidadãos americanos com relação a seu país não é mais a do cidadão mas sim a do consumidor De fato a participação nas eleições nacionais que em 1896 tinha atingido 80 do eleitorado despencou para menos de 50 em 1924 e nunca ultrapassou 64 no restante do século XX Esse ambiente de crescimento econômico e consumismo fez com que recessão desemprego e infortúnio social se tornassem memórias distantes no discurso oficial e no popular Em 1927 o economista Alvin Hansen observou que as doenças infantis do capitalismo estavam sendo mitigadas Para quem não olhasse para além da propaganda da mídia de empresários e políticos o sonho americano da possibilidade de sucesso individual tinha sido aceito por quase todo mundo O futuro líder trotskyista Farrell Dobbs naquela época votava no Partido Republicano queria abrir o próprio negócio e tinha aspirações de ser juiz Mas a realidade era que riqueza econômica e poder político continuaram tendo distribuição muito desigual na sociedade Enquanto salários reais HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 200 aumentavam 14 ao ano os lucros de acionistas rendiam 164 No fim da década um salário de 18 mil dólares ao ano foi considerado necessário para manter um padrão de vida minimamente decente mas o salário médio do trabalhador americano estava no patamar de 15 mil dólares Somente com o trabalho assalariado de vários de seus membros uma família da classe trabalhadora podia sobreviver Mesmo assim 6 milhões de famílias pobres ou 42 do total da população viviam com menos de mil dólares por ano As condições de trabalho e moradia ainda eram precárias A cada ano na década de 1920 25 mil trabalhadores sofriam acidentes de trabalho fatais e 100 mil acidentes não fatais A vida no campo não era melhor Em 1920 metade da população americana ainda vivia em áreas rurais Como na indústria avanços tecnológicos tinham proliferado nas primeiras décadas do século mas os mercados para produtos agrícolas não acompanhavam os passos da nova eficiência Conseqüentemente houve excedente de produção os preços baixaram e a renda dos pequenos proprietários inesperadamente declinou O surgimento de grandes agronegócios estava relegando a pequena fazenda familiar à posição de relíquia histórica Mais de três milhões de americanos saíram do campo na década de 1920 à procura de trabalho nas cidades As aspirações por reformas econômicas e sociais foram abaladas na contraofensiva das empresas governos e judiciário depois da derrota da explosão sindical de 1919 A classe empresarial e muitos políticos utilizaram a retórica patriótica de democracia e liberdade industrial para exigir relações de trabalho nas indústrias livres da coerção sindical Algumas corporações ofereceram benefícios tais como a de Henry Ford que reduziu a jornada semanal de trabalho aumentou salários e instituiu férias pagas Outras adotaram sindicatos da empresa comitês organizados pelos gerentes das fábricas para servirem como fóruns das demandas dos trabalhadores A maioria dos empresários porém aproveitouse entusiasticamente do clima conservador e do apoio do Estado para adotar O Plano Americano um programa para esmagar o poder dos sindicatos por meio de intimidação e demissão de ativistas sindicais Como resultado a porcentagem de sindicalistas no país abaixou de cinco milhões em 1920 para três milhões em 1929 Os que permaneceram foram forçados a assinar contratos em que faziam concessões aos patrões DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 201 Políticas nacionais sob os governos dos republicanos Warren Harding 19201924 Calvin Coolidge 19241928 e Hervert Hoover 1928 1932 caracterizaramse pela retomada de posições econômicas abertamente favoráveis ao livre mercado e à classe empresarial e contrárias à regulação estatal Muitas das tendências econômicas evidentes na primeira década do século XX investimentos de capitais em larga escala integração dos bancos com corporações concentração e fusão de empresas continuaram nos anos 1920 A especulação nos mercados financeiros tornouse cada vez mais popular e lucrativa Ricos empresários como Andrew Mellon locupletaramse no período desses governos com a implementação de políticas de cortes nos impostos das corporações e ajuda às indústrias para que pudessem operar com eficiência e produtividade máxima Leis trabalhistas permaneceram estacionadas e até retrocederam por causa de decisões da Suprema Corte e de governos estaduais que reafirmaram a liberdade de contrato Se os trabalhadores em geral sofreram na década mulheres negros e imigrantes tiveram que lidar também com discriminações e violências específicas além da falta de interesse dos sindicatos e do Estado por seus problemas Esse foi o caso por exemplo do meio milhão de mexicanos que imigraram nos anos 1920 para trabalhar nos campos e nas cidades da Califórnia e do Sudoeste dos Estados Unidos Fonte de mãodeobra barata para agronegócios construção civil e fábricas os mexicanos desenvolveram bairros próprios em Los Angeles El Paso San Antonio e Denver e com o tempo passaram a ter uma forte influência na cultura da região Os mexicanos enfrentaram um ambiente social econômico e político discriminatório mas não foram os únicos imigrantes a sofrer preconceito Sentimentos racistas contra estrangeiros e seus descendentes fermentavam na população branca há várias décadas em grande parte como uma resposta aos problemas sociais pobreza doenças conflito de classe associados à vinda de imigrantes da Europa Oriental Europa Meridional e Ásia O chauvinismo da Primeira Guerra Mundial e a reação anti radical do Red Scare contribuíram para intensificar o clima antiimigrante O antisemitismo e a pseudociência da eugenia inundaram a cultura popular e oficial Foi esse clima de reação que injustamente levou dois imigrantes anarquistas Nicolo Sacco e Bartolomeo Vanzetti à cadeira elétrica em 1927 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 202 Os chauvinistas pressionavam o governo por leis que restringissem a imigração O Ato de Imigração de 1924 reduziu o número de imigrantes admitidos a 150 mil por ano menos de 15 da média de um milhão nos anos antes da guerra mesmo assim oficiais da imigração raramente permitiram que metade desse número efetivamente entrasse no país Cotas raciais e étnicas dos prospectivos imigrantes foram adotadas em proporção aos números da estatística nacional e lingüística de 1790 Como resultado quase todos os povos asiáticos e muitos europeus foram excluídos da entrada nos Estados Unidos no período Novas categorias de cidadão e estrangeiro foram formuladas com base em noções racistas e a fronteira dos Estados Unidos começou a ser policiada pela primeira vez Charge publicada no jornal diário do Partido Comunista dos Estados Unidos O título 23 de agosto de 1927 referese à data da execução dos anarquistas ítaloamericanos Sacco e Vanzetti A folha de papel embaixo da caveira é a ordem de execução assinada pelo governador do estado de Massachusetts DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 203 A obsessão durante a Primeira Guerra com o Americanismo 100 resultou num esforço público e privado para americanizar imigrantes Funcionários públicos educadores elites empresarias igrejas e reformistas sociais lançaram programas para ensinar História dos Estados Unidos costumes e tradições americanas bem como inglês numa tentativa de garantir lealdade política e a rejeição de ideais supostamente estrangeiros como o sindicalismo e o socialismo O Departamento de Sociologia da Ford Motor Company por exemplo investigou as casas dos seus trabalhadores imigrantes para avaliar seus móveis roupas e culinária para confirmar que alcançassem o padrão americano A assistência social tanto a caridade privada quanto a ajuda governamental ficou restrita aos cidadãos e passou a envolver programas de americanização Em 1919 a maioria dos estados restringia o ensino das línguas estrangeiras nas escolas públicas MUDANÇAS SOCIAIS E DESAFIOS CULTURAIS NOS ANOS 1920 Apesar do abafado clima intelectual e social da década de 1920 as mudanças sociais e econômicas continuaram produzindo protesto social e cultural Uma geração de escritores desencantados como John dos Passos Sinclair Lewis F Scott Fitzgerald Ernest Hemingway e Gertrude Stein criticou a futilidade da sociedade de consumo as atitudes repressivas do Estado e das corporações e as francas limitações à liberdade individual e aos direitos sociais no país Reações à sociedade moderna não vieram somente da esquerda americanos rurais e religiosos revigoraram a defesa de valores tradicionais As religiões evangélicas que insistiram na leitura fundamentalista da Bíblia ganharam bastante apoio em alguns estados como Tennessee em campanhas antiseculares para por exemplo banir o ensino da Teoria da Evolução de Charles Darwin O movimento antialcoólico convenceu o governo federal a proibir por lei em 1920 a fabricação e venda de álcool a proibição durou 13 anos o que acabou fortalecendo o crime organizado e dando origem a um próspero mercado negro Uma tenebrosa ramificação da defesa da tradição foi o ressurgimento da Ku Klux Klan KKK Falida desde o fim da década de 1870 renasceu em 1915 no ambiente chauvinista dos tempos de guerra Um dos primeiros produtos da nova indústria do cinema o filme Nascimento de HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 204 uma Nação 1916 do diretor D W Griffiths glorificou abertamente esse grupo racista Preocupado primariamente com negros a KKK ampliou sua mensagem de ódio e violenta intimidação nos anos 1920 denunciando imigrantes especialmente católicos e judeus e todas as forças socialistas e feministas que ameaçaram a liberdade individual e o jeito americano de viver Até 1925 o grupo conseguiu recrutar quatro milhões de membros muitos dos quais mulheres e cidadãos respeitáveis dos estados do Norte Apesar do seu extremismo e posterior declínio no fim da década o grupo sem dúvida refletiu sentimentos nativistas bem enraizados na sociedade americana A modernidade na comunidade negra expressouse numa série de movimentos e tendências políticas radicais nesses anos Como outros americanos alguns negros também foram influenciados por idéias como anticolonialismo e solidariedade entre trabalhadores decorrentes dos movimentos socialistas e da inspiração da Revolução Russa Em 1919 o movimento Novo Negro do socialista Hubert Harrison visionou a emancipação do afroamericano como um projeto a ser levado a cabo por uma aliança multirracial e militante ao contrário das campanhas meramente legais da NAACP Embora os movimentos socialistas no país tenham ignorado ou marginalizado a luta contra o racismo idéias em favor da sindicalização e da classe trabalhadora podiam ser amplamente encontradas nas páginas da imprensa popular negra A decepção diante das traições das promessas do governo americano em favor da autodeterminação e democracia para os oprimidos depois da Primeira Guerra impulsionou muitos negros ativistas em direção ao que chamavam de nacionalismo negro black nationalism A Associação Universal para o Melhoramento dos Negros UNIA em inglês fundada pelo imigrante jamaicano Marcus Garvey argumentou que negros precisavam formar um movimento separatista para obter a liberdade Em 1921 Garvey proclamou Em todo lugar nós ouvimos o grito de liberdade Desejamos uma liberdade que vai nos elevar ao padrão de todos os homens liberdade que vai nos dar chance e oportunidade de subir até o ápice pleno da nossa ambição e que nós não conseguimos em países onde outros homens predominam O líder negro rejeitou a assimilação como também a aliança com brancos e fomentou orgulho na raça negra A UNIA montou uma rede DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 205 de supermercados e outros negócios tocados por negros e aconselhou afroamericanos a voltarem para África onde eles poderiam criar uma nova sociedade A organização e sua influência perderam força quando Garvey foi condenado por fraude em 1923 Mas o apelo ao naciona lismo negro nas cidades do Norte por alguns anos mostrou a profundidade dos anseios da população negra por alternativas políticas e teria influência significativa mais tarde em movimentos sociais negros nos Estados Unidos e no Caribe Nos anos 1920 o chamado renascimento do Harlem o florescimento da arte e pensamento centralizado em um grupo de escritores artistas músicos e intelectuais negros de Nova York explorou as possibilidades da ação cultural e política por meio de uma consciência positiva das heranças e tradições afro americanas Esses artistas inovadores desenvolveram a idéia de que a vida intelectual e artística era capaz de valorizar os afroamericanos desafiar o racismo e promover políticas progressistas no país Escritores como Jean Toomer Zora Neale Hurston Langston Hughes James Weldon Johnson e Claude McKay e artistas plásticos como Richard Nugent e Aaron Douglas misturaram feições modernas e tradicionais de expressão artística resgatando história e tradições da comunidade negra Inspiraram gerações de artistas e ativistas pelos direitos civis e tiveram influência enorme na cultura afro americana ao longo de todo o século XX CRISE ECONÔMICA As amplas esperanças da nova era faliram na Quinta Negra 24 de outubro de 1929 Nesse dia a Bolsa de Valores nos Estados Unidos caiu em um terço dando origem à pior crise econômica na história do capitalismo mundial Muitos especuladores perderam de uma só vez tudo o que haviam investido Os jornais reportaram 11 suicídios de investidores de Wall Street Os efeitos no país como um todo alongaram se pelos anos seguintes Até 1932 5 mil bancos americanos haviam falido a produção industrial caíra 46 o Produto Interno Bruto PIB diminuíra um terço e os preços a metade Falta de dinheiro na economia significava um declínio brusco de poder aquisitivo Indústrias e comerciantes reduziram preços produção e mais importante emprego Até 1932 mais de 15 milhões de americanos ou 25 do total da população economicamente ativa ficaram desempregados Aquele símbolo HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 206 potente do capitalismo americano a Ford Motor Company que em 1929 empregava 128 mil trabalhadores contava com somente 37 mil em agosto de 1931 A taxa de desemprego ficou durante a década inteira no nível de 20 enquanto um terço da mãodeobra nacional também teve horas ou salários reduzidos Países capitalistas tinham sofrido depressões econômicas no passado mas nunca enfrentaram uma crise tão severa longa e mundial O presidente Hoover declarou que a crise era um incidente temporário que terminaria em dois meses mas três anos depois da crise de 1929 a situação econômica estava pior A integração da economia mundial significou o alastramento da depressão americana pelo mundo inteiro no fim de 1932 a produção industrial mundial havia diminuído mais de 33 De repente os mercados dos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento desapareceram Drásticas conseqüências econômicas e políticas foram sentidas tanto em Chicago Toronto Londres Berlim e Paris quanto em Calcutá Xangai Cairo São Paulo e Havana Analistas como Alan Brinkley apontam três causas principais para a Grande Depressão Primeiro à economia americana nos anos 1920 faltava diversificação O crescimento econômico dependia desproporcionalmente de poucas indústrias como a automobilística e a da construção civil Quando as vendas nesses setores diminuíram o resto da economia não conseguiu compensar Segundo a distribuição altamente desigual da renda significava um mercado de consumo truncado Terceiro bancos dependiam de muitos empréstimos feitos por fazendeiros negociantes e países estrangeiros e quando a economia tombou os devedores não conseguiram pagar causando uma reação em cadeia de falências econômicas A especulação selvagem na Bolsa de Valores foi a faísca que ateou fogo no barril de pólvora de uma economia fundamentalmente exuberante mas frágil TEMPOS DUROS Para quem está acostumado com a imagem do típico americano abastado do período pósSegunda Guerra Mundial é difícil conceber a extrema miséria da Grande Depressão No campo e na cidade americanos nunca haviam enfrentado tanta pobreza choque social e desespero quanto nos anos 1930 O escritor e radialista popular Studs Terkel sagazmente chamou sua História oral da década de Tempos duros uma expressão comum usada pelos sobreviventes para descrever aquela época DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 207 Na memória coletiva da década destacase a lembrança da adversidade na América rural Além de ser abatida pela falência econômica uma grande área do país sofreu uma seca devastadora A renda familiar nas pequenas propriedades caiu 60 entre 1929 e 1932 e um terço de proprietários rurais perderam suas terras Centenas de milhares migraram para cidades ou empregaramse nos agronegócios onde trabalhavam por salários baixíssimos como os Okies do estado de Oklahoma imortalizados pelo romancista John Steinbeck Trabalhadores rurais brancos e negros perambulavam de cidade em cidade em busca de comida e trabalho dormindo em acampamentos enquanto outros corriam nos trilhos dos trens de frete procurando em vão subsistência decente Milhares de homens desempregados fazem fila para receber comida em Nova York 1930 Nas cidades industriais as condições de vida tornaramse igualmente miseráveis O desemprego paralisou muitas dessas cidades No estado de Ohio em 1932 a taxa de desemprego era de 50 em Cleveland 60 em Akron e 80 em Toledo Milhões de solteiros desempregados com rostos magros e roupas puídas caminhavam penosamente pelas ruas de todas as cidades procurando empregos inexistentes Muitos foram humilhantemente forçados a pedir ajuda da prefeitura ou do Estado cujos poucos órgãos de HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 208 assistência não acompanharam a crescente necessidade Favelas proliferaram nas periferias das cidades do Oeste Foram chamadas Hoovervilles uma ironia ao odiado presidente americano e constituíram marcas pungentes da paisagem urbana na severidade da Depressão Mudou a vida econômica e social das famílias durante a Depressão Ressurgiu a prática de fabricar roupas manter hortas cozinhar e fazer todas as refeições em casa Para economizar muitas famílias alugaram quartos ou dividiram casas com parentes e outras famílias Essas mudanças provocaram tensões na vida familiar Não podendo conseguir emprego ou forçados a pedir assistência muitos homens abandonaram suas famílias Taxas de fecundidade e casamento diminuíram pela primeira vez no país desde os primeiros anos do século XIX As mulheres padeceram não somente pelas condições econômicas ruins mas também vítimas dos estereótipos sexuais ligados a seu papel social Nas fábricas muitas perderam trabalho para os homens aos quais foi dada prioridade nas poucas vagas existentes Mesmo assim em 1939 25 mais mulheres estavam trabalhando do que em 1930 primariamente porque tinham que contribuir com a economia familiar e também porque os empregos femininos professoras funcionárias de lojas e secretárias foram menos abalados pela Depressão do que os da indústria pesada Os negros sofreram mais freqüentemente expulsos das suas terras no Sul e tratados com indiferença nos melhores casos e aberta hostilidade racial nos piores No Sul a grande migração continuou com quatrocentos mil saindo para as cidades do Norte Nas cidades nortistas porém sua taxa de desemprego era de 50 Brancos desempregados começaram preencher as vagas de faxineiros e porteiros anteriormente reservadas aos negros Em 1932 mais de dois milhões de negros estavam recebendo alguma forma de assistência social estatal Ocorreu desemprego massivo de mulheres negras pois sua principal fonte de trabalho minguou quando a classe média deixou de servirse de trabalhadores domésticos Entretanto bem mais acostumadas a trabalhar fora de casa que as mulheres brancas 38 das negras estavam empregadas em 1939 comparado a 24 das mulheres brancas No Harlem apartamentos e casas foram superlotados com a mais alta taxa de densidade populacional na cidade de Nova York Candidatas ao emprego de doméstica se reuniam em grupos nas esquinas conhecidas como mercados de escravos esperando ser contratadas pelas famílias brancas A prostituição tornouse uma das poucas opções para algumas mulheres negras DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 209 Certos grupos imigrantes continuaram sentindo os preconceitos raciais profundamente enraizados na sociedade americana Já enfrentando segregação informal e pouca mobilidade social e econômica imigrantes e americanos de ascendência latinoamericana a vasta maioria mexicana e asiática chineses japoneses filipinos e coreanos foram pressionados a ceder seus empregos para brancos desempregados na Costa Oeste e no Sudoeste Governos federais estaduais e municipais implementaram um programa de Repatriação Mexicana que ilegalmente deportou ou voluntariamente repatriou quinhentas mil pessoas de ascendência mexicana entre 1930 1934 a maioria cidadãos americanos As autoridades de imigração conta a historiadora Vicki Ruiz escolheram mexicanos por serem de país fronteiriço etnicamente distintos e viverem em bairros facilmente identificáveis O NEW DEAL DE FRANKLIN DELANO ROOSEVELT A Depressão confundiu completamente a liderança política dos Estados Unidos O presidente Hoover e o Congresso controlado pelos republicanos tomaram algumas medidas moderadas que tiveram pouco impacto dado o tamanho da crise Logo o público se convenceu de que Hoover não se importava muito com seus problemas o que foi confirmado em 1932 quando ele mandou tropas lideradas pelos futuros heróis de guerra general Douglas MacArthur George S Patton e futuro presidente Dwight Eisenhower extinguirem um protesto de veteranos militares em Washington matando três manifestantes e ferindo centenas O candidato do Partido Democrata à presidência Franklin Delano Roosevelt ganhou as eleições de 1932 com a promessa de restaurar a confiança na economia e sociedade Roosevelt era um político sagaz que constantemente invocava a retórica da liberdade do povo comum e mudava suas políticas conforme o ânimo da nação Quando veteranos manifestaramse em Washington durante seu governo ele pessoalmente recebeu seus líderes com cafezinho e conversa amistosa Como faziam os políticos no mundo inteiro na época fossem os socialdemocratas da Europa os stalinistas da Rússia ou os populistas da América Latina Roosevelt reconheceu que a intervenção estatal massiva era necessária para salvar o sistema econômico e aliviar o conflito social Em 1933 e 1934 Roosevelt lançou o primeiro New Deal um pacote de reformas para promover a recuperação industrial e agrícola regular o sistema financeiro e providenciar mais assistência social e obras públicas O principal órgão público criado pelas reformas a Administração da HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 210 Recuperação Nacional NRA em inglês foi desenhado para controlar a economia por meio de uma série de acordos entre empresários trabalhadores e o governo estabelecendo limites para os preços salários e competição Programas de planejamento regional obras públicas e subsídios à construção civil tentaram animar a economia enquanto diversos esquemas de previdência e empregos públicos foram implementados para mitigar o desemprego Esse empenho de Roosevelt logo se enfraqueceu os novos órgãos públicos mostraramse ineficientes a economia piorou e desafios significativos foram levantados pela esquerda e por organizações populistas como a do senador Huey J Long de Louisiana que propôs um programa radical de redistribuição de riqueza Como resposta política Roosevelt também radicalizou lançando o segundo New Deal em 1935 com programas ampliados de assistência social emergencial impostos sobre fortunas privadas um sistema de relações industriais que incentivou a sindicalização e a previdência social para os desempregados crianças deficientes e aposentados Três anos depois legislação foi estabelecida para construir habitação pública garantir um salário mínimo e limitar a jornada de trabalho Inteligentemente usando os meios da propaganda política apelando aos sentimentos de justiça social e fazendo alianças com políticos regionais sindicatos intelectuais e muitos imigrantes Roosevelt e o Partido Democrata construíram um programa político que duraria duas gerações Comparado aos estados de bemestar dos países socialdemocratas da Europa o New Deal de Roosevelt foi modesto Não recuperou a economia a Segunda Guerra Mundial o fez nem redistribuiu renda mas trouxe em alguma medida segurança econômica para muita gente transformando as relações entre cidadãos e o Estado por meio da garantia de uma mínima qualidade de vida e proteção social contra adversidades Imigrantes e sindicatos participaram pela primeira vez na cena política nacional garantindo o seu apoio ao Partido Democrata até os dias de hoje americanos rurais receberam novos serviços públicos como eletricidade e os mais pobres inclusive negros beneficiaramse da previdência emergencial Depois de anos de miséria econômica muitos americanos ganharam um senso de confiança e progresso Mas as limitações do governo Roosevelt foram tão acentuadas quanto os sucessos Apesar de esforços dos sindicatos socialistas feministas e organizações negras o sistema geral da seguridade social aposentadoria seguro desemprego e salário mínimo não foi universal sendo diretamente relacionado ao emprego assalariado formal urbano excluindo muitas DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 211 mulheres e negros que trabalhavam como empregados domésticos ou no campo A administração de Roosevelt aceitou muitas das normas raciais da época por exemplo segregando abertamente os conjuntos habitacionais A dependência eleitoral de Roosevelt dos políticos racistas do Sul resultou na derrota de iniciativas contra a discriminação racial e na confinação de trabalhadores e trabalhadoras não brancos nas alas menos generosas e mais vulneráveis do estado do bemestar CULTURA DO PROTESTO A RESPOSTA DE BAIXO A década de 1930 é freqüentemente chamada a Década Vermelha e por boas razões Os esforços persistentes de sindicalistas e radicais especialmente o Partido Comunista dos Estados Unidos CPUSA inspiraram grande parte da população empurrando a agenda reformista de Roosevelt mais para a esquerda A crescente influência de intelectuais e artistas de esquerda evidente em muitos países da Europa e também na América Latina foi uma expressão do desejo de muitas pessoas por uma alternativa aos horrores da crise econômica Nos primeiros anos da Depressão o desespero dominava grande parte da classe trabalhadora Muitos desempregados simplesmente se resignaram à crise econômica Alguns sindicatos e movimentos sociais organizaram esquemas de autoajuda como os pescadores em Seattle e os mineiros de carvão na Pensilvânia que compartilharam comida e outros serviços entre seus membros e a comunidade Outros fizeram protestos espontâneos por reivindicações imediatas tais como pequenos proprietários defendendo suas terras máquinas e casas da expropriação pelos bancos ou desempregados que se manifestaram por emprego e assistência social O livro de 1933 Sementes da revolta de Mauritz Hallgren documenta em detalhe centenas desses protestos bravos e desorganizados Sem ou com participação de partidos comunistas os protestos dos desempregados urbanos pequenos proprietários e trabalhadores rurais nos primeiros anos da Depressão foram importantes para o aumento da confiança da classe trabalhadora e o treinamento de ativistas Mas não representavam um desafio grande aos governantes locais estaduais e federais que freqüentemente reprimiram as manifestações com violência Sindicalização em massa foi uma outra história Houve poucas greves nos três primeiros desolados anos da crise Isso mudou espetacularmente em 1934 greves enormes sob a liderança da base e socialistas e comunistas em São Francisco estivadores Mineápolis HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 212 caminhoneiros e Toledo metalúrgicos obtiveram ganhos impressionantes que inspiraram operários na nação como um todo Encorajados por essas vitórias pelos esforços dos movimentos dos empregados a organização sindical dos comunistas e as promessas de reforma do governo Roosevelt centenas de milhares de trabalhadores em setores antes ignorados pelo movimento sindical conservador representado pela AFL fábricas de automóveis aço borracha frigoríficos e muitas outras sindicalizaramse em massa no período 193439 Até 1939 sindicatos haviam dobrado seus números abarcando 207 da mãodeobra nacional O Congresso de Organizações Industriais CIO uma central sindical alternativa surgiu para coordenar as campanhas de organização mas as ondas de greve e outras mobilizações foram de fato animadas e organizadas pela base em 193436 Refletindo impulsos mais amplos da sociedade o CIO levou à frente um programa ambicioso para um estado de bem estar universal Comunistas tornaramse líderes importantes nesse novo sindicalismo ampliando a agenda sindical às lutas contra a discriminação racial e sexual Agitadores e organizadores desses sindicatos capturaram atenção dos trabalhadores no país com sua mensagem de que a igualdade política significava pouco sem liberdade no trabalho Nós somos americanos livres declarou um organizador do CIO nas usinas de aço Nós vamos exercer nosso direito fundamental de organizar um grande sindicato industrial Depois da revolta inicial de 19341936 porém as tendências burocráticas e antidemocráticas evidentes nos sindicatos do AFL apareceram também no CIO A liderança estabeleceu uma aliança com o Partido Democrata que acabou refreando a militância sindical Roosevelt apreciou a adesão do CIO ao New Deal mas não era um amigo confiável dos sindicatos pois seu projeto também dependia do apoio dos empresários Em 1937 uma greve do CIO com o objetivo de sindicalizar todas as usinas de aço no país foi derrubada pelas antigas táticas de violência e repressão por parte das empresas e do Estado inclusive dos governadores democratas Dezoito trabalhadores morreram centenas ficaram feridos e centenas foram presos No fim dos anos 1930 os líderes sindicais inclusive comunistas fiéis à Frente Popular freqüentemente inclinaramse à política de colaboração com as empresas e ao controle burocrático de cima submetendose à aliança com os democratas a qualquer custo O impacto da crise econômica e as novas alternativas políticas chegaram a influenciar muito a indústria cultural como o cinema Os populares filmes de gangster relataram o desolado pano de fundo da vida na Depressão com seus políticos corruptos e sua miséria econômica As comédias dos Irmãos Marx e as estreladas por Mae West ridicularizaram instituições tradicionais DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 213 e convenções sociais e sexuais da classe média Alguns dramas como O pão nosso de King Vidor 1932 e As vinhas da ira de John Ford 1939 abertamente se engajaram na crítica social bem como as sátiras de Charlie Chaplin como Tempos modernos 1936 Tais explorações culturais provocaram bastante protesto de grupos religiosos e políticos conservadores forçando os chefes de estúdios a censurarem suas produções Conscientemente na segunda metade da década os diretores de programas de rádio e filmes de Hollywood concentraramse no escapismo usando humor e histórias leves para distrair as pessoas das atribulações da Depressão e lembrá las das possibilidades de prosperidade na América livre Foi a época dos primeiros filmes de animação de Walt Disney da exaltação cinematográfica à polícia e ao FBI dos populares musicais e da honestidade da América caipira relatada em Mr Smith vai para Washington do diretor Frank Capra O mundo hollywoodiano da fantasia cultivava a crença nas possibilidades de sucesso individual na capacidade do governo em proteger cidadãos contra o crime e numa visão da América como uma sociedade sem classes A gravidade da crise econômica e os crescentes questionamentos políticos e sociais também foram refletidos em outras ofertas culturais da época Jornalistas e escritores exploraram o tema da vida dos desempregados e dos pobres rurais e sua luta por sobrevivência e dignidade A Administração das Obras Públicas WPA do governo Roosevelt contratou fotógrafos musicólogos atores artistas plásticos coreógrafos e músicos para documentar e dar expressão à diversidade do povo americano e suas tradições comuns resultando em projetos inovadores tais como as fotografias dos pobres migrantes e trabalhadores rurais feitas por Dorothea Lange e Walker Evans o teatro do povo que novamente descobriu os setores humildes da população seus costumes e preocupações e as canções e atuações de Paul Robeson o grande cantor e ator negro e comunista que louvou a cultura dos afroamericanos em teatros musicais e ópera O historiador Eric Foner argumenta que a ideologia de liberdade e o sonho americano foram reconstituídos em formas radicais nesse ambiente cultural o radicalismo econômico social e cultural definiu o verdadeiro americanismo a diversidade étnica e cultural foi elogiada como tradição essencial ao espírito do país e o jeito americano de viver passou a significar sindicalismo e cidadania social e não a desenfreada busca pela fortuna Apesar da sua popularidade no período a identificação cômoda da esquerda com o nacionalismo americano resultaria mais tarde em complicações quando o Estado americano passou a atacar frontalmente essa mesma esquerda HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 214 BOA VIZINHANÇA E SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Sob os presidentes Hoover e Roosevelt foi implementada a Política da Boa Vizinhança que pretendia pôr fim às abertas intervenções militares na América Latina em favor de relações econômicas mais estreitas Oficialmente Roosevelt e seus oficiais militares eram bem menos belicosos aos países latinoamericanos diferentemente do seu tio Theodore Franklin Roosevelt nunca tratou os latinoamericanos com a expressão pejorativa de dagos vagabundos Apesar de promover algumas retiradas de tropas de revogar a Emenda Platt da Constituição Cubana de acomodarse ante a nacionalização da indústria petrolífera no México e de tratar com mais respeito público as sensibilidades latinoamericanas os Estados Unidos apoiaram os ditadores Batista em Cuba Trujillo na República Dominicana e a dinastia Somoza na Nicarágua De 1926 a 1933 tropas americanas ocuparam a Nicarágua para combater a insurgência liderada por Augusto Sandino Antes de deixar o país estabeleceram a Guarda Nacional uma força militar bem treinada e leal aos Estados Unidos O líder da Guarda Nacional Antonio Somoza tomou o poder em 1936 e manteve com seus filhos uma ditadura que durou até 1979 Roosevelt assinou vários acordos comerciais com países latinoamericanos e os investimentos dos Estados Unidos na região triplicaram entre 1934 e 1941 aumentando sua influência política por meio do controle econômico Preocupado com a crescente possibilidade de guerra na Europa e Ásia Roosevelt também aumentou relações formais com os militares latinoamericanos e montou os DÉCADAS DA DISCORDÂNCIA 215 primeiros esquemas de ajuda financeira na área de desenvolvimento social e cultural visando ao apoio dos países latinoamericanos no caso de guerra Mas foram a Europa e o Japão o que mais preocupou os Estados Unidos na década de 1930 Os numerosos laços históricos culturais e econômicos com a Inglaterra e a França e as ameaças do Japão aos interesses econômicos do país no Pacifico resultaram em crescente preparação para a guerra por parte dos Estados Unidos O New Deal tinha proporcionado estabilidade social no país mas não sua plena recuperação econômica A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial eclipsaria as políticas domésticas de reforma trazendo mobilização total emprego pleno e novas agitações sociais e políticas relacionadas à definição da liberdade e ao sonho americano A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP A Segunda Guerra Mundial é comumente vista nos Estados Unidos como uma boa guerra do povo contra o fascismo Certamente a propaganda utilizada pelo governo fez uso extenso da corajosa luta pela liberdade contra os horrores do nazismo e do militarismo japonês Mas é preciso separar os motivos dos governos das Forças Aliadas principalmente a Inglaterra a União Soviética e os Estados Unidos o conduto da guerra e suas conseqüências do genuíno ódio pelo fascismo que milhões de americanos demonstraram O historiador e veterano dessa guerra Howard Zinn pergunta A guerra foi uma derrota do imperialismo racismo e militarismo no mundo O comportamento dos Estados Unidos na condução da guerra e no tratamento de minorias nos Estados Unidos foi justo As políticas domésticas e externas do período pósguerra exemplificaram os valores de democracia e justiça social pelos quais milhões haviam lutado na guerra Essas questões são essenciais na análise da enorme mobilização feita pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial O país lutou nas duas frentes da Europa e do Pacífico perdendo 322 mil combatentes e recebendo 800 mil feridos O apoio da população à guerra foi quase absoluto inclusive do CPUSA Partido Comunista que trocou de lado quando Hitler invadiu a União Soviética A guerra pôs fim à Depressão e ao desemprego dobrando o PIB do país em quatro anos Transformou as vidas de muitos trabalhadores mulheres imigrantes e negros O pleno emprego e as mudanças sociais dos anos da guerra criaram espaços sociais e políticos nos quais minorias e mulheres HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 218 puderam avançar suas lutas pela igualdade e cidadania Por outro lado os ganhos sociais e econômicos da guerra foram limitados e eventualmente enfraquecidos no consenso pósguerra O patriotismo estrito fomentado em tempos de guerra e os preconceitos raciais há muito existentes resultaram em violações contínuas de direitos civis especialmente contra negros e a população nipoamericana Os Estados Unidos saíram da guerra como líder militar e econômico do mundo A economia do país passou a ser controlada mais do que nunca pelas grandes corporações que moldaram um consenso político nos anos 1950 garantindo melhores salários para muitos trabalhadores em troca do controle conservador da economia e sociedade Esse acordo foi baseado numa política fortemente anticomunista que levou o país a uma guerra fria contra ameaças radicais alémmar e dentro das fronteiras nacionais No entanto sobreviveram vozes alternativas deplorando a conformidade social e cultural a falta de direitos civis e os limites da afluência econômica GUERRA TOTAL NA EUROPA E ÁSIA A segurança nacional e considerações imperialistas guiaram a política externa dos Estados Unidos nos anos 1930 e 1940 A invasão italiana da Etiópia em 1935 a Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939 na qual cidadãos americanos foram proibidos por seu governo de lutar no lado republicano a tomada da Áustria em 1938 e as invasões da Polônia e da Tchecoslováquia por Hitler em 1939 nenhum desses eventos provocou a entrada dos Estados Unidos na guerra Foi a briga entre os impérios do Pacífico que garantiu a participação dos Estados Unidos no conflito mundial Convencido de que a única opção econômica do país era a expansão territorial o Japão invadiu a China no fim dos anos 1930 e começou a expandirse pelas colônias francesas holandesas e inglesas no Sudeste da Ásia procurando matériasprimas novos mercados e mãodeobra barata Os Estados Unidos que controlavam as Filipinas e várias ilhas no oceano Pacífico tinham motivos semelhantes para manter uma forte presença na região Ao longo de 1940 e 1941 os dois poderes imperiais não conseguiram entrar em acordo sobre suas respectivas esferas de influência No dia 7 de dezembro de 1941 a Força Área Japonesa fez um ataque surpresa à principal base naval dos Estados Unidos situada em Pearl Harbour no Havaí danificando severamente a A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 219 frota norteamericana no Pacífico No dia seguinte o Congresso Americano declarou guerra contra o Japão e três dias depois os aliados do Japão Alemanha e Itália declaram guerra contra os Estados Unidos No entanto o governo Roosevelt estava se preparando para a guerra há três anos apesar da oposição de alguns elementos das elites econômicas e políticas De fato poucos políticos se preocupavam com as perseguições políticas de Hitler Alguns eminentes americanos como o industrial Henry Ford o famoso aviador Charles Lindbergh e o embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra Joseph Kennedy pai do futuro presidente JFK abertamente simpatizavam com aspectos do regime nazista Mas Roosevelt e a maioria da elite reconheceram que o expansionismo da Alemanha e do Japão representaria uma perigosa ameaça aos interesses econômicos americanos O desejo de aumentar seu império informal moldou as decisões de Roosevelt com relação à guerra Não havia dúvida de que os Estados Unidos apoiariam a Inglaterra e a França mas como e de quanto seria a ajuda ainda tinha que ser resolvido Começando em 1940 o governo americano diversas vezes emprestou dinheiro e armas à Inglaterra abalada por fortes ataques aéreos alemães Mas a ajuda teve um preço alto as autoridades americanas sacaram da Inglaterra as reservas de ouro e seus investimentos estrangeiros e restringiram exportações inglesas no mundo inteiro Negociantes americanos expandiram sua presença em mercados antigamente controlados pelos ingleses Reclamou mais tarde o ministro de Relações Externas do Reino Unido Anthony Eden que os americanos esperavam que as colônias logo que libertadas dos seus senhores fossem dependentes econômica e politicamente dos Estados Unidos Os Aliados tinham algumas vantagens decisivas diante de seus inimigos As forças armadas conjuntas dos Estados Unidos Inglaterra Rússia e seus parceiros tinham clara superioridade numérica além de recursos naturais quase ilimitados e capacidade industrial relevante situados nos Estados Unidos e Canadá países distantes das frentes de batalha Os Aliados também eram vistos como libertadores pelas populações ocupadas pela Alemanha e pelo Japão desfrutando de apoio crucial dos movimentos de resistência na Europa e na Ásia Mesmo assim guerra total foi necessária para vencer as formidáveis forças da Alemanha e do Japão Dezoito milhões de americanos se alistaram nas Forças Armadas e dez milhões serviram fora do país A guerra envolveu campanhas massivas por territórios tais como as batalhas na África do Norte 19421943 Sicília 1943 França 1944 ilhas do Pacífico 19431945 e finalmente na Alemanha 1945 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 220 Novas teorias de guerra foram desenvolvidas e testadas Na Europa e Japão a doutrina da ofensiva aérea estratégica por exemplo foi usada para bombardear cidades inteiras incluindo fábricas e bairros residenciais visando a enfraquecer o moral do inimigo Roosevelt condenou os ataques aéreos dos alemães e italianos na Etiópia Espanha Holanda e Inglaterra como o barbarismo inumano que profundamente chocou a consciência da humanidade Os bombardeios incendiários das cidades alemãs e japonesas pelos Aliados em 19441945 no entanto foram igualmente brutais O ataque da força área inglesa canadense e americana contra a cidade de Dresden na Alemanha nos dias 13 a 15 de fevereiro de 1945 por exemplo matou mais de 30 mil pessoas Esse tipo de ataque convencional contra 64 cidades japonesas em 1945 matou mais civis no total do que as duas bombas atômicas Um assalto de 334 aviões americanos contra Tóquio nos dias 9 e 10 de março de 1945 massacrou 100 mil pessoas e incinerou 41 quilômetros quadrados da cidade O general da Força Área Americana Curtis LeMay falou depois da guerra Acho que se nós tivéssemos perdido eu seria julgado como criminoso de guerra A decisão de Harry Truman que se tornou presidente depois da morte de Roosevelt em abril de 1945 de lançar duas bombas atômicas contra as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki é o mais controverso ato militar da guerra A análise convencional sustenta que a decisão de usar armas atômicas era justificada pois os japoneses não iriam se render e essa era a única forma de acabar com a guerra mais rapidamente e com o menor número de baixas pelo lado americano Alguns historiadores porém argumentam que havia sinais de que os japoneses queriam terminar o conflito e que os ataques atômicos contra o Japão pretenderam proclamar ao mundo que os Estados Unidos eram a maior potência militar do planeta As bombas atômicas nas palavras do físico inglês P M S Blackett em 1948 foram não tanto o último ato militar da Segunda Guerra Mundial quanto a primeira grande operação da Guerra Fria diplomática com a Rússia Qualquer que seja a interpretação mais persuasiva o uso de armas atômicas introduziria um novo elemento perigoso nas relações internacionais do pósguerra A falta de ajuda às vítimas do Holocausto também é uma das falhas morais mais penosas da Segunda Guerra Mundial Antes e durante a guerra os Estados Unidos e muito outros países aliados recusaramse a abrir suas portas à imigração de judeus que fugiam da opressão sem falar de A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 221 sindicalistas socialistas deficientes físicos ciganos lésbicas gays e outros que eram sistematicamente perseguidos pelos nazistas Quando a forte evidência do extermínio em massa de judeus foi divulgada em 1943 a mídia e o governo americano em grande parte ignoraram esses acontecimentos horríveis refletindo um amplo antisemitismo existente na sociedade como um todo Grupos judeus pessoas de esquerda e militantes dos direitos civis pressionaram o governo para facilitar a imigração de refugiados do nazismo e sugeriram que o governo americano bombardeasse as linhas de trem que levavam judeus e outros prisioneiros aos campos de extermínio na Polônia mas essas sugestões foram constantemente vetadas como desvios aos objetivos militares dos Aliados Se era de fato uma guerra genuína contra o fascismo por que as vítimas principais do nazismo não tiveram prioridade na estratégia militar dos Aliados Os Estados Unidos e a União Soviética emergiram da guerra como os grandes vencedores A grande maioria dos povos do mundo opôsse ao fascismo e militarismo da Alemanha nazista e do Japão mas forças americanas de ocupação na Europa e Ásia conscientemente trabalharam com antigas elites para restabelecer muitos aspectos antidemocráticos e conservadores da velha ordem ajudando os novos governos a reprimir iniciativas radicais como por exemplo suprimindo sindicatos e reprimindo comunistas no Japão nos anos 1940 e 1950 Os impérios coloniais e informais da França Inglaterra e dos Estados Unidos é claro foram mantidos GUERRA TOTAL NOS ESTADOS UNIDOS A luta contra as potências do Eixo demandou uma mobilização ideológica e econômica total dentro dos Estados Unidos Nos primeiros meses depois do ataque contra Pearl Harbour a febre patriótica estava em alta Milhões de jovens homens e mulheres alistaramse nas Forças Armadas Um apelo por trabalhadores da defesa civil rendeu 12 milhões de voluntários e a população aceitou com certa docilidade o racionamento de comida e produtos essenciais Vinte e cinco milhões compraram títulos do governo usados para financiar a guerra Muitos americanos acreditavam que realmente era uma guerra do povo Mas o sacrifício exigido pela guerra precisava ser reforçado por ações do governo A primeira tarefa era esmagar qualquer oposição O Ato Smith estabelecido em 1940 em preparação para a participação no conflito HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 222 criminalizou qualquer oposição à guerra bem como a advocacia de doutrinas revolucionárias Socialistas pacifistas dissidentes religiosos bem como as dezenas de milhares que se recusaram ao serviço militar obrigatório enfrentaram forte perseguição Em 1941 o governo condenou 18 militantes trotskistas por suas atividades contra a guerra e suas idéias revolucionárias O CPUSA ativamente apoiou o julgamento porém depois da guerra foi vítima da mesma legislação usada para perseguilo Neste cartaz desenhado por ocasião da Primeira Guerra Mundial o Tio Sam conclama os americanos a se alistarem no exército O mesmo cartaz foi também amplamente usado na Segunda Guerra Mundial A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 223 O objetivo mais importante era convencer a todos da justiça fundamental da participação no conflito mundial Roosevelt expressou publicamente os objetivos da guerra na idéia da defesa das quatro liberdades expressão religião segurança econômica e democracia Apesar da natureza e dos limites dessas liberdades serem definidos de forma bastante vaga a idéia foi utilizada para ganhar apoio para a guerra O Escritório de Informação da Guerra fundado em 1942 para mobilizar a opinião pública lançou uma campanha ampla de propaganda empregando a imprensa o rádio o cinema e outras mídias para incitar a mobilização econômica social e cultural A indústria cultural juntouse aos esforços em favor dos Aliados Tio Joe Stalin tornouse um ícone popular nos quadrinhos e em Hollywood De 1941 a 1945 o governo federal dos Estados Unidos gastou US321 bilhões o dobro do que havia sido gasto nos 150 anos anteriores e dez vezes os custos da Primeira Guerra Mundial Uma serie de órgãos reguladores foi montada já no primeiro ano da guerra para supervisionar produção distribuição e relações industriais O sistema de seguridade social permaneceu mas as agências mais inovadoras do New Deal inclusive a WPA foram abolidas Numa tentativa de ganhar a adesão do empresariado Roosevelt ofereceu amplos incentivos às grandes corporações empréstimos a juros baixos concessões em impostos contratos sem risco para gerar produção resultando em espantosos lucros e mais concentração de riqueza e poder econômico até o fim da guerra Os lucros das corporações cresceram de US 64 bilhões em 1940 para US 108 bilhões em 1944 As grandes empresas cada vez mais no controle da economia de guerra e seus aliados na mídia e na política contestaram com sucesso muitos dos direitos econômicos e sociais prometidos nos anos 1930 Roosevelt sinalizou em 1943 que a guerra era mais importante do que qualquer reforma socioeconômica O liberalismo do Partido Democrata veio a ser definido durante a guerra não como a reforma radical das instituições do capitalismo americano desejada pelos movimentos sociais dos anos 1930 mas sim como um programa de gastos públicos e política fiscal para garantir emprego pleno mínima previdência social e consumo em massa sem que afetassem as prerrogativas das grandes empresas e seu controle econômico do país A campanha de Roosevelt pela reeleição em 1944 ofereceu algumas reformas econômicas populares mas as vitórias HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 224 dos republicanos no Congresso e no Senado bem como o ambiente conservador do pósguerra puseram fim às esperanças de mudanças mais profundas acalentadas por socialdemocratas e radicais Se o idealismo dos anos 1930 foi truncado pelas necessidades da guerra definidas pelas elites a guerra também criou condições para ganhos econômicos e avanços do impulso reformista entre a classe trabalhadora Controle de preços pleno emprego e a ação dos sindicatos aumentaram a renda familiar mais do que em qualquer outro período no século XX Em troca do apoio dos sindicalistas ao esforço de guerra ou seja a garantia de não fazerem greves o governo apoiou oficialmente campanhas de sindicalização Isso resultou num aumento de 33 da proporção de sindicalizados em relação à mãodeobra nacional não agrícola o mais alto nível na história Entretanto apesar do acordo de não parar a produção intensamente apoiado pelo CPUSA houve 15 mil greves durante a guerra por melhorias salariais e de condições de trabalho freqüentemente contra empresas com políticas anti sindicalistas envolvendo quase 7 milhões de trabalhadores Mulheres negros e imigrantes também gozaram de algumas melhorias Apesar de durar pouco e não desafiar fundamentalmente as noções discriminatórias de gênero existentes a guerra aumentou o número de mulheres trabalhando em 60 dando em alguma medida independência econômica a essas combatentes sem armas nas palavras de um cartaz de propaganda do governo Algumas feministas conta bilizam a atuação das americanas em tempos de guerra como um grande ganho simbólico Afroamericanos continuaram migrando para as cidades do Norte a procura de trabalho na indústria de guerra A demanda por mãodeobra atraiu milhares de mexicanos para o Oeste mas também pela primeira vez para as cidades industriais de Chicago Nova York e Detroit A chance de conseguir um emprego estável e bem pago na indústria representou um ganho significativo para mulheres e minorias dando confiança às campanhas pelos direitos civis e contra a discriminação A experiência da guerra ampliou o desejo de mulheres imigrantes e negros por mais igualdade e liberdade Em alguns sindicatos mulheres de fato conseguiram avanços nas questões da paridade salarial creches e licença maternidade estabelecendo precedentes para sua luta contra o A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 225 machismo nas décadas seguintes O pluralismo étnico promovido durante os anos 1930 para inclusão dos imigrantes brancos da Europa do Sul e Leste com a exceção de alemães e italianos foi continuado durante a Guerra o preconceito étnico foi visto como uma ameaça à unidade requerida pela guerra e a diversidade étnica tornouse parte essencial de uma nova definição do americanismo Sindicalistas negros como A Philip Randolph e os ativistas no Congresso pela Igualdade Racial CORE grupo fundado em 1942 como uma alternativa mais radical à NAACP promoveram manifestações para pressionar o governo federal a investigar práticas de discriminação racial nas indústrias de guerra Muitas indústrias foram forçadas a contratar negros e rever classificações ocupacionais discriminatórias As atitudes raciais do governo e da sociedade porém mudavam lentamente e freqüentemente ressurgiam as antigas tensões violentas Discriminação e às vezes violência física eram realidades enfrentadas pelos novos imigrantes mexicanos como no motim racista em junho de 1943 em Los Angeles mas novamente foram os negros a sofrerem mais com o racismo As forças armadas permaneceram quase totalmente marcadas pela segregação mesmo com 700 mil negros alistados Não menos de 242 motins raciais provocados por tensões econômicas e sociais relativas a emprego e moradia explodiram em 47 cidades em 1943 inclusive Detroit onde 34 pessoas 25 negros e nove brancos morreram e 700 ficaram feridas O Norte não existe mais lamentou uma senhora negra chorando depois dos eventos terríveis na cidade tudo agora é o Sul A hipocrisia racial atingiu um pico com o tratamento dado aos nipo americanos Investigações dos serviços de inteligência confirmaram que a comunidade de ascendência japonesa 75 dos quais detinham cidadania não representava nenhuma ameaça à condução da guerra A histeria antijaponesa expressa no refrão popular O único japa bom é o japa morto contudo resultou numa política de perseguição em massa com o apoio de quase toda a população Nenhum grupo significativo mesmo o CPUSA ou organizações pelas liberdades civis protestou quando Roosevelt assinou uma ordem executiva em fevereiro de 1942 mandando o exército prender todos os 110 mil nipoamericanos na Costa Oeste Perdendo seus negócios casas e bens eles ficaram em campos de prisioneiros no interior pelo tempo que durou a guerra sem direitos democráticos justamente os direitos pelos quais a guerra havia sido travada HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 226 PLANEJANDO A ORDEM PÓSGUERRA E A GUERRA FRIA Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial como a mais poderosa nação da terra Suas forças armadas ocuparam o Japão e uma grande parte da Europa Ocidental Além disso muitas bases militares estabelecidas em países aliados durante a guerra ficaram intactas Economicamente os Estados Unidos detinham a maioria do capital de Jovens esperando a inspeção de bagagem num Centro de Assembléia em Turlok Califórnia A imagem mostra a recolocação de americanos de ascendência japonesa para acampamentos no interior durante a Segunda Guerra Mundial A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 227 investimento produção industrial e exportações no mundo controlando até dois terços do comércio mundial enquanto grandes partes da Europa e Ásia estavam devastadas Crescimento econômico contínuo exigia estabilidade política nacional e internacional O governo democrata chefiado por Truman 19451952 sob a pressão dos seus partidários do Sul dos republicanos e do empresariado abandonou suas intenções de empreender mais reformas sociais favorecendo uma aliança entre empresas governo e Forças Armadas com concessões limitadas à classe trabalhadora Comentou Charles E Wilson presidente da General Motors que o melhor cenário seria uma economia permanente de guerra O número de beneficiados da seguridade social existente aumentou nos anos 1950 mas outros avanços econômicos foram bloqueados A crescente preocupação com a ameaça da União Soviética manteve alto o orçamento militar enquanto reformas como um plano de saúde nacional e mais habitação pública foram derrubadas no Congresso sob a pecha de socialistas O bloco radicalliberal do New Deal acabou definitivamente quando o Ato TaftHartley de 1947 enfraqueceu vários direitos de sindicatos inclusive impondo um juramento de lealdade contra o comunismo a todos os sindicalistas resultando na expulsão do CIO de numerosos filiados e de 11 sindicatos liderados pelos comunistas inteiros num total de quase um milhão de trabalhadores Na cena internacional a Organização das Nações Unidas ONU fundada em 1944 foi oficialmente desenhada como um órgão de cooperação internacional para manejar conflitos internacionais Em realidade logo acabou dominada pelos países ocidentais mais poderosos e pelo novo poder mundial a União Soviética Se os programas de desenvolvimento social e econômico da ONU e sua autoridade moral gozavam de algum prestígio sua capacidade para prevenir conflitos era bastante limitada pois as cinco grandes potências com direito de veto das decisões atuavam sempre nos seus próprios interesses Mesmo antes do fim do conflito os Estados Unidos planejaram uma ordem econômica pósguerra na qual o país poderia conquistar novos mercados e expandir oportunidades por meio de investimentos estrangeiros sem restrições no fluxo de capital e bens Em 1944 negociações entre Inglaterra e Estados Unidos culminaram na fundação do sistema Bretton Woods para manejar a economia internacional Incluíram o Fundo Monetário Internacional FMI instituído em 1945 para regular trocas HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 228 financeiras internacionais sob o dólar americano e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento hoje Banco Mundial para promover investimentos estrangeiros e a reconstrução de economias destruídas pela guerra O grande poder econômico e político dos Estados Unidos depois da guerra fez com que essas duas instituições mantivessem os interesses econômicos americanos em primeiro plano pelas quatro décadas seguintes Desenvolvimentos políticos na época moldaram esses arranjos econômicos internacionais Crescentes tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética sobre a divisão de poderes políticos e econômicos na Alemanha até o fim dos anos 1940 culminaram na Guerra Fria Os dois superpoderes e suas alianças rivais disputaram a dominância econômica política e militar mundial no período pósguerra Motivados pela segurança nacional expansão econômica e vantagem militar internacional ambos mantiveram controle dos seus aliados e de outras esferas de interesse por meio da força bruta ou da influência econômica O Plano Marshall de 1948 no qual os Estados Unidos emprestaram US16 bilhões para Roosevelt Churchill e Stalin A divisão de possíveis áreas de influência territorial no mundo pósguerra começou com discussões entre os líderes dos Aliados como mostra essa foto tirada em Yalta Ucrânia em fevereiro de 1945 A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 229 reconstruir a Europa e outros programas de desenvolvimento econômico no pósguerra tiveram tanto motivos políticos quanto econômicos a ajuda econômica seria usada para fortalecer os parceiros não comunistas e prevenir nesses países desafios radicais à hegemonia norteamericana com ações como as empreendidas para domar os poderosos partidos comunistas da Itália e França no fim dos anos 1940 A paz formal entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria baseada na ameaça mútua das armas nucleares resultou na militarização da economia americana Essa economia passou a ser fortemente relacionada à produção de armas e outros produtos da guerra sob o controle do que o próprio presidente Dwight Eisenhower 19521960 chamou de complexo militarindustrial O mais alto padrão de vida no mundo foi baseado em grande parte nos gastos militares americanos que atingiram o pico de 20 da produção nacional durante a Guerra da Coréia A Guerra Fria tornouse quente quando os Estados Unidos intervieram na dividida Coréia em 1950 para ajudar o ditador da parte Sul do país depois de esta ter sido invadida pelas tropas do ditador comunista da parte Norte A Guerra da Coréia tornouse uma guerra por procuração na qual cada um dos lados tinha o apoio de uma das duas superpotências A guerra também serviu como pretexto para convencer o Congresso americano da necessidade de aumentar o orçamento militar e de os EUA procurarem conter a influência do poderoso partido comunista do Japão e o governo comunista da China Com duração de três anos a guerra foi enormemente sangrenta matando ou ferindo 140 mil soldados americanos e três vezes esse número entre os coreanos do Norte e seus aliados chineses Dois milhões de civis morreram no conflito que terminou com a mesma divisão territorial que havia no início uma tradução precisa da Guerra Fria como um todo A Guerra Fria na América Latina começou no fim dos anos 1940 quando movimentos favoráveis à mudança política e econômica surgiram em muitos países do continente e acabaram refreados ou esmagados pelas elites locais com a ajuda dos Estados Unidos Manipulando a retórica do anticomunismo os Estados Unidos mantiveram os países latinoamericanos na esfera da influência ocidental por meio de invasão orquestração de golpes obstáculos à reforma social e apoio técnico e político a regimes militares repressivos O Departamento de Estado e a Agência Central de Inteligência CIA em inglês por exemplo promoveram planejaram e executaram a derrubada do governo reformista de Jacobo Arbenz na Guatemala em 1954 Preocupados com a ameaça que reforma agrária redistribuição de renda e HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 230 democracia política representavam para os latifundiários os Estados Unidos como aponta o historiador Greg Grandin viram a Guatemala e outros casos semelhantes na América Latina em grande parte através das lentes ideológicas da Guerra Fria Ações como essa se multiplicariam nas próximas décadas na América Central e Sul especialmente depois da Revolução Cubana em 1959 Os Estados Unidos nesse período tornaramse o World Cop o policial do mundo A histeria contra o comunismo foi replicada em casa com a nova caça aos vermelhos dos anos 1950 Conhecida popularmente como macartismo a campanha contra a subversão em todos os aspectos da vida americana foi muito mais abrangente do que a carreira bizarra do senador anticomunista Joseph McCarthy As investigações publicadas contra a suposta subversão de intelectuais artistas e funcionários do governo federal que resultaram em inúmeras demissões centenas de sentenças de prisão e algumas execuções como a do casal comunista Julius e Ethel Rosenberg tornaram McCarthy o rosto público do anticomunismo Os filmes Culpado por suspeita 1993 e Boa noite e boa sorte 2005 retratam bem o clima tenso do período Governos estaduais e locais bem como instituições universitárias clubes sociais comunidades artísticas certas mídias e movimentos sindicais também estabeleceram programas para garantir a lealdade dos seus funcionários ou membros e a promoção dos valores americanos Outras formas de discriminação freqüentemente utilizaram se do medo do comunismo para por exemplo reprimir homossexuais no funcionalismo público Como no caso da repressão contra os nipo americanos do tempo da Guerra poucos denunciaram esses ataques contra liberdades civis e vários intelectuais artistas e público em geral abertamente apoiaram a repressão Esse período sombrio da história americana dificultou extremamente a possibilidade de crítica ao governo americano enfraquecendo por uma década todos os impulsos reformistas e consolidando uma cultura oficial de conformidade social SOCIEDADE E CULTURA NA GUERRA FRIA A imagem dos anos 1950 na memória coletiva centrase na prosperidade econômica e na estabilidade familiar Nessa visão todo mundo na época tinha emprego estável e ampla oportunidade de mobilidade social A televisão o cinema e a literatura de grande público destacaram famílias harmoniosas pai A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 231 trabalhador mãe donadecasa e alguns filhos morando nos crescentes subúrbios em casas com quintais próprios e suas indefectíveis cercas brancas Sem dúvida essas imagens capturam aspectos da realidade da época O PIB dos Estados Unidos saltou em 250 entre 1945 e 1960 com renda familiar crescente e baixas taxas de desemprego e inflação A classe trabalhadora obteve acesso sem precedentes à economia de consumo de massa sindicatos ganharam melhores salários e a expansão de benefícios e o estado de bemestar garantia em alguma medida a segurança econômica Debaixo da superfície porém a sociedade afluente dos anos 1950 testemunhou contradições e desafios marcantes O crescimento econômico foi inegável mas nem todo mundo compartilhou da prosperidade Em 1960 um quinto das famílias americanas vivia abaixo do nível de pobreza oficial estabelecido pelo governo e muitas outras sobreviveram apenas com a mínima segurança e conforto A distribuição da renda não mudara muito a população 20 mais rica continuou controlando 45 de toda renda enquanto a 20 mais pobre controlava somente 5 Indígenas relegados às reservas no interior dos Estados Unidos eram as pessoas mais pobres no país Idosos e trabalhadores rurais de todas as etnias e as populações afroamericana e latinoamericana estavam desproporcionalmente entre os indigentes Devido à discriminação e à falta de dinheiro esses grupos raramente desfrutavam a maravilhosa vida suburbana concentrandose nos centros das cidades onde empregos comércios e serviços públicos tornavamse cada vez menos acessíveis Os anos 1950 são comumente vistos como uma das décadas mais reacionárias para as mulheres que foram ideologicamente confinadas aos papéis de mãe e esposa na família nuclear e a uma atuação limitada na sociedade e na cultura Certamente muitos elementos da reação doméstica da Guerra Fria que combateu sexualidades alternativas certas expressões culturais e as análises como as do livro da feminista Betty Friedan A mística feminina reforçam essa imagem Os efeitos do que a historiadora Stephanie Coontz chama de armadilha da nostalgia seriam formidáveis nas próximas décadas muitos americanos cresceram com a crença de que o pai trabalha e a mãe cuida da casa dos filhos e das necessidades emocionais da família As políticas do estado de bemestar educação e outros serviços públicos baseavamse nesse conjunto de idéias sobre a mulher e a família Mas esse retrato difundido nunca foi a realidade para muitas mulheres nessa década de mudanças importantes Houve um crescimento constante HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 232 na proporção de mulheres casadas economicamente ativas em 1960 um terço trabalhava fora de casa complicando a idéia do salário familiar centrado no homem o coração da ideologia sexual dominante Essa tendência contribuiu para o uso crescente de contraceptivos práticas de aborto e atitudes diferenciadas com relação a sexo resultando numa pressão das mulheres para transformações nas práticas médicas e nas leis que regulavam a reprodução e a sexualidade Taxas de divórcio começaram a aumentar e formas diversas de família que não a família nuclear tornaramse a norma Continuando as tendências dos anos de guerra lésbicas aproveitaram oportunidades de emprego e educação superior para criar seus próprios espaços sociais e culturais nas grandes cidades Ativistas sindicalistas aproveitaramse da ideologia democrática dos seus sindicatos e do clima da Guerra Fria para barganhar pelas necessidades especiais das mulheres no trabalho e combater o machismo dos seus colegas e chefes Todas essas mudanças provocariam novas atitudes e idéias sobre o papel das mulheres na visão das próprias mulheres do governo e dos homens construindo as fundações do movimento feminista e dos avanços legislativos que se materializariam dos anos 1970 e 1980 Os anos 1950 também foram um período crucial na construção de um dos movimentos sociais mais importantes da história o da luta pelos direitos civis Martin Luther King Júnior e outros homens justamente se tornaram heróis das famosas batalhas contra discriminação racial novamente lançadas depois de anos de medo da Guerra Fria e no encalço da decisão da Suprema Corte em 1954 proibindo segregação nas escolas Porém como o historiador Charles Payne argumenta sobre o movimento pelos direitos civis Os homens lideraram mas as mulheres organizaram Os boicotes a ônibus manifestações e outras mobilizações políticas contra segregação e violência racial no Sul nos anos 1950 foram iniciados por mulheres como Rosa Parks Jo Ann Gibson Robinson e Ella Baker ativistas de base que tiveram um papel crucial no sucesso do movimento que continuaria na década de 1960 Muito da indústria cultural reforçou atitudes homogêneas brancas e acauteladas em favor do capitalismo do consumo e da conformidade social A televisão controlada por três grandes redes e seus patrocinadores corporativos substituiu o rádio e o cinema como a principal diversão das famílias americanas Já em 1962 90 das famílias tinham uma televisão e a indústria cultural desempenhava papel crucial na disseminação do consumismo e do apoio aos valores sociais e culturais do capitalismo americano Os mais populares seriados da televisão Papai sabe tudo Eu A SEGUNDA GUERRA E OS EUA COMO WORLD COP 233 amo Lucy e As aventuras de Ozzie e Harriet glorificaram o modelo de família nuclear americana e o jeito americano de viver Muitas das ofertas culturais de Hollywood na década também celebraram as virtudes do capitalismo americano Sindicato de ladrões 1954 do diretor Elia Kazan que denunciou pessoalmente comunistas de Hollywood ao governo conta a história da corrupção num sindicato de estivadores uma alegoria sobre os supostos perigos do protesto social Os jornais e as revistas de grande circulação bem como as produções intelectuais convencionais da época elogiavam o bemestar do país o suposto fim da ideologia e o triunfo dos valores do mercado capitalista Família americana vendo televisão no fim dos anos 1950 No entanto a televisão e o cinema podiam expressar de forma não intencional as contradições da sociedade americana Ao mesmo tempo em que eram tratados como subordinados muitas mulheres trabalhadores e jovens eram encorajados a abraçar idéias de igualdade e liberdade Celebrando HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 234 a afluência da classe média branca os seriados de televisão por exemplo mostravam o que muitas pessoas supostamente podiam conquistar na sociedade graças às oportunidades oferecidas Isso podia tanto acentuar a alienação quanto o desejo por mudança Na ficção a alienação juvenil e os constrangimentos proporcionados pelas desigualdades sociais são evidentes nas obras dos escritores da geração Beat como o romancista Jack Kerouac e poeta Alan Ginsburg e dos cineastas do filme noir Fritz Lang e Nicholas Ray o último também dirigiu James Dean no clássico retrato dos jovens alienados Rebelde sem causa 1955 Intelectuais e escritores como C Wright Mills Paul Goodman Margaret Mead e Arthur Miller também produziram obras populares que criticaram a conformidade cultural as atitudes discriminatórias e as barreiras à cidadania plena nos Estados Unidos A música popular foi mais uma área cultural de manifestação de descontentamento Não é surpresa que afroamericanos os mais marginalizados da sociedade americana tenham fornecido o principal componente os blues da nova linguagem musical o rock and roll Novos canais de rádio espalharamse pelo país descobrindo novas e lucrativas audiências entre jovens brancos e afroamericanos para essa música rebelde que remetia a desejos sexuais e provocações às normas da classe média branca Roqueiros brancos como Elvis Presley Buddy Holly e Bill Haley bem como músicos negros como Chuck Berry Little Richard e B B King passaram a ser os ícones da geração do baby boom o grande magote de jovens nascidos durante e logo depois da Segunda Guerra Mundial A atração de muitos brancos pela música de raiz afroamericana propiciou um rompimento parcial com construções contemporâneas de diferença racial influenciando as lutas políticas para inclusão social dos anos 1960 e 1970 RUPTURAS DO CONSENSO 19601980 Longe das previsões de alguns intelectuais nos conservadores anos 1950 as diversas rebeldias sociais e políticas dos anos 19601970 mostraram que descontentamentos e conflitos continuaram existindo nos EUA Socialmente os governos democratas de John F Kennedy 19601963 e Lyndon B Johnson 19631968 tentaram consolidar um New Deal suavizado Ao mesmo tempo os dois presidentes entusiasticamente comprometeram o país com uma guerra sangrenta no Vietnã e levaram o mundo à beira do precipício do aniquilamento nuclear numa desastrosa tentativa de conter o crescimento do comunismo Amparados pelas mudanças demográficas e econômicas do período essas políticas sociais e militares temerárias e o fracasso em resolver antigos problemas sociais como o racismo provocaram uma explosão de diversos movimentos sociais por direitos civis paz liberdade sexual e cultural que contestaram bravamente as definições estabelecidas de progresso liberdade e cidadania Na década de 1970 essa crise de autoridade no país continuou Além disso problemas econômicos voltaram a assustar com a crise mundial do petróleo a crescente concorrência na competição com a Alemanha e o Japão por mercados mundiais e a dificuldade em promover crescimento econômico no mesmo ritmo e intensidade que o boom dos anos 1950 e 1960 Com a consolidação dos iniciais ganhos das lutas os movimentos sociais se dividiram politicamente quanto à estratégias e táticas frente à cooptação e repressão das autoridades entrando em declínio à medida que os governos de Richard Nixon 19681974 Gerald Ford 19741976 e Jimmy Carter 1976 1980 bem como novos grupos conservadores tentaram liderar novamente uma contraofensiva e impor ordem e estabilidade à sociedade americana HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 236 O FENÔMENO JOHN F KENNEDY E O ESTADO LIBERAL Poucos presidentes gozaram de tanta popularidade quanto John F Kennedy Jovem e bem apessoado herói de guerra e o primeiro presidente católico Kennedy foi uma conseqüência das aspirações liberais não satisfeitas do tempo do New Deal Seu assassinato inesperado em novembro de 1963 e a sua subseqüente mitificação na memória coletiva como a grande esperança liberal têm mascarado a timidez da sua agenda liberal doméstica e sua política aguerrida de contenção do comunismo Como congressista e senador nos anos 1950 John F Kennedy lealmente apoiou o impulso anticomunista tanto quanto seu irmão mais novo Robert um jovem advogado que trabalhava como assessor de Joseph McCarthy O historiador da Universidade de Harvard e exassessor do presidente Kennedy Arthur Schlesinger Jr corretamente descreveu o liberalismo do pósguerra não como uma esquerda madura mas sim como um centro vital Em outras palavras o liberalismo não representava nenhuma ameaça à ordem estabelecida pelo capitalismo Distribuição da produção industrial no mundo Frente à concorrência da Alemanha Japão e outros países a hegemonia dos Estados Unidos na economia mundial começou a declinar na década de 1960 Fonte Paul Bairoch International Industrialization Levels from 17501980 em Journal of European Economic History vol 11 1982 pp 296304 RUPTURAS DO CONSENSO 237 Na verdade foi o presidente Johnson quem mais se empenhou em reformas sociais e econômicas Os chamados programas da Grande Sociedade lançados durante seu mandato proporcionaram serviços médicos para idosos e pobres deram modesto vale comida para os mais destituídos como viúvas e mães solteiras e destinaram mais dinheiro federal à educação obras públicas treinamento ocupacional e moradia Esses programas sociais contribuíram em parte para a redução da pobreza de 21 da população total em 1959 para 12 em 1969 mas o crescimento econômico geral foi provavelmente mais importante que essas intervenções políticas Johnson não conseguiu o efeito desejado de acabar com a miséria econômica completamente Ele considerou a pobreza não o resultado de diferenças no poder econômico e de falhas nas instituições econômicas mas sim da carência de habilidades treinamento e motivação entre os pobres Conseqüentemente relativamente pouco dinheiro uns US 3 bilhões foi gasto em programas sociais Isso combinado com os cortes nos impostos do mesmo governo de US12 bilhões fez com que as adversidades econômicas de muitas comunidades persistissem Para os negros opina o historiador Robin Kelley Johnson não fez uma guerra contra pobreza mas sim uma escaramuça que teria pouco impacto no longo prazo especialmente durante os governos de Richard Nixon e Gerald Ford que gradualmente revogariam os programas moderados de Johnson A economia mudou nessa época afetando os trabalhadores em geral mas especialmente as pessoas dos bairros pobres e negros das grandes cidades Depois da Segunda Guerra Mundial a indústria começou a se deslocar migrando primeiro para os subúrbios brancos das grandes cidades e depois para os estados antisindicais do Sul e eventualmente para outros países no Caribe América Latina e Ásia A segurança e a estabilidade econômica da população em geral duraram pouco enquanto a reestruturação do capital lentamente minava os ganhos dos trabalhadores do setor industrial Políticas urbanas do governo federal contribuíram para a reestruturação econômica Por meio de subsídios às empresas de construção civil incentivos à aquisição da casa própria e investimentos massivos na construção de estradas e na infraestrutura o Estado mudou a geografia econômica do país favorecendo mais as regiões suburbanas rurais e brancas no Sul Sudoeste e Oeste onde o conservadorismo reinava em políticas locais e no empresariado e onde os sindicatos e movimentos sociais não eram tão fortes Se em 1930 menos de um terço da população residia em casa própria em 1960 quase dois terços já o fazia sendo porém a maioria branca De fato a maior HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 238 porção das despesas dos programas da Grande Sociedade foi canalizada para comunidades brancas Enquanto as regiões suburbanas se beneficiaram desproporcionalmente do crescimento econômico e da política federal os bairros pobres dos centros das cidades sofreram alguma revitalização urbana Com dinheiro federal governos locais destruíram bairros decadentes pobres e negros nos centros das cidades substituindoos por prédios comerciais condomínios fechados de classe média e alta e instituições cívicas como universidades e centros médicos Os antigos residentes foram enviados à habitação pública segregada construída com o mínimo de qualidade e instalações e freqüentemente longe de empregos e serviços criando nas palavras do historiador do urbano Arnold Hirsch um segundo gueto Enfim a reestruturação industrial e a política federal acabaram criando um verdadeiro apartheid racial nas metrópoles americanas a partir dos anos 1970 com de um lado subúrbios brancos mais prósperos cujos residentes se preocupavam em diminuir os impostos e valorizar seus imóveis e de outro pobres bairros negros e latinoamericanos no centro da cidade cujos residentes se tornavam cada vez mais dependentes da ajuda estatal A estagnação e depois o declínio da hegemonia econômica dos Estados Unidos nos anos 1970 pioraram essas divisões sociais A crise de energia associada ao boicote dos produtores de petróleo árabes em resposta à guerra com Israel em 1973 demonstrou a dependência crescente dos Estados Unidos com relação aos recursos naturais do Golfo Pérsico A recessão de 19741975 seria a primeira de uma série de choques econômicos periódicos que continuaria até o século XXI CONTENDO O COMUNISMO Quando perguntado em 1961 por um jornalista sobre a crescente intervenção dos Estados Unidos no Vietnã Bobby Kennedy secretário de Justiça no governo do seu irmão JFK negou sua importância respondendo Nós temos 30 Vietnãs De fato nos primeiros anos da década de 1960 os Estados Unidos tinham consultores militares em muitos países do mundo organizando ações políticas e militares com governos e militares aliados contra as forças opositoras geralmente comunistas ou movimentos reformistas Mas Kennedy desdenhou demais a importância de dois países nos quais os Estados Unidos tinham interesses cruciais Cuba e Vietnã RUPTURAS DO CONSENSO 239 CUBA A menos de duzentos quilômetros do sul do estado do Flórida um país pequeno Cuba desafiou o imperialismo norteamericano Ante a relutância dos Estados Unidos em reconhecer o novo governo e ajudar o país depois da Revolução Nacionalista de 1959 o líder cubano Fidel Castro radicalizou em 1960 e 1961 nacionalizando a economia que antes era controlada pelos interesses econômicos americanos Castro aproximouse cada vez mais da União Soviética assinando com o país líder do bloco comunista vários acordos comerciais Em represália a administração de Eisenhower implementou um embargo parcial aos bens cubanos no fim de 1960 Kennedy rompeu relações diplomáticas com Cuba logo depois de assumir o poder em 1961 Fidel Castro sagazmente utilizouse da mídia norteamericana para defender os interesses do seu país Em setembro de 1960 discursou na Assembléia Geral da ONU protestando contra a agressão americana e se Kennedy e Kruschev 1961 Os presidentes dos dois mais poderosos países do mundo se reuniram em Viena em junho de 1961 para discutir com franqueza as suas respectivas esferas de influência Kruschev ameaçou entrar em guerra contra os Estados Unidos se Kennedy não retirasse seu apoio ao governo não comunista de Berlim Ocidental HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 240 hospedando num hotel no Harlem para mostrar sua solidariedade com as lutas negras Castro que já tinha atraído o apoio de alguns intelectuais americanos durante sua luta guerrilheira em 19571959 recebeu a adesão de um grupo da Nova Esquerda a tendência esquerdista que surgia então nos EUA o Comitê de Justiça para Cuba A clara ameaça ideológica representada por Cuba motivou o governo Kennedy a tomar medidas mais duras Clandestinamente treinando refugiados cubanos contra Castro orquestrou uma invasão à ilha no dia 17 de abril de 1961 A operação foi um fracasso total a maioria dos 15 mil invasores acabaram capturados ou mortos Blindados pelo seu forte anticomunismo e desconhecendo o povo cubano Kennedy e seus assessores leram mal a situação política em Cuba achando que cubanos iriam se levantar contra Castro Enganaramse porque as políticas sociais e econômicas do regime comunista em Cuba eram populares na época No ano seguinte Castro cada vez mais próximo da União Soviética concordou com a instalação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba Em outubro de 1962 os americanos confrontaram os soviéticos e o mundo viuse à beira de uma guerra nuclear Novos documentos liberados somente décadas depois do episódio revelaram que os líderes políticos e militares dos Estados Unidos inclusive os irmãos Kennedy estavam mesmo prontos a começar uma guerra nuclear A guerra só não ocorreu porque os dois superpoderes acabaram negociando uma saída Um acordo entre Kennedy e o líder soviético Kruschev definiu a retirada dos mísseis em troca da promessa de que os Estados Unidos não mais invadiriam Cuba Nos anos seguintes vários esquemas da CIA para assassinar Castro falharam e até hoje as relações entre Cuba e os Estados Unidos são tensas com o embargo comercial dos Estados Unidos estrangulando as possibilidades de desenvolvimento econômico na ilha A TRAGÉDIA DO VIETNÃ O Vietnã era uma excolônia francesa que foi dividida em duas pelo tratado que finalizou a Guerra da Coréia O exército guerrilheiro comunista de Ho Chi Minh que tinha derrubado os franceses controlava a parte Norte do país e contava com numerosos seguidores na parte Sul organizados pelo grupo guerrilheiro o Viet Cong No Sul o ditador Ngo Dinh Diem governava com ajuda militar e econômica dos Estados Unidos Em resposta à campanha repressiva de Diem contra seus simpatizantes o líder nortista Minh lançou a luta armada em 1959 ganhando bastante apoio e território nas áreas rurais do Sul Os Estados Unidos desconfiados da habilidade de RUPTURAS DO CONSENSO 241 Diem em conter a guerrilha aprovaram um golpe militar que depôs o ditador em 1963 que foi substituído por uma série de juntas militares até 1967 quando um novo presidente foi eleito Entrementes os Estados Unidos estavam enviando tropas para ajudar a luta contra o Norte Quando Kennedy assumiu o poder em 1961 havia 400 consultores militares americanos no Vietnã no mês do seu assassinato 18 mil soldados americanos estavam no Vietnã Seis anos mais tarde o envolvimento militar americano cresceria para 540 mil soldados Os Estados Unidos acreditavam que com sua poderosa capacidade militar poderiam infligir mais danos ao inimigo forçandoo eventualmente a abandonar a guerra De 1965 a 1972 a campanha mais intensiva de bombardeamento da história empreendida pelos americanos seguiu com a intenção de enfraquecer o moral do Vietnã Norte Os Estados Unidos também procederam a um programa de pacificação cujo propósito era em primeira instância ganhar corações e mentes da população local com propaganda e assistência social Enfrentando resistência passaram a adotar uma sistemática destruição de aldeias e de remoção forçada de camponeses pretendendo manter a ordem e diminuir o apoio logístico que a população dava ao Viet Cong Durante a guerra os americanos mantiveram o controle nas cidades mas não conseguiram conquistar o campo onde vivia a maioria das pessoas dada a característica agrícola do país Os freqüentes massacres da população civil vietnamita por tropas americanas divulgados pela mídia na época e mais tarde explorados em filmes como Platoon 1986 Nascido para matar 1987 e Alucinações do passado 1990 além do grande impacto no Vietnã afetaram o moral de muitas tropas americanas e a opinião pública nos Estados Unidos O mais conhecido foi a chacina de My Lai em 1968 No dia 16 de março uma companhia de soldados liderados pelo tenente William Calley juntara quinhentos idosos mulheres e crianças da aldeia de My Lai numa trincheira e obedecendo a ordens de Calley abriu fogo contra todos os prisioneiros Divulgado à mídia por soldados comuns o massacre horrorizou muitos americanos Diante da repercussão negativa no país que se acreditava baluarte da civilização e do mundo livre houve um julgamento Entretanto somente Calley foi condenado recebendo uma sentença de três anos em prisão domiciliar Em 1971 o coronel Oran Henderson declarou que toda Brigada Americana tem seu My Lai escondido em algum lugar querendo dizer que muitos atos covardes como esse haviam sido cometidos contra populações civis em nome da guerra HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 242 Com o apoio da população vietnamita e o emprego de táticas criativas o Viet Cong e Ho Chi Minh conseguiram militarmente paralisar os Estados Unidos Em 1970 a maioria da população americana estava contra a guerra como veremos mais adiante o que forçou o governo dos Estados Unidos a recuar com os últimos soldados saindo do Vietnã em 1974 No saldo da guerra 57 mil soldados americanos morreram e 300 mil ficaram feridos enquanto 4 milhões de vietnamitas foram mortos Era a primeira guerra que os Estados Unidos perdiam em 150 anos agonizando uma geração de americanos rasgando a nação ideologicamente e dando inspiração a movimentos antiimperialistas no mundo inteiro AMÉRICA DO SUL E ORIENTE MÉDIO Cuba e Vietnã mostraram que mesmo o mais poderoso país no mundo era vulnerável Em outros países porém os norteamericanos fizeram valer seus interesses econômicos e políticos com grande sucesso A Guerra Fria continuou nos anos 1960 e 1970 e os EUA nela atuaram por meio de apoio militar financeiro e político a governos anticomunistas ou de intervenções diretas Colaboraram por exemplo com os golpes militares no Brasil em 1964 no Chile em 1973 no Uruguai em 1974 na Argentina em 1976 na Indonésia em 1965 no Congo em 1963 todos sustentados por uma repressão brutal das oposições e constantes violações de direitos humanos Num esforço cultural e simbólico paralelo o governo americano estabeleceu a Aliança para o Progresso para coordenar ajuda desenvolvimentista ao Terceiro Mundo e os Corpos de Paz que enviavam jovens americanos para trabalhar em projetos sociais em países pobres As duas organizações visaram a exportar valores americanos de livre mercado consumismo e democracia liberal e em troca obter o apoio político de países pobres na sua rivalidade com a União Soviética Além da União Soviética com quem os Estados Unidos negociou uma série de acordos sobre armas nucleares nos anos 1970 a região mais importante para a política externa do país era o Oriente Médio Os países industrializados como os Estados Unidos interessavamse pela área por causa das suas enormes reservas de petróleo essenciais para a economia industrial Os Estados Unidos ajudaram na criação do Estado de Israel 1948 que se tornaria o maior aliado dos americanos na região em troca de apoio financeiro e armas Governos americanos também colaboraram na construção de regimes clientelistas árabes Na Arábia Saudita os Estados Unidos RUPTURAS DO CONSENSO 243 cortejaram a monarquia reacionária procurando sua ajuda na orquestração de golpes de Estado no Irã em 1953 e no Iraque em 1962 em benefício de grupos mais favoráveis aos interesses norteamericanos Os Estados Unidos conseguiram estabelecer hegemonia no Oriente Médio através desses Estados clientelistas nos anos 1960 mas a custo de aprofundar antagonismos entre povos e Estados que explodiram em várias guerras ao longo dos anos 1960 e 1970 plantando as sementes de tensão e ódio contra suas políticas entre a população muçulmana mundial O MOVIMENTO POR DIREITOS CIVIS Segregação formal e informal linchamento e violência policial discriminação no emprego na educação e nos serviços públicos falta de direitos políticos pobreza extrema tudo isso caracterizava a vida de negros nos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial Eles porém não foram vítimas passivas Importantes organizações políticas negras haviam atuado na primeira metade do século mas as condições dos anos 1950 e 1960 propiciaram o estouro de um movimento em massa Inundados com as mensagens de liberdade e prosperidade do discurso oficial e popular alimentado nessas décadas mas não desfrutando plenamente do progresso econômico e social negros no Sul e Norte construíram o mais importante movimento social na história dos Estados Unidos o movimento por direitos civis Os variados grupos organizações e pessoal que constituíram o movimento por direitos civis atuavam no Sul e Norte na cidade e no campo envolviam mulheres e homens líderes e organizadores diversas estratégias e táticas e lutavam por direitos econômicos políticos e pela dignidade social Enfrentavam entretanto a hostilidade e o descaso dos políticos A palavra liberdade era definida nesse movimento de forma ampla significando igualdade poder reconhecimento direitos e oportunidades A nova fase da luta negra começou a chamar inicialmente a atenção com os protestos bemsucedidos contra a segregação nos serviços públicos no estado sulista do Alabama em 1955 Com o tempo ampliouse e produziu líderes como o poderoso orador Dr Martin Luther King Junior um pastor batista da Geórgia que fundou a Conferência de Liderança Cristã em 1957 para coordenar e avançar a luta por direitos baseada na desobediência civil uma forma de resistência pacifista cujo pioneiro havia sido o nacionalista indiano Mahatma Gandhi Luther King seria o mais importante líder do movimento HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 244 cultivando uma política fortemente moral e religiosa que apelava à retórica americana do valor da liberdade bem como à da justiça social bíblica Igrejas negras foram centrais na mobilização ideológica e prática do movimento Por outro lado por uma confluência de questões domésticas e globais as primeiras mobilizações e as batalhas acirradas contra a segregação racial a decisão da Suprema Corte nos anos 1950 contrária à discriminação em escolas e universidades públicas e os movimentos anticoloniais na África universitários negros sentiramse estimulados a agir Manifestações estudantis contra segregação em restaurantes cinemas bibliotecas e rodoviárias proliferaram de 1960 a 1963 em grande parte no Sul mas também em várias cidades nortistas Dessas mobilizações surgiu o Comitê Sulista de Coordenação Não Violenta SNCC em inglês organizado por estudantes e ativistas como Stokely Carmichael Ella Baker e Bob Moses O Congresso da Igualdade Racial CORE um antigo grupo do Norte que tinha lutado contra a discriminação no emprego desde a Segunda Guerra Mundial passou a organizar viagens da liberdade em 1961 transportando negros e brancos do Norte em ônibus interestaduais para simbolicamente quebrar a segregação no transporte público O SNCC organizou protestos semelhantes entre 1961 e 1964 que culminaram no Verão da Liberdade de 1964 quando universitários brancos e negros do Norte viajaram para o Sul para ajudar os negros de lá a tirarem título eleitoral A política inclusiva e democrática do SNCC e sua cultura de protesto usando canções comícios e outras práticas de solidariedade ajudaram a forjar um sentimento de comunidade e abrandar o medo gerado pela resposta violenta dos brancos A coragem e o humanismo universal dos movimentos por direitos civis influenciariam lutas semelhantes nos Estados Unidos como as do Movimento do Índio Americano e as de comunidades latinoamericanas na Califórnia e Nova York Internacionalmente os católicos da Irlanda do Norte adotariam as políticas e canções dos negros americanos nas suas lutas contra os britânicos no fim dos anos 1960 As mobilizações atingiram seu ápice em 1963 de junho a agosto o Departamento de Justiça documentou mais de 1412 manifestações distintas em uma semana de junho mais de 15 mil americanos foram presos por conta de protestos em 186 cidades Em agosto de 1963 uma passeata conhecida como Marcha de Washington trouxe até a capital 200 mil manifestantes para ouvir Luther King em seu famoso discurso Eu tenho um sonho Ativistas por direitos civis continuaram a longa tradição de intelectuais negros ao se preocupar com políticas internacionais como o anticolonialismo RUPTURAS DO CONSENSO 245 na África ironizando na sua literatura como fez o escritor James Baldwin por exemplo que muitos países africanos ganhariam independência antes que afroamericanos pudessem comprar uma xícara de café numa lanchonete para brancos Jovem manifestante por direitos civis 1963 Foto da Marcha por Emprego e Liberdade em Washington no dia 28 de agosto de 1963 Policiais políticos locais e a grande maioria da população branca do Sul responderam às reivindicações que abalavam seu poder com brutalidade Militantes em passeatas foram atacados pela polícia e por brancos contrários milhares foram espancados e presos Igrejas negras sofreram atentados e ativistas foram assassinados Em abril de 1963 Luther King organizou uma série de protestos não violentos em Birmingham Alabama Em frente às câmeras da televisão nacional o chefe de polícia da cidade supervisionou pessoalmente ataques contra a manifestação prendendo centenas de pessoas e usando cachorros de ataque gás lacrimogêneo aparelhos de choque elétrico e jatos de água contra os manifestantes inclusive crianças e idosos A cobertura de eventos como esse na mídia chocou a nação e teve impacto importante no apoio crescente de brancos e negros em favor de direitos civis e no próprio governo que foi forçado a agir HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 246 De acordo com a memória coletiva os presidentes Kennedy e Johnson bem como a polícia federal o FBI eram simpáticos à luta antiracista Mississipi em chamas 1988 filme que conta a história dos assassinos dos ativistas James Chaney Andrew Goodman e Michael Schwerner retrata como heróis o FBI e o governo federal Nada pode estar mais longe da verdade Os irmãos Kennedy eram altamente acautelados desprezando os movimentos militantes e seus líderes inclusive King e relutantemente oferecendo poderes federais para proteger os ativistas no Sul geralmente tarde demais e com forças insuficientes Assessores de Kennedy interferiram na Marcha de Washington censurando discursos militantes e vetando ações mais radicais Ao contrário do filme o FBI ignorou muita violência racial e somente interveio quando detectou grande ameaça à estabilidade social Além disso o chefe do FBI o veterano anticomunista e racista J Edgar Hoover fez uma campanha clandestina contra King grampeando seus telefones e o chantageando além de enviarlhe uma carta anônima sugerindo que se suicidasse Um relatório do Senado em 1976 concluiu que o FBI tentou destruir Luther King Pressionado por ativistas e simpatizantes do movimento e preocupado com os efeitos negativos das crises raciais na opinião mundial o governo de Johnson estabeleceu vários atos legislativos em 19641967 proibindo discriminação no emprego nos serviços públicos e nas eleições A partir desse ponto então o fim da discriminação econômica e da pobreza entre os negros passou a ser o principal objetivo do movimento Luther King propôs a criação de uma legislação em favor dos pobres e introduziu a questão da ação afirmativa para negros Os veteranos ativistas A Philip Randolph e Bayard Rustin propuseram um Orçamento de Liberdade US 100 bilhões seriam destinados em 10 anos a criar empregos e desenvolver os bairros pobres Esta última não saiu do papel mas serviu como uma importante reivindicação simbólica Campanhas locais feitas por sindicatos conseguiram a implantação de alguns programas de ação afirmativa em empresas E finalmente os abusos mais extremos de discriminação formal acabaram desmantelados Outras campanhas econômicas porém faliram como O Movimento pela Liberdade em Chicago liderado por Luther King que enfrentou forte violência de residentes brancos e a oposição da prefeitura democrata de Richard J Daley e não conseguiu atrair suficiente apoio entre negros Os ganhos econômicos ficaram restritos aos programas sociais de Johnson conhecidos popularmente como a Guerra contra a pobreza e aos programas de ação afirmativa implementados por ele em 1965 que se estenderiam em 1975 a todas as instituições que recebessem dinheiro ou fizessem negócios RUPTURAS DO CONSENSO 247 com o governo federal Influenciadas pelas ações do governo federal muitas universidades e até algumas empresas também implementaram programas de ação afirmativa e sistemas de cotas na década de 1970 A frustração com os limites e a lentidão das mudanças e as animosidades enraizadas em séculos de opressão foram o caldo de cultura dos 341 motins urbanos de negros em 265 cidades que explodiram entre 1963 e 1968 Reação à brutalidade da polícia foi freqüentemente a causa imediata dos distúrbios que mataram 221 pessoas e deixaram dezenas de milhares presos a maioria negros As limitações da legislação formal a miséria econômica contínua a insatisfação com a política de cooptaçãorepressão e a influência de correntes políticas esquerdistas deram origem à segunda fase do movimento negro Ativistas negros ampliaram seu discurso político criticando não somente a discriminação mas também a exploração econômica e a política internacional norteamericana Nos seus dois últimos anos da vida King radicalizou definindo transformação social em termos econômicos combatendo a pobreza e a falta de poder inclusive entre muitos brancos e fazendo críticas cáusticas à Guerra do Vietnã Não é surpresa ter sido assassinado em Memphis em 1968 durante uma visita de apoio a uma greve de trabalhadores negros Sindicalistas negros e socialistas como Grace Lee e James Boggs em Detroit tiveram um papel importante em ligar as lutas contra racismo a questões econômicas nas fábricas e ao imperialismo norteamericano Nos anos 1970 a Liga Revolucionária de Trabalhadores Negros teve algum sucesso em organizar metalúrgicos negros em várias fábricas automobilísticas Muitos outros negros abraçaram a Nação do Islã um movimento político e religioso muçulmano que pregava ideais militantes de autoajuda e separatismo O nacionalismo negro se fortaleceu com a crescente popularidade de Malcolm X um exlíder da Nação do Islã que argumentava em favor da autodefesa contra a violência racista Defendia também a valorização das tradições afroamericanas o apoio a movimentos revolucionários no Terceiro Mundo e eventualmente coalizões progressistas multirraciais Conforme se pode ver na biografia cinematográfica feita pelo diretor Spike Lee 1992 Malcolm X veio a ser tão popular nas comunidades negras quanto Luther King de quem ele se aproximou antes de também ser assassinado em 1965 Movimentos black power poder negro emergiram na segunda metade da década no encalço de Malcolm X combinando nacionalismo cultural que valorizava tradições afroamericanas e luta militante contra a discriminação racial O Partido dos Panteras Negras fundado por HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 248 universitários negros na Califórnia em 1968 apelou para a autodefesa armada contra policiais racistas e fez alianças com progressistas brancos contra a guerra a exploração e a opressão social de todo o tipo Os panteras ganharam bastante popularidade nos bairros negros das cidades grandes com sua política de orgulho negro sua propaganda militante e seus programas de assistência social voltados à comunidade Um relatório do FBI elaborado em 1970 relata que 25 da população negra tem grande respeito pelos panteras negras incluindo 43 de negros com menos de 21 anos de idade Justamente por causa dessa popularidade ampla a organização foi esmagada brutalmente entre 1969 e 1971 pelo FBI com muitos dos seus líderes assassinados ou presos em ações policiais Na frente cultural as canções populares e religiosas do movimento por direitos civis passariam a inspirar um grande número de artistas que trataram dos temas poder negro e orgulho da raça em gêneros musicais como o soul o rhythm and blues e o funk Essas linguagens sustentaram a energia dos movimentos por direitos civis e black power Os artistas mais politizados como Gil Scott Heron e Solomon Burke ligaram suas músicas diretamente aos movimentos sociais Outros por sua vez adotaram um hibridismo cultural social e intelectual que misturou tradições africanas e afroamericanas simbolizado pela ampla adoção de nomes africanos especialmente entre ativistas pela proliferação dos estudos africanos e afroamericanos nas universidades e pela imensa popularidade uma audiência de 80 milhões da minissérie de televisão Raízes 1977 do escritor afroamericano Alex Haley que conta a história de sete gerações da sua própria família das origens na África Ocidental aos Estados Unidos dos anos 1970 Ao final das contas os ganhos dos movimentos negros dos anos 1960 e 1970 foram contraditórios Havia mais rostos negros nas manifestações culturais nos esportes profissionais e na política Negros podiam comer em restaurantes hospedarse em hotéis e usar serviços públicos No Norte e no Sul escolas em áreas de população misturada acabaram com a política de segregação Ações afirmativas e particularmente cotas raciais permitiram que mais negros ingressassem nas universidades e no funcionalismo público Negros de classe média chegaram a exercer poder político em muitas cidades grandes No governo federal presidentes Johnson e Nixon indicaram alguns negros para posições importantes e criaram programas para empresários negros A classe média negra se expandiu RUPTURAS DO CONSENSO 249 Mas como o New York Times relatou em 1977 mesmo onde negros ocupam posições de poder político brancos sempre retêm o poder econômico A maioria dos negros permaneceu desproporcionalmente pobre Em 1977 a renda da família negra era somente 60 da família branca Desindustrialização reestruturação econômica e políticas federais alargaram os guetos pobres cujos residentes sofreram com moradia educação e serviços públicos de baixa qualidade e com a violência e a ação das gangues que brotaram da miséria econômica e do desespero social Comentou o New York Times em 1978 a respeito dos lugares em que tinha havido motins urbanos nos anos 1960 com algumas exceções têm mudado pouco e as condições de pobreza se expandiram na maioria das cidades A NOVA ESQUERDA A LIBERDADE SEXUAL E A CONTRACULTURA A nova esquerda referese a uma variedade de movimentos sociais nos anos 1960 caracterizados por valorização da juventude idéias antielitistas e ênfase no combate à hipocrisia e à alienação da sociedade americana em detrimento da preocupação com luta de classes e miséria econômica Seria um erro demarcar demais as diferenças entre a velha esquerda associada a sindicatos à classe trabalhadora e ao socialismo e os novos movimentos pois houve algumas continuidades em pessoal ideais estratégias e táticas A nova esquerda porém tendia a atuar entre os estudantes e os grupos e povos oprimidos como negros e vítimas do imperialismo americano alimentando movimentações contra a Guerra do Vietnã pelos direitos estudantis nas universidades e por maior liberdade individual na vida cotidiana Enfatizava a democracia participativa a espontaneidade e as ações diretas tendências táticas e estratégicas que caracterizavam movimentos sociais no mundo inteiro na época O grupo mais importante era o Estudantes para Uma Sociedade Democrática SDS em inglês a organização nacional de estudantes fundada em 1962 Produtos do baby boom e da expansão da educação superior muitos estudantes fortemente inspirados pelos movimentos negros começaram a organizar sua solidariedade para com a luta por direitos civis o desenvolvimento econômico em comunidades pobres e especialmente o movimento contra a Guerra do Vietnã O SDS chegou a ter seções em milhares de faculdades com dezenas de milhares de afiliados e trabalhou com muitos outros grupos HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 250 A primeira grande mobilização do movimento estudantil ocorreu na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1964 a favor do direito de estudantes organizarem atividades políticas no campus Nos anos seguintes o SDS e outras organizações montaram campanhas nacionais contra a guerra e contra o serviço militar obrigatório Cerca de 50 mil jovens americanos fugiram para o Canadá para escapar ao serviço militar Até 1968 manifestações motins e ocupações foram comuns em faculdades por todo o país Várias grandes manifestações nacionais feitas em Washington entre 19671970 inflamavam a oposição à guerra quebrando o consenso político nacional e enfraquecendo a resolução dos governos de continuar o conflito Gradualmente artistas políticos locais muitos sindicalistas jornalistas esportistas e até empresários passaram a ser contra a guerra por razões morais políticas ou por causa da instabilidade social gerada por ela O boxeador Muhammad Ali recusouse a servir o exército no que chamou de guerra dos homens brancos explicandose Nenhum vietnamita já me chamou de preto Em 1971 61 da população se opôs à guerra Pesquisas na época mostraram que os setores menos escolarizados e mais pobres foram inicialmente muito mais contrários à guerra do que a classe média Todos os movimentos negros se juntaram aos protestos contra a atuação dos EUA no Vietnã bem como muitos latinoamericanos afinal jovens negros latinos e brancos pobres eram recrutados despropor cionalmente pelas Forças Armadas Os protestos antiguerra desembocaram na ampla desobediência entre militares e no envolvimento de veteranos nos movimentos Mais de 50 jornais alternativos contra a guerra circularam em bases militares nos Estados Unidos em 1970 O número de desertores quase dobrou de 47 mil em 1967 para 90 mil em 1971 O Pentágono reportou que 209 oficiais foram mortos pelos seus próprios soldados somente em 1971 e que numerosos soldados desobedeceram ordens O jornal francês Le Monde comentou em 1970 que é comum ver o soldado negro com seu punho esquerdo levantado em desafio a uma guerra que ele nunca considerou sua O movimento Veteranos do Vietnã Contra a Guerra liderado por Ron Kovics cuja história inspiradora seria narrada no filme Nascido em 4 de julho trouxe significativa autoridade moral ao movimento antiguerra O clima de protesto criado pelos movimentos contra a guerra e por direitos civis inspirou outros grupos oprimidos a se organizarem no seu próprio interesse mais notavelmente o movimento feminista RUPTURAS DO CONSENSO 251 Mulheres constituíram 40 da mãodeobra economicamente ativa em 1970 mas ainda sofriam de discriminação no emprego na família e na sociedade como um todo A atmosfera tumultuada da década de 1960 criou condições para o ressurgimento do feminismo e de lutas contra descriminação sexual Como no movimento feminista do período da Primeira Guerra Mundial na nova fase houve várias tendências Em 1966 a escritora feminista Betty Friedan fundou a Organização Nacional de Mulheres NOW que se devotou à obtenção da igualdade sexual plena em todos os aspectos da sociedade adotando os convencionais lobbies para obter legislação e aliandose a políticos do Partido Democrata simpáticos a sua causa Mulheres nos movimentos estudantis por direitos civis e antiguerra começaram criticar o machismo de colegas ativistas homens e a falta de mulheres na liderança dos movimentos Feministas radicais surgiram em 1968 ampliando suas críticas às instituições tradicionais do casamento da família e às relações heterossexuais Revistas e jornais feministas espalharamse Mulheres cada vez mais se destacaram na cultura pop na mídia nas universidades e nas políticas públicas Já nos anos 1960 vários atos legislativos proibiram a discriminação sexual no emprego e em 1973 por decisão da Suprema Corte o aborto foi legalizado no país No encalço dessas vitórias feministas outros grupos questionaram publicamente valores sexuais dominantes na sociedade Lésbicas e gays organizaramse em movimentos para a liberação gay Sua referência mais marcante foi a sublevação contra a repressão policial ocorrida no bar Stonewall em Nova York em 1969 Como acontecia com o movimento feminista ativistas lésbicas e gays estavam dando continuidade às políticas e práticas de formação de comunidade iniciadas por ativistas durante e logo depois a Segunda Guerra Mundial Os anos 1960 e 1970 viram também uma série de rebeliões de base com muitas greves direcionadas aos patrões ao governo e até à liderança sindical como a greve de 200 mil trabalhadores dos correios em 1970 Movimentos de base de mineiros e de caminhoneiros criticaram a burocracia a corrupção e o conservadorismo dos seus líderes sindicais conseguindo democratizar alguns aspectos do movimento sindical ligados às suas atividades profissionais Nessa atmosfera de inúmeras bandeiras democráticas e cidadãs ambien talistas movimentaramse contra a preocupante destruição do meio ambiente HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 252 Igrejas professores estudantes e ativistas por direitos humanos organizaram campanhas de solidariedade para com as vítimas de ditaduras no Brasil no Chile e na Argentina Os movimentos sociais dos anos 1960 moldaram e foram influenciados por novos desenvolvimentos culturais Críticas aos valores e convenções da classe média foram expressas em novos estilos de vida O mais famoso exemplo é dos hippies que usaram roupas rústicas cabelos compridos e drogas rejeitando a banalidade da sociedade moderna expressando desejos sexuais e instintos individuais mais livremente e procurando refúgio numa vida mais simples e pacífica seja em bairros boêmios como o HaightAshbury em São Francisco seja em comunas rurais que se espalharam pelo país Poucos abraçaram essa vida completamente mas muitas dessas novas práticas sociais refletiramse em correntes culturais na sociedade como um todo O espírito da rebeldia encontrou espaço na literatura no jornalismo nas artes plásticas no cinema e até na televisão mas foi a música popular que expressou mais brilhantemente as correntes políticas e sociais do período Desenvolvimentos na música popular na época contavam com uma dinâmica interna própria de expressão estética e exigências de sucesso comercial mas processos sociais e políticos mais amplos influenciaram a inovadora expressão musical da época O centro criativo da efervescência da música popular brotou nos compromissos políticos e sociais contra a alienação o militarismo e o racismo Artistas folk como Bob Dylan Joan Baez Pete Seeger Phil Ochs e Judy Collins cresceram junto com os movimentos e suas músicas de protesto eram hinos das manifestações da época Bob Dylan cuja principal fonte de influência era o compositor comunista dos anos 1930 e 1940 Woody Guthrie constituiu uma ligação entre as tradições radicais da música folk e a nova geração de protesto O rock and roll uma fusão criativa das antigas tradições americanas negras e brancas de blues jazz e folk tornarseia a forma mais popular da música nos Estados Unidos e em várias outras partes do mundo na época Naqueles anos agitados refletia e expressava os impulsos pela liberação pessoal e da comunidade que permeavam a contracultura bem como a frustração e a rebeldia juvenil A invasão inglesa dos Beatles Rolling Stones The Who e Led Zeppelin bandas que baseavam suas composições em grande parte na música blues trouxe de volta aos Estados Unidos os ritmos fortes a sensualidade e a agressividade característicos do rock and RUPTURAS DO CONSENSO 253 roll Mesmo entre os músicos menos politizados houve uma predisposição a rebelarse contra as conformidades sociais e cruzar fronteiras raciais sociais regionais ou sexuais A apaixonada e violenta versão do hino nacional executada por Jimi Hendrix no famoso festival de música de Woodstock em 1969 deu expressão à revolta e à confusão reinantes na juventude A canção Mercedes Benz na voz de Janis Joplin ridicularizava o consumismo ao mesmo tempo em que afirmava o desejo de se tornar rico rezando a Deus por um Mercedes Benz pois todos dirigem Porsches eu preciso me compensar Eventualmente nas palavras do historiador Bryan Palmer esses impulsos do rock se despedaçariam numa autoreferência niilista e em introspecção obscura Drogas e comercialização eclipsariam o gênio criativo do rock cada vez mais incorporado aos canais convencionais Em muitos aspectos o recuo do espírito opositor do rock and roll acompanhou o declínio dos movimentos sociais a nova crise econômica e a retomada do poder por parte de políticos conservadores no fim dos anos 1970 A CONTRAOFENSIVA CONSERVADORA Historiadores chamam os anos 1960 de a longa década pois muito da mudança social e cultural dessa década foi sentido ao longo dos anos 1970 Fazendo campanhas em 1968 e 1972 para restaurar a lei e a ordem o presidente Nixon não obstante continuou algumas das iniciativas liberais que tinham marcado os governos Kennedy e Johnson Nixon e seu sucessor Gerald Ford queriam acabar com as heranças do New Deal mas números expressivos continuaram apoiando o Estado presente e atuante Apesar de contar com novos membros apontados por Nixon a Suprema Corte acelerou a expansão das noções de igualdade cidadania e proteção da liberdade individual iniciada nos anos 1950 A retirada das últimas tropas americanas do Vietnã e a renúncia do presidente Nixon por abuso de poder em 1974 marcaram o ápice da crise de autoridade nos Estados Unidos Americanos nunca tinham desfrutado de tantas liberdades sociais e individuais Porém as estruturas da economia capitalista permaneceram intactas e como sempre estavam vulneráveis à instabilidade O aumento súbito do preço de petróleo em 1973 deu margem a uma crise econômica com inflação e reestruturação industrial transtornando as certezas econômicas do período pósguerra A cada ano entre 1973 e 1981 a renda de trabalhadores diminuiu 2 e o poder aquisitivo em geral baixou ao nível de 1961 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 254 Presidente Richard Nixon deixa a Casa Branca em agosto de 1974 depois de renunciar por causa do escândalo conhecido como Watergate Nixon foi oficialmente perdoado pelo presidente Gerald Ford no mês seguinte RUPTURAS DO CONSENSO 255 Os movimentos sociais se desmobilizaram depois dos ganhos iniciais ou se enfraqueceram por causa de divisões internas e da retomada da repressão por parte das autoridades Mesmo depois do fracasso no Vietnã os Estados Unidos mantiveram sua postura imperialista intervindo em vários países para impedir ameaças a sua hegemonia políticoeconômica Nem todos os americanos nos anos 1960 haviam apoiado a expansão das liberdades No fim dos anos 1970 uma nova direita surgiu e lançou um projeto feroz para restabelecer a autoridade social MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 19802000 A crise econômica mundial de 1973 provocou a conversão rápida de economistas políticos e jornalistas americanos em fortes defensores da economia livre Diferentemente dos políticos liberais dos anos 1930 em diante os governos republicanos de Ronald Reagan 19801988 George Bush Sr 19881992 e do democrata Bill Clinton 19922000 reagiram às preocupantes recessões com políticas neoliberais retirada do Estado da regulação da economia e cortes nos programas sociais Uma nova direita passou a dominar a vida intelectual cultural política e grandes setores da mídia norteamericana especialmente depois da queda do muro de Berlim em 1989 Ocorreram com freqüência intervenções norteamericanas robustas na América Latina Ásia e Oriente Médio nas décadas de 1980 e 1990 Nestas intervenções liberdade veio a ser redefinida como nos anos 1920 e 1950 o direito de o capitalismo norteamericano florescer livremente Diante das dificuldades de conseguir lucros no mesmo nível de antes e das pressões da competição global as corporações introduziram novos métodos de produção e gerenciamento para melhorar a produtividade resultando em reduções em salário e mais desemprego Uma minoria pequena no topo da sociedade enriqueceu enquanto grande parte da população viu sua renda estagnar ou declinar Muitos ganhos econômicos e sociais do boom econômico do período pósguerra foram gradualmente minados bem como as aberturas culturais dos anos 1960 colocando os sindicatos e os movimentos sociais na defensiva HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 258 A ERA DO NEOLIBERALISMO Neoliberalismo foi a resposta das elites econômicas e políticas à crise dupla que emergiu nos anos 1970 Primeiro o capitalismo americano enfrentou uma crise de acumulação isto é a diminuição das taxas de lucro obtidas depois da Segunda Guerra Mundial Segundo os movimentos sociais dos anos 1960 ameaçaram os detentores do poder Empresários e políticos criaram então um consenso político no fim dos anos 1970 compartilhado por democratas e republicanos e apoiado intelectualmente por fundações lobbies e institutos educacionais de direita e grandes setores da mídia centrado na privatização de muitos serviços públicos na retirada do Estado de muitas áreas de previdência social e na desregulamentação da indústria Eleito presidente em 1980 o exator de Hollywood Ronald Reagan aproveitouse do discurso da liberdade americana para criticar programas sociais e econômicos voltados a trabalhadores e pobres argumentando que a prosperidade do país dependia da saúde de empresas e defendendo seu direito de funcionar com mercados livres e baixos impostos Assim impostos foram cortados em 25 e regulamentações da economia do meio ambiente e do direito do consumidor foram desmanteladas Cortes sucessivos nos programas sociais voltados para a população carente caminharam ao lado de acordos de livre comércio negociados em nível internacional para abolir restrições à expansão de mercados internacionais Divisões políticas entre os republicanos e democratas continuaram durante os governos de Reagan Bush e Clinton relativas a detalhes e ao grau de neoliberalismo mas ambos os partidos defenderam a necessidade de reduzir gastos sociais e remover obstáculos ao desenvolvimento das empresas De fato os cortes da previdência social feitos por Clinton nos anos 1990 foram mais drásticos do que aqueles promovidos pelos governos republicanos Em 1994 Clinton declarou que a era do governo grande acabou não obstante a existência de uma enorme dívida do governo federal no ano 2000 devido a crescentes gastos militares e à queda na arrecadação por conta da redução de impostos As corporações aproveitaramse das recessões das pressões da competição global e das políticas conservadoras para abater o custo de seus negócios resultando num ataque frontal aos direitos trabalhistas e aos sindicatos A norma do período pósguerra para a negociação de novos MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 259 contratos entre capital e trabalho com aumentos de salário e melhorias de condições e benefícios foi substituída por um sistema de eliminação de benefícios e diminuição de salários As empresas em geral resistiam vigorosamente a campanhas de sindicalização com a intimidação de ativistas enquanto seus gerentes negociavam duramente com os sindicatos existentes A demissão de 11 mil controladores de vôo pelo presidente Reagan em 1981 durante uma greve considerada ilegal estabeleceu o padrão Grandes empresas como Hormel International Paper Greyhound e Caterpillar beneficiaramse de greves longas para incapacitar e quebrar sindicatos usando permanentemente trabalhadores substitutos protegidos pela polícia Nesse ambiente econômico trabalhadores tornaramse mais dispostos a aceitar contratos com concessões e relutantes em fazer greve Em 2000 somente 135 da mãodeobra nacional era sindicalizada aproximadamente o mesmo nível de 1930 Empresas também enfraqueceram sindicatos lograram reduções em salários e disciplinaram seus trabalhadores por meio da ameaça de fechar fábricas ou mudar negócios para outras regiões ou países Uma onda de fechamentos de fábricas ocorreu nas regiões tradicionais de indústria no meiooeste e nordeste do país nas décadas de 1970 e 1980 Na indústria automobilística o número de empregos permanentes caiu de 940 mil em 1978 para 500 mil em 1982 A crescente mobilidade transnacional de bens e capital contribuiu para essa tendência A competição estrangeira reduziu as vendas de produtos feitos nos Estados Unidos e muitas empresas mudaram a produção para outros países ou compraram peças e produtos de vendedores internacionais A historiadora Dana Frank argumenta que ironicamente os sindicatos estavam colhendo os frutos do seu apoio a uma política externa anticomunista que permitiu que as multinacionais norte americanas montassem operações em muitos países com poucos direitos trabalhistas e mãodeobra barata Houve entretanto períodos de crescimento econômico e criação de empregos nas décadas de 1980 e 1990 mas recessões continuaram perturbando a economia americana ameaçando os poucos ganhos sociais conquistados Além disso em vez de montar carros ou eletrodomésticos o típico emprego novo consistia em fritar batatas no McDonalds ou vender roupas no shopping freqüentemente em tempo parcial ou com contrato temporário HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 260 As 10 maiores cidades nos Estados Unidos 19602005 Note o declínio populacional relativo das cidades do Nordeste e MeioOeste na região hoje conhecida como o Cinturão de Ferrugem e o impressionante aumento da população nas cidades de Califórnia Texas e Arizona assim como Los Angeles Phoenix e Houston San Antonio San Diego Dallas e San Jose no chamado Cinturão do Sol 1960 1980 2005 Cidade Pop Cidade Pop Cidade Pop 1 Nova York 7781984 Nova York 7071639 Nova York 8143197 2 Chicago 3550404 Chicago 3005072 Los Angeles 3844829 3 Los Angeles 2479015 Los Angeles 2966850 Chicago 2842518 4 Filadélfia 2002512 Filadélfia 1688210 Houston 2016582 5 Detroit 1670144 Houston 1595138 Filadelfia 1463281 6 Baltimore 939024 Detroit 1203339 Phoenix 1461575 7 Houston 938219 Dallas 904078 San Antonio 1256509 8 Cleveland 876050 San Diego 875538 San Diego 1255540 9 Washington 763956 Phoenix 789704 Dallas 1213825 10 St Louis 750026 Baltimore 786775 San Jose 912332 Fonte US Census Bureau Os números de 2005 são estimativas Desde os anos 1970 trabalhadores têm produzido mais e ganhado menos nos EUA Em 1992 um trabalhador típico trabalhava 163 horas a mais por ano que em 1972 o que representa quase um mês a mais de trabalho ao ano O salário mínimo em 1998 valia 22 menos que em 1968 As divisões marcantes de classe supostamente erradicadas no boom econômico voltaram como uma vingança As 5 famílias mais ricas testemunharam um aumento de 64 na renda entre 1979 e 2000 60 das famílias não tiveram alteração somente porque mulheres entraram no mercado de trabalho o que compensou as perdas e 20 das famílias sofreram uma perda na renda Em 1965 executivos de corporações ganhavam vinte vezes mais do que um trabalhador da indústria em 1989 a razão havia triplicado para 561 em 1997 já era 1161 O NOVO IMPERIALISMO A derrota dos Estados Unidos no Vietnã feriu o orgulho das elites políticas e econômicas Mas o fim do sistema colonial no período pósguerra não significou o desaparecimento do imperialismo americano Seu principal objetivo sempre foi o de abrir oportunidades de investimento às corporações americanas utilizando seu vasto poder econômico e militar para controlar outros MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 261 países e conter a ameaça de inimigos que no período da Guerra Fria eram a União Soviética e qualquer país que se aproximasse direta ou indiretamente da esfera de influência comunista Esse objetivo se tornou mais crucial no contexto de crise econômica e globalização entre 1970 e 2000 Sob Reagan Bush e Clinton o império contraatacou a síndrome do Vietnã numa nova série de intervenções diplomáticas militares e econômicas no mundo Anticomunista feroz o presidente Reagan ocupou a Casa Branca com intenções de acelerar a contenção do comunismo mundial e parou os avanços na área do desarmamento nuclear que governos americanos tinham negociado nos anos 1970 Propôs um ambicioso programa chamado Guerra nas Estrelas o uso de lasers e satélites para proteger os Estados Unidos de mísseis soviéticos A União Soviética viu essa iniciativa como agressão recusandose a prosseguir nas negociações sobre armas nucleares A oposição massiva de europeus e americanos ao acirramento das relações entre os dois superpoderes em 1982 na maior manifestação da história do país dois milhões protestaram em Nova York contra armas nucleares resultou na retomada de negociações em 1983 A União Soviética cuja influência econômica e política sempre foi deliberadamente superestimada pelas forças da inteligência norteamericana para justificar a Guerra Fria sucumbiu no fim dos anos 1980 à crise econômica e à divisão política interna deixando os Estados Unidos sem seu maior inimigo Antes disso a guerra fria contra o comunismo teve continuidade na chamada Doutrina Reagan uma política de ajuda aos movimentos anticomunistas no Terceiro Mundo chamados guerreiros da liberdade pelos presidentes Carter e Reagan Tais guerreiros incluíram exapoiadores do genocídio de Pol Pot no Camboja e a guerrilha direitista em Angola Não é surpresa o fato de o governo americano não ter considerado na sua definição de liberdade legítimos os movimentos contra o apartheid na África do Sul nem forças contrárias a ditaduras próamericanas como por exemplo as da América Central De fato foi no quintal dos Estados Unidos o Caribe e a América Latina que a luta contra o comunismo foi mais fortemente travada por Reagan Em 1982 Reagan invadiu a ilha de Granada no Caribe cujo governo socialista queria implementar reformas Na América Central o governo americano treinou e bancou guerrilhas anticomunistas contra o governo socialista dos sandinistas na Nicarágua que derrubou o ditador pró americano Somoza em 1979 e providenciou assistência militar e econômica aos governos e às forças militares de El Salvador e da Guatemala Em 1989 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 262 presidente George Bush Sr invadiu brutalmente o Panamá para demolir o governo de um exaliado Manuel Noriega que contrariara os interesses dos Estados Unidos Essas últimas intervenções da Guerra Fria na região foram altamente sangrentas centenas de milhares de civis foram mortos freqüentemente por esquadrões da morte cujos integrantes se formaram na Escola das Américas um centro de treinamento contra insurgência montado pelos Estados Unidos primeiramente no Panamá e depois na Geórgia EUA A transição à democracia nos países da América Central nos anos 1990 foi administrada por governos norteamericanos garantindo regimes favoráveis aos seus interesses na região Contrariando o argumento de que o Estado nacional perdeu sua impor tância no contexto de globalização as multinacionais sediadas nos Estados Unidos dependiam cada vez mais do poder econômico e militar do Estado americano para garantirlhes mercados desimpedidos O FMI e o Banco Mundial uma vez criticados pelos neoliberais por serem obstáculos à expansão do livre mercado forçaram muitos países inclusive Argentina Brasil Chile e Uruguai a aceitarem programas de ajustamento estrutural em troca do alívio de dívidas Debaixo da propaganda de criar novos paradigmas de desenvolvimento o FMI e o Banco Mundial serviram como fiadores dos empréstimos lucrativos dos bancos americanos Semelhantemente os Estados Unidos utilizaram as negociações sobre comércio mundial para impor sua hegemonia de livrecomércio o que justificou que outros países procurassem proteger seus próprios capitalistas Basta enfatizar que os beneficiados dessas políticas externas dos Estados Unidos também incluíram elites locais que se aproveitaram do neoliberalismo para se enriquecer e consolidar seu poder político Os maiores problemas internacionais enfrentados pelos Estados Unidos nos anos 1980 foram a perda do Irã depois da revolução popular que derrubou o xá em 1979 e a tomada do Afeganistão pela União Soviética no mesmo ano A CIA lançou a maior guerra secreta da história no Afeganistão recrutando fundamentalistas islâmicos para lutar contra a União Soviética O apoio dado aos grupos AlQaeda e Talibã que conseguiram ao final vencer os soviéticos e estabelecer um regime religioso antidemocrático mais tarde assombraria os Estados Unidos O regime clientelista do Irã foi central nas décadas de 1960 e 1970 no que se refere à estratégia dos Estados Unidos de segurar reservas de petróleo na região do Golfo Pérsico A Doutrina Carter baseada na Doutrina Monroe foi desenhada para estender a hegemonia militar dos Estados Unidos na região MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 263 Comentou a revista Business Week em 1980 que os Estados Unidos tinham que desenvolver uma geopolítica mineral como resposta a movimentos políticos locais que desafiavam os interesses econômicos americanos no mundo O governo Reagan reorganizou as forças armadas criando um Comando Central especificamente responsável pelo Oriente Médio que atuou ao lado do Iraque na guerra contra o Irã nos anos 1980 contra o Iraque na primeira Guerra do Golfo em 1991 contra o regime Talibã na guerra do Afeganistão em 2001 e novamente contra o Iraque em 2003 A Nova Ordem Mundial dos anos 1990 foi uma hierarquia complexa de Estados e interesses econômicos lutando por influência Os Estados Unidos não foram os únicos imperialistas mas ficaram firmemente no topo da hierarquia especialmente depois da queda do regime soviético A NOVA DIREITA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS Permaneceram alguns dos direitos políticos formais conquistados nos anos 1960 e 1970 por mulheres negros e imigrantes como a proibição da discriminação racial e sexual na sociedade civil e nas políticas públicas A discriminação aberta contra mulheres minorias raciais gays e lésbicas tornouse bem mais rara na linguagem na cultura popular na mídia e na sociedade educada Mas o progresso em direitos sociais e a expansão de liberdades não seguiram uma trajetória linear mudanças econômicas fragmentação dos movimentos sociais novas contestações políticas e velhos problemas sociais também marcaram as décadas de 1980 e 1990 A população americana mudou nos anos 1980 e 1990 O declínio da taxa de fecundidade e o aumento na expectativa da vida produziram uma população relativamente velha com conseqüências para a economia e os serviços públicos Mais pessoas tornaramse dependentes da aposentaria e da saúde pública bem como dos hospitais e dos caros planos de saúde privados Uma grande porção dos americanos não tinha planos de saúde usando serviços médicos públicos e aumentando os gastos estatais nessa área Além disso a falta de trabalhadores jovens forçou os Estados Unidos a permitirem aumento da imigração no fim do século XX Depois da abolição de cotas raciais nas leis de imigração nos anos 1960 o número de imigrantes aumentou de forma constante Em 2000 10 da população do país havia nascido fora dos Estados Unidos A proporção da população de ascendência européia branca caiu para menos de 80 da população contra os 90 de HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 264 1950 Latinoamericanos e asiáticos foram os dois grupos de imigrantes mais numerosos até 1997 14 da população tinha ascendência latino americana e imigrantes da China Vietnã Tailândia Coréia Índia e Filipinas constituíam 4 da população Também havia mais de oito milhões de muçulmanos nos Estados Unidos em 2000 Cidades grandes como Los Angeles Nova York Chicago e Miami tornaramse cada vez mais multiculturais trazendo novas contribuições à sociedade americana e fomentando debates sobre o impacto dos novos americanos na educação no trabalho e na cultura A comunidade negra de classe média mostrou vários avanços na época devido às heranças do movimento por direitos civis dos anos 1960 Negros entraram nas profissões qualificadas em números mais expressivos e devido à ação afirmativa e a seu próprio esforço individual constituíram nos anos 1990 12 dos estudantes de ensino superior um aumento significativo comparado aos 5 no fim dos anos 1970 A proporção de negros que se formaram no ensino médio e que continuaram os estudos no ensino superior igualouse à dos brancos em 2000 embora mais negros que brancos proporcionalmente não conseguissem completar o ensino médio Ao mesmo tempo porém muitos programas de ação afirmativa nas universidades foram arrasados sob a pressão de desafios legais lançados por grupos discordantes No Sul em alguns municípios e estados até o poder político do voto negro foi minado Depois do Ato de Direito de Voto de 1965 vários governos municipais e estaduais controlados por brancos redesenharam os distritos eleitorais diminuindo a proporção de eleitores negros em determinadas áreas e portanto seu efetivo poder eleitoral Alguns também desqualificaram potenciais eleitores negros nos dias de eleição com procedimentos fraudulentos Em 1982 o Congresso aprovou um novo Ato de Direito de Voto que estabeleceu uma série de diretrizes igualitárias para o legítimo redesenho dos distritos baseado no princípio de equilíbrio racial dentro dos distritos Em 1993 na decisão Shaw contra Reno da Suprema Corte mais conservadora depois da nomeação de novos juízes por Reagan e George Bush Sr essa parte do Ato foi revogada proibindo o uso de qualquer critério racial na redefinição dos distritos Efetivamente isso deixou intactos numerosos distritos eleitorais no Sul que foram redesenhados para diluir a força eleitoral dos negros A Casa Branca de Bill MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 265 Clinton não contestou a decisão da Suprema Corte Ironicamente seu vicepresidente Al Gore perdeu a eleição para presidente em 2000 justamente por causa de fraudes que negaram a milhares de eleitores negros do estado da Flórida o direito de voto A manutenção dos resultados dessa eleição pela Suprema Corte mostrou como mesmo os direitos formais são frágeis no contexto de mudanças políticas e ideológicas A situação econômica nos guetos negros dos centros das cidades piorou ao longo dos anos 1970 e 1980 Um terço da população negra ficou abaixo da linha de pobreza sem recursos suficientes para educação e outros serviços públicos carente de emprego treinamento e oportunidade No fim dos anos 1990 a renda familiar branca ficou quatro vezes maior que a das famílias negras A estrutura familiar foi abalada somente 38 das crianças negras moravam em famílias biparentais em 2000 Um quarto das crianças negras vivia na pobreza A redução do estado de bemestar ao longo dos anos 1980 e 1990 também piorou as condições da vida de negros desproporcionalmente em relação aos brancos Frustração com o racismo ainda existente poucas oportunidades econômicas e violência policial provocaram vários motins urbanos desencadeados por questões raciais em Miami Nova York e outras cidades nos anos 1980 e 1990 Gráfico 2 Proporção da renda agregada nos EUA 19672001 Depois de uma série de recessões entre as décadas de 1970 e 2000 e políticas neoliberais os ricos ficaram mais ricos e os pobres ficaram mais pobres Fonte U S Census Bureau HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 266 Gráfico 3 Segregação residencial índice de dissimililaridade Apesar dos ganhos do movimento por direitos civis a segregação residencial nas maiores cidades dos Estados Unidos permanece alta O índice de dissimilaridade avalia se um grupo é distribuído numa área metropolitana da mesma maneira que um outro grupo Um valor igual ou maior a 60 é considerado alta dissimilaridade Significa que 60 ou mais dos membros de um grupo teriam que mudar para uma outra área da cidade para que os dois grupos ficassem distribuídos igualmente Valores entre 40 e 50 são moderados e menores ou iguais a 30 indica baixa dissimilaridade Fonte The State of Public Segregation American Communities Project Brown University O evento mais marcante nas relações de raça na época foi a rebelião urbana de Los Angeles em 1992 Em março de 1991 um motorista negro Rodney King foi parado na estrada e brutalmente espancado pela polícia Uma pessoa filmou o incidente que acabou amplamente divulgado pela mídia Os quatro policiais julgados pela violência foram absolvidos um ano mais tarde por um júri branco A população pobre de Los Angeles explodiu em reação por cinco noites seguidas multidões enfurecidas queimaram prédios saquearam lojas e lutaram contra a polícia Cinqüenta e oito pessoas morreram 23 mil ficaram feridas 95 mil foram presas mais de mil prédios foram destruídos e 10 mil danificados Os danos financeiros somaram US 1 bilhão MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 267 A rebelião em Los Angeles foi diferente de outros motins urbanos do século XX em três aspectos Primeiro a ira dos manifestantes foi alimentada não somente pelo racismo mas também pelo profundo malestar econômico que tinha germinado há décadas na cidade Preste atenção ao que essas pessoas estão roubando comentou na ocasião a poetiza Meri NanaAnna Danquah comida fraldas brinquedos Segundo as pessoas envolvidas na rebelião eram de origem diversa De acordo com a polícia de todos os presos 30 eram negros 37 latinoamericanos 7 brancos e 26 outra etnia ou desconhecida Terceiro além de atingir símbolos do poder público os participantes direcionaram muito da sua fúria contra lojistas coreanos instalados nos bairros pobres negros e latinoamericanos da cidade Como o historiador Mike Davis concluiu a sublevação de Los Angeles foi uma revolta social híbrida dos pobres multirraciais e um conflito interétnico refletindo simultaneamente os novos rumos e os velhos enigmas da sociedade americana De todos os ganhos dos anos 1960 as mudanças na vida das mulheres foram as mais profundas e irreversíveis As posturas dominantes sobre o papel e o direito das mulheres a sexualidade e a família se alteraram significativamente com certos valores da contracultura passando para o senso comum e com muitos estilos de vida tornandose aceitos pela população em geral Em 1980 mais da metade das mulheres casadas trabalhavam fora de casa a taxa de divórcio aumentara e atitudes mais liberais com relação à sexualidade prevaleciam Campanhas contra abuso sexual de mulheres e regulamentações contra o comportamento machista no funcionalismo público nas universidades e até em muitas corporações foram bem sucedidas e passaram a ser respeitadas Novamente a questão de classe complicava a questão de gênero mulheres de fato melhoraram a sua posição relativa aos homens mas em grande parte porque o salário dos homens havia diminuído A renda média das mulheres era de 54 com relação a dos homens em 1996 uma melhoria se comparada aos 39 de 1985 Entretanto as mulheres sofreram intensamente com os cortes nos serviços públicos especialmente muitas mães solteiras que se viram obrigadas sob as reformas de Clinton a trabalhar em serviços públicos tais como limpeza de parques e ruas o termo em inglês é workfare que é um jogo de palavras misturando work trabalho com welfare bemestar social ou fazer cursos de capacitação profissional em troca de previdência social Isso também minou os salários e o poder de barganha dos sindicatos de funcionários públicos cujos membros eram em boa parte mulheres HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 268 O Congresso e muitos estados também proibiram o uso de dinheiro público para custear abortos nos anos 1970 e 1980 reduzindo o acesso de mulheres pobres a esse serviço Gays e lésbicas aumentaram sua visibilidade na vida americana nessas décadas apesar da existência contínua de preconceitos Comunidades de gays e lésbicas foram consolidadas nas grandes cidades postas em evidência pelas passeatas anuais do Dia do Orgulho Gay que atraíram enorme público em cidades como Nova York e São Francisco Mas a violência física não era incomum e poucos ganhos legais foram de fato conquistados Nos anos 1980 e 1990 além disso os gays foram as primeiras pessoas a enfrentar a agonia da aids que matou mais de 427 mil americanos até 2000 As melhorias no tratamento da doença foram impressionantes mas não houve pleno acesso dos pobres aos avanços médicos Se é verdade que algumas das heranças dos anos 1960 permaneciam na sociedade americana de 2000 é também evidente que as ondas de protesto social tinham diminuído Os grandes movimentos sociais dos anos 1960 e 1970 se enfraqueceram por causa da repressão de novas pressões políticas e econômicas e das divisões internas Lutas contra a opressão entretanto não desapareceram continuando no nível local e às vezes atraindo atenção nacional e mobilização intensa como algumas grandes manifestações em Washington nos anos 1990 em resposta às ameaças ao direito de aborto Mas as políticas de identidade e separatismo cada vez mais comuns nos movimentos contra o racismo o machismo e a homofobia da época contribuíram para a fragmentação política e acirrados debates internos Diante de toda essa situação muitos se desiludiram e abandonaram a militância nos movimentos Diversos ativistas também passaram a se dedicar a políticas eleitorais e judiciais cujos representantes o Partido Democrata e o Judiciário pouco compromisso tinham com propostas de transformações sociais mais radicais Talvez a característica mais importante da passagem para o século XXI tenha sido o maior sucesso de uma nova força política oposta às mudanças dos anos 1960 em organizar e avançar seu projeto social A nova direita referese a um conjunto de correntes políticas intelectuais religiosas e culturais que surgiu nos anos 1950 e 1960 de várias fontes eleitores brancos dos subúrbios preocupados com os impostos e os valores de suas propriedades o término forçado da segregação racial e os excessos dos movimentos sociais dos anos 1960 intelectuais urbanos neoconservadores preocupados com a intromissão do Estado na economia e o declínio do MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 269 respeito à autoridade religiosos em grande parte cristãos evangélicos contrários aos novos valores sexuais e morais que emergiram dos anos 1960 e pessoas que compartilhavam várias dessas feições Desde os anos 1950 esses grupos defenderam políticas de lei e ordem a autonomia local cortes na previdência social a inviolabilidade da propriedade privada e a economia livre ideais freqüentemente relacionados a preocupações raciais isto é opondose à luta dos negros por direitos civis e econômicos Formaram a base de apoio para vários governos estaduais e municipais nos anos 1960 e 1970 como o do governador Ronald Reagan na Califórnia e de George Wallace no Alabama bem como desafiaram as máquinas federais eleitorais dos partidos Republicano e Democrata tentando quebrar o consenso liberal do New Deal Consolidaramse na década de 1980 com a eleição de Reagan e de Bush Sr bem como com a extensão da sua influência na mídia na vida intelectual e na cultura pop Os vários elementos da nova direita sagazmente construíram abastadas redes de mídia e fundações de pesquisa nos anos 1970 a 2000 para fazer avançar suas idéias conservadoras A Olin Foundation por exemplo bancou pesquisas relatórios publicações e programas de televisão e rádio com a intenção de criticar atitudes econômicas sociais e culturais liberais conter a influência da mídia liberal e influenciar eleitores e políticos Várias redes de televisão cristãs surgiram com programação focalizada nos valores familiares tradicionais e no jeito americano de viver Emergiram dessas redes dois poderosos líderes políticos Pat Robertson da Coalizão Cristã e Jerry Falwell da Maioria Moral Em 1980 mais de 70 milhões de americanos se descreveram como cristãos renascidos quase um terço da população total Enquanto alguns evangélicos consideravam sua religião a base para justiça social e racial a maioria se preocupou em combater a expansão de valores seculares e liberais na sociedade e cultura Defenderam o imperialismo americano a economia livre e a autonomia nas políticas locais Mas o combate pelo que diziam ser os valores cristãos se concentrou mais nos debates contra feminismo e os movimentos homossexuais Evangélicos criticaram o feminismo a homossexualidade o aborto o divórcio a falta geral de autoridade social e o ensino da Teoria da Evolução nas escolas Sua influência nas políticas dos anos 1980 e 1990 não foi pouca Nos anos 1970 uma mobilização de mulheres conservadoras já tinha derrubado a Emenda de Direitos Iguais aprovada pelo Congresso em 1972 para eliminar barreiras à participação plena de mulheres na vida pública Nos anos 1980 conservadoras religiosas lançaram campanhas contra o HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 270 aborto para muitos o pior pecado da revolução sexual chamando seu movimento de O Direito à Vida Conseguiram pressionar Reagan e Bush a impor restrições ao financiamento de abortos e até ao direito de médicos informarem pacientes da saúde pública a respeito do aborto Os grupos mais militantes do movimento organizaram piquetes e campanhas de desobediência civil diante das clínicas de aborto constrangendo e agredindo médicos e mulheres Vários médicos foram assassinados por extremistas e algumas clínicas sofreram atentados à bomba como é bem relatado no impressionante filme O preço de uma escolha 1996 estrelado por Cher Sissy Spacek Anne Heche e Demi Moore Reagan 19112004 um exator de Hollywood que cumpriu dois mandatos como Presidente tornouse símbolo da nova direita nos Estados Unidos Como Presidente entre 19811989 deu início à diminuição do estado de bemestar da regulação da indústria e dos impostos Porém sua agressiva política externa anticomunista e o conseqüente aumento das forças armadas resultaram numa enorme dívida pública de US 26 trilhões em 1988 MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 271 A MÍDIA CULTURA POP E GUERRAS DA CULTURA As novas tecnologias e as tendências conservadoras na política e na sociedade fortemente influenciaram a produção cultural do fim do século XX O computador pessoal a internet originalmente inventada para uso militar o email o VHS o DVD e a televisão paga usados regularmente em 2000 pela vasta maioria dos americanos revolucionariam muitos aspectos da vida cotidiana mas não transformam as estruturas da sociedade A promessa democrática das novas mídias foi eclipsada por objetivos mais amplos a busca de mercados e audiências lucrativas resultou na padronização e banalização da cultura que foi altamente susceptível aos ventos políticos da época A mídia seja nas formas convencionais da imprensa rádio e televisão seja na internet se consolidou em enormes conglomerações freqüentemente em combinação com corporações de outros setores A corporação General Electric por exemplo que produz de eletrodomésticos a armas nucleares é dona da grande rede de TV NBC Temendo a retirada dos seus patrocinadores e refletindo os valores dominantes dos governos conservadores as gigantes da mídia americana limitaram a diversidade do discurso político desviando atenção do seu próprio poder e criando o que intelectuais de esquerda como Noam Chomsky e Edward Herman chamaram de manufatura do consentimento De fato a mídia fez um papel central no avanço da ideologia neoliberal argumentando que o mercado livre é a melhor maneira de resolver problemas sociais e políticos Poucas vozes alternativas ou críticas a esse respeito encontram espaço na mídia americana convencional A rede de televisão Fox ilustra bem a influência conservadora da mídia na era de Reagan Bush e Clinton combinando programação convencional de dramas comédias e esportes com noticiário francamente conservador As redes tradicionais de televisão NBC CBS ABC e CNN mudaram seu conteúdo em resposta aos lucros do seu competidor evitando a reportagem investigativa e crítica Durante a Primeira Guerra do Golfo os grandes jornais e redes de televisão se autocensuraram ou seguiram sem contestação as diretrizes governamentais que bloquearam muita informação sobre a intervenção militar norteamericana Vários repórteres acabaram demitidos por expressar opiniões críticas A liberdade de expressão é garantida nos Estados Unidos mas os principais meios de comunicação tornaramse fortemente ligados ao governo e às elites políticas na época Nos anos 1980 e 1990 as redes de televisão segmentaram suas audiências criando programas específicos para mulheres negros imigrantes residentes HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 272 urbanos e rurais Evitaram críticas à sociedade e suas tribulações geralmente usando formatos convencionais Na televisão a diversidade da sociedade começou a ser mostrada novos seriados passaram a abordar histórias de alguns negros lésbicas gays e mulheres solteiras As vidas dos trabalhadores americanos porém foram negligenciadas a vasta maioria dos personagens na televisão passou a retratar somente a classe média e alta como se trabalho aflição econômica e conflito social fossem invisíveis No encalço dos anos 1960 quando a questão do aborto foi tratada na comédia Maude em 1972 a rede CBS apresentou o episódio apesar de protestos em 1991 quando a personagem principal da comédia Murphy Brown estava decidindo se ela queria levar adiante a gravidez o show se tornou uma controvérsia nacional com o vicepresidente dos Estados Unidos Dan Quayle aconselhando a personagem a não fazer o aborto e criticando a falta de moralidade na televisão A vida negra nos Estados Unidos foi retratada principalmente por meio de seriados como o Cosby Show que conta a história de uma família de classe média alta tocando superficialmente nas questões raciais que os negros enfrentavam no país O escapismo e a celebração pouco sutil do jeito americano de viver não haviam mudado muito desde os anos 1950 Os estúdios de cinema e gravadoras de música popular conseguiram reter a criatividade e o conteúdo social da sua produção cultural no fim dos anos 1970 Para serem ouvidos músicos tinham poucas opções a não ser a submissão a empresas poderosas como Columbia e Sony Como as redes de televisão e a indústria de marketing produziram LPs fitas e mais tarde CDs para mercados segmentados por tipo idade gênero e raça Novas formas de música como o punk o new wave e o rap foram rapidamente incorporadas e suavizadas pela indústria cultural enquanto a música que trata de temas sociais foi relegada ao segmento de música de protesto Hollywood criou megaproduções para audiências em massa às vezes tratando de assuntos como a crise da aids como no filme do diretor Jonathan Demme Philadelphia 1993 mas raramente tomando riscos políticos Houve exceções a essas tendências dos meios de comunicação de massa A mídia alternativa sobreviveu e até se expandiu com a internet Empresas independentes lançaram produtos cada vez mais sofisticados e freqüentemente alternativos Mesmo as gravadoras gigantescas produziram opções alternativas e inovadoras como os trabalhos de Bruce Springsteen Rage Against the Machine Green Day Annie DiFranco Pearl Jam e Nirvana que chamaram a atenção de muitos americanos com seus temas de rebeldia desespero e crítica social Música rap e a cultura hip hop MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 273 desenvolveram discursos sobre pobreza racismo e brutalidade da polícia muito contrários ao status quo Diretores inovadores como David Lynch e John Sayles também tiveram espaço para romper com as fórmulas vulgares de Hollywood Numa série de documentários de sucesso de público Michael Moore criticou a seu modo peculiar a concentração de riqueza a hipocrisia política e o militarismo da sociedade americana Mas para cada filme de Moore ou John Sayles houve uma dúzia de filmes como Pearl Harbor 2001 do diretor Michael Bay uma descarada distorção da história americana em favor do conservadorismo Nos anos 1990 a nova natureza multicultural da sociedade americana passou a ser o foco de debates chamados as guerras da cultura Nos anos 1970 programas de estudo de questões de gênero afroamericanas de povos nativos e de outras minorias surgiram nas universidades e começaram ter influência nos currículos do ensino médio e na vida intelectual em geral Escritores e pesquisadores tentaram legitimar o pluralismo cultural e investigar a natureza e os limites da chamada cultura ocidental Resgataram as biografias de artistas e escritores pertencentes a minorias estudaram a história e as questões relativas às mulheres e à classe trabalhadora em vez de somente estudar mortos brancos homens Em contrapartida grupos conservadores passaram a afirmar que as críticas feitas ao racismo ao machismo à homofobia e a alguns aspectos da cultura ocidental representavam elas próprias uma forma de intolerância O termo politicamente correto que havia sido cunhado originalmente pela esquerda nos anos 1970 em especial os defensores da liberdade de expressão e da pluralidade cultural foi apropriado pela direita nos anos 1980 e 1990 que passou a usálo num outro sentido Tornouse um termo derrisório empregado para desqualificar os defensores do multiculturalismo da ação afirmativa e dos novos rumos no pensamento Chamar alguém de politicamente correto significava agora insinuar ser essa pessoa louca radical demais ou simplesmente uma verdadeira chata Atualmente nos EUA esse epíteto ainda é um jeito de estigmatizar um argumento ou uma pessoa sem entrar no mérito se as idéias defendidas fazem sentido ou não por isso a esquerda norteamericana não adota mais o termo William J Bennett secretário de Educação do governo de Ronald Reagan foi o primeiro a usar pejorativamente o termo politicamente correto que a partir de então tornouse a palavra de ordem da nova direita HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 274 Autores como Allan Bloom Roger Kimball e E D Hirsch escreveram livros de sucesso criticando a ignorância e a imoralidade dos jovens e culpando os professores da geração de 1960 pelas deficiências juvenis O órgão do governo federal o National Endowment for the Humanities NEH que fomenta pesquisas universitárias nos Estados Unidos passou a aplicar critérios políticos na escolha de projetos a financiar Dois eventos da época ilustram a mudança do clima políticocultural nos Estados Unidos Em 1992 o NEH convidou um grupo de historiadores sob a direção do proeminente historiador Gary Nash para redigir o que seriam as diretrizes nacionais para o estudo de História nas escolas do país A proposta do grupo que incluiu alguns elementos de multiculturalismo foi duramente atacada por conservadores culturais e posteriormente rejeitada Em 1994 o principal museu histórico no país o Smithsonian em Washington organizou uma exibição sobre o lançamento das bombas atômicas contra o Japão na Segunda Guerra Mundial Os curadores sutilmente incluíram textos com argumentos de historiadores que questionavam os motivos do presidente Truman e evidenciavam as conseqüências horríveis dos ataques Por 10 meses as Forças Armadas veteranos políticos e grupos conservadores fizeram uma forte campanha contra o suposto revisionismo histórico da exibição forçando o museu a cancelála O FIM DA HISTÓRIA O final do século XX constituiu um novo consenso conservador reduzindo o papel do Estado na economia e na sociedade americanas e contendo muitas das liberdades sociais e culturais que haviam sido conquistadas pelos movimentos sociais A América proclamou em 1989 o intelectual conservador Francis Fukuyama triunfou em casa e no mundo depois da queda da União Soviética De fato nas suas celebradas palavras chegouse ao fim da História com nenhum desafio previsto ao capitalismo americano O tom triunfante de Fukuyama porém não podia esconder duas tendências importantes que afetavam os Estados Unidos Políticas neoliberais não resolveram fundamentalmente a crise econômica provocada pela superprodução e a baixa taxa de lucros Até o fim dos anos 1990 a instabilidade econômica geral e os enormes orçamentos militares geraram uma dívida nacional sem precedente e crescentes questionamentos da economia política do governo Surgiram também diversas reações internacionais MCGLOBALIZAÇÃO E A NOVA DIREITA 275 contra muitos aspectos da globalização capitalista e da influência dos Estados Unidos na política na economia e na cultura de outros povos Dois eventos marcantes que abriram o novo milênio exemplificam os principais dilemas enfrentados pelos Estados Unidos O primeiro aconteceu no dia 30 de novembro de 1999 quando 40 mil manifestantes confrontaram os líderes do mundo industrializado na reunião da Organização Mundial de Comércio em Seattle para protestar contra as injustiças da crescente globalização da economia O segundo ocorreu no dia 11 de setembro de 2001 quando o grupo terrorista fundamentalista islâmico AlQaeda atacou Nova York e Washington numa série de atentados que mataram mais de 25 mil pessoas Ambos ilustram graves problemas econômicos e políticos herdados do século XX O sistema político e econômico americano mostrou seu dinamismo ao longo do século XX superando as aflições econômicas mantendo um alto padrão de vida e garantindo sua democracia liberal Mas a sociedade americana também enfrentou várias questões sérias As questões não resolvidas criaram problemas que ameaçaram a estabilidade econômica e social nos primeiros anos do século XXI recessão dívida nacional escândalos corporativos crescente desigualdade social e permanência de antigos problemas raciais A democracia plena prometida pelo sistema passou a significar não a verdadeira liberdade política mas a economia livre sem a resolução das iniqüidades econômicas e sociais Como mostraram a Batalha de Seattle em 1999 as críticas à reação lenta e à insuficiente ajuda do governo federal dada às vítimas do devastador furação Katrina em 2005 em Nova Orleans que afetou desproporcionalmente a população negra e a greve nacional montada por imigrantes latinoamericanos em 2006 para combater as restrições legais contra imigrantes setores expressivos da população norte americana continuaram contestando as definições restritas de liberdade PARA FINALIZAR Todo Império perecerá assim profetiza o historiador JeanBaptiste Duroselle1 Como de hábito centros de poder crescem despertando adversários e admiradores Os opositores notam sinais inequívocos de um colapso iminente do poderio de Washington seus admiradores exaltam o dinamismo e a capacidade de adaptação da nação norteamericana Para uns os EUA são a síntese de todo mal que reina no mundo para outros o melhor dos mundos possíveis para todos um fato insuperável na análise do globo Percorremos quatro séculos da história dos Estados Unidos desde as tímidas tentativas de colonização da era elizabethana até a hegemonia atual A variedade de seus personagens inclui de falcões ultraconservadores a ativistas de esquerda de libertários a reacionários Terra de contrastes absolutos os EUA são o país com a maior população carcerária do planeta e também local de intensos debates sobre direitos humanos e igualdade Em nenhum outro país se fazem tantas atividades físicas e se cultua tanto o corpo e dialeticamente os norteamericanos apresentam taxas de obesidade em proporção epidêmica É a terra dos puritanos do cinturão da Bíblia do politicamente correto e da ação afirmativa para grupos como os negros Exibe da mesma forma níveis alarmantes de violência sexual de jogo de vícios e de drogas Nenhum outro povo está tão presente em tantos locais do planeta e poucas sociedades ignoram de forma tão clara a existência de outras culturas Qualquer enfoque sobre os Estados Unidos da América parece destinado à parcialidade Nunca uma sociedade desnudouse tanto para o mundo Os dramas pessoais históricos e políticos dos norteamericanos são estampados em músicas e filmes A sociedade dos EUA exibese em cinemas da China do Brasil HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 278 e da Polônia Jantamos com dramas familiares do Colorado ou com plantões médicos em Los Angeles Damos audiência para detetives de Nova York Desconhecemos as taras secretas dos cidadãos de Kiev na Ucrânia ou de Lagos na Nigéria mas já vimos muitos filmes e programas de televisão sobre estupradores e assassinos em série dos Estados Unidos Sendo sede imperial eles concentram o mundo e todo seu corolário de boas ou péssimas ações Denunciamos as ambigüidades da cidadania norteamericana como se o resto do planeta estivesse submerso em absoluta liberdade e igualdade O mundo atolado em violência e injustiça lança um dedo acusador contra a sociedade norteamericana Talvez seja esse o traço mais extraordinário dos Estados Unidos da América sua utopia fracassada e realizada de povo eleito constitui um universo em torno do qual todos gravitamos e que amamos odiar Uma parte expressiva de analistas do mundo inteiro afirma que o fim do poder dos EUA instaurará uma sociedade de ordem e paz Os debates se a política externa de cada país deve ser anti ou próamericana polarizam as relações mundiais Tornouse hábito reclamar da arrogância do governo de Washington como se algum governo imperial do passado tivesse sido humilde filantrópico ou expandido seu poder em busca da melhoria coletiva da humanidade Para piorar nossa angústia a alternativa é difícil os governantes mais antiamericanos na Ásia ou América Latina não parecem garantir a possibilidade de um mundo mais confiável ou justo O que este livro desejou evitar foi a visão polar e simplista de bem e mal muito lineares Pelo percurso histórico que fizemos identificamos eixos importantes para entender uma sociedade que em grande parte acreditou se guiada por Deus e eleita para um destino especial Em nome dessa eleição indivíduos tiveram sua conduta moldada e nações perderam territórios era o destino manifesto pela Divina Providência O discurso religioso de eleição também utilizado por muitos outros povos no passado foi somado a uma reflexão iluminista que serviu de guia para a independência pioneira dos Estados Unidos da América O movimento de 1776 foi modelo para muitos outros Todo o continente americano lembrouse do impacto da jovem e pequena nação que ousou enfrentar com sucesso a maior potência da época Sendo a primeira Constituição escrita no mundo atlântico a norte americana instituiu na prática o que tantos franceses tinham sonhado divisão de poderes e sociedade que elege a lei como guia para a desejada igualdade de todos Como fazer conviver esse ideal de liberdade impressionante e forte com a realidade de um capitalismo excludente da opressão de mulheres negros e pobres e com a agressão permanente a populações indígenas e a vizinhos como o México foi a resposta dialética de todo o século XIX A PARA FINALIZAR 279 violenta Guerra Civil exibiu ao mundo os problemas estruturais desse propósito Tanto os nortistas como os sulistas acreditavam que estavam exercendo um direito garantido pelos ideais de liberdade da Independência e da Constituição Qual seria a correta interpretação da idéia de liberdade foi caso levado ao campo de batalha Com as opiniões sobre a Constituição houve uma enorme gama de interesses econômicos e políticos que causaram a morte de mais de 600 mil norteamericanos O modelo nortista vitorioso aprofundou a Revolução Industrial e aumentou muitos choques sociais Uma nova forma social emergia a duras penas com o ingresso em massa de imigrantes de todo tipo e com a expansão para áreas externas como Cuba e Filipinas A América foi a terra da oportunidade que consumiu tantas outras vidas No sonho do imigrante fundiramse messianismo religioso e teoria liberal o êxito de alguns invocava a proteção divina e o resultado racional do esforço Surgia polaridade entre winners e losers vencedores e perdedores baseada num senso comum de esforço pessoal Quem perde é porque é incompetente quem vence obtém vitória pelo esforço pessoal essa é a crença básica do senso comum norteamericano até hoje As duas guerras mundiais trouxeram a novidade do poder mundial Com profundas divisões a sociedade dos EUA embarcou nos conflitos e assumiu o papel de potência global Poucas pessoas entendem a esforço titânico de convencimento do eleitor norteamericano para sair do isolacionismo Esse esforço pode ser detectado por exemplo no governo Wilson durante a Primeira Guerra Mundial ou nos governos do início do século XXI falando do Oriente Médio Por um lado os idealistas insistindo no papel difusor dos grandes conceitos da política dos EUA como a liberdade por outro os críticos insistindo no tema de que os generais mais importantes do exército de Washington eram o General Electric e o General Motors Como quase todas as sociedades a norteamericana edificou sua frágil unidade constituindo inimigos Indígenas e franceses foram os primeiros adversários Os ingleses foram importantes especialmente ao bombardearem Nova York e queimarem Washington nas lutas contra a independência No século XIX novamente os indígenas viraram o outro a ser combatido pois estavam no caminho para as riquezas do Oeste Também mexicanos foram constituídos em ameaça ao modelo dos EUA Massas de imigrantes deixaram sem ação parte da elite e dos jornais que denunciavam com insistência os riscos da imigração à identidade dos verdadeiros EUA No século XX soldados alemães e tropas japonesas foram enfrentados com metralhadoras e armas nucleares Após a Segunda Guerra Mundial os comunistas tornaramse o grande desafio no maniqueísmo analítico que sempre seduziu uma parte dos HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 280 norteamericanos A cada nova configuração certa parcela da sociedade americana usava o perigo real ou aparente para constituir o quem somos em oposição ao quem devemos evitar ser Por ora a figura do terrorista parece preencher bem a necessidade historicamente permanente do inimigo constituído cada inimigo ajudou a colocar mais uma pedra na formação da identidade americana e de muitos modos a ocultar contradições internas da sociedade dos EUA Nesse sentido cada inimigo foi duplamente útil O mais curioso é que quase todos os imigrantes logo apagam sua origem e duvidam do outro recémchegado Os ingleses vindos no século XVII reclamam dos alemães que chegam à Pensilvânia Descendentes de suecos horrorizamse com o advento dos irlandeses Italianos católicos torcem o nariz para a massa de judeus russos aportada em Nova York Negros recém libertados do horror da escravidão concorrem a contragosto com trabalhadores chineses Os imigrantes latinoamericanos maior minoria dos EUA neste século XXI conseguem ressuscitar os discursos sobre a identidade anglosaxônica do país Os imigrantes que chegaram na segunda feira olham com desconfiança para os chegados na quartafeira Quando usamos um computador ou acendemos uma lâmpada há nisso muito do empreendedorismo e criatividade dos EUA O mesmo furor industrial e criativo está na base do aquecimento global Para o bem e para o mal o destino do planeta está associado aos Estados Unidos da América Compreender isso também faz parte do esforço deste livro NOTA 1 Historiador francês 19171994 Autor de Tout empire périra Théorie des relations internationales Publicado em português como Todo Império perecerá Brasília UnB 2000 BIBLIOGRAFIA AGNEW JeanCristophe ROZENZWEIG Roy A Companion to Post1945 America Malden Mass Blackwell 2006 APTHEKER Herbert Uma nova história dos Estados Unidos a era Colonial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1967 AZEVEDO Cecília Culturas políticas em confronto a política externa norteamericana em questão Anais Eletrônicos do VI Encontro da ANPHLAC UEMPR ANPHLAC Maringá 20 a 23 de junho de 2004 BARSKY Robert F A vida de um dissidente Noam Chomsky São Paulo Konrad Editora do Brasil 2004 BONFIM Manoel América Latina males de origem 2 ed São Paulo TopBooks 2005 BRADBURY Malcom TEMPERLEY Howard ed Introdução aos estudos americanos Rio de Janeiro Forense Universitária sd BRINKLEY Alan The Unfinished Nation A Concise History of the United States V II From 1865 Nova York McGraw Hill 2004 CALLINICOS Alex New Mandarins of American Power The Bush Administrations Plans for the World Cambridge Polity Press 2003 DAVIS Mike A ecologia do medo a fabricação de um desastre Rio de Janeiro Record 2001 DEMILIO John FREEDMAN Estelle Intimate Matters A History of Sexuality in America Nova York Harper and Row 1988 DENNING Michael The Laboring of American Culture in the Twentieth Century Nova York Verso 1998 DIGGINS John Patrick The Proud Decades America in War and Peace 19411960 Nova York WW Norton 1988 DUROSELLE JeanBaptiste Todo império perecerá BrasíliaSão Paulo UNBImprensa Oficial do Estado 2000 EYERMAN Ron JAMISON Andrew Music and Social Movements Mobilizing Traditions in the Twentieth Century Cambridge Cambridge University Press 1998 FARBER David The Age of Great Dreams America in the 1960s Nova York Hill and Wang 1994 FONER Eric The Story of American Freedom Nova York WW Norton 1998 FRASER Steve GERSTLE Gary orgs Ruling America A History of Wealth and Power in a Democracy Cambridge Harvard University Press 2005 JOHNSON Chalmers The Sorrows of Empire Militarism Secrecy and the End of the Republic Nova York Henry Holt 2003 HARMAN Chris A Peoples History of the World Londres Bookmarks 1999 HARVEY David A Brief History of NeoLiberalism Oxford Oxford University Press 2005 O novo imperialismo São Paulo Loyola 2004 HERTSGAARD Mark A sombra da águia por que os Estados Unidos fascinam e enfurecem o mundo Rio de JaneiroSão Paulo Record 2003 HIRSCH Arnold Making the Second Ghetto Race and Housing in Chicago 19401960 Nova York Cambridge University Press 1983 JUNQUEIRA Mary A Estados Unidos a consolidação da Nação São Paulo Contexto 2001 LIPSITZ George Rainbow at Midnight Labor and Culture in the 1940s Champaign University of Illinois Press 1994 HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 282 MOODY Kim An Injury to All The Decline of American Unionism Londres Verso 1986 MOOG Vianna Bandeirantes e pioneiros 3 ed Porto Alegre Globo 1956 MOORE Michael Stupid Wite Men uma nação de idiotas 5 ed São Paulo Francis 2003 MORISON Samuel Eliot COMMAGER Henry Steele História dos Estados Unidos da América São Paulo Melhoramentos sd t1 MORSE Richard M O espelho de Próspero São Paulo Companhia das Letras 1988 PALMER Bryan D Cultures of Darkness Night Travels in the Histories of Transgresion From Medieval to Modern Nova York Monthly Review Press 2000 PINSKY Jaime et al org História da América através de textos 6 ed São Paulo Contexto 1990 PRADO Eduardo A ilusão americana 6 ed São Paulo AlfaOmega 2001 RAMPELL ed Progressive Hollywood A Peoples Film History of the United States Nova York The Disinformation Company 2005 REVEL JeanFrançois A obsessão antiamericana causas e inconseqüências Rio de Janeiro UniverCidade 2003 RODGERS Daniel T Atlantic Crossings Social Politics in a Progressive Age Cambridge Belknap 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States 1492Present Nova York Harper Collins 2003 OS AUTORES Leandro Karnal Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo USP e especialista em História da América é professor de História da Universidade Estadual de Campinas Unicamp Foi chefe do Departamento de História da mesma instituição É membro da Associação Nacional de História ANPUH e da Associação Nacional de Pesquisadores de História Latino Americana e Caribenha ANPHLAC Publicou diversos livros e artigos nas áreas de História e Ensino entre eles EUA a formação da nação História na sala de aula organização e História da cidadania coautor todos publicados pela Contexto Sean Purdy Doutor em História pela Queens University Canadá atualmente é professor de História da América com ênfase nos Estados Unidos do Departamento de História da Universidade de São Paulo USP Foi professor da Temple University Filadélfia EUA e da Universidade de Brasília UnB Atua na área da História Social do Trabalho da América do Norte e Estudos Comparativos sobre as Américas É autor e colaborador de diversos livros e revistas científicas no Brasil Canadá Estados Unidos e Inglaterra É membro do conselho editorial da revista histórica canadense LabourLe Travail HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS 286 Luiz Estevam Fernandes Mestre e doutorando em História Cultural pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas IFCHUnicamp é docente do programa de pósgraduação lato sensu da mesma instituição Professor de História do ensino fundamental e médio também é coautor de História na sala de aula publicado pela Contexto Marcus Vinícius de Morais Mestre em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp é professor do ensino médio na região de Campinas e do projeto Viver Arte em São Paulo É coautor de História na sala de aula publicado pela Contexto