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Autora Profa Maristela Tsujita Colaboradores Prof Flávio Buratti Gonçalves Profa Eliane Maria de Almeida Orsine Hematologia Clínica Professora conteudista Maristela Tsujita Graduada em Farmácia pela Universidade de São Paulo 1999 mestre 2004 e doutora 2016 em Análises Clínicas pela mesma instituição Trabalhou no laboratório de imunopatologia da Fundação PróSangue onde atuou no diagnóstico de neoplasias hematológicas por citometria de fluxo e foi supervisora do laboratório de criopreservação de célulastronco para transplante de medula óssea no banco de sangue do Hospital SírioLibanês Professora de disciplinas dos cursos de Biomedicina Enfermagem Farmácia e Nutrição na Universidade Paulista Docente da disciplina Hematologia Clínica no curso de especialização em Análises Clínicas da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Na área de pesquisa tem experiência em bioquímica com ênfase em sinalização celular óxido nítrico e câncer e em hematologia clínica no estudo do nicho hematopoiético e célulastronco hematopoiéticas Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP T882b Tsujita Maristela Hematologia Clínica Maristela Tsujita São Paulo Editora Sol 2021 152 p il Nota este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP Série Didática ISSN 15179230 1 Hemograma 2 Anemia 3 Leucemia I Título CDU 616074 U51247 21 Prof Dr João Carlos Di Genio Reitor Prof Fábio Romeu de Carvalho ViceReitor de Planejamento Administração e Finanças Profa Melânia Dalla Torre ViceReitora de Unidades Universitárias Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de PósGraduação e Pesquisa Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de Graduação Unip Interativa EaD Profa Elisabete Brihy Prof Marcello Vannini Prof Dr Luiz Felipe Scabar Prof Ivan Daliberto Frugoli Material Didático EaD Comissão editorial Dra Angélica L Carlini UNIP Dr Ivan Dias da Motta CESUMAR Dra Kátia Mosorov Alonso UFMT Apoio Profa Cláudia Regina Baptista EaD Profa Deise Alcantara Carreiro Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico Prof Alexandre Ponzetto Revisão Irana Magalhães Aline Ricciardi Sumário Hematologia Clínica APRESENTAÇÃO 7 INTRODUÇÃO 8 Unidade I 1 TECIDO SANGUÍNEO9 11 Células sanguíneas morfologia e funções 10 12 Hematopoese fetal e adulta17 121 Eritropoese 21 122 Granulopoese24 123 Linfopoese 26 124 Monopoese 26 125 Plaquetopoese 27 2 HEMOGRAMA 28 21 Série eritrocitária 31 22 Na série leucocitária 38 23 Série plaquetária 39 3 ERITRÓCITOS 41 31 Membrana dos eritrócitos41 32 Hemoglobina 42 33 Metabolismo do ferro eritrocitário 43 34 Destruição do eritrócito senescente 44 4 ANEMIAS 45 41 Epidemiologia das anemias 45 42 Quadro clínico das anemias 46 43 Classificação das anemias 46 431 Anemia microcítica 49 432 Anemia normocíticanormocrômica 55 433 Anemia macrocítica 57 Unidade II 5 ALTERAÇÕES BENIGNAS DOS LEUCÓCITOS 65 51 Leucocitoses neutroflilias linfocitoses reacionais e atipias e eosinofilias 65 52 Leucopenias neutropenias e linfopenias 68 53 Alterações morfológicas dos leucócitos 72 6 NEOPLASIAS HEMATOLÓGICAS 74 61 Leucemias agudas LLA e LMA 83 62 Leucemia mieloide crônica LMC 89 63 Policitemia vera 92 64 Leucemia linfocítica crônica LLC 92 65 Linfomas do tipo Hodgkin e não Hodgkin 93 66 Transplante de medula óssea 95 Unidade III 7 MECANISMOS DA HEMOSTASIA E COAGULAÇÃO DO SANGUE 103 71 Testes laboratoriais para diagnóstico das alterações da hemostasia e coagulação 109 72 Distúrbios da hemostasia e da coagulação 114 721 Coagulopatias115 722 Púrpuras 120 723 Tromboses 123 8 IMUNOHEMATOLOGIA125 81 Ciclo do sangue 126 82 Transfusão de sangue 134 83 O setor de terapia celular 139 7 APRESENTAÇÃO A hematologia é o ramo da biologia que estuda o sangue e os órgãos hematopoéticos como a medula óssea que produz hemácias leucócitos e plaquetas O sangue é essencial para nossa vida visto que tem várias funções tais como transportar oxigênio nutrientes hormônios e realizar o papel de defesa contra vírus bactérias parasitas e células tumorais entre outros Além disso a hematologia aborda as doenças relacionadas ao sangue as anemias leucemias linfomas e doenças da coagulação A presente disciplina tem como objetivo geral capacitar o profissional de saúde a interpretar os resultados dos exames realizados dentro do laboratório de hematologia à luz dos conhecimentos fisiológicos e patológicos adquiridos Além de fornecer conhecimentos e habilidades para execução das técnicas laboratoriais utilizadas em hematologia e hemoterapia com a finalidade de preparar o futuro profissional a executar e analisar os exames laboratoriais da área hematológica O aluno também vai compreender como funcionam os ensaios laboratoriais e a automação em hematologia para que assim esteja apto a trabalhar na rotina de hospitais laboratórios e bancos de sangue Dessa forma o presente material está dividido em três unidades que vão abordar os temas descritos a seguir A unidade I apresentará as células do sangue periférico hemácias leucócitos e plaquetas suas características morfológicas e funções a medula óssea onde ocorre a hematopoiese processo de produção proliferação e diferenciação das células sanguíneas o hemograma como fazer e interpretar o eritrograma leucograma e plaquetograma o metabolismo das hemácias os tipos de hemoglobina o metabolismo do ferro eritrocitário e a formação da bilirrubina a partir da destruição das hemácias os sinais e sintomas do paciente com anemia Interpretação dos índices hematimétricos e classificação laboratorial das anemias em microcíticahipocrômica macrocíticas e normocíticas e normocrômicas e as hemoglobinopatias hereditárias anemia falciforme e talassemias Na unidade II estudaremos os leucócitos alterações quantitativas leucocitoses e leucopenas as alterações qualitativas em leucócitos presença de vacúolos granulações tóxicas e atipias que evidenciam diversas patologias hematológicas e devem ser descritas no laudo do hemograma as neoplasias hematológicas com ênfase nas leucemias agudas e crônicas e nos linfomas do tipo Hodgkin e não Hodking as características morfológicas das células nas leucemias e linfomas os sistemas classificatórios os exames para diagnóstico das neoplasias citometria de fluxo citogenética e biologia molecular e o transplante de medula óssea como modalidade terapêutica para o tratamento das neoplasidas hematológicas Abordaremos também na unidade III a fisiologia das plaquetas os mecanismos da hemostasia os testes laboratoriais para diagnóstico das alterações da hemostasia e coagulação os distúrbios da hemostasisa coagulopatias púrpuras e tromboses a imunohematologia que é uma especialidade hemoterapia responsável por realizar os exames imunohematológicos de doadores e receptores de sangue E por fim o ciclo do sangue com as etapas de produção dos hemocomponentes e a criopreservação de célulastronco para o transplante de medula óssea e glóbulos raros 8 INTRODUÇÃO A cronologia da importância do sangue na vida do homem foi primeiramente documentada na Era Paleolítica e desde então foram muitos séculos de práticas hoje consideradas bizarras e envolvidas em misticismo até chegarmos a diagnósticos e tratamentos bemsucedidos de diversas patologias hematológicas A história da hematologia passou pelas sangrias como forma de expurgação dos males do corpo na época Luís XIV na França também pela descrição da circulação feita por Harvey e o estudo dos grupos sanguíneos de Karl Landerstein A evolução foi possível a partir do desenvolvimento dos corantes hematológicos da microscopia de equipamentos como contadores hematológicos citômetro de fluxo o desenvolvimento da biologia molecular isolamento das célulastronco transplante de medula óssea e terapias celulares A investigação laboratorial em hematologia permite o diagnóstico das infecções anemias leucemias linfomas doenças da coagulação entre outros Os resultados dos exames são cada vez mais precisos e fornecem informações indicativas sobre o estado imunológico do paciente riscos de hemorragia e indicações do estado nutricional por exemplo na detecção de anemia por carência de ferro A evolução da tecnologia laboratorial também permitiu o desenvolvimento das técnicas de hemoterapia e consequentemente melhorou a vida do paciente A hemoterapia é o ramo da hematologia que possibilita as transfusões de hemocomponentes obtidos a partir da doação de sangue O sangue corrige rapidamente estados emergenciais e ainda representa uma alternativa quando hemoderivados medicamentos obtidos industrialmente a partir do plasma não estão à disposição A obtenção dos hemocomponentes emprega uma equipe multidisciplinar no banco de sangue que trabalha na coleta processamento da bolsa de sangue realização de exames sorológicos imunohematológicos e exames de biologia molecular O banco de sangue conta ainda com profissionais que realizam o congelamento de célulastronco para transplante de medula óssea e de glóbulos considerados raros À medida que novos exames são incorporados à rotina laboratorial maior é a possibilidade de tratamento do paciente que por sua vez requer medicamentos E assim o profissional que atua na indústria farmacêutica utilizará os conhecimentos hematológicos no desenvolvimento e fabricação de fármacos para tratamento das anemias leucemias e doenças da coagulação Diante do que foi exposto até aqui percebese a importância da hematologia e de seu vasto campo de atuação que emprega uma grande equipe multidisciplinar 9 HEMATOLOGIA CLÍNICA Unidade I 1 TECIDO SANGUÍNEO Quantos litros de sangue tem o corpo humano adulto Considerandose as diferentes dimensões de cada indivíduo de modo geral o volume de sangue do nosso corpo corresponde a cerca de 7 do nosso peso Uma pessoa com 70 a 80 quilos por exemplo tem entre 45 e 55 litros de sangue BRASIL sd O sangue é classificado como tecido conjuntivo especializado constituído por células e plasma parte líquida A porção celular compreende hemácias plaquetas e vários tipos de leucócitos As funções do sangue são o transporte de gases oxigênio nutrientes hormônios remoção de gás carbônico e eliminação dos produtos de excreção dos tecidos As funções de defesa também são intermediadas pelo sangue através dos leucócitos Ainda distribui calor pelo corpo e participa do equilíbrio osmótico e ácidobásico Leucócitos Sangue Os leucócitos glóbulos brancos são responsáveis pela defesa do organismo As hemácias eritrócitos ou glóbulos vermelhos transportam oxigênio As plaquetas agem na coagulação Hemácias 93 de água Plasma parte líquida 55 do volume total 45 Parte sólida Plaquetas Figura 1 Composição do sangue Disponível em httpsbitly2Sl8JlJ Acesso em 22 jun 2021 O plasma é uma solução aquosa que contém proteínas plasmáticas sais inorgânicos e compostos orgânicos tais como aminoácidos vitaminas hormônios e glicose Entre as proteínas plasmáticas a albumina é fundamental na manutenção da pressão osmótica As imunoglobulinas são os anticorpos 10 Unidade I que participam da defesa humoral e o fibrinogênio é a proteína solúvel que se converte em fibrina importante na etapa final da coagulação sanguínea Observação Soro e plasma não são iguais apesar de ambos corresponderem à parte líquida do sangue O soro não contém o fibrinogênio e os fatores da cascata da coagulação Ele é obtido após a coleta de sangue em tubo sem adição de anticoagulante ou em tubo com gel ativador do coágulo O objetivo é a formação do coágulo e posterior centrifugação do tubo para a separação do soro a fim de que seja usado em exames bioquímicos e sorológicos 11 Células sanguíneas morfologia e funções Vejamos as características morfológicas e funcionais das células do sangue Os leucócitos presentes no sague periférico de um indivíduo saudável são neutrófilos bastonetes neutrófilos segmentados linfócitos monócitos eosinófilos e basófilos A morfologia das células sanguíneas pode ser avaliada por microscopia a partir de um esfregaço ou extensão sanguínea de uma gota de sangue sobre uma lâmina histológica que é seca ao ar e corada com corantes Os corantes mais utilizados pelos laboratórios são Leishman e May Grunwald Giemsa As hemácias são células anucleadas em formato de disco bicôncavo com halo central mais claro A quantidade de hemácias no sangue é de 3 a 4 milhõesmm3 Você pode estar se perguntando como ocorre a multiplicação das hemácias se estas não têm núcleo A maturação da série eritroide que origina as hemácias ocorre na medula óssea e é em uma das etapas nas quais o precursor eritroide perde o núcleo e outras organelas portanto a mitose ocorre em etapas anteriores à formação das hemácias Uma vez na circulação o tempo de vida da hemácia é em média de 120 dias BAIN 2007 Figura 2 Hemácia humana cortada ao meio Disponível em httpsbitly3j4hPOM Acesso em 22 jun 2021 11 HEMATOLOGIA CLÍNICA Os leucócitos são células que participam das defesas celulares Podem ser classificados em mononucleados e polimorfonucleados Os polimorfonucleares ou também denominados granulócitos apresentam granulações específicas no citoplasma e núcleo multilobulados São classificados como granulócitos neutrófilos basófilos e eosinófilos Os mononucleares apresentam citoplasma sem granulações e núcleo sem lóbulos ou seja são agranulócitos Há dois tipos de agranulócitos os linfócitos e os monócitos LORENZI 2006 Linfócito Leucócitos mononucleados Leucócitos polimorfonucleados Monócito Neutrófilo Eosinófilo ou acidófilo Basófilo Figura 3 Leucócitos Disponível em httpsbitly3vO4qNw Acesso em 22 jun 2021 Os neutrófilos bastonetes existem em pequena porcentagem no sangue periférico cerca de 1 a 5 e a característica morfológica principal é o núcleo sem lóbulos formando um segmento único Já os neutrófilos segmentados representam cerca de 60 a 65 dos leucócitos do sangue periférico Quanto ao número de lóbulos devem apresentar de 2 a 5 lóbulos ligados entre si por uma fina cromatina Quando o número de lóbulos é superior a cinco este é denominado hipersegmentado Os neutrófilos sejam bastonetes ou segmentados apresentam granulações primárias azurófilas ou inespecíficas e secundárias específicas As granulações primárias se coram em vermelhoescuro e estão presentes nas linhagens neutrofílica eosinófila e basófila Essas granulações estão presentes em pequena quantidade nas células maduras e quando se manifestam são denominadas granulações tóxicas Os grânulos primários se fundem às vesículas fagocíticas que se formam na morte dos microrganismos As granulações primárias contêm mieloperoxidase MPO fosfatase ácida proteínas antibacterianas lisozima fagocitina defensinas proteinases e catepsinas BAIN 2007 As granulações secundárias de coloração rosaavermelhada contêm lactoferrina lisozima e outras enzimas colagenase histaminase gelatinase fosfatase alcalina ativador do plasminogênio β2microglobulina e proteína ligadora da vitamina B12 12 Unidade I Em condições basais os granulócitos apresentam maior quantidade de grânulos secundários sendo a razão de 31 de grânulos secundários para primários Entretanto em condições patológicas como veremos adiante essa relação estará alterada A vida média dos neutrófilos é de cerca de 7 horas na circulação Os neutrófilos ficam distribuídos igualmente em dois compartimentos no sangue central e marginais mas certas condições como estresse adrenalina e exercício físico rapidamente induzem a migração dos neutrófilos do pool marginal para o central A principal função dos neutrófilos é a defesa contra bactérias e certos fungos por meio da fagocitose a partir da formação de vesículas fagocíticas liberação de enzimas líticas e produção de espécies reativas de oxigênio Figura 4 Neutrófilo segmentado Os eosinófilos representam 2 a 4 dos leucócitos o núcleo é bilobulado e as granulações são semelhantes às dos neutrófilos entretanto são acidófilas ao serem coradas pela eosina Os grânulos inespecíficos contêm enzimas hidrolíticas que participam da destruição de parasitas Os grânulos específicos contêm a proteína catiônica do eosinófilo e a neurotoxina que também participam da defesa contra parasitas Dessa forma os eosinófilos são a linha de frente no combate a agentes parasitários pois aderem ao parasita e liberam o conteúdo de seus grânulos o que causa a destruição destes Essas células também apresentam receptores para citocinas entre estas a IL5 uma interleucina produzida por linfócitos Th2 e relacionada com a produção de IgE por isso a eosinofilia é observada também nos processos alérgicos SANTOS 2013 13 HEMATOLOGIA CLÍNICA Figura 5 Eosinófilo Os basófilos raramente são encontrados no sangue e correspondem a menos de 1 dos leucócitos O núcleo apresenta um formato sinuoso lembrando o aspecto de letra S As granulações ricas em heparina e histamina são volumosas que cobrem todo o citoplasma e o núcleo que tem cor violetaescuro Apresentam receptores para IgE que participam da ativação celular em casos de alergia por exemplo como ocorre na asma e na ração alérgica cutânea Essas células também realizam defesa contra infecções parasitárias SANTOS 2013 Figura 6 Basófilo Os monócitos representam cerca de 4 a 8 dos leucócitos circulantes e permanecem no sangue periférico por até 70 horas São células de tamanho grande o núcleo apresenta cromatina fina rendilhada e é pleomórfico pode adquirir diferentes formatos mas em geral é ovoide irregular e ocupa grande área do citoplasma Por vezes alguns vacúolos podem ser observados no citoplasma basofílico que também pode conter finas granulações inespecíficas lisossomos Nas infecções ou inflamações os monócitos são recrutados para o tecido lesionado e se diferenciam em macrófagos podendo aí permanecer por semanas ou até meses No local da inflamação os 14 Unidade I macrófagos modulam o processo inflamatório combatendo o patógeno a partir do processo de fagocitose secreção de espécies reativas de oxigênio e de fatores próinflamatórios IL1 alfa IL1 beta IL6 TNFalfa IFNbeta e secretam diversos fatores de crescimento de fibroblasto e enzimas que são importantes para a regeneração tecidual SANTOS 2013 Figura 7 Monócito Os linfócitos correspondem entre 20 e 30 dos leucócitos na circulação e podem ser de três tipos linfócitos B T e NK natural killer mas são morfologicamente indistinguíveis Apresentam tamanhos variados mas de forma geral são células esféricas de contorno regular e o núcleo ocupa quase toda a área do citoplasma A cromatina é extremamente condensada com ausência de nucléolos e basofilia acentuada roxo intenso Os linfócitos B diferenciamse em plasmócitos que são células produtoras de anticorpos portanto participam da defesa humoral do organismo Os linfócitos T estão presentes em maior número e reconhecem fragmentos de antígenos apresentados pelo complexo principal de histocompatibilidade MHC ou seja não dependem dos anticorpos circulantes Os patógenos intracelulares são apresentados aos linfócitos T CD8 pela molécula MHC I o que induz a diferenciação dos linfócitos T citotóxicos que matam as células infectadas Já os antígenos oriundos de bactérias extracelulares que foram fagocitadas são processados e apresentados pela molécula MHCII e então são apresentados aos linfócitos T CD4 os quais posteriormente se diferenciam em linfócitos Th1 e Th2 Os linfócitos Th1 ativam as propriedades microbicidas de macrófagos e induzem os linfócitos B a produzirem IgG As células Th2 estimulam os plasmócitos a produzirem IgM iniciando a resposta humoral Já os linfócitos NK são células citotóxicas da imunidade inata não requerem sensibilização prévia e formam uma primeira linha de frente contra vírus e células tumorais SANTOS 2013 15 HEMATOLOGIA CLÍNICA Figura 8 Linfócito As plaquetas inicialmente não foram descritas como células mas como fragmentos de origem desconhecida Foi em 1865 que Max Schultze descreveu as plaquetas como células sanguíneas e Giulio Bizzozero descreveu a função das plaquetas na trombose e na hemorragia Estas células apresentam formato discoide e circulam durante 7 a 10 dias na corrente sanguínea sendo então removidas pelos macrófagos Em condições basais o número de plaquetas circulantes é de 150000 a 400000mm3 Ao microscópio óptico verificase um corpúsculo cor púrpura que deve estar homogeneamente distribuídos pelo esfregaço A membrana plaquetária é formada por dupla camada de fosfolipídios onde estão incorporados colesterol glicolipídios e glicoproteínas No citoplasma há entre outras organelas inúmeras mitocôndrias e grânulos alfa contendo βtromboglobulina fator plaquetário 4 vários fatores de coagulação fibrinogênio fator V fator XIII fator de Von Willebrand fator de crescimento de plaquetas vitronectin e trombospondina Os grânulos densos contêm cálcio ADP e ATP As plaquetas participam da formação do coágulo no processo de hemostasia estando também envolvida na vasoconstricção e no reparo tecidual entre outros Quando ocorre uma lesão vascular há exposição do colágeno o que provoca adesão das plaquetas ao subendotélio exposto em um evento no qual ocorre a interação do fator de Von Willebrand e glicoproteínas IbIXV Em seguida mais plaquetas são recrutadas em um processo de agregação que envolve o fibrinogênio os receptores de superfície e o complexo GPIIbIIIa As plaquetas ativas liberam o conteúdo granular o que provoca a agregação de mais plaquetas A plaqueta ativada sofre mudança conformacional deixa de ser discoide e passa a ser arredondada com pseudópodes A partir da exposição de cargas negativas na superfície da plaqueta ocorre a aceleração das reações de ativação dos fatores de coagulação que resultam na formação da rede de fibrina LORENZI 2006 16 Unidade I Figura 9 Plaquetas Disponível em httpsbitly3gXn6EW Acesso em 22 jun 2021 Figura 10 Rede de fibrina Disponível em httpsbitly3vPt1RO Acesso em 22 jun 2021 Saiba mais A imunofenotipagem por citometria de fluxo é uma metodologia que permite a determinação do fenótipo celular ou seja a sua linhagem e seu estágio de diferenciação Essa metodologia emprega anticorpos monoclonais conjugados a fluorocromos que reconhecem antígenos presentes na membrana no citoplasma ou no núcleo da célula Vale a pena ler o artigo intitulado Citometria de fluxo histórico princípios básicos e aplicações em pesquisa BRAGA K M S et al Citometria de fluxo histórico princípios básicos e aplicações em pesquisa Enciclopédia Biosfera Centro Científico Conhecer Goiânia v 13 n 23 p 304319 2016 Disponível em httpsbitly3xJkrpb Acesso em 2 ago 2021 17 HEMATOLOGIA CLÍNICA 12 Hematopoese fetal e adulta A medula óssea é constituída por estroma que é composto por tecido conjuntivo e vários tipos celulares incluindo fibroblastos macrófagos adipócitoslike células endoteliais células reticulares e musculares lisas É na medula óssea que as células que encontramos no sangue são formadas em um processo denominado hematopoese BIRBRAIR FRENETTE 2016 Observação Nos livros e artigos científicos encontramos os termos hemopoese hemopoiese hematopoese hematopoiese ou ainda hemocitopoiese Todos se referem ao mesmo processo A hematopoese é um processo dinâmico e hierárquico no qual as célulastronco CTH se autorrenovam eou diferenciamse em células do sistema sanguíneo BIRBRAIR FRENETTE 2016 Linfoblasto B Linfoblasto T Célulatronco hematopoética Monoblasto Mieloblasto Megacarioblasto Proeritoblasto Eritoblasto Hemácia Neutrófilo Megacariócito Plaqueta Basófilo Eosinófilo Monócito Macrófago Linfócito T Linfócito B Plasmócito Figura 11 Hematopoese Adaptada de httpsbitly3zLVFGJ Acesso em 22 jun 2021 18 Unidade I Lembrete O linfócito B quando estimulado por interleucinas por exemplo IL4 e IL1 se diferencia em plasmócitos que são células produtoras de anticorpos E os monócitos quando migram para o tecido se transformam em macrófagos A hematopoese compreende os processos de proliferação diferenciação e maturação das células sanguíneas Nas primeiras semanas de vida intrauterina até o segundo mês ocorre o período préhepático Nessa fase o saco vitelino é o principal local de hematopoese Os agrupamentos de angioblastos originam as ilhotas de Wolff onde as células periféricas originam o endotélio dos primeiros vasos sanguíneos enquanto as células centrais produzem os primeiros glóbulos vermelhos ou megaloblastos Em seguida do segundo ao sexto mês de vida intrauterina ocorre a fase hepatoesplênica na qual fígado e baço produzem as células sanguíneas No fígado a hematopoese também é do tipo eritroide com células que sintetizam as cadeias globinicas alfa e gama Os granulócitos e megacariócitos células que originam as plaquetas são produzidos mais tardiamente ZAGO 2015 A medula óssea se torna o principal local de hematopoese a partir de seis a sete meses de vida fetal até a vida adulta De modo que ao nascimento todos os ossos longos esterno e vértebras são produtores e apresentam atividade hematopoética Entretanto a partir da puberdade a medula óssea ativa denominada vermelha é gradativamente substituída por adipócitos e assim a hematopoese fica restrita ao esterno costelas vértebras e fêmur Em algumas patologias o fígado e o baço podem retomar a função hematopoética o que é denominado hematopoese extramedular Este é um mecanismo compensatório fisiológico que consiste em áreas microscópicas difusas de tecido hematopoético nas regiões supracitadas ou ainda em outras regiões linfonodos rins pleura e mediastino que podem estar presentes por exemplo em pacientes com talassemia anemia falciforme leucemias linfomas entre outros ANJOS ALVARESSILVA BORELLI 2000 Nos adultos esse processo ocorre na medula óssea dos ossos chatos e garante a produção de cerca de 1012 células sanguíneasKg de peso corporal Esse processo é mediado por hormônios citocinas fatores de crescimento e pelas células estromais constituindo um microambiente indutor O microambinete indutor é composto pelas células hematopoéticas e mesenquimais As células mesenquimais originam osteoblastos adipócitos e fibroblastos E as células hematopoéticas originam os eritrócitos leucócitos e plaquetas No microambiente também há osteoclastos e macrófagos que são originados da linhagem monocítica Os macrófagos são importantes pois realizam a fagocitose das células senescentes da medula óssea E o papel dos osteoclastos células que realizam a remodelação óssea ou seja removem a matriz mineral óssea no controle da hematopoese só foi descrito mais recentemente e ainda é alvo de elucidação 19 HEMATOLOGIA CLÍNICA Alguns estudos mostram que o cálcio liberado do osso pela ação dos osteoclastos sinaliza a quiescência das célulastronco no nicho hematopoético WILSON TRUMPP 2006 Vasos sinusoidais Nicho vascular Nicho endosteal Matriz extracelular Adipócito Osteoblasto em repoudo Osteoblasto ativo Osteoclasto Fibroblasto Mesenquimal Célulatronco hematopoética Fêmur Medula óssea Diáfise Epífise Figura 12 Nicho hematopoético Adaptada de Grassel 2007 p 4946 Na hematopoese as célulastronco hematopoéticas pluripotentes CTPH ou stem cell sofrem sucessivas mitoses e originam mais CTPH se diferenciando para originar célulastronco hematopoéticas multipotentes CTHM ou seja células comprometidas com as linhagens mieloide CFUGEMM unidade formadora de colônicas granulocítica eritroide megacariocítica monocítica ou linfoide CFULi unidade formadora de colônica linfocítica A partir dessas células são formadas as células progenitoras que já são diferenciadas em linfoide ou mieloide podem ser bipotentes e compreendem as unidades formadoras de explosão burst de eritrócitos e de megacarióticos BFU EMeg e as unidades formadoras de colônias de granulócitos e monócitos CFUGM ou onipotentes que compreendem as CFUE unidades formadoras de eritrócitos CFUMeg unidade formadora de megacariócitos CFUM unidade formadora de colônias monocíticas e CFUG unidade formadora de colônias granulocíticas Quando as células progenitoras se dividem originam célulasfilhas com potencialidade menor que são denominadas células precursoras blastos Essas células já estão comprometidas com uma linhagem específica e são as primeiras a serem reconhecidas morfologicamente na medula óssea compreendem proeritroblasto mieloblasto monoblasto e linfoblasto Os blastos por sua vez originam células que passam por estágios intermediários que diminuem de tamanho conforme maturam perdem os nucléolos a cromatina fica cada vez mais densa até se 20 Unidade I tornarem maduras quando são liberadas então para a corrente sanguínea A exceção são os linfócitos T que migram para o timo para se diferenciarem e depois são liberados para o sangue Quadro 1 Características das células da hematopoiese Estágio Célulastronco pluripotentes hematopoéticas CTPH Células comprometidas multipotentes Células progenitoras Células precursoras Células maduras Morfologia Não é possível distinguir morfologicamente Primeiras células a serem reconhecidas Diferenciação morfológica completa Atividade mitótica Apresentam potencial de autorrenovação Grande atividade mitótica São autorrenováveis Grande atividade mitótica Não são autorrenováveis Não se multiplicam Presentes na medula óssea e no sangue periférico Célula CTPH CTM linfoide CFULi CTM mieloide CFUGEMM BFUEMeg CFUGM CFUE CFUMeg CFUG CFUM Linfoblasto Proeritroblasto Megacarioblasto Mieloblasto Linfócitos B T e NK Hemácias Megacariócito Monócito Neutrófilo Linfócito Eosinófilo Basófilo Observe que a partir de poucas célulastronco hematopoéticas todas as células do sangue são produzidas Isso justifica a hierarquia do processo citada que lembra uma pirâmide Células em maturação Células maduras Células progenitoras Células comprometidas CTPH Figura 13 Hierarquia da hematopoiese com a célulatronco pluripotente hematopoética CPTH no topo As célulastronco estão em locais denominados nichos na medula óssea O termo nicho de célulatronco é definido como um local anatomicamente delimitado que controla a autorrenovação 21 HEMATOLOGIA CLÍNICA na ausência de diferenciação celular Schofield foi quem primeiro o descreveu em 1978 e desde então novas descobertas influenciam o tratamento e pesquisa de novos fármacos SCHOFIELD 1978 Esse processo organizado é capaz de manter a quantidade e os tipos celulares de acordo com a demanda do organismo Então vamos exemplificar quando há infecção em um tecido neutrófilos são recrutados no local de invasão e a medula óssea passa a produzir mais células da linhagem neutrofílica Outro exemplo em um estado fisiológico quando há produção de eritropoietina pelos rins haverá estímulo para a medula óssea produzir mais células da linhagem eritroide e aumentar consequentemente a quantidade de hemácias no sangue periférico O que garante a permanência das células na medula óssea ou a migração para o sangue periférico A presença de moléculas de adesão faz com que as células permaneçam na medula Nesse local amadurecem e se diferenciam quando então ocorre a mudança do fenótipo ou seja perdem algumas moléculas de adesão e passam a expressar novas moléculas Muitos desses marcadores de superfície são conhecidos pela sigla CD que em inglês significa cluster of differentiation Um marcador importante é o CD34 que é expresso em célulastronco comprometidas À medida que a célula se diferencia ela perde esse marcador Caso a célula esteja comprometida com linhagem mieloide esta vai expressar marcadores tais como MPO CD33 CD13 entre outros Já os linfócitos B expressam CD22 CD79a Ou ainda se a célula se comprometer com a linhagem linfocítica T vai expressar CD1a CD2 CD3 CD4 ou CD8 CD5 CD7 SANTOS 2013 121 Eritropoese Um adulto em condições fisiológicas produz 200 bilhões de hemácias por dia o que garante a reposição das células destruídas O principal hormônio regulador desse processo é a eritropoietina EPO que normalmente está presente no plasma e se liga aos receptores presentes em precursores eritroides Alterações nos níveis plasmáticos de EPO ou na sua ação nas célulasalvo podem prejudicar a produção dos eritrócitos e consequentemente a capacidade de transporte de oxigênio do organismo Os precursores eritroides representam cerca de um terço das células da medula óssea sendo o proeritroblasto a primeira célula reconhecida morfologicamente Entretanto os precursores mais primitivos podem ser identificados por testes funcionais a partir de técnicas de cultura de precursores hematopoéticos que permitem a identificação da unidade formadora de crescimentorápidoeritroide BFUE e a unidade formadora de colônias eritroides CFUE colonyforming uniterythroid As BFUE originam as CFUE Depois desse estágio os precursores eritroides já são reconhecidos morfologicamente As BFUE expressam receptores para SCF e pequeno número de receptores para EPO por isso apresentam elevado potencial proliferativo e não respondem à EPO Já as CFUE caracterizamse por menor expressão de receptores para SCF assim perdem gradualmente a capacidade proliferativa mas apresentam maior número de receptores para EPO 22 Unidade I A partir da CFUE são produzidas as células denominadas eritroblastos na seguinte ordem proeritroblastos eritroblastos basófilos eritroblastos policromáticas e eritroblastos ortocromáticos Essas últimas originam os reticulócitos que migram para o sangue periférico e se transformam em hemácias OLIVEIRA POLI NETO 2004 Vamos detalhar algumas características das células eritroides no quadro a seguir Quadro 2 Características das células da série eritroide Célula Citoplasma Núcleo Proeritroblasto Escasso Basófilo Grande Cromatina finamente reticulada frouxa Presença de 1 a 2 nucléolos Eritroblasto basófilo Escasso Intensamente basófilo Grande Cromatina frouxa com apenas 1 nucléolo nem sempre visível Eritroblasto policromático Abundante Acinzentado Núcleo central Cromatina densa Ausência de nucléolos Eritroblasto ortocromático Abundante Acidófilo da mesma cor da hemácia Núcleo picnótico pequeno central ou periférico pois ocorre a expulsão do núcleo Cromatina densa Reticulócito Contém resquícios de organelas e RNA mensageiro Policromatófilo Não apresenta Hemácia Disco bicôncavo Anucleada Rosa Não representa Adaptado de Zago 2015 p15 No processo proliferativo de mitoses sucessivas que ocorre na medula óssea as CFUE sofrem mitose e produzem quatro proeritroblastos Na sequência os proeritroblastos originam 8 eritroblastos basófilos que por sua vez por mitose produzem 16 eritroblastos policromáticos A partir dessa etapa não sofrem mitose e os eritroblasto policromáticos se diferenciam em eritroblastos ortocromáticos quando ocorre a expulsão do núcleo e de uma pequena parte do citoplasma Formase assim o reticulócito que retém resquícios de organelas retículo endoplasmático ribossomos com RNA mensageiro e mitocôndrias A retenção de RNA mensageiro justifica a policromatofilia observada em esfregaços sanguíneos Essas células são ligeiramente maiores do que as hemácias maduras e por isso aparecem como macrócitos policromatófilos O reticulócito permanece de um a três dias na medula óssea quando é liberado para a circulação Um a dois dias depois de estarem no sangue periférico os reticulócitos perdem todas as organelas Além disso cerca de 10 a 20 da síntese de hemoglobina ocorre nesse estágio e como ainda há mitocôndrias também ocorre certa capacidade de respiração aeróbia OLIVEIRA POLI NETO 2004 23 HEMATOLOGIA CLÍNICA Linhagem eritroide 1 Stem cell 2 CFU E 4 Proeritoblastos 8 Eritoblastos basófilos 16 Eritoblastos policromáticos 16 Eritoblastos ortocromáticos 16 Reticulócitos 16 Hemácias Figura 14 Estágios da maturação eritroide A contagem de reticulócitos é um importante indicador da atividade proliferativa da medula óssea Por exemplo nas anemias hemolíticas em que ocorre aumento da destruição das hemácias a medula óssea exibe atividade compensatória e assim ocorre aumento do número de reticulócitos Por outro lado um número normal ou reduzido de reticulócitos em paciente anêmico indica que a medula óssea está hipoproliferativa ou seja a anemia ocorre por menor produção de hemácias OLIVEIRA 2007 Vale ressaltar que 5 a 10 dos eritroblastos não completam o processo de maturação o que representa a fração ineficaz da eritropoese Cerca de 4 a 12 da hemoglobina sintetizada nessas células é destruída na própria medula óssea A eritropoese ineficaz é vista em várias patologias acompanhadas de maior proporção de células da linhagem eritroide na medula óssea em comparação com o número de hemácias liberadas para a circulação Exemplos destas situações são as anemias megaloblásticas talassemias eritroleucemias e síndromes mielodisplásicas Os exames do paciente vão indicar hiperplasia eritroide medular número de reticulócitos normais ou baixos e discreto aumento de bilirrubina indireta OLIVEIRA 2007 Quais são os fatores necessários para que a eritropoese ocorra Além da EPO a medula óssea precisa de fatores fornecidos pela alimentação entre eles aminoácidos ferro vitamina B12 e ácido fólico Sabendo que a função primordial dos eritrócitos é o transporte de oxigênio é vital que a eritropoese seja fortemente regulada 24 Unidade I A produção de EPO é controlada pela concentração de oxigênio no sangue arterial que irriga as células peritubulares do córtex renal Alterações nas concentrações de EPO circulante ou na sua ação sobre às célulasalvo podem modificar o número de hemácias A quantidade de hemácias circulante é mantida constante e reflete o equilíbrio entre a proliferação e a destruição de hemácias senescentes A diminuição da oxigenação renal estimula a produção de EPO e favorece a eritropoese A EPO se liga a um receptor presente na superfície das células progenitoras eritroides da MO e regula a proliferação e diferenciação destas Durante o processo de diferenciação as unidades formadoras de colônias eritroides CFUE colonyforming units e os proeritroblastos se tornam mais sensíveis à EPO de forma que o os proeritroblastos passam a expressar aproximadamente 1000 receptores de EPO por célula À medida que as células se diferenciam o número de receptores diminui e assim os reticulócitos e hemácias não expressam receptores para EPO OLIVEIRA 2007 Em relação aos fatores nutricionais os aminoácidos participam da síntese das cadeias globínicas da hemoglobina o ferro integra o grupo heme grupo prostético da hemoglobina e as vitaminas B12 e ácido fólico na forma ativa atuam em conjunto na síntese dos nucleotídeos o que permite a divisão celular Assim a carência desses fatores vai promover o desenvolvimento das anemias carenciais ferropriva carência de ferro e megaloblástica carência de vitamina B12 eou folato OLIVEIRA 2007 122 Granulopoese Os granulócitos se diferenciam a partir da célulatronco pluripotente da MO que originam vários intermediários até formarem os neutrófilos eosinófilos e basófilos Durante o processo de diferenciação e maturação dos granulócitos os mieloblastos são os primeiros precursores morfologicamente reconhecidos e formam na sequência promielócitos mielócitos metamielócitos bastonetes e formas segmentadas maduras Mieloblasto Promielócito Mielócito Metamielócito Batonete Segmentado Figura 15 Células da granulopoese 25 HEMATOLOGIA CLÍNICA As principais características morfológicas estão resumidas no quadro a seguir Quadro 3 Principais características morfológicas dos neutrófilos Célula Principais características Mieloblasto Cromatina rendilhada nucléolos um ou mais podem estar evidentes no núcleo citoplasma é levemente basofílico e os grânulos podem estar presentes ou não Promielócito Núcleo redondo ou oval com cromatina delicada ou levemente condensada Citoplasma basofílico com presença de grânulos azulvioláceo e vermelhos Complexo de Golgi visível na forma de área perinuclear mais clara Mielócito Ligeiramente menores que os promielócitos Núcleo oval ou redondo às vezes excêntrico Cromatina com moderado grau de condensação Nucléolos não são mais visíveis Citoplasma com quantidade moderada de grânulos vermelhoarroxeados Metamielócito Menores que os mielócitos Núcleo em forma de rim Citoplasma claro com grânulos finos característicos de cada linhagem Bastonete Núcleo não segmentado em formato de bastão Citoplasma abundante claro e contendo granulação fina e bem distribuída Segmentado Núcleo lobulado 3 a 4 lóbulos conectados por uma fina ponte de cromatina Cromatina condensada cor roxa e organizada em grumos Adaptado de Palmer et al 2015 Na medula óssea mieloblastos promielócitos e mielócitos apresentam a capacidade de proliferação e assim constituem o compartimento mitótico A partir de metamielócitos as células não podem proliferar apenas sofrem maturação até originarem as formas maduras vistas no sangue periférico Dessa forma verificase a característica hierárquica da granulopoese à medida que o número de células maduras é maior do que o número de células do compartimento proliferativo O processo de granulopoese na medula óssea leva cerca de sete a dez dias para ocorrer e um metamielócito demora cerca de cinco a sete dias para sair do estágio de metamielócito e atingir a corrente sanguínea como neutrófilo maduro Entretanto alguns estímulos podem modular esse tempo por exemplo na vigência de infecções o metamielócito pode atingir o sangue periférico em 48 horas e também pode ocorrer aumento do número de células produzidas pois o tempo de maturação será diminuído devido à necessidade de células no local da infecção LORENZI 2006 As principais citocinas que regulam a granulopoese são SCF IL3 GMCSF e GCSF O CSF estimula a proliferação de célulastronco e em combinação com IL3 estimula a proliferação de progenitores hematopoéticos primitivos progenitores mieloide e linfoide O fator estimulador 26 Unidade I de colônia granulocítica GCSF estimula a produção somente de neutrófilos e o fator estimulador de colônia granulomonocítica GMCSF estimula a produção de neutrófilos monócitos e eosinófilos OLIVEIRA 2007 Os eosinófilos também são originados a partir do progenitor mieloide presente na medula óssea e quando maduros migram para o sangue periférico onde permanecem por 18 horas antes de migrarem para os tecidos A principal citocina que regula a produção dos eosinófilos é a IL5 produzida pelos linfócitos T que apresentam resposta Th2 Os basófilos são granulócitos do sangue periférico que podem ser recrutados em alguns tecidos onde há foco inflamatório Entretanto essas células não residem nos tecidos As células que residem nos tecidos são os mastócitos que são originadas dos basófilos que não estão completamente maduros no sangue periférico Os mastócitos podem ser encontrados próximos a vasos sanguíneos nervos e tecido conjuntivo As citocinas IL3 IL2 IL4 IL5 e IL8 podem modular a função dos basófilos e induzir a liberação de mediadores em resposta a IgE 123 Linfopoese Nesse processo são produzidos os linfócitos B T e NK A célulatronco hematopoética pluripotente sobre estímulo de SCF IL3 IL11 e IL7 prolifera e origina a célula progenitora linfoide que por sua vez origina os progenitores linfoides comuns ou linfoblastos que são as primeiras células morfologicamente reconhecíveis da linhagem linfocitária O amadurecimento do linfoblasto origina o prólinfócito e finalmente o linfócito maduro é formado A proliferação e maturação dos linfócitos B ocorrem na medula óssea enquanto os linfócitos T migram para o timo onde ocorre o processo de maturação Na medula óssea os linfócitos B podem ainda se diferenciar em plasmócitos processo que ocorre quando um linfócito B encontra o antígeno no órgão linfoide secundário Os prólinfócitos B migram para os tecidos linfoides e formam os compartimentos típicos desses órgãos SANTOS 2013 Os linfoblastos do tipo T estão predominantemente no timo onde sofrem maturação e originam os prólinfócitos T que se dirigem ao baço onde formam a bainha periarterial da polpa branca Os prólinfócitos T também se dirigem aos linfonodos onde formam a zona paracortical A partir dos linfoblastos também são formados os prólinfócitos NK que amadurecem e originam os linfócitos NK os quais por sua vez não migram para órgãos linfoides e podem ser encontrados no sangue periférico As principais interleucinas que regulam a linfopoese são IL6 e IL7 que participam da proliferação dos precursores de linfócitos B e IL2 e IL3 que colaboram com a proliferação dos linfócitos T SANTOS 2013 124 Monopoese Os monoblastos são os primeiros precursores da linhagem monocítica morfologicamente reconhecíveis são formados a partir dos progenitores multipotentes O monoblasto origina o 27 HEMATOLOGIA CLÍNICA promonócito que é uma célula menor que o monoblasto O promonócito origina o monócito que pode formar macrófagos e o sistema monocítico fagocitário ou ainda formar os osteoclastos que são a união de vários monócitos Em condições fisiológicas o processo de monopoese da medula óssea até o sangue periférico leva cerca de 13 horas para ocorrer As principais citocinas que participam do processo são IL3 IL6 GMCSF e o fator estimulador de colônia monocítica MCSF Na circulação os monócitos exibem meiavida de entre 8 e 70 horas Na presença de inflamação os monócitos migram para os tecidos e se transformam em macrófagos mas na ausência de estímulos inflamatórios os monócitos são encontrados na medula óssea e no sangue periférico LORENZI 2006 125 Plaquetopoese A plaquetopoese ou megacariocitopoese é o processo de proliferação e diferenciação dos megacariócitos que originam as plaquetas A célulatronco hematopoética origina o progenitor mieloide comum denominado unidade formadora de colônia de granulócitos eritrócitos monócitos e megacariócitos CFUGEMM que por sua vez se desenvolve em unidade formadora de colônia megacariocítica CFUMeg Os megacarioblastos são as primeiras células reconhecidas morfologicamente na medula óssea e apresentam tamanho avantajado núcleo grande em relação ao citoplasma com presença de nucléolos e o citoplasma é basofílico Na sequência os megacarioblastos se diferenciam em megacariócitos que se caracterizam por apresentarem núcleo lobulado que se torna poliploide à medida que a célula amadurece Nos megacariócitos ocorre um processo denominado endomitose ou seja ocorre a síntese de DNA sem ocorrer a divisão celular então conforme a célula matura o número cromossômico aumenta poliplodia 8N 16N 32N e até 64N ao invés do habitual 2N o que confere um grande volume para a célula com cromatina abundante sem no entanto ocorrer a divisão nuclear Ocorre assincronismo de maturação entre o núcleo e o citoplasma pois o citoplasma amadurece mais tardiamente o que confere grande variação morfológica à série megacariocítica na medula óssea OLIVEIRA POLI NETO 2004 O tempo de amadurecimento do megacariócito na medula óssea é de cinco dias e na sequência ocorre a fragmentação do citoplasma o que origina as plaquetas A plaquetopoese é controlada pelas citocinas IL3 nos estágios mais precoces e pela IL6 e IL11 de modo sinérgico com IL3 e trombopoetina TPO em todo processo A TPO é produzida pelos hepatócitos e sinusoides hepáticos e em células do túbulo proximal do rim Esse hormônio atua na formação de grânulos específicos das plaquetas na expressão de proteínas específicas da membrana plaquetária e na endomitose 28 Unidade I Figura 16 Megacariócito em aspirado de medula óssea 2 HEMOGRAMA O hemograma é um dos exames mais solicitados pelos médicos nos exames de rotina E talvez você já tenha ouvido falar em hemograma completo como se o segundo exame fosse mais minucioso que o primeiro Contudo esse termo é redundante pois o hemograma já é o exame completo ou seja não há distinção de termos Entretanto em alguns casos o clínico pode solicitar apenas a contagem de plaquetas principalmente em pacientes internados que necessitam de monitorização do número de plaquetas com maior frequência Esse exame fornece informações quantitativas e qualitativas das linhagens eritroide leucocitária e plaquetária que auxiliam na determinação do diagnóstico do paciente quando em conjunto com outros exames As informações fornecidas no hemograma permitem avaliar se a medula óssea está produzindo um número adequado de células ou ainda se os processos de proliferação e diferenciação estão ocorrendo normalmente em todas as linhagens Essas questões podem ser respondidas a partir da interpretação dos valores de contagens de hemácias leucócitos e plaquetas índices hematimétricos contagem diferencial de leucócitos e análise dos aspectos morfológicos das células pela microscopia óptica 29 HEMATOLOGIA CLÍNICA Série vermelha Resultado Valor referência Masc acima de 16 anos Eritrócitos 657 milhõesmm3 430 a 570 Hemoglobina 131 gdL 135 a 155 Hematócrito 418 390 a 500 HCM 199 pg 260 a 340 VCM 635 fL 81 a 95 CHCM 313 gdL 31 a 36 RDW 181 118 a 156 Caracteres morfológicos Microcitose moderada poiquilocitose discreta Série branca Resultado mm3 Valor referência Masc acima de 16 anos mm3 Leucócitos 8120 3500 a 10500 Neutrófilos 511 4150 1700 a 7000 Eosinófilos 12 100 50 a 500 Basófilos 06 50 0 a 300 Linfócitos 379 3080 900 a 2900 Monócitos 92 750 300 a 900 Caracteres morfológicos Granulações tóxicas pouco abundantes em alguns neutrófilos não foram observadas atipias linfocitárias Plaquetas Resultado Valor referência Masc acima de 16 anos mm3 Total de plaquetas 300000mm3 150000 a 450000mm3 VPM 106 92 a 126 fL Figura 17 Exemplo de hemograma Hemoglobina corpuscular média HCM volume corpuscular médio VCM concentração de hemoglobina corpuscular média CHCM amplitude de distribuição dos eritrócitos RDW volume plaquetário médio VPM O hemograma pode ser realizado através de técnicas manuais ou por meio de automação Caso seja realizado sem a utilização de contadores automatizados serão necessários pelo menos três equipamentos espectrofotômetro microscópio e microcentrífuga No microscópio com o auxílio da câmara de Neubauer e diluentes específicos é possível fazer a quantificação de hemácias leucócitos e plaquetas Também pode ser realizada em esfregaço sanguíneo corado a contagem diferencial de leucócitos ou seja a identificação de cada subtipo e as 30 Unidade I avaliações qualitativas de hemácias leucócitos e plaquetas No espectrofotômetro e com o líquido de Drabkin é realizada a quantificação da hemoglobina e na microcentrífuga é realizado o hematócrito OLIVEIRA 2007 Caso o hemograma seja realizado de forma automatizada existem muitos equipamentos disponíveis no mercado com princípios diferentes Desde o primeiro modelo de contador automatizado desenvolvido na década de 1950 até os dias atuais verificase uma grande evolução tecnológica na realização do hemograma A contagem de plaquetas nos contadores automatizados foi incorporada na década de 1970 e a contagem diferencial de leucócitos teve progresso a partir dos anos 1980 principalmente com a contribuição da citometria de fluxo e da citoquímica aos sistemas de identificação de células sanguíneas Além disso novos parâmetros vêm sendo incorporados ao hemograma o que possibilita ampliar o número de informações fornecidas e consequentemente melhorar o diagnóstico de um número considerável de patologias A figura a seguir exemplifica um contador hematológico totalmente automático que permite a liberação de até 33 parâmetros Figura 18 Sistema de hematologia ADVIA 2120i Disponível em httpsbitly3d1t9r6 Acesso em 22 jun 2021 Saiba mais Vale a pena conhecer o princípio de funcionamento de um contador hematológico Para entender como funciona assista à animação a seguir HAEMATOLOGY Analyzer working principle 1 vídeo 2 min Publicado pelo canal Innovative Learner Disponível em httpsbitly3qjaeNB Acesso em 22 jun 2021 31 HEMATOLOGIA CLÍNICA Independentemente da metodologia utilizada a amostra de sangue utilizada para realização do hemograma deve ser coletada em tubo contendo o anticoagulante EDTA que preserva a morfologia das células após a coloração com os corantes panópticos e o tempo entre coleta e realização do exame não deve ser superior a duas horas Não há necessidade de jejum para a realização do hemograma Alguns valores de referência são diferentes para homens mulheres recémnascidos e crianças Gestantes também apresentam valores diferentes Esses valores de referência assim como o tipo de amostra e a metodologia utilizada devem obrigatoriamente constar no resultado do exame Vejamos agora os parâmetros avaliados em cada série 21 Série eritrocitária A série eritrocitária fornece dados sobre a contagem de eritrócitos a concentração de hemoglobina e o hematócrito A partir desses valores são calculados os índices hematimétricos hemoglobina corpuscular média volume corpuscular médio e concentração de hemoglobina corpuscular média Outro parâmetro fornecido por alguns equipamentos mas que não pode ser calculado é a amplitude de distribuição dos eritrócitos RDW de red distribution widht O RDW é um parâmetro que indica a presença de anisocitose e é obtido a partir do histograma de distribuição das hemácias de acordo com o volume das células é expresso em porcentagem Valores elevados de RDW indicam a presença de população eritrocitária heterogênea ou seja formada por células de diferentes tamanhos O número de hemácias pode ser quantificado a partir da diluição de uma alíquota de sangue em câmara de Neubauer O número de hemácias geralmente está diminuído nas anemias mas não deve ser utilizado para o diagnóstico de anemias pois há anemias nas quais verificase diminuição da concentração de hemoglobina previamente à diminuição do número de hemácias Ao contrário nas policitemias verificase aumento do número de hemácias As policitemias serão abordadas na próxima unidade pois tratase de uma doença mieloproliferativa A partir do valor de hemoglobina é possível estabelecer o diagnóstico de anemia Definese anemia quando o valor de hemoglobina é menor que 13 gdL em homens menor que 12 gdL em mulheres e menor que 11gdL em gestantes e crianças Tabela 1 Valores de hemoglobina para diagnóstico de anemia Diagnóstico de anemia Hemoglobina Homens adultos 13 gdL Mulheres adultas 12 gdL Gestantes e crianças 11 gdL Adaptada de WHO 2021 32 Unidade I O hematócrito corresponde ao percentual de hemácias que ocupam um determinado volume de sangue Esse parâmetro é proporcional à quantidade de hemoglobina presente no sangue assim encontrase diminuído nas anemias e elevado nas desidratações redução do volume de plasma ou nas policitemias Vejamos como calcular os índices hematimétricos e como interpretálos Ao realizar o cálculo não utilizar a potência 106 OLIVEIRA 2007 Figura 19 Fórmulas dos índices hematimétricos Fonte Oliveira 2007 Exemplo de aplicação Qual é o valor de HCM de um paciente que apresenta 46 x 106 hemáciasmm3 e hemoglobina igual a 115 gdL Ao aplicarmos a fórmula HCMHbHe x 10 obtemos HCM11546 x 10 Assim o valor de HCM é 25 fL A HCM é a média do conteúdo peso de hemoglobina de uma população de hemácias Veja que estamos falando de conteúdo e não de concentração A concentração de uma solução é a proporção do soluto em relação ao solvente assim o peso é calculado como o produto da porcentagem de soluto pelo volume Então o conteúdo de hemoglobina de uma hemácia corresponde ao HCM Entretanto a média da concentração de hemoglobina corresponde ao CHCM O CHCM é utilizado para avaliar a hipocromia O peso conteúdo de hemoglobina em uma hemácia depende do seu volume e da concentração de hemoglobina Assim ocorre aumento de HCM nos casos de macrocitose com CHCM normal anemia macrocítica e normocrômica ou simplesmente macrocíticas É errado denominar anemia macrocítica e hipercrômica apenas por apresentarem HCM aumentado células maiores e mais pesadas pois são células com concentrações normais de hemoglobina CHCM normal e portanto normocoradas 33 HEMATOLOGIA CLÍNICA O VCM corresponde à média dos volumes de uma população de hemácias expresso em fentolitros fL É obtido pela divisão do volume de eritrócitos hematócrito pelo número de eritrócitos que ocupam esse volume Nas anemias microcíticas o VCM é menor que 80 fL nas anemias macrocíticas é maior que 100 fL e nas normocíticas está entre 80 e 100 fL o que não isenta a presença de micrócitos eou macrócitos pois tratase de uma média BAIOCCHI PENNA 2019 Macrocítica VCM 100 fL Normocítica 80 VCM 100 fL Microcítica VCM 80 fL Figura 20 Hemácias microcíticas normocíticas e macrocíticas A CHCM é o índice que avalia a cor dos eritrócitos e corresponde à média das concentrações internas de hemoglobina em uma população de eritrócitos Hemácias hipocrômicas possuem baixa concentração de hemoglobina já hemácias como esferócitos e drepanócitos são superconcentrados de hemoglobina hipercrômicos ou seja apresentam CHCM elevado A partir dos valores de HCM e VCM é possível classificar a anemia do paciente Por exemplo um paciente com anemia e valores diminuídos de VCM e HCM apresenta anemia microcítica e hipocrômica Quando o VCM e HCM estiverem dentro da faixa de normalidade a anemia é normocítica e normocrômica e se o VCM estiver elevado não há HCM elevado a anemia é classificada como macrocítica Vejamos no quadro a seguir as unidades utilizadas nas determinações básicas da série vermelha Quadro 4 Unidades utilizadas nas determinações básicas da série vermelha Parâmetro Unidade Número de hemácias He 106mm3 Hemoglobina Hb gdL Hematócrito Ht Hemoglobina corpuscular média HCM pg Volume corpuscular médio VCM fL Concentração de hemoglobina corpuscular média CHCM Amplitude de distribuição dos eritrócitos RDW 34 Unidade I Exemplo de aplicação Nas anemias microcíticas que apresentam valor de hemácias menor que 5 x 106mm3 e RDW elevado o diagnóstico de anemia ferropriva é mais provável Enquanto anemias com valor de hemácias superior a 5 x 106mm3 e RDW normal ou pouco elevado são indicativos de investigação para traço talassêmico RDW alterado também pode indicar a presença de dupla população presentes por exemplo em pacientes transfundidos As anormalidades reportadas pelos equipamentos devem ser confirmadas pela microscopia A leitura em microscópio dos esfregaços sanguíneos tem como objetivo identificar as anormalidades de tamanho forma conteúdo de hemoglobina e presença de inclusões A notificação das alterações morfológicas fornece informações importantes para o clínico e devem ser quantificadas de acordo com a política de cada laboratório A análise qualitativa dos eritrócitos é realizada por microscopia e os graus de alterações das hemácias é descrito em cruzes a que correspondem a presença discreta presença moderada presença intensa Vejamos as alterações morfológicas existentes e as principais patologias associadas Palmer et al 2015 Normal Eliptócito Estomatócito Macrócito Hemácia mordida Drepanócito falciforme Micrócito Dacriócito Esquizócito Em alvo Equinócito crenada Acantócito Figura 21 Alterações em hemácias Em quais patologias podemos verificar as alterações citadas 35 HEMATOLOGIA CLÍNICA Hemácia macrocítica anemias megaloblásticas anemias hemolíticas megaloblásticas doenças hepáticas alcoolismo e decorrente do uso de determinadas medicações Figura 22 Hemácias macrocíticas Hemácia microcítica tamanho diminuído Presente na anemia por deficiência de ferro talassemias doenças crônicas hipertireoidismo e intoxicação por chumbo Figura 23 Hemácia microcítica e hipocrômica ponta da seta Hemácias em alvo hemoglobinopatias talassemias icterícia obstrutiva e doenças hepáticas Figura 24 Hemácia em alvo ponta da seta 36 Unidade I Hemácias mordidas ocorrem em consequência da hemólise oxidativa presentes na anemia por deficiência de glicose6fosfatodesidrogenase na anemia microangiopática ou no dano mecânico Figura 25 Hemácia mordida ponta da seta Dacriócitos ou hemácias em lágrima talassemia maior e mielofibrose Figura 26 Dacriócito ponta da seta Hemácias crenadas pode ser artefato demora em realizar o esfregaço hepatopatias queimaduras extensas e deficiência de enzimas eritrocitárias Figura 27 Hemácias crenadas ponta da seta 37 HEMATOLOGIA CLÍNICA Estomatócito pode estar presente nas hepatopatias e na estomatocitose hereditária Figura 28 Estomatócito ponta da seta Drepanócitos hemácia em formato de foice doença falciforme Figura 29 Drepanócitos ponta da seta Esquizócitos ou hemácias fragmentadas hemólise mecânica próteses cardíacas e sindrome hemolíticourêmica Acantócitos desnutrição distúrbios metabólicos e secundários a doenças hepáticas Eliptócito apresentam forma elíptica o eixo maior é o dobro do eixo menor Quando o eixo maior é menor que o dobro do menor as hemácias são denominadas ovalócitos Além das alterações citadas a presença de inclusões e microrganismos deve ser reportada no hemograma Vejamos as principais alterações HowellJolly são inclusões basofílicas pontuais de formato redondo resultado da fragmentação do DNA Aparecem em pacientes esplenectomizados e pacientes com anemia falciforme Pontilhado basófilo talassemias anemias ferropriva e hemolíticas 38 Unidade I Corpúsculo de Pappenheimer pósesplenectomia anemias hemolíticas e intoxicação pelo chumbo Anel de Cabot anemias megaloblásticas e intoxicação por chumbo Corpúsculos de Heinz talassemias e Hb instável Rouleaux doenças do colágeno hiperfibrinogenemia Entre os microrganismos que podem estar presentes nas hemácias destacamse as espécies de Plasmodium em pacientes com malária Saiba mais Para saber sobre as recomendações para liberação das alterações em eritrócitos leia o artigo a seguir PALMER L et al ICSH recommendations for the standardization of nomenclature and grading of peripheral blood cell morphological features International Journal of Laboratory Hematology v 37 n 3 p 287303 2015 Disponível em httpsbitly3gUQlbv Acesso em 30 jul 2021 22 Na série leucocitária Na avaliação da série leucocitária também conhecida como leucograma são realizadas as contagens global e diferencial valores relativos e absolutos dos leucócitos e a avaliação morfológica principalmente de neutrófilos e linfócitos A contagem global de leucócitos pode ser realizada manualmente a partir da diluição de uma alíquota de sangue em líquido de Turk e contagem em câmera de Neubauer Em adultos os valores de referência estão entre 3500 e 11000mm3 Quando o número de leucócitos está acima do limite superior denominase leucocitose e valores abaixo do limite inferior denominamse leucopenia Na contagem diferencial são identificados os subtipos de leucócitos Lembrete No sangue periférico de um indivíduo saudável estão presentes neutrófilos bastonetes segmentados linfócitos monócitos eosinófilos e basófilos 39 HEMATOLOGIA CLÍNICA No esfregaço de sangue são contados cem leucócitos o que corresponde a 100 das células A partir da quantificação dos subtipos de leucócitos são obtidos os valores relativos em porcentagem O valor absoluto corresponde ao produto do valor global de leucócitos pela porcentagem Apesar do avanço tecnológico dos equipamentos em relação à identificação das formas neutrofílicas jovens recomendase a revisão morfológica das lâminas de sangue de pacientes que apresentarem alterações quantitativas A análise morfológica permite a identificação de neutrófilos jovens bastonestes metamielócitos mielócitos e promielócitos granulações tóxicas e vacúolos citoplasmáticos características presentes no caso das infecções bacterianas Presença de inclusões anormais como as vistas nas anomalias de ChediakHigashi MayHegglin Alder entre outras Também possibilita a identificação de blastos células jovens presentes nas leucemias agudas verificação de atipias linfocitárias aumento de tamanho cromatina nuclear muito frouxa ou muito condensada núcleo clivado entre outros características que podem indicar presença de infecção viral ou neoplasias linfomas LLC etc Vale a pena ressaltar que algumas patologias estimulam a liberação de eritroblastos mais frequentemente policromáticos e ortocromáticos para o sangue periférico e quando isso acontece a leucometria deve ser corrigida Alguns equipamentos já reconhecem esses precursores eritroides e realizam automaticamente a correção da leucometria mas quando a quantificação é realizada manualmente devemos realizar esse cálculo Lembrete Eritroblastos policromáticos e ortocromáticos são formas eritroides mais imaturas presentes na medula óssea e que dão origem a reticulócitos Essas células apresentam núcleo e por isso alguns equipamentos podem contálas como leucócitos 23 Série plaquetária A quantificação de plaquetas é especialmente importante para o diagnóstico das plaquetopenias monitoramento da quimioterapia e cirurgias Na série plaquetária rotineiramente é avaliado o número total de plaquetas que deve estar entre 150000 e 4500000mm3 Valores de plaquetas abaixo de 150000mm3 denominase plaquetopenia trombocitopenia e valores acima de 450000mm3 são designados de plaquetose trombocitose 150000 450000mm3 Trombocitopenia Plaquetopenia Trombocitose Plaquetose Figura 30 Nomenclatura das alterações quantitativas em plaquetas 40 Unidade I A contagem precisa de plaquetas é um desafio na rotina laboratorial pelas propriedades das plaquetas de adesão e agregação Por esses motivos a contagem manual em câmara de Neubauer não é recomendada apesar de ainda ser utilizada em alguns laboratórios A técnica de Fônio também tem sido abandonada na rotina laboratorial Nesse caso o número de plaquetas é estimado a partir da contagem em lâmina corada o que não fornece um resultado exato LORENZI 2006 As plaquetas podem ser quantificadas em câmara de Neubauer utilizandose solução de cloreto de amônio como líquido diluente por automação a partir do princípio da impedância método utilizado há muitos anos em vários contadores hematológicos ou ainda através de método imunológico usando marcadores de plaquetas CD61CD41 que é o método de referência para contagem de plaquetas Nessa última técnica os receptores específicos da superfície das plaquetas ligamse a anticorpos monoclonais conjugados a anticorpos monoclonais fluorescentes A utilização de anticorpos monoclonais diminui a possibilidade de serem contados como plaquetas pequenos fragmentos restos de células e microrganismos Alguns equipamentos fornecem o valor do VPM que é análogo ao RDW para hemácias O aumento do VPM indica presença de plaquetas com volume aumentado As plaquetas maiores apresentam maior facilidade de agregação plaquetária e formação de trombo ou seja favorecem os processos trombóticos As alterações de tamanho devem ser reportadas no hemograma pois são relevantes para as correlações clínicas A plaqueta normal mede cerca de 15 a 3 µm de diâmetro enquanto as macroplaquetas medem entre 3 e 7 µm e as plaquetas gigantes têm tamanho maior que uma hemácia cerca de 10 a 20 µm A presença de macroplaquetas pode ocorrer em problemas cardiovasculares diabetes mellitus hipertireoidismo doenças inflamatórias e trombose Já as plaquetas gigantes podem ocorrer nessas patologias mas também na Síndrome de Bernard Soulier entre outras Figura 31 Macroplaqueta ponta da seta 41 HEMATOLOGIA CLÍNICA Outra correlação interessante é a que pode ser realizada entre o número de plaquetas e o VPM Sugerese que as plaquetopenias de origem medular apresentam VPM reduzido enquanto que as decorrentes de destruição periférica apresentam valores elevados de VPM refletindo a liberação precoce na circulação de plaquetas mais jovens e de maior volume Em algumas amostras de sangue o anticoagulante EDTAK2 pode induzir a formação de agregados plaquetários causando pseudotrombocitopenia Nesses casos uma nova coleta de sangue deve ser solicitada mas em tubo contendo citrato como anticoagulante Estudaremos o satelitismo plaquetário mais adiante Assim concluímos que embora o hemograma não permita a conclusão da hipótese diagnóstica ele fornece informações importantes para a avaliação de doenças hematológicas e o monitoramento terapêutico Cada vez mais novos parâmetros são desenvolvidos nos contadores automatizados e quando interpretados podem diminuir tempo e gastos para a conclusão do diagnóstico da patologia apresentada pelo paciente 3 ERITRÓCITOS O eritrócito maduro é um disco bicôncavo com borda externa mais espessa em relação à parte central Essa característica se torna evidente após coloração de uma extensão sanguínea o que permite a visualização de uma forma circular plana e uniforme com discreta região central mais clara O volume médio é de 90 fL 85 a 95 fL e concentração interna de hemoglobina de 33 a 34 gdL Um indivíduo adulto do gênero masculino tem cerca de 5000000 de hemáciasmm3 e cada hemácia por sua vez contém cerca de 300000000 de moléculas de hemoglobina O eritrócito não apresenta mitocôndrias portanto não realiza cadeia respiratória Então como obtém energia A partir da conversão de glicose em lactato o que permite um baixo rendimento de ATP Na hemácia a via metabólica de suma importância é a via das pentoses na qual ocorre formação de NADPH Esse é importante para a manutenção das proteínas no estado reduzido evita a precipitação da hemoglobina e perda de lipídios da membrana 31 Membrana dos eritrócitos A membrana da hemácia é uma bicamada de lipídios e proteínas Os principais lipídios são o colesterol e os fosfolipídios fosfatidilcolina esfingomielina fosfatidiletanolamina e fosfatidilserina Os lipídios conferem flexibilidade à hemácia e fluidez da matriz da membrana onde estão as proteínas transmembranas Essas proteínas são classificadas em integrais e periféricas As proteínas integrais compreendem a proteína banda 3 transportadora de íons e as glicoforinas A B C D que auxiliam na estabilização do citoesqueleto através de ligações com a proteína 41 presente na face interna da membrana Das proteínas integrais tem grande destaque a proteína banda 3 que apresenta um domínio citoplasmático que interage com muitas proteínas periféricas anquirina proteína 41 proteína 42 e enzimas aldolase gliceraldeído3fosfato desidrogenase fosfofrutoquinase que regulam a interação do citoesqueleto com enzimas glicolíticas Já as proteínas 42 Unidade I periféricas formam o citoesqueleto da membrana são estas espectrina actina anquirina proteínas 41 e 49 MURADOR DEFFUNE 2007 Defeitos na estrutura dessas proteínas estão associados a diversas doenças por exemplo eliptocitose e esferocitose que são anemias hereditárias Meio intracelular Proteína banda 3 Glicoforina C Membrana Anquirina Actina Interação horizontal 42 41 aespectina βespectina Figura 32 Estrutura da membrana da hemácia Adaptada de Bennett e Healy 2008 32 Hemoglobina A hemoglobina é uma proteína quartenária sintetizada nos eritroblastos e nos reticulócitos e é formada por quatro cadeias globínicas nas quais se encontra um grupo prostético o grupo heme A síntese do grupo heme foi detalhada em bioquímica metabólica e de forma sucinta tratase de um conjunto de reações catalisadas por diferentes enzimas que resultam na incorporação do ferro Fe2 no centro da protoporfirina IX Em relação às cadeias globínicas a falta de ferro na formação da hemoglobina resulta em anemia As cadeias globínicas são diferentes de acordo com a fase de formação do indivíduo Na fase embrionária ocorrem Gower I ζ2ε2 Gower II a2ε2 Portland γ2ζ2 e Fetal HbF a2γ2 Durante o período fetal cerca de 90 corresponde a hemoglobina Fetal Hb F a2γ2 a hemoglobina do adulto Hb A a2β2 corresponde a menos de 10 e o restante cerca de 25 corresponde a HbA2 a2γ2 Após o sexto mês de vida a criança passa a apresentar os mesmos tipos de hemoglobina do adulto ou seja HbA a2β2 de 96 a 98 HbA2 a2γ2 25 a 35 e a Hb F a2γ2 menor que 2 Confira as diferentes cadeias presentes na fase embrionária fetal e no adulto no quadro a seguir 43 HEMATOLOGIA CLÍNICA Quadro 5 Tipos de hemoglobina das diferentes fases da vida Fase embrionária Gower I ζ2ε2 Gower II a2ε2 Portland γ2ζ2 Fetal HbF a2γ2 Fase fetal Hb F a2γ2 cerca de 90 Hb A a2β2 menos de 10 HbA2 a2γ2 cerca de 25 A partir do sexto mês de vida HbA a2β2 de 96 a 98 HbA2 a2γ2 25 a 35 Hb F a2γ2 menor que 2 Defeitos qualitativos e quantitativos da síntese das cadeias globínicas resultam no desenvolvimento de anemias NAOUM BONINIDOMINGOS 1997 33 Metabolismo do ferro eritrocitário O ferro absorvido da alimentação é transportado pelo corpo pela transferrina A quantificação da capacidade de ligação do ferro à transferrina CTLF ou ainda TIBC de total iron binding capacity é uma medida indireta da transferrina disponível para o transporte de ferro Em condições normais cerca de 13 dos sítios da transferrina estão saturados com ferro Isso significa que 23 dos sítios estão vazios Adicionandose excesso de ferro os sítios não ocupados serão preenchidos e medidos Também é possível medir o índice de saturação da transferrina IST que é o resultado da relação entre o ferro sérico e a capacidade total de ligação do ferro multiplicada por 100 Esse valor reflete a oferta de ferro necessária para que ocorra a eritropoese eficaz Valores normais de IST estão entre 20 e 45 Valores inferiores a 16 são indicativos de déficit de suprimento de ferro para a eritropoese O ferro do corpo humano está distribuído do seguinte modo Ferro presente nas hemácias corresponde a 60 do total 27g Ferro dos depósitos ligado à ferritina e hemossiderina corresponde a 30 do total 12 a 15g Ferro ligado à mioglobina corresponde a 3 a 5 do total 014g 44 Unidade I Enzimas hêmicas citocromo oxidase peroxidases e catalase corresponde a menos de 1 Ferro plasmático corresponde a menos de 1 O ferro sérico se refere àquele presente na circulação ligado à transferrina Os níveis de ferro sofrem variações em função do gênero idade e período do dia sendo que as maiores quantidades são encontradas em homens e no período matinal A destruição dos eritrócitos senescentes no baço fornece o ferro que é reaproveitado para a eritropoese medular na síntese de novas moléculas de hemoglobina O organismo elimina pouco ferro e o faz por suor e urina Nas mulheres ainda há perdas sanguíneas pela menstruação em média 103 mg por período menstrual e por isso os valores de ferro sérico e ferritina são menores quando comparados aos valores presentes nos homens A maior parte do ferro sérico é utilizada no processo de eritropoese e o restante é armazenado nos tecidos principalmente fígado e baço na forma de ferritina ou hemossiderina Cada 1 ngmL de ferritina sérica corresponde a 8 a 10 mg de ferro em estoque em indivíduo adulto Os valores de ferritina em homens varia entre 15 e 300 ngmL e nas mulheres em idade fértil entre 15 e 200 ngmL Valores diminuídos de ferritina evidenciam a depleção dos estoques de ferro Por outro lado a elevação da ferritina sérica é encontrada na sobrecarga de ferro hemocromatose e na ausência de sobrecarga de ferro como por exemplo em hepatopatias alcoolismo condições inflamatórias infecciosas e neoplásicas pois é uma proteína de fase aguda Ferritina elevada em associação com saturação de transferrina alta é sugestivo de sobrecarga de ferro hemocromatose Os níveis de ferritina podem variar ao longo do curso da infecção mas níveis normais de proteína C reativa sugere que a ferritina elevada não é devida à infecção ou inflamação GROTTO 2010 34 Destruição do eritrócito senescente Os eritrócitos permanecem na circulação por aproximadamente 120 dias depois desse período são destruídos pelos macrófagos do baço Essa destruição é extravascular e permite que os componentes da hemoglobina sejam reaproveitados ou excretados O grupo heme após perder o ferro é transformado em bilirrubina indireta que é conjugada no fígado e forma a bilirrubina direta secretada na bile Esta por sua vez é metabolizada pelas bactérias intestinais e eliminada na forma de estercobilinogênio e urobilinogênio 45 HEMATOLOGIA CLÍNICA Bilirrubina não conjugada Bilirrubina conjugada Bilirrubina não conjugada Intestino Sangue Albumina Rins Urina urobilinogênio Vesícula biliar bile Fase préhepática Captação Fase hepática Conjugação Fase póshepática Secreção Uridinadifosfato glicuronil transferase UDPGT Ácido glicurônico Fezes estercobilinogênio Figura 33 Fases do metabolismo da bilirrubina Fonte Silva e Tsujita 2020 p 119 4 ANEMIAS A anemia é definida pela Organização Mundial da Saúde OMS como uma condição em que se detecta diminuição de hemoglobina abaixo dos valores de referência considerandose gênero idade altitude e condição fisiológica por exemplo na gestação WHO 2021 41 Epidemiologia das anemias A anemia ainda é um dos principais problemas de saúde pública no mundo e afeta principalmente as crianças e gestantes Em 2020 de acordo com a OMS WHO 2021 42 das crianças menores que 5 anos e 40 das gestantes ao redor do globo são anêmicas sendo a anemia por deficiência de ferro a mais prevalente no mundo Em países em desenvolvimento observamse indivíduos obesos que apresentam desnutrição Parece contraditório entretanto o acesso ao alimento rico em valor calórico e pobre em proteínas vitaminas e sais minerais pode levar ao desenvolvimento da anemia 46 Unidade I 42 Quadro clínico das anemias Os sintomas mais comuns das anemias são fraqueza malestar e cansaço O sinal mais evidente é a palidez detectada nas mucosas da boca conjuntivas e leito ungueal e relacionada à redução do transporte de oxigênio e à resposta compensatória cardiopulmonar Nos casos de crises hemolíticas o indivíduo pode apresentar palpitação especialmente aos esforços dispneia tontura e fadiga esplenomegalia e icterícia Nas anemias crônicas como na ferropriva o indivíduo pode permanecer assintomático mesmo com baixos níveis de hemoglobina CANÇADO CHIATTONE 2010 Às vezes podem ocorrer queixas específicas como a perversão do apetite desejo de comer terra ou tijolo na anemia ferropriva e sintomas neurológicos na anemia por deficiência de vitamina Já na anemia falciforme o paciente pode manifestar úlceras nas pernas Quanto maior a diminuição dos níveis de hemoglobina mais intensos são os sintomas Um indivíduo com hemoglobina entre 9 e 11 gdL apresenta dor de cabeça irritabilidade e indisposição Entre 6 e 9 gdL os sintomas evoluem para falta de ar cansaço e aumento dos batimentos cardíacos ao menor esforço Em um quadro com hemoglobina abaixo de 6gdL os sintomas citados se manifestam mesmo em repouso 43 Classificação das anemias As anemias podem ser classificadas em aguda ou crônica quanto ao tempo de instalação Quanto ao mecanismo fisiopatológico a diminuição da concentração de hemoglobina induz mecanismos compensatórios entre estes o aumento do débito cardíaco redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais entre outros Cada tipo de anemia tem suas características fisiopatológicas por isso nem sempre mudanças nos hábitos alimentares por exemplo comer alimentos ricos em ferro vão reverter o quadro de anemia A seguir as principais causas de anemia classificadas de acordo com o mecanismo fisiológico Anemias por deficiência de nutrientes deficiência de ferro deficiência de B12 deficiência de ácido fólico Anemias hipoproliferativas com comprometimento da medula óssea leucemias linfomas e mieloma aplasia de medula óssea 47 HEMATOLOGIA CLÍNICA infecções que comprometem a medula óssea mielodisplasia Anemias por doenças que comprometem a proliferação e maturação das hemácias insuficiência renal anemia de doença crônica Anemias causadas por mutações que diminuem a produção e o tempo de vida das hemácias anemia falciforme talassemias defeitos de membrana esferocitose e eliptocitose deficiência de enzimas glicose6fosfatodesidrogenase G6PD e piruvato quinase PK anemia diseritropoética congênita anemia de Fanconi Anemias causadas pela redução do tempo de vida das hemácias na circulação anemia hemolítica autoimune anemias hemolíticas micro e macroangiopáticas hemoglobinúria paroxística noturna O diagnóstico da anemia é realizado a partir da análise do hemograma e de exames complementares Mediante a análise dos índices hematimétricos VCM e HCM é possível a classificação das anemias em microcíticashipocrômicas macrocíticas e normocíticasnormocrômicas Essa classificação auxilia o clínico no estabelecimento do diagnóstico pois em uma fase inicial de investigação o hemograma é um dos exames mais solicitados Então vejamos quais as alterações do hemograma em cada tipo de anemia 48 Unidade I Quadro 6 Classificação laboratorial das anemias Microcítica hipocrômica Normocítica normocrômica Macrocítica Hemácias ou N Hemoglobina Hematócrito VCM N HCM N N CHCM ou N N N RDW As principais anemias associadas aos valores de VCM estão no quadro a seguir Quadro 7 Classificação das anemias de acordo com o VCM VCM80 fL microcitose VCM 80 100 fL normocitose VCM100fL macrocitose Ferropriva Talassemia Sideroblástica Doença inflamatória crônica Insuficiência renal crônica Anemia falciforme Síndrome mielodisplásica Falência da medula óssea MOmielotoxicidade Deficiência combinada ferro vitamina B12 Infiltração da MO Anemia megaloblástica deficiência de folato ou B12 Doença hepática crônica Síndrome mielodisplásica Reticulocitose acentuada anemias hemolíticas Plaquetopenia e neutropenia são comuns nessa situação Macrocitose leve VCM105Fl Após a análise do hemograma exames complementares são solicitados pelo clínico Assim considerandose os mecanismos fisiopatológicos e a classificação laboratorial os exames complementares solicitados serão Quadro 8 Volume corpuscular médio e capacidade total de ligação do ferro à transferrina VCM80 fL microcitose VCM 80 100 fL normocitose VCM100fL macrocitose Solicitar perfil férrico ferro sérico ferritina e CTLF Solicitar contagem de reticulócitos para determinação de anemia hipoproliferativa 2 ou hiperproliferativa 2 Verificar hemácias macrocíticas e neutrófilos hipersegmentados no esfregaço Se estiverem presentes a anemia é megaloblástica Se estiverem ausentes a anemia não é megaloblástica 49 HEMATOLOGIA CLÍNICA Diante da análise dos valores dos índices hematimétricos e dos exames complementares é possível estabelecer o algoritmo para a abordagem das anemias Vejamos agora a interpretação do conjunto de exames solicitados em cada tipo de anemia 431 Anemia microcítica Em caso de anemia microcítica surge a necessidade de diferenciar se há anemia ferropriva ou tratase de um caso de anemia de doença crônica Também pode ocorrer de um indivíduo com doença renal crônica apresentar disfunção plaquetária e sangrar no tubo digestório A análise do perfil férrico inclui ferro sérico ferritina CTLF e saturação da transferrina Ferro sérico normal ou elevada Ferritina normal ou elevada TIBC normal ou diminuida Anemia de doenças crônicas Ferro sérico normal Ferritina normal Eletroforese de Hb alterada Perfil férrico Anemia microcítica VCM 80 fL Hemoglobinopatias Ferro sérico diminuído Ferritina diminuída TIBC elevada Anemia ferropriva Figura 34 Investigação das anemias microcíticas 50 Unidade I Na anemia ferropriva ferro sérico e ferritina diminuídos e CTLF aumentado A deficiência de ferro produz trombocitose aumento do número de plaquetas reativa que é um dado adicional para o diagnóstico As principais causas de anemia ferropriva podem ser vistas a seguir junto com algumas informações sobre cada uma delas Carência alimentar de ferro é mais comum em crianças gestantes e idosos Presença de parasita realizar exame parasitológico das fezes que pode identificar ovos de ancilóstomo Trichuris trichiura ou ovos de Schistosoma Sangramentos mulheres com menstruação abundante Devese realizar ultrassonografia transvaginal Hematêmese e melena indicam hemorragia digestiva alta Já o sangramento retal com sangue vivo indica hemorragia digestiva baixa Os antiinflamatórios não esteroides e os corticoides podem ocasionar úlcera péptica O uso de bebidas alcóolicas provoca distúrbios da coagulação e varizes esofágicas Devese solicitar exame de sangue oculto nas fezes e endoscopia do sistema digestório Máabsorção histórico de cirurgia gástrica síndrome de máabsorção ou ressecção do intestino delgado O teste da imuniglobulina Atransglutaminase tecidual IgAtTG é positivo em pacientes com doença celíaca Outro perfil férrico que pode ser verificado em caso de anemia microcíticahipocrômica é o ferro sérico diminuído ferritina normal ou elevada e capacidade total de ligação do ferro baixa que sugerem a presença de processo inflamatório crônico doença autoimune principalmente artrite reumatoide neoplasias lesões provocadas por traumas ou cirurgia de grande porte ou reações autoimunes No início do quadro as hemácias são normocíticas mas com o tempo tornamse microcíticas O mecanismo que desencadeou a anemia é o sequestro de ferro pelas células reticuloendoteliais Assim o ferro fica indisponível para a síntese de hemoglobina Além disso no paciente com infecção câncer ou doença inflamatória ocorre aumento da produção de citocinas derivadas de macrófagos por exemplo interferonβ IL1 fator de necrose tumorala que contribuem para a redução da produção de eritropoeitna EPO e induzem a síntese hepática de hepcidina Nesse momento vamos detalhar o mecanismo do ferro sérico A hepcidina é responsável pelo controle do ferro plasmático Alta expressão de hepcidina diminui o ferro ao contrário a expressão diminuída aumenta a concentração de ferro circulante A hepcidina se liga à outra proteína a ferroportina presente na membrana de macrófagos hepatócitos e enterócitos e impede a saída de ferro dessas células Após a formação do complexo hepcidinaferroportina este é internalizado e depois degradado nos lisossomas ANTUNES CANZIANI 2016 É importante ressaltar que a ferroportina é o único poro por onde o ferro sai da célula 51 HEMATOLOGIA CLÍNICA Células exportadoras de ferro enterócitos duodenal macrófagos hepatócitos Ferro Ferro Hepcidina Ferritina Baixa hepcidina Captura de ferro Alta hepcidina Captura de ferro Figura 35 Mecanismo de regulação celular do ferro pela hepcidina Adaptada de Lemos et al 2010 p 597 Também é possível verificarmos um quadro de anemia microcítica com perfil férrico normal Nesse caso outro exame será importante a eletroforese de hemoglobina para investigação das hemoglobinopatias E o que são hemoglobinopatias Elas são um grupo heterogêneo de herança recessiva que pode originar defeitos qualitativos ou quantitativos na síntese da hemoglobina Os principais distúrbios são as doenças falciformes e as talassemias A anemia falciforme ou doença falciforme é a hemoglobinopatia mais comum decorrente da mutação GATGTG no gene que codifica a cadeia β da hemoglobina ocasiona a formação da hemoglobina S a letra S deriva da palavra inglesa sickle que significa foice A troca do aminoácido ácido glutâmico por uma valina acarreta alterações das cargas da hemoglobina na solubilidade e na estabilidade A hemoglobina S forma polímeros na desoxigenação e com isso decorre o enrijecimento da sua membrana Dessa forma a hemácia falciforme tende a obstruir os capilares levando a episódios de vasoclusão A diminuição da oxigenação dos tecidos desencadeia os sintomas e sinais apresentados pelos pacientes com anemia falciforme Os pacientes apresentam a anemia desde a infância Hb entre 6 a 10 gdL infecções repetidas atraso no crescimento e esplenomegalia crises de dor crises hemolíticas úlceras nos membros inferiores síndrome torácica aguda priapismo retinopatia insuficiência renal crônica acidente vascular cerebral entre outros ANVISA 2002 Obstrução do vaso sanguíneo Figura 36 Obstrução do vaso sanguíneo por hemácias falciforme 52 Unidade I A hemácia falciforme é destruída precocemente o que justifica as crises hemolíticas e ainda contribui para o estabelecimento de um quadro inflamatório crônico devido aos produtos liberados pelas hemácias destruídas Quais são as alterações laboratoriais que podem ser verificadas nos exames do paciente com anemia falciforme A anemia é do tipo microcítica e hipocrômica O número de reticulócitos está elevado indicando atividade compensatória da medula óssea na reposição das hemácias destruídas O RDW é elevado em virtude da presença de drepanócitos hemácias em foice A presença de leucocitose indica aumento da hemólise pois os monócitos destroem as hemácias através da fagocitose O teste de falcização que utiliza substância redutora de oxigênio em gota de sangue ocasiona a falcização das hemácias quando estas são drepanócitos Entretanto esse teste apenas identifica a presença de hemoglobina S mas não determina o genótipo AS ou SS Para tanto é necessária a eletroforese de hemoglobina que é considerado o padrão ouro de diagnóstico A cromatografia líquida de alta performance HPLC a focalização isoelétrica e os métodos de biologia molecular que utilizam enzimas de restrição são métodos mais modernos e podem ser utilizados para o diagnóstico Vejamos o padrão de corrida de eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose em pH alcalino Observe que a amostra 1 apresenta padrão normal HbAA a amostra 2 é de um paciente traço falciforme e a amostra 3 é de um paciente portador de anemia falciforme HbSS 1 2 3 A2 Amostra S F A Figura 37 Eletroforese de hemoglobina Amostra 1 HbAA 2 HbAS e 3 HbSS Adaptada de Brasil 2012 p 16 53 HEMATOLOGIA CLÍNICA Qual é a importância do diagnóstico para anemia falciforme O termo doença falciforme é utilizado para as formas sintomáticas da doença devido à presença de HbS em homozigose ou em associação com outras hemoglobinas variantes ou talassemias por exemplo HbSC e a talassemia beta S A anemia falciforme teve origem na África e acomete cerca de 01 a 03 da população negra no Brasil Vejamos a probabilidade de um casal heterozigoto gerar filhos saudáveis traço falciforme ou portadores de anemia falciforme Pai HbAS Mãe HbAS Filho Hb AA 25 Filho Hb AS 50 Filho Hb SS 25 Figura 38 A genética da anemia falciforme Casal com traço falciforme Os indivíduos traço falciforme HbAS não apresentam sintomas vasoclusivos sob condições fisiológicas Entretanto alguns sinais clínicos se manifestam quando ocorre hipóxia acidose e desidratação A expectativa de vida é semelhante à do resto da população e portanto o portador assintomático não tem alteração da sua qualidade de vida Saiba mais O dia 27 de outubro foi instituído pela Lei n 121042009 como o dia nacional de luta pelos direitos das pessoas com doenças falciformes O objetivo é incentivar ações de educação e informação sobre a doença a partir de debates sobre o assunto Para saber mais sobre essa doença leia a seguinte publicação BRASIL Doença falciforme condutas básicas para tratamento Brasília Ministério da Saúde 2012 54 Unidade I Outra hemoglobinopatia frequente em descendentes de países do Mediterrâneo espanhóis gregos italianos etc é a talassemia Geralmente há histórico familiar As talassemias são patologias que ocorrem pela deficiência parcial ou total de cadeias globínicas alfa ou beta Quais são os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes com talassemia Dependendo da forma clínica os pacientes podem apresentar icterícia esplenomegalia anormalidades esqueléticas dentes desalinhados entre outros E quais são as alterações no hemograma do paciente com talassemia Diminuição da hemoglobina diminuição do VCM e contagem de reticulócitos elevada Após o hemograma o clínico continua a investigação com a solicitação de eletroforese de hemoglobina Na talassemia alfa os genes alfa não produzem cadeias globínicas alfa mas os genes beta produzem a cadeia beta Na talassemia beta os genes beta não produzem cadeias globínicas beta mas os genes beta produzem a cadeia alfa No caso da talassemia alfa haverá cadeia beta em excesso que ficam livres e acabam se unindo em tetrâmeros e forma a hemoglobina H Hb H A cadeia globínica alfa é sintetizada por quatro genes alfa dois genes em cada um dos dois cromossomos 16 Já a cadeia globínica tipo beta é codificada por dois genes beta um gene em cada um dos cromossomos 11 Há formas clínicas distintas de talassemas alfa portador silencioso traço alfa talassemia doença da hemoglobina H e hidropsia fetal Portador silencioso aa a o indivíduo herda um gene defeituoso de um dos pais mas não apresenta sintomas e não necessita de tratamento Traço alfa talassemia aa ou a a o indivíduo apresenta dois genes defeituosos as manifestações clínicas quando presentes são palidez e cansaço e o hemograma apresenta alterações leves Doença da hemoglobina H aa a o indivíduo herda três genes defeituosos e manifesta a doença da hemoglobina H que resulta em anemia e necessidade de tratamento A hemoglobina geralmente está entre 8 e 10 gdL e HCM e VCM diminuídos Hidropsia fetal nesse caso a mutação afeta os quatro genes o que causa a completa incapacidade do organismo em produzir as cadeias alfa Esse quadro é incompatível com a vida e o feto vai a óbito Em relação à talassemia do tipo beta esse é o tipo mais frequente no Brasil e no mundo De acordo com o defeito genético existem as talassemias beta zero β0 quando não há síntese de cadeias globínicas e talassemias beta mais β quando ainda ocorre síntese de cadeia beta Consequentemente há acúmulo de cadeias do tipo alfa que se precipitam danificam a membrana das hemácias e destroem essas células prematuramente causando a anemia 55 HEMATOLOGIA CLÍNICA As hemácias defeituosas são sequestradas pelo baço o que resulta em esplenomegalia anemia hemolítica com elevação da bilirrubina indireta O aumento da função do baço também contribui para a destruição de leucócitos e plaquetas acarretando leucopenia e plaquetopenia Assim esses pacientes apresentam mais quadros de infecções e sangramentos principalmente sangramento nasal epistaxes Além disso devido ao aumento da porcentagem de Hb fetal que tem maior afinidade pelo oxigênio ocorre menor oxigenação tecidual predispondo o paciente às infecções e ao desenvolvimento de úlceras nas pernas Ocorre também estímulo para a produção de eritropoietina o que promove aumento da eritropoese A hiperplasia da linhagem eritroide ocasiona aumento da absorção de ferro e acúmulo de ferritina Quanto às lesões ósseas verificamse deformidades da face maxilar e crânio e baixa estatura dos pacientes Há também massas extraósseas com formação de tumores no mediastino e retroperitônio As talassemias beta podem ser classificadas em três subtipos Talassemia menor ou traço talassêmico o indivíduo apresenta anemia leve sem necessidade de tratamento Nesse caso o indivíduo herda um único gene alterado A Hb fetal pode estar normal ou discretamente aumentada Talassemia intermediária o tipo mais comum é decorrente de defeitos dos genes de cadeia globínica do tipo β ββ no qual os pacientes apresentam um quadro clínico mais brando do que os pacientes com talassemia beta maior e não dependem de transfusão sanguínea Talassemia maior também referida como anemia de Cooley foi descrita em 1925 pelos pediatras americanos Thomas B Cooley e Pearl Lee Eles descreveram o primeiro caso no mundo de talassemia beta homozigótica em 1925 em quatro crianças que apresentaram anemia grave deformidades dos ossos da face e crânio e aumento do baço O paciente com beta talassemia maior pode ser homozigoto para cadeia globínica do tipo β ou do tipo β0 ou em casos raros pode ser duplo heterozigoto ββ0 O paciente apresenta anemia grave cardiopatias emagrecimento febre elevação de ácido úrico As transfusões sanguíneas são necessárias periodicamente o que causa acúmulo de ferro e da ferritina podendo ocasionar hepatopatias transfusionais além de doenças transmissíveis HIV e hepatite C entre outras 432 Anemia normocíticanormocrômica Na maioria das vezes o valor normal de VCM e HCM indica a presença de hemácias de diferentes tamanhos e formatos por exemplo a presença de micrócitos e macrócitos o que no valor médio resulta normal O RDW é um parâmetro que nesses casos facilita a interpretação da morfologia eritrocitária As anemias normocíticas podem ser quanto à sua base fisiopatológica do tipo hipoproliferativa ou hiperproliferativa Vejamos as características de cada tipo 56 Unidade I Hipoprolifetarivas normalmente associadas aos distúrbios que diminuem a produção de hemácias por exemplo as neoplasias hematológicas e a anemia aplásica A anemia isolada é decorrente de aplasia pura da série eritroide A doença renal crônica ou o hipotireoidismo podem acarretar a anemia isolada Outras causas importantes a serem investigadas são sintomas de sangramento infecção por parvovírus hepatite viral malária caxumba que podem causar aplasia pura da série eritroide por tempo limitado O uso de medicamentos altiepiléticos cloranfenicol fenitoina carbamapezina valproato de sódio provocam aplasia da série eritroide Hiperproliferativas incluem a anemia hemolítica microangiopática anemia hemolítica autoimune ou causadas por medicamentos infecções reações transfusionais ou queimaduras Medicamentos tais como alguns antiinflamatórios não esteroidais penicilina metildopa levodopa cefalosporinas clopidogrel ciclosporina e pílulas contraceptivas A anemia é resolvida quando o paciente para de fazer uso do medicamento A figura a seguir indica as principais causas de anemia normocítica e normocrômica Elevado Anemia hemolítica Hemorragia Reticulócitos Anemia normocítica VCM 80 100 fL Normal Leucemias Anemia aplástica Anemia pura da série vermelha Figura 39 Investigação das anemias normocíticas Entre as anemias hemolíticas há um quadro clínico que se destaca pela presença de sangue na urina A presença de sangue na urina caracteriza a hemoglobinúria paroxística noturna HPN uma anemia hemolítica crônica adquirida rara O termo noturna foi atribuído pela concepção inicial de que a cor vermelha da urina observada pela manhã era desencadeada por acidose durante o sono ativaria o sistema complemento e causaria a destruição da membrana das hemácias Entretanto verificouse que a hemólise ocorre a qualquer hora do dia o fato de ser verificada na urina da manhã devese a maior concentração urinária O quadro clínico cursa com falência medular anemia hemolítica neutropenia e trombocitopenia O paciente apresenta ainda tromboses venosas 57 HEMATOLOGIA CLÍNICA especialmente nas veias hepáticas e intraabdominais que representam grande causa de mortalidade Nesses pacientes devese investigar CD55 e CD59 por citometria de fluxo A mutação no gene da fosfatidilinositolglicana classeA induz o bloqueio da síntese de âncoras de glicosilfosfatidilinositol GPI na membrana das hemácias As âncoras de GPI mantêm as proteínas aderidas à membrana plasmática incluindo as proteínas CD55 e CD59 que controlam a ativação da cascata do sistema complemento Assim pela citometria de fluxo verificase diminuição de CD55 e CD59 na membrana das hemácias 433 Anemia macrocítica As anemias macrocíticas se caracterizam pela presença de hemácias de tamanho aumentado e consequentemente VCM elevado também A principal característica é o bloqueio na síntese de DNA que torna a hemácia grande As anormalidades megaloblásticas também podem ocorrer em células epiteliais da mucosa oral estômago e intestino o que pode acarretar glossite e má absorção secundária Há dois grupos de anemias macrocíticas megaloblásticas e não megaloblásticas Vejamos as principais causas de cada tipo de anemia Na anemia megaloblástica a medula óssea apresenta hipercelularidade com alterações megaloblásticas em todos os estágios de diferenciação eritroide E no sangue periférico verificamse neutrófilos hipersegmentados As principais causas de anemia megaloblástica são Deficiência de vitamina B12 eou folato o paciente possivelmente apresenta histórico de baixa ingestão de alimentos devido à desnutrição dieta vegana abuso de álcool ou ainda doença celíaca ou doença de Crohn Uso de medicamentos que interferem na síntese de DNA o paciente apresenta histórico de uso de medicamentos análogos da purina metotrexato anticonvulsivante entre outros Doença tireoidiana autoimune pode coexistir com anemia perniciosa e gastrite atrófica e acarretar diminuição da absorção de vitamina B12 Devese investigar os níveis de vitamina B12 e ácido fólico ou ainda realizar pesquisa de anticorpos contra fator intrínseco e para células parientais que são positivos na anemia perniciosa A deficiência de vitamina B12 pode ser assintomática por anos e pode levar ao aparecimento de manifestações neuropsiquiátricas irreversíveis Os danos podem ocorrer no sistema nervoso central e periférico na forma de polineurites sensoriais perda de memória disfunções cognitivas demência e depressão Em gestantes a deficiência de vitamina B12 aumenta o risco de defeito no tubo neural do feto 58 Unidade I Entretanto há casos de macrocitose sem anemia megaloblástica Nesse caso os exames excluem a deficiência de vitamina B12 deficiência de folato e reticulocitose São anemias secundárias a outras patologias e verificase discreta macrocitose VCM entre 100 e 110 fL As principais causas de anemias não megaloblásticas são Abuso de álcool o paciente apresenta histórico de etilismo Síndrome mielodisplásica o paciente apresenta histórico de exposição ocupacional aos destilados de petróleo por exemplo benzeno realizou quimioterapia ou radioterapia Relato de febre fadiga calafrios infecções recorrentes sudorese noturna anorexia e formação fácil de hematomas revela suspeita de síndrome mielodisplásica O exame de citogenética indica as translocações cromossômicas normalmente presentes nesses pacientes Doença hepática crônica o paciente geralmente apresenta exames bioquímicos de avaliação da função hepática alterados A figura a seguir indica as principais causas de anemia macrocítica Não megaloblástico Alcoolismo SMD Hepatopatias Mielograma Anemia macrocítica VCM 100 fL Megaloblástico Deficiência de vitamina B12 eou folato Figura 40 Investigação das anemias macrocíticas 59 HEMATOLOGIA CLÍNICA Resumo Aprendemos sobre a morfologia e as funções das células que constituem o sangue Os leucócitos são as células de defesa e são classificados em graulócitos neutrófilos eosinófilos e basófilos e agranulócitos linfócitos e monócitos Os leucóticos realizam defesa contra vírus bactérias fungos células virais entre outros As hemácias transportam oxigênio até os tecidos e as plaquetas realizam a coagulação A produção das células do sangue ocorre na medula óssea mais especificamente no nicho hematopoético um local anatomicamente delimitado que abriga as célulastronco hematopoéticas Esse processo é hierárquico e ordenado regulado pelo oxigênio vitaminas ferro e hormônios A partir das célulastronco pluripotentes as células comprometidas com as linhagens linfoide e mieloide originam todas as células sanguíneas Estudamos também como fazer a leitura do hemograma que compreende leucograma eritrograma e plaquetograma A partir da interpretação da hemoglobina e dos índices hematimétricos HCM VCM e CHCHM aprendemos a identificar e classificar laboratorialmente as anemias A partir da classificação laboratorial abordamos os exames complementares que são solicitados para diagnóstico das anemias Também estudamos que os defeitos genéticos podem gerar anemias como no caso da anemia falciforme e das talassemias 60 Unidade I Exercícios Questão 1 O hemograma é um dos mais importantes exames de rotina Ele fornece informações qualitativas e quantitativas sobre as linhagens eritrocitária leucocitária e plaquetária as quais em conjunto com outros exames auxiliam no diagnóstico do paciente Um dos parâmetros do hemograma que deve ser interpretado pelo profissional que trabalha na área de hematologia é o hematócrito Em relação a esse parâmetro avalie as afirmativas I O hematócrito corresponde ao percentual de leucócitos em determinado volume de sangue II O hematócrito encontrase elevado nas desidratações III O hematócrito encontrase elevado nas anemias É correto o que se afirma apenas em A I apenas B II apenas C III apenas D I e III apenas E II e III apenas Resposta correta alternativa B Análise das afirmativas I Afirmativa incorreta Justificativa o hematócrito corresponde ao percentual de hemácias não de leucócitos em determinado volume de sangue Faz parte de série vermelha do hemograma II Afirmativa correta Justificativa o hematócrito encontrase elevado nas condições de desidratação por redução do volume do plasma 61 HEMATOLOGIA CLÍNICA III Afirmativa incorreta Justificativa nas anemias o hematócrito encontrase diminuído não elevado Questão 2 Avalie os dados apresentados no caso clínico a seguir e a figura extraídos da obra Casos clínicos disciplina de hematologia e hemoterapia 2015 da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto Caso clínico Homem 19 anos mulato natural do interior da Bahia e procedente de Barrinha SP desempregado O paciente refere que há cerca de 3 dias começou a sentir dores em membros inferiores As dores nas pernas se iniciam de forma abrupta e progressiva No início cediam com uso de analgésicos simples como paracetamol e dipirona porém há 1 dia como as dores haviam piorado procurou o prontosocorro de sua cidade para receber analgésicos mais potentes e de forma endovenosa Hoje pela manhã fez um hemograma em sua cidade e foi constatada anemia grave Foi encaminhado a este serviço para investigar a causa da anemia e da dor em membros inferiores No momento da admissão na Unidade de Emergência referia dores em membros inferiores de forte intensidade Negava outros sintomas como tosse febre cefaleia dor abdominal ou mudança do hábito intestinal Referia que desde criança sentia dores pelo corpo esporadicamente semelhante ao quadro atual Pele e anexos refere palidez cutânea e presença de úlcera na perna esquerda de longa data Olhos refere os olhos ficam amarelos constantemente Resultados dos exames Rx de mmii ausência de fraturas Ausência de sinais de osteomielite Laudo dentro da normalidade 62 Unidade I Hemograma Hb 62gdl VN 135 175gdL Leucócitos 14800µL VN 3500 10500µL Ht 184 VN 39 50 Neutrófilos 8100 1700 8000 Plaquetas 545000µL 150 450 x 103µL Eosinófilos 900 50 500 Contagem de reticulócitos 11 VN 1 225 Linfócitos 5200 900 2900 Monócitos 600 300 900 Comentários série vermelha presença de hemácias em forma de foice em grande quantidade Neutrófilos sem granulações tóxicas ou microvacúolos linfócitos sem alterações Figura 41 Fonte httpstinyurlcom3xj66pks Acesso em 10 abr 2021 Considerando o que foi exposto e os conhecimentos sobre o tema avalie as afirmativas I O quadro clínico descrito e os resultados do hemograma são compatíveis com o diagnóstico de anemia ferropriva e os achados da série vermelha mostrados na figura confirmam essa hipótese pois nessa condição ocorre falcização das hemácias II No hemograma o resultado do hematócrito abaixo dos valores de referência é característico de anemia porém o valor baixo de hemoglobina pode indicar outra condição já que nas anemias a hemoglobina é elevada III As dores em membros inferiores são compatíveis com quadro clínico de anemia falciforme como resultado de episódio de crise vasooclusiva muito frequente nessa condição 63 HEMATOLOGIA CLÍNICA É correto o que se afirma em A I apenas B II apenas C III apenas D I e II apenas E II e III apenas Resposta correta alternativa C Análise das afirmativas I Afirmativa incorreta Justificativa os resultados do hemograma evidenciam anemia como o próprio texto anuncia O quadro clínico descrito e os achados da série vermelha com hemácias em forma de foice são compatíveis com diagnóstico de anemia falciforme não de anemia ferropriva A falcização das hemácias característica da anemia falciforme é explicada conforme vemos a seguir no Manual de diagnóstico e tratamento de doenças falciformes A anemia falciforme doença genética que levou ao conceito de doença molecular é caracterizada por anemia hemolítica crônica e fenômenos vasoclusivos que levam a crises dolorosas agudas e à lesão tecidual e orgânica crônica e progressiva É causada pela substituição de adenina por timina GAGGTG codificando valina ao invés de ácido glutâmico na posição 6 da cadeia da βglobina com produção de hemoglobina S HbS Esta pequena modificação estrutural é responsável por profundas alterações nas propriedades físicoquímicas da molécula da hemoglobina no estado desoxigenado Estas alterações culminam com um evento conhecido como falcização que é a mudança da forma normal da hemácia para a forma de foice resultando em alterações da reologia dos glóbulos vermelhos e da membrana eritrocitária ANVISA 2002 I Afirmativa incorreta Justificativa nas anemias a hemoglobina e o hematócrito são baixos A redução da hemoglobina é destaque da definição de anemia da OMS uma condição em que se detecta diminuição de hemoglobina abaixo dos valores de referência 64 Unidade I III Afirmativa correta Justificativa a falcização das hemácias característica da anemia falciforme pode acarretar a vasooclusão e episódios de dor de acordo com o Manual de diagnóstico e tratamento de doenças falciformes A anemia falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum do Brasil A causa da doença é uma mutação de ponto GAGGTG no gene da globina beta da hemoglobina originando uma hemoglobina anormal denominada hemoglobina S HbS em vez da hemoglobina normal denominada hemoglobina A HbA Esta mutação leva à substituição de um ácido glutâmico por uma valina na posição 6 da cadeia beta com consequente modificação físicoquímica na molécula da hemoglobina Em determinadas situações estas moléculas podem sofrer polimerização com falcização das hemácias ocasionando encurtamento da vida média dos glóbulos vermelhos fenômenos de vasooclusão e episódios de dor e lesão de órgãos ANVISA 2002 Os glóbulos vermelhos falciformes deformados são endurecidos e pegajosos podendo obstruir a circulação do sangue ao contrário dos glóbulos vermelhos saudáveis que são arredondados e flexíveis Isso pode ser mais bem visualizado na representação a seguir Glóbulos vermelhos falciformes a bloquearem a circulação sanguínea Glóbulos vermelhos saudáveis Circulação sanguínea normal Vasooclusão de células falciformes Figura 42 Adaptada de httpscuttlygmSp3GY Acesso em 11 abr 2021