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455 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 ARTIGO ARTICLE Práticas e comportamento alimentar no meio urbano um estudo no centro da cidade de São Paulo Eating practices and behavior in the urban environment a study in downtown São Paulo 1 Departamento de Nutrição Faculdade de Ciências Médicas Pontifícia Universidade Católica de Campinas Av John Boyd Dunlop sno Campinas SP 13020904 Brasil Rosa Wanda Diez Garcia 1 Abstract This study focuses on the implications of urban life style on eating habits and the re lated symbolic representations Theoretical references used to approach the food experience are the concepts of social representation and habitus The methodology consisted of a qualitative analysis of interviews with 21 administrative employees and field observations made at com mercial establishments in downtown São Paulo such as snack bars and restaurants Study of eating behavior and practices was developed along two planes food actually eaten and food de sired Results were classified into three segments ingesting and digesting affection determi nants of social representations of eating practices and rituals in eating practices Due to their origin in a domestic universe symbolic aspects associated with food have a strong affective ma trix Concrete conditions of the urban environment associated with the subjects financial limits establish a structure of values and feelings compatible with the subjects possibilities The study addresses both the abbreviation of food rituals and its implications on food behavior as well as features of the present urban food pattern Key words Feed Feeding Behavior Food Habits Social Representation Resumo Este trabalho explora a dimensão da comida no modo de vida urbano tendo em vista as implicações que este modo de vida tem nos hábitos alimentares e nas representações simbóli cas envolvidas Utilizamos como referencial teórico os conceitos de representação social e de ha bitus para abordarmos a experiência alimentar A metodologia utilizada foi a análise qualitati va do discurso de 21 funcionários administrativos e o estudo de observação em estabelecimentos comerciais como lanchonetes e restaurantes na região central de São Paulo O estudo do com portamento alimentar foi exposto em dois planos o dos alimentos e preparações consumidos e o dos desejados Por sua origem no universo doméstico os aspectos simbólicos associados à ali mentação têm uma forte matriz afetiva As condições concretas do meio urbano associadas aos limites financeiros do sujeito estabelecem um arcabouço de valores e sentimentos compatíveis com suas possibilidades A abreviação dos rituais alimentares e suas implicações no comporta mento alimentar são abordados bem como as características do atual padrão de alimentação urbano Palavraschave Alimentação Comportamento Alimentar Hábitos Alimentares Representação Social GARCIA R W D 456 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Introdução A alimentação está envolta nos mais diversos significados desde o âmbito cultural até as ex periências pessoais Nas práticas alimentares que vão dos procedimentos relacionados à pre paração do alimento ao seu consumo propria mente dito a subjetividade veiculada inclui a identidade cultural a condição social a reli gião a memória familiar a época que perpas sam por esta experiência diária garantia de nossa sobrevivência Partindo da premissa de que características do modo de vida urbano orientam o compor tamento alimentar o objetivo deste trabalho foi explorar a dimensão da comida e suas re presentações simbólicas neste meio conhecer o que as pessoas comem e o que representa co mer no centro da cidade de São Paulo Delimitamos como locus característico do meio urbano um trecho do centro da cidade de São Paulo entre as Praças do Patriarca e São Bento incluindo as ruas São Bento Líbero Ba daró e adjacências onde realizamos observa ção de campo em estabelecimentos comerciais como lanchonetes e restaurantes Ao pretender abordar o comensal urbano duas possibilida des foram cogitadas entrevistar os que traba lham no centro da cidade e os que passam pelo centro Optamos pelo comensal que trabalha no centro da cidade e faz pelo menos uma grande refeição almoço neste local O traba lho foi baseado principalmente em entrevistas com 21 funcionários administrativos que tra balham na Secretaria da Habitação da Prefeitu ra Municipal de São Paulo localizada no Ed Martinelli situado no trecho delimitado para o estudo Dos 21 entrevistados 10 eram do sexo feminino e 11 do masculino Todos eram fun cionários administrativos 13 ocupam o cargo de oficial da administração geral 2 são assis tentes administrativos 2 auxiliares de pesqui sa 2 encarregados de setor e os demais auxi liar de escritório e secretário Dezessete pes soas tinham o segundo grau completo 1 o pri meiro grau completo e 3 tinham título univer sitário sem nunca terem exercido a profissão Entre 20 e 29 anos havia 12 entrevistados entre 30 e 39 6 e com mais de 40 anos 3 pessoas Quatorze entrevistados nasceram e sempre vi veram em São Paulo 3 eram paulistas e 4 vie ram de outros estados As entrevistas foram orientadas por um roteiro flexível e realizadas no horário de trabalho segundo a disponibili dade do funcionário Duraram em média entre uma hora e uma hora e meia e foram gravadas Analisamos as entrevistas por categoria temá tica como se sente na cidade valoração positi va ou negativa de alimentos e locais hábitos alimentares nos dias e fins de semana comida de casa refeições feitas durante o turno de tra balho lanches etc e por unidade conside rando a coerência do discurso do entrevistado Na análise das entrevistas estaremos usando citações dos relatos em função da temática a ser enfocada Como referencial teórico utilizamos o con ceito de representação social Moscovici 1978 e de habitus Bourdieu 1983 para abordarmos a experiência alimentar Apresentamos no tex to que se segue os resultados do estudo sobre práticas e comportamento alimentar urbano no centro da cidade de São Paulo subdivididos em três partes ingestão e digestão do afeto algumas condições que determinam as repre sentações sociais sobre as práticas alimenta res e os rituais nas práticas alimentares Práticas e comportamento alimentar urbano O comportamento alimentar do qual estare mos tratando aqui é o relatado pelos entrevis tados que adentra duas instâncias a dos ali mentos consumidos e a dos desejados Não nos preocupou distinguir nos relatos estas duas instâncias por considerarmos que ambas fazem parte das representações sociais sobre a alimentação e orientam o comportamento ali mentar Abordaremos o assunto nos apoiando no conceito de representação social definida co mo a construção mental da realidade que pos sibilita a compreensão e organização do mun do bem como orienta o comportamento Mos covici 1978 Jodelet 1988 Tratase de como o objeto social é apreendido interpretado e re constituído Os elementos da realidade os con ceitos as teorias e as práticas são submetidos a uma reconstituição a partir de informações co lhidas e da bagagem histórica social e pessoal do sujeito permitindo desta forma que se tor nem compreensíveis e úteis Nesse processo as representações sociais tornam um objeto sig nificante introduzindoo num espaço comum digerindoo de forma a permitir sua com preensão e sua incorporação como recurso pe culiar ao sujeito O aspecto a ser destacado na perspectiva das representações sociais da comida é que aqui a experiência reside como seu componen te mais forte Neste sentido Bourdieu 1983 é o autor que através do conceito de habitus in sere com mais veemência as práticas nas re presentações sociais Os habitus que funcio Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 nam como disposições estruturadas e estrutu rantes são fortemente marcados pelas primei ras experiências as que ocorrem no interior das manifestações familiares Essas estruturas de origem irão constituir o princípio da per cepção e da apreciação de toda a vida ulterior O gosto os conflitos as preocupações as lições de moral entre outros manifestarseão se gundo tais experiências constituintes do habi tus Ele funciona como matriz de percepções de apreciações e de ações e é princípio gerador e estruturador das práticas e das representa ções Ao paladar apreciado incorporamse re presentações sociais sobre alimentação forma das por exemplo a partir de informações cien tíficas veiculadas pela mídia Tais representa ções poderão no discurso se sobrepor ao pa ladar O complexo de elementos constituintes das representações sobre alimentação e que orientam o comportamento alimentar não é regido necessariamente pela coerência ou melhor ela existe circunstancialmente impos ta por uma dada situação Um mesmo entrevis tado por exemplo quando está se referindo à comida de sua casa colocaa como sendo a melhor e a preferida Num outro momento ao falar de sua experiência com as refeições feitas fora de casa o entrevistado diz que come me lhor fora de casa Tais elementos constituintes das representações sociais convivem em es truturas flexíveis adaptandose às circunstân cias ao gosto aos valores etc Estando as re presentações sociais no entremeio do discurso e da prática orientandoos e sendo por eles orientadas acreditamos que tais representa ções mutantes principalmente no plano do discurso são mais refratárias ao plano da ex periência As representações sociais sobre alimenta ção podem estar sendo orientadas por diferen tes matrizes Por exemplo pelo hedonismo ou pela disciplina guiandose respectivamente por aquilo que se quer comer ou seja pela bus ca da satisfação do paladar do prazer pelo que será consumido ou ao contrário por aquilo que se deve comer quando a norma é o padrão idealizador predominante dessas representa ções sociais Exemplificamos com duas entrevistas que servem como referências polares e antagônicas dos dois modelos aquele que em suas repre sentações destaca o prazer e aquele que en fatiza a norma na alimentação Se eu precisar eu peço dinheiro pro agiota mas eu me alimento bem Eu não me preo cupo se vou comer muita massa e vou engordar ou vou comer muita gordura e vou ter coleste rol Eu não me preocupo Eu acho o seguinte vo PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 457 cê tá aí um dia você vai ter que morrer O pes soal fala o cigarro mata Eu conheço muita gente que tá com 90 anos de idade e fumando não morreu ainda Vai do organismo da pessoa da saúde da pessoa Quanto mais você se cuida pior é Sou vegetariano Tenho um sistema de co mer Às vezes até me dá fome mas eu porque o organismo vai se adaptando Então eu acho que você para o funcionamento regular do teu or ganismo você tem que ter equilíbrio uma disci plina alimentar Se você tiver um pouqui nho de consciência de alimentação você vai procurar se adequar a esse ambiente da melhor forma possível É lógico a máquina vai des gastando a máquina não páraVolta e meia vo cê tem que levar pro mecânico pra fazer uma re visão geral Eu acho que você então tem que lu brificar a sua máquina da melhor maneira pos sível através de alimentos de qualidade Através de algumas frases que trazem em essência a relação do sujeito com a comida originária da experiência pregressa pudemos identificar alguns discursos regidos por dife rentes vínculos com a alimentação Por exem plo Como de tudo Esta matriz de orientação do vínculo com a comida tem como caracte rística uma relação austera adquirida na in fância Desde menino eu sempre fui criado assim tipo você come o que tem na mesa Estudei em escola interna né então você tinha que comer de tudo que as tias davam você enfiava goela abaixo Neste outro exemplo o comer de tudo di ferenciase pela valorização da variedade de comida de casa como pode ser observado nes ta fala Não ligo pra roupa sapato pra jóia pra nada agora pra alimentação isso é uma coisa que meu pai me ensinou em casa nunca faltou nada eu sempre comi muito bem Podia não ter roupa ou sapato bonito mas sempre me ali mentei muito bem Não posso falar isso eu não comi ou daquilo eu não comi não tem Há também outros tipos de relação como podemos constatar em comentários como sempre busco uma disciplina alimentar ou não sou de comer muito mesmo Nesses exemplos encontramos a psique na raiz das estruturas governantes da ligação do sujeito com a comida GARCIA R W D 458 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Ingestão e digestão do afeto A condição humana pela ausência do aparato instintivo que lhe dê autonomia é a da depen dência de seus semelhantes que inaugura desde o nascimento a inserção num mundo culturalmente constituído Steffen 1988 Não é possível situar os limites da natureza e da cul tura já na amamentação esse ato biológico por excelência Com nascimento inauguramse e a amamentação consagra simultaneamente a existência física a psíquica e a cultural Originária no universo doméstico a ali mentação enquanto prática está envolta no convívio familiar e social vinculada mais espe cificamente à figura da mãe e da mulher e por tanto atrelada a uma referência afetiva Confi gurada no espaço doméstico e sob responsabi lidade da mulher a alimentação era comparti lhada essencialmente na intimidade do lar Ho je mesmo a mulher que trabalha fora de casa não se furta da tarefa e da responsabilidade de ser a principal provedora da alimentação da fa mília com atividades que vão desde a defini ção do cardápio incluindo a responsabilidade de adequar os recursos financeiros às necessi dades de alimentos a realização de compras e preparação das refeições GráciaArnaiz 1996 O tempo na cidade provocou uma reorga nização da rotina interna da família mesmo quando a mulher não se encontra inserida no mercado de trabalho e dedica seu tempo exclu sivamente às atividades domésticas Comer em casa nos grandes centros urbanos não depen de apenas de ter alguém que se ocupe do pre paro da comida A distância entre o local de trabalho e a casa as dificuldades de desloca mento impostas pelo trânsito e o próprio ritmo da cidade dificultam a execução das refeições no domicílio Longe do reduto familiar como observa mos no centro da cidade de São Paulo esse as pecto afetivo acompanha representações so ciais ligadas à comida que se manifestam de maneiras diversas Através da intimidade do ato de comer da necessidade da companhia de amigos parentes ou do colega mais próximo da escolha do restaurante normalmente feita por indicação de amigos da valorização de ambientes aconchegantes da freqüência aos mesmos lugares quer seja pela comida ou pela relação amistosa com os garçons do local ve mos manifestações que delatam a busca cons tante da casa na rua A maioria dos lugares que eu vou é por in dicação do pessoal daqui de dentro mesmo En tão fui comer uma vez duas três daí começo a ir direto Nove anos que eu trabalhei aí e nove anos eu fui habituado a comer lá Porque lá é um lu gar que a gente sabe que é limpinho que o pes soal lá faz boa comida e eu conheço a pessoa que trabalha no balcão Eu comecei a ir porque o pessoal daqui começou a ir lá dizendo que era muito bom Lá você tem aqueles restaurantezinhos que os donos são portugueses são amigos do meu pai Você entra assim o cara te traz uma sopa depois tem também o prato do dia mas o pes soal faz na hora traz as porções até você Entendermos as questões conseqüentes à transferência dessa rotina alimentar para outro espaço que não o doméstico implica conside rar outros valores associados à alimentação em refeitórios de indústrias e escolas restauran tes no próprio local de trabalho na rua etc DaMatta 1985 utiliza a casa e a rua co mo categorias sociológicas para compreender mos a sociedade brasileira entendida como um sistema de ação embebido em valores e idéias A oposição entre casa e rua não deve ser compreendida a partir de espaços rígidos mas principalmente como entidades morais como esferas de ação social capazes de despertar emoções leis reações etc Nos códigos da ca sa a hospitalidade e a familiaridade tipificam uma suposta harmonia do lar O código da rua é regido por leis e mecanismos impes soais o modo de produção a luta de classes a subversão da ordem a lógica do sistema finan ceiro capitalista etc Dessa maneira não se pode transformar impunemente a casa na rua e viceversa Há regras e rituais impor tantes para isso As manifestações de afetividade que com põem as representações sociais da alimentação no meio urbano transferem para o convívio da rua elementos predominantes do convívio doméstico As pessoas geralmente preferem sair para comer acompanhadas por aqueles que têm maior ligação afetiva valorizam a comida caseira e criam vínculos nos lugares onde habi tualmente fazem suas refeições O vínculo afe tivo também é consolidado no ato alimentar Trabalhar até se trabalha com quem a gen te não gosta mas almoçar não Quando a com panhia não agrada o papo fica complicado a comida faz mal A gente sai sempre vai pra ir conversar um pouquinho não importa o que a gente vai co mer Nós comemos aqui Como a gente trabalha aqui em equipe a gente também come aqui em equipe uma espera a outra Eu sempre como com uma amiga minha irmã PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 459 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Normalmente almoço com o meu marido se o meu marido não tá eu almoço sozinha Normalmente no serviço o pessoal tem a pessoa certa para almoçar Meu pai trabalha aqui no centro de vez em quando nós almoçamos juntos umas duas ou três vezes por semana O restaurante é um recinto público e o des conforto de comer sozinho neste local é maior do que no ambiente de trabalho usualmente o refeitório seja por se ter mais possibilidades de encontrar um conhecido seja por sentirse mais à vontade Numa tentativa de mapear as melhores re giões para comer em São Paulo um dos entre vistados utilizou como referência a relação en tre sua casa e o centro Pra comer melhor você precisa se afastar daqui Se afastar até chegar na sua casa Quan to mais você se afastar do centro você vai comer melhor Este comentário mostra como o plano afe tivo orienta a escala de preferência manifesta da na oposição entre casa e rua Um caráter de intimidade circunda a comi da e o modo de comer revelado na preocupa ção e no constrangimento que as pessoas sen tem ao estarem sendo observadas quando es tão comendo A comida delata a condição so cial Quando as pessoas fazem a refeição no lo cal de trabalho sempre escolhem um canto re servado longe dos olhos de quem possa ver o que estão comendo Se for comer aqui vão ficar olhando o que estou comendo e o povo sempre comenta Eu mesmo já vi gente que come só arroz feijão e ovo Comer no local de trabalho só quando não tem jeito você tem que comer rapidinho num canto escondido as pessoas ficam olhando Na valorização da comida do tipo caseiro perseguese a casa lugar idealizado para ali mentação A comida do diaadia e a comida do lazer dos finais de semana transcorrem em espaços distintos e marcam diferenças simbó licas importantes A comida da rua nunca po derá substituir a comida de casa e os envolvi mentos que dela decorrem Os critérios utilizados para discernir a co mida caseira são aqueles que identificamse com o espaço domiciliar ou seja um lugar pe queno que não serve grande quantidade de comida onde a comida por ter mais gosto é mais forte Em contrapartida a comida tida como de escala industrial é qualificada como ruim por representar o contrário da domiciliar por ter cara de comida em grande escala pela desconfiança e desconhecimento do processo de elaboração da comida como demonstram as acusações de que a comida desses lugares tem segundo alguns entrevistados salitre e segundo outros conservantes ambos tidos como prejudiciais à saúde Um dos restauran tes não qualificados como caseiro foi consi derado bom por ser limpo com cardápio equilibrado por nutricionista com pratos fi xos mas ruim por servir muitas refeições e ser tido como restaurante de esquema empre sarial As características de distinção entre o que é caseiro e o que é industrial estão organiza das principalmente pelo argumento simbólico como observamos nos relatos A comida casei ra pertence ao domínio familiar o aspecto industrial representa o impessoal e desco nhecido A diversidade de opções em termos ali mentares que as pessoas dizem encontrar no centro da cidade não satisfaz Sempre em de trimento da comida da rua a comida de ca sa é valorizada por ser limpa melhor de tempero por saber quem faz porque não enjoa etc Mesmo considerando a variedade de opções a comida do centro é tida muitas vezes como repetitiva monótona e enjoa da A comida de casa é identificada com adjeti vos associados ao âmbito afetivo e pela segu rança de conhecer sua origem Então quando vou pra casa da minha mãe quando eu volto pra cáquando eu fico por lá assim de final de semana eu volto pra cá mais forte mais bonito Janto à noite em casa janto bem comidi nha caprichada da mama Em casa você é mais confiante porque você sabe o que tem na comida em casa é sempre mais segurança pra comer você sabe quem faz como faz sabe que a comida é bem mais tratada e a gente sabe de onde compra quem fez e onde foi feito o sabor a higiene a gente sabe como é feita a comida em casa Em contrapartida comer fora de casa tem conotações distintas quando se trata dos dias de trabalho e fins de semana Neste último ca so ou num dia de semana especial por exem plo comer fora enquadrase em outra catego ria a do lazer Atenuamse aqui os inconve nientes expostos com relação a comer fora de casa nos dias de semana Eu como sempre no restaurante aqui em baixo mas quando a gente saí assim pra almo çar fora a gente vai aqui no Lírico mas aí vai num aniversário alguma coisa assim vai a tur ma toda GARCIA R W D 460 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Final de semana quando a gente sai pra comer com a maioria do pessoal a gente vai num rodízio come carne e salada O orçamento não dá pra comer fora não permite mesmo do contrário vontade a gente tem né mas é difícil No final de semana você tem muita opção você não é obrigado a comer num determinado lugar Você vai onde acha legal o que é gostoso comer então sempre você escolhe o melhor lu gar pra ir jantar né E que seja num preço aces sível também A comida feita fora de casa nos dias de se mana durante o período de trabalho não é boa porque a gente não sabe como eles prepa ram a gente não vê mas que tem diferença tem porque fazem em quantidade não tem muita opção porque a comida é cara e não é igual à da casa da gente você não sabe o que está comen do não sabe como é feito geralmente o pessoal não tem muita higiene depende da sorte e da confiança no lugar ou porque não sabe o que vai encontrar no prato a comida a gente não vê não sabe quanto tempo fica parada on de você vê a diferença de uma pessoa que trabalha no centro e come no centro para aque las que comem em casa As desvantagens apontadas em comer no centro não foram sus tentadas durante toda a entrevista A compara ção com a comida de casa acentuou as devan tagens de comer na rua Como notamos nas caracterizações das práticas alimentares pertinentes a diferentes espaços há dois tipos de relação entre comida de casa e comida de rua uma relação de oposição e uma de independência em que pre dominam significantes autônomos de cada instância Os exemplos que se seguem são daqueles que desfrutam da alimentação feita fora de casa Bom como sou uma pessoa sozinha eu adoro comer fora porque uma das coisas que eu detesto é cozinhar Pra mim é uma coisa muito prática comer no centro eu como eu gosto de uma comida assim bem simples e tem vários cardápios saladas e outras coisas Carne pra mim não pode faltar sabe Por isso que eu te falo é melhor comer aqui do que em casa Aqui todo dia eu como carne ou fran go ou de vaca ou de boigosto daqui sim gos to dos lugares da comida eu gosto Não não é diferente comer em casa Eu não como nada assim de extraordinário em casa Porque assim se você come bem na rua chega em casa você não tem o que comer não tem gra ça nenhuma Então você tem que se virar comer aquilo que dá na tua casa Se você não gosta de alguma coisa tem um monte de opção Então aqui eu consigo fazer uma refeição como eu faço na minha casa Quando a prática alimentar do âmbito do méstico é colocada como referência à outra e no caso da alimentação isto é habitual é res saltado o caráter de oposição desses espaços Mas quando essas instâncias se deslocam para situações paralelas isto é com autonomia de valores e com referências nítidas diferenciadas gerase uma outra matriz de representação aquela peculiar a cada um desses espaços É possível notarmos como sutilmente em algu mas ocasiões quando esses domínios são tra tados com autonomia atenuamse as polari dades Quando se trata de uma refeição feita fora de casa como lazer por exemplo os crité rios de qualificação não são os mesmos que co mer na rua quando desvantagens de se co mer em casa são apontadas resgatamse ele mentos positivos associados a comer fora do domicílio mesmo quando anteriormente a comida de casa tenha sido enaltecida Estas constatações indicam uma coerência vulnerável nos discursos uma influência da re lação com o espaço casa e rua na expe riência alimentar com forte tendência de valo rização da experiência doméstica e muitos cri térios subjetivos na determinação da relação do sujeito com a comida Com o tempo a ex periência alimentar sendo consolidada fora do espaço doméstico talvez se construa uma rela ção mais positiva com a alimentação fora de casa Esta é uma possível hipótese a esse res peito Algumas condições que determinam as representações sociais das práticas alimentares As condições concretas associadas aos limites financeiros do sujeito estabelecem um arca bouço de valores e sentimentos compatíveis com as possibilidades alcançáveis A comida de casa delata mais as condições sociais do su jeito do que a comida da rua mesmo quando a escolha do prato é feita pelo preço As despesas domésticas com alimentação pertencem ao or çamento familiar e portanto a comida feita em casa está mais sujeita às condições sócioeco nômicas da família Acreditamos ser este um dos motivos pelo qual a alimentação domésti ca é resguardada com mais intimidade e os sen timentos a ela associados mais protegidos Os qualificativos para a comida de casa são dis tintos daqueles usados para apreciar a comida da rua esta última julgada com maior rigor PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 461 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 A comida consumida em casa e na rua reflete diferencialmente as condições dispo níveis Em casa a variação e a escolha do que se vai comer depende da matériaprima disponí vel e das opções de preparo determinadas pe los recursos financeiros e influências sócio culturais Na cidade escolhese entre o dispo nível que está pronto para ser consumido A variedade é determinada pelas alternativas de cardápios definidos por estabelecimento A es colha é posterior à preparação Em casa as op ções dependem da matéria prima e dos hábi tos alimentares da família A comida de casa é um reflexo mais fiel da condição social eco nômica e cultural A marmita poderia ser um recurso valoriza do por permitir que a comida de casa possa ser consumida no local de trabalho mas é uma al ternativa que traduz por diferentes motivos um sinal de pobreza Quer dizer o máximo que você almoça fora é pelo menos dez dias o restante do mês é obri gado a trazer de casa É quando acaba o vale refeição eu trago marmita Optei por marmita Tem outras opções mas são poucas Ou você come no vegetariano que é mais variado mas também não tem carne ou você come sempre os mesmos É também pelo dinheiro porque a comida aqui sobe demais Bom pra mim detesto cozinhar e carregar marmita não tenho que reclamar se reclamar vou reclamar demais Eu trabalhei muito tempo carregando marmita eu acho isso horrí vel se você quiser comer comida fresca tem que levantar cedo tipo 5 horas da manhã Ho mem nenhum gosta de carregar marmita os ca rinhas vão tirar um sarro da minha cara quer dizer é coisa de homem de colega Então o que ele faz ele come lanche porque ele ganha pouco ele não tem condições pra se alimentar bem O cardápio fixo baliza nos dois sentidos na escolha do prato do dia ou para optar por um outro prato Quartafeira eu sei que tem feijoada então eu pego e procuro outro prato qualquer coisa um chuchu qualquer outra coisa que substitua aquilo Tem macarrão na manteiga o arroz um tipo de arroz com legumes Só na quintafeira só levo em consideração a quinta mesmo que é massa Você sabe que tem um cardápio e que tem um outro tipo de alimento além do prato do dia O prato do dia é geralmente em todo restau rante mas o pessoal tem sempre um prato dife rente então a gente vai procurando Geralmente é o prato do dia e quartafeira tem que comer feijoada Porque prato do dia geralmente é mais rá pido você chega não é sempre você demora de cinco a dez minutos pra conseguir um lugar aí se você pede um prato que não é o do dia logi camente vai ter que esperar um pouco mais A variedade de opções de restaurantes de diferentes tipos de comida e de sabores foi apontada como vantagem mesmo entre aque les que freqüentam os lugares fixos para comer Se por um lado a variedade de opções é valo rizada positivamente o tempo e o preço das re feições são vistos como um problema pela in suficiência O comensal sabe que qualidade e diversidade de alimentos estão relacionados com o preço e portanto a adaptação deve ser do paladar O limite do orçamento está intrin secamente associado ao desconforto com as refeições feitas fora de casa Tem dias que eu como só frutas pra não ter que comer fora Tem dia que eu como pão com presunto pra não ter que comer aqui É mais fá cil eu acho mais gostoso mais barato também O ticket ou vale refeição é um importante determinante da escolha alimentar Na presen ça da inflação progressivamente vai reduzindo seu poder de compra Há períodos em que ele não cobre as despesas de uma refeição sendo necessárias alternativas para alimentarse den tro do orçamento Com freqüência é o paladar quem cede ao preço Opções como salgadi nhos sanduíches são freqüentes nesses perío dos Uma refeição sadia hoje decente está cus tando em média CR 3000000 O nosso vale aqui por exemplo é CR 1680000 quer dizer você tem que completar se quiser se alimentar bem Ou se não você passa à base de lanche que está em média de CR 2500000 e até CR 3000000 A menos que você coma uma esfiha e um refrigerante como na maioria das vezes eu faço pra que o vale possa dar o mês inteiro É quando acaba o vale refeição eu trago marmita O vale pode ser adequado para quem come pouco e pode recorrer à comida por quilogra ma onde pagase o valor correspondente à quantidade de comida que tem no prato Para aqueles que trazem marmita o vale é acresci do ao orçamento doméstico como moeda em alguns supermercados Não fica tão caro o vale da gente pra mim é suficiente e até sobra Então eu como aqui por causa disso Tem pessoas que comem que nem passari nho então o vale refeição dá Na maioria das vezes acho que para 60 da população o vale não comporta não dá É pouco o que você ga nha de vale refeição não acompanha enten GARCIA R W D 462 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 deu O teu salário já é pouco o vale refeição é pouco tudo é pouco Falta estrutura em tudo desde dentro de casa até no seu emprego na tua família filho tudo Os rituais nas práticas alimentares Em função do tempo abreviaramse os rituais destinados à alimentação deslocandoos para ambientes compatíveis com outras atividades Estudos sobre consumo alimentar baseiam se em métodos informativos de descrição por menorizada da alimentação consumida Com os nossos entrevistados nosso objetivo não era ter precisão da ingestão alimentar motivo da opção pela metodologia qualitativa Este crité rio metodológico permitiu tecermos algumas considerações sobre o comportamento ali mentar e dessa forma contribuir com obser vações sobre possíveis problemas na obtenção de informações quando se utilizam métodos quantitativos centralizados no consumo ali mentar Quando as pessoas referemse à comi da é comum elas enfocarem as grandes refei ções principalmente almoço e jantar Talvez alimentos consumidos de maneira dispersa no decorrer do dia e em locais destinados a outras atividades descontextualizados pela ausência de um ritual peculiar àquela refeição sofram um registro na memória mais tênue e orienta do por um outro domínio Recorrendo a uma imagem ilustrativa é como se tivéssemos esca ninhos categorizados por temas Por exemplo o lazer comporta a comida mas a mesma está contida nesta outra temática Assim ao per guntarmos sobre alimentação remetemos o sujeito usualmente àquelas refeições mais for malizadas Um salgadinho no decorrer do dia um biscoito com cafezinho um chocolate um refrigerante uma cerveja com petiscos não são classificados da mesma maneira são guia dos por outras diretrizes encontramse en quanto alimentos volatilizados em diversos segmentos com diferentes significados Nossas impressões nos levam a supor que comer nes sas ocasiões não tem o mesmo rigor no regis tro do consumo alimentar na memória As lanchonetes principalmente os fast food esvaziaram substancialmente os rituais asso ciados à alimentação A própria variedade de utensílios diminuiu em função das prepara ções Bastante simplificadas pela textura ta manho forma as preparações mantêm a mes ma concentração de nutrientes e gastase me nos tempo para sua ingestão Pelas embalagens descartáveis é com facilidade que uma refei ção se desloca para outros locais para uma mesa de trabalho ou para a frente de uma tele visão Isto pode ter levado a um enfraqueci mento da consciência do ato de alimentarse em função dessas facilidades para dispersar as refeições Quando recorrese a métodos de consumo alimentar que utilizam como única referência a alimentação outras informações sobre a comida poderão ficar escamoteadas por estarem dispersas sob outros rótulos de re gistro na memória Em termos de comportamento alimentar enfraquecendo seus rituais é possível facilitar mudanças nos padrões alimentares pelo esva ziamento das rotinas mais estruturadas de ali mentação A desestruturação da alimentação tem sido mencionada como um importante fa tor de mudança na alimentação Fischler 1995 Mennell et al 1994 Demuth 1988 Principalmente nos dias de semana a tele visão centraliza a atenção durante o jantar Em casa é a programação quem faz companhia aos comensais Observamos nos relatos a seguir as características da rotina das refeições feitas em casa principalmente nos dias de semana Olha normalmente a gente nem senta Por que como somos só eu e ela nós fazemos o prato e é a hora da novela sabe e então nós vamos sentar E principalmente lá em casa é aparta mento é pequeno né então eu saio da cozinha já estou na sala Pego o pratinho senta lá e fica vendo novela e jantando Todo dia é isso Sabe um pega o prato e vai pra televisão outro fica lá mesmo entendeu Não tem aquela mesa posta assim não Sabe vai no fogão cada um se serve A não ser quando vai alguém algu ma visita aí já é diferente Aí é lógico na mesa e tal Mas normalmente não é mesa posta não Cada um se vira lá pega o seu prato e se serve Porque é apartamento a cozinha é peque na então não tem espaço para colocar a mesa na cozinha e a mesa é na sala As crianças ficam pedindo vira a televisão para este lado Elas querem assistir geralmente é no horário dos pro gramas infantis né na Cultura Então é neste horário sete sete e meia oito Se não ninguém vai ficar ninguém vai tirar a mesa daí você tem que virar a TV para todo mundo assistir E eu gosto de comer vendo televisão Eu gos to eu gosto muito de ver TV comendo Mesmo na cozinha eu gosto de ficar ouvindo Às vezes está assistindo televisão mas está discutindo alguma coisa Então a televisão fica ligada mas só pelo fato de estar ligada Você não fica entretido comendo e entretido na tele visão Apenas dois dos entrevistados costumam comer sem a presença da televisão e com a me sa posta PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 463 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Ao contrário dos dias de semana o domin go diferenciase por ter o almoço ritualizado caracterizando o encontro familiar em torno da mesa É raro freqüentar a casa de amigos para comer Normalmente as refeições em con junto são entre parentes e mesmo assim entre os mais próximos Áries Duby 1992 também fazem alusões a mudanças no ritual da alimentação tendo como objeto de observação principalmente a sociedade francesa e a americana Antigamen te os rituais alimentares imprimiam o ritmo à vida familiar Hoje a alimentação está cada vez mais submetida às imposições do trabalho p 320 a refeição coletiva moderna in dustrial dietética barata compromete a co mensalidade na hora do intervalo no restau rante da empresa ou em outro lugar com os ticketsrestaurantes a pessoa almoça depres sa cercada pelos colegas mas não com eles Não se tem tempo visto que uma parte deste intervalo será utilizada nas caminhadas Tem po curto de consumo Tempo curto de prepara ção p 320 Observando informações sobre consumo alimentar encontradas nos relatos dos entre vistados principalmente as grandes refeições são ressaltadas Alguns comentários sobre pe tiscos consumidos com cerveja doces salgadi nhos biscoitos consumidos durante o dia de latam outras faces do consumo alimentar que foram explicitadas somente e quando solicita das informações adicionais sobre ingestão ali mentar vinculada a essas outras situações principalmente de lazer e intervalos entre as grandes refeições O lazer está associado à comida à bebida e à dança componentes universais da noção de festa categoria próxima da idéia de lazer prazer gozo Na sociedade industrial moderna tais práticas continuam tendo para todas as classes sociais uma conotação de entreteni mento e sociabilidade Forjaz 1988 Acredita mos que dependendo da ritualização em tor no da mesa como por exemplo em comemora ções como casamentos aniversários Natal en tre outros a conscientização do consumo ali mentar é orientada diferencialmente como re sultado dos significantes que acompanham tais situações Um exemplo é a cerveja consumida na sextafeira no final do expediente acompa nhada por petiscos os quais só foram mencio nados mediante pergunta sobre o assunto Quando questionados sobre o que comem principalmente o almoço e o jantar foram des critos e com menos freqüência o desjejum O que é ingerido nos intervalos ou ocasionalmen te não foi mencionado espontaneamente A principal refeição feita em casa durante a semana é o jantar Durante a semana o arroz e o feijão são os componentes básicos da ali mentação sendo o cardápio variado principal mente pelos vegetais e num segundo plano pe las preparações à base de carne já que não são todos os que a consomem regularmente O desjejum consiste basicamente do con sumo de café e para poucos representa uma re feição mais suculenta De manhã saio de casa e tomo um café só pra fumar Café puro Eu não gosto de café com leite De manhã é um copo de café com leite e só não passa mais nada Eu não tomo café da manhã nada Tomo só um golinho de café sem pão sem nada Em contrapartida os poucos que mencio nam comer nesta refeição relatam Me alimento bem de manhã tomo leite café bolacha como uma fruta sempre quando tem Eu geralmente como alguma coisa como bolacha e mais um suco Eu sou acostumado a comer fruta suco de laranja comer pão com alguma coisa No almoço de sábado as preparações são similares às dos dias de semana assinaladas basicamente pelo arroz e feijão Como o sába do é dedicado a atividades domésticas como compras de gêneros alimentícios limpeza da casa organização das roupas entre outras o almoço não é uma refeição de destaque O sá bado à noite inaugura o fim de semana para o descanso em geral com uma pizza ou com um lanche feito em casa Domingo ao contrário é o dia dedicado a saciar o apetite com preparações culinárias di ferenciadas Domingo pra mim se não tiver macarrão não é domingo Pode ter arroz feijão pode ter o que tiver mas tem que ter o macarrão Gosto de massa gosto de pizza ao sábado De sábado comer uma pizzinha e domin go aquela macarronada com porpeta bracho la Domingo se não tiver uma macarronada um nhoque não tem almoço Domingo é geralmente macarrão risoto um frango uma carne uma maionese uma la sanha às vezes faço cuscuz Final de semana é aquele tal negócio ma carronada uma lasanha um arroz de forno às vezes feijoada Às vezes de domingo a gente varia é peixe ou macarronada mas domingo geralmente é macarronada GARCIA R W D 464 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 A única coisa que eu como fora mesmo to do sábado é pizza não tem jeito O pessoal não faz muita comida de sábado à noite aí vai numa pizzaria Se durante os dias de semana o arroz e o feijão são os pratos básicos nos fins de semana predomina o paladar italiano A macarronada tem gosto de domingo Algumas vezes o ma carrão acompanha o arroz e o feijão aqui co mo mistura e não como prato principal Cascudo 1983 faz esse mesmo comentário so bre a associação do macarrão concorrendo com outros pratos de nossa culinária e sua di fusão no gosto coletivo É no terreno dos costumes alimentares que apreciamos as mesclas culturais que permitem identificarmos uma dieta tipicamente paulis tana e ao mesmo tempo uma composição de pratos com as mais variadas influências que se traduz no caso de São Paulo por um cosmo politismo no plano alimentar A imigração acrescentou novos paladares e os incorporou aos nossos hábitos de tal modo que como vi mos no caso da macarronada de domingo ou da pizza no sábado à noite podemos assumir na nossa identidade alimentar esse traço ita liano Além dos restaurantes típicos instância formal de preservação de valores culinários de outras culturas podemos assimilar fisiologica mente os movimentos migratórios nas barra cas das baianas da feira de artesanato da Praça da República nas barracas de comida chinesa e japonesa do bairro da Liberdade nos quibes e esfihas das lanchonetes espalhadas pela ci dade e nas especialidades síriolibanesas dos arredores do Parque Dom Pedro Os cardápios encontrados no centro da ci dade de São Paulo são caracterizados por duas tendências simultâneas a homogeneidade e a heterogeneidade categorias peculiares às con centrações urbanas Wirth1987 Determinam tais tendências os fluxos humanos das migra ções e imigrações aos quais a cidade esteve su jeita ao longo de sua história as influências econômicas internas e externas determinan tes conjunturais das ofertas e de disponibilida de de alimentos que no decorrer do tempo de linearam o ecletismo dos costumes alimenta res do paulistano Paralelamente há uma ten dência niveladora decorrente dessa alta con centração de diversidades que faz parte do processo de despersonalização A característica social e cultural da cidade vai sendo contruída através das migrações Weffort 1984 problematiza a questão migra tória em função do potencial de absorção so cial cultural e política exemplifica o caso da permeabilidade ao italiano por haver na oca sião espaço social cultural e político e ao con trário a situação que provoca a resistência ao nordestino em São Paulo Na medida em que a tendência atual da economia é a internaciona lização a hegemonia econômica reproduz a desnacionalização associada à importação de outra referência cultural A tendência massifi cante no padrão alimentar explica a notável absorção dos costumes alimentares norte americanos A presença de lanchonetes como Mc Donalds Bobs a Pizza Hut bem como a entrada do hambúrguer nos cardápios das lan chonetes são exemplos da difusão de outro padrão alimentar Por outro lado restaurantes que servem o prato do dia e dispõem de car dápio semanal atendem as diferenças étnicas incorporadas à cozinha brasileira em função da imigração virado à paulista dobradinha nhoque feijoada etc Dispostos e difusos na cidade de São Paulo vemos também restaurantes de comida japo nesa indiana italiana francesa russa alemã entre outras São Paulo destacase como diz Weffort 1984 por ser a cidade que mais reúne amostras expressivas de todas as regiões do país Através das culinárias típicas se confir mam estas presenças churrascarias gaúchas restaurantes de comida típica baiana capixa ba mineira nortista e nordestina O gosto é uma manifestação de identidade cultural No caso dos filhos de imigrantes nas cidos no Brasil ou brasileiros casados com imi grantes é interessante observar como a apre ciação de ambos os paladares vai se acomo dando à rotina alimentar Eu sempre como um bom filho de italiano gostei de comer bem Domingo aquela ma carronada com porpeta brachola Italiano quinta feira é tradicional o macarrão O que eu mais gosto de comer é arroz feijão bife ace bolado purê de batata e salada que não pode faltar Filho de italiano deveria gostar mais de comida italiana mas o que eu mais gosto é es sa A única coisa que eu vario em casa é fazer um quibe assim de vez em quando uma coa lhada uma coalhada síria Eu fui criado com comida árabe assim né O meu filho ele é assim apesar de ser filho de estrangeiro ele puxou meu pai que é brasi leiro É pôr feijão em tudo Seja qual for o prato estrogonofe seja o que for tem que ter fei jão A minha mãe é descendente de italiano então era aquela macarronada que ela fazia Ti nha que ser se ela não fizesse não era domingo Na minha casa é o contrário sábado e domingo é arroz e feijão A minha família puxou mais pro lado italiano mesmo as minhas ir PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 465 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 mãs as duas são casadas com italianos então é só massa Acho que até os 7 anos dá pra modificar a criança depois dos 7 anos o hábito fica arraiga do Eu gosto de massa pizza aos sábados Então pra mim eu vejo que a dificuldade que eu tenho parece que você sente falta desse tipo de alimen to Como sou descendente de italiano a gente está acostumado a comer massa desde crianca eu gosto mas eu sei que é errado pro meu orga nismo não faz bem A única extravagância que eu faço é massa né de fim de semana que eu gosto mais de sábado à noite pizza e macarrão domingo na casa da mama vegetariano Já nestes outros exemplos podese notar a identidade com o paladar nacional e a força da base da nossa dieta o arroz e feijão Eu não sei comer sem feijão Arroz e feijão pra mim é vital sei lá é coisa de moleque vício de criança Eu não como sem feijão se eu comer sem feijão eu me sinto fraca tem que ter arroz e fei jão Só gosto de coisa bem brasileira mesmo na da diferente A maioria das vezes é arroz e feijão Segundo Candido 1987 a apreciação da comida sólida deriva da necessidade de ter a barriga cheia A comida saborosa designa comida sólida e de preferência a carne No meio urbano a preferência pela comida mais calórica concentrase nas classes sociais para as quais a abundância representa uma valor de ascensão e entre trabalhadores braçais Mar tins et al 1994 Zaluar 1988 Tal como é percebida pela população estu dada a refeição tem o caráter de reposição substancial de energia ao contrário do lanche que é caracterizado como uma alternativa in capaz de atender às necessidades Os lanches são gostosos nutritivos mas acho que é só a nível de enganar na hora acho que não chega a sustentar legal Se eu vir que o ticket não vai dar pro mês todo eu paro de comer e vou comer na lancho nete O sanduíche não substitui minha refeição é um complemento alimentar São vinte dias úteis de trabalho quinze dias você se alimenta bem e cinco você toma um lanche ou alguma coisa assim A lanchonete é uma opção barata Quando o vale não vai dar para o mês todo como lan che ou Quando a grana tá curta e não dá para almoçar Acho que o preço do lanche é quase idên tico e a refeição sustenta mais As condições disponíveis formadas de um lado pelas possibilidades financeiras e de ou tro pela oferta de locais para fazer a refeição vão determinar o limite de possibilidades de que o sujeito dispõe para se alimentar no cen tro da cidade e sobre as quais entre outros as pectos irá construir suas representações so ciais O lanche é opção quando há limites fi nanceiros Observamos uma variedade de tipos de sanduíches aqueles baseados no padrão nor teamericano tendo como base o hambúrguer os mais tradicionais à base de frios como o bauru o americano o misto quente os beirutes feitos à base de pão árabe o ca chorroquente em diferentes versões entre outros Os salgadinhos não são considerados lanches apesar de serem também uma opção para a falta de tempo e de dinheiro Os salgadi nhos mais consumidos são a coxinha esfiha e o quibe Na região delimitada para este estudo há as lanchonetes das redes Mc Donalds Pizza Hut e Bobs Apareceram nas falas também as lojas da rede Wells Wells Burguer que foram lem bradas por um dos entrevistados por estarem próximas ao antigo local de trabalho A impressão é que essas lanchonetes estão acima das suspeitas que pairam sobre as de mais Suspeitas de qualquer tipo sobre a higie ne a qualidade etc Algumas características desse tipo de estabelecimento foram aponta das como vantajosas fast food é tudo auto mático ninguém mexe Num paralelo com o que ocorre com a moda no vestuário os fast food importados são as grifes mais valorizadas como podemos observar nestes comentários Por aqui é tudo lugar para você comer em pé ou fast food No caso de fast food alguns de marca Mc Donalds Pizza Hut Bobs eles dão mesinha pra comer Mas a maioria esses bote quinhos do tipo esquininha ou aqueles compri dinhos que no máximo você fica sentado numa banquetinha um do lado do outro com espaço pra você comer comer um lanche Mesmo quando desvalorizados os lanches das redes de lanchonetes são enquadrados com deferência como observamos nesta fala É muito difícil eu comer lanche nem no Mc Donalds Também para aqueles que se intitulam ve getarianos dois de nossos entrevistados há uma relação mais permissiva e condescenden te com este tipo de lanchonete no caso o Mc Donalds Entre os comentários a respeito dos lanches em geral o Mc Donalds é destacado com certa permissividade Acho que o lanche não tem nada de nutri ção mesmo esses Mc Donalds da vida também acho que não trazem nada de nutrição GARCIA R W D 466 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 O outro vegetariano referindose aos lan ches diz Bom eu peço normalmente assim filé de frango alguma coisa nesse sentido No Mc Donald eu como às vezes até bastante aí eu já eu já não aquela carne não tem muito gosto né eu já não porque lá eu como todos os tipos todos os que tem lá eu gosto Apesar do hambúrguer ser feito de carne e eu não gostar de carne aquela eu como porquê não tem mui to gosto de carne né é uma carne meia não sei como é feito mas eu como Em tais reticências parece residir um espa ço permissivo onde os recursos que poderiam ter sido utilizados para classificar por exem plo o hambúrguer enquanto carne não predo minaram Imperou o nome da lanchonete co mo uma entidade que engloba o todo o Mc Donalds A representação social constituise sobre a entidade Mc Donalds que se sobrepõe aos tipos de lanches Podemos supor que haja uma sobreposição da marca sobre o produto Os elementos que compõem a marca o rótulo superam o con teúdo e o recurso que seria utilizado para qua lificar o hambúrguer de qualquer lanchonete passa a ser secundário O exemplo acima de vegetariano que come o hambúrguer do Mc Donalds demonstra que a possibilidade de classificar o hambúrguer enquanto carne pas sou para um segundo plano frente à marca Po demos ter aqui indícios para a compreensão de alguns elementos pertinentes à rápida incor poração de certos hábitos alimentares como é o caso da permeabilidade que o costume ali mentar norteamericano tem tido no nosso país considerando como pano de fundo o po der exercido pela pressão econômica do capi tal internacional impondo suas mercadorias associadas a hábitos e imagens absorvidas e mais especificamente digeridas com esses no vos produtos Harvey 1993 referindose à im portância da imagem para o produto diz ser ela quem promove associações como respei tabilidade qualidade prestígio confiabili dade entre outros Naquilo que observamos especificamente relativo à marca Mc Donalds tais associações parecem superar o próprio produto A tentativa de descrever e diferenciar a car ne do hambúrguer do Mc Donalds por não ter gosto de carne ou ser uma carne meia mascara sua origem Elias 1990 assinala mu danças nas práticas e sentimentos vinculados à forma de servir alimentos à mesa como marcas do processo civilizatório Considerando o pe ríodo que vai da Idade Média até os dias atuais houve mudanças no padrão de sentimentos li gados a certas práticas que nos levaram a abo minar o trincho do animal morto à mesa hábi to anteriormente valorizado que para nós está associado à lembrança do sacrifício do animal de tal forma que hoje as preparações à base de carne são tão disfarçadas que quase não lem bramos da sua origem O hambúrguer é um exemplo plausível dessa mudança Tagle 1988 explica o êxito desse tipo de alimento pela facilidade de acesso de horário rapidez de serviço preços razoáveis e pela pa dronização e regularidade do produto que evi ta surpresas A própria variação de sabores se dá a partir de uma mesma matériaprima onde os aditivos promovem a diferenciação estrita de sabores Conclusão Sendo o núcleo de preocupação o comporta mento alimentar conhecer as representações simbólicas e os costumes envolvidos na ali mentação aponta para a compreensão de co mo se dá o elo de embricamento de questões sócioculturais e psicológicas consagradas no ato de alimentarse Através das representa ções sociais é concebida a idéia de alimenta ção enquanto veículo de configurações concre tas e imaginárias construídas pelo pensamento social adaptadas e readaptadas às condições disponíveis mas sobretudo experimentadas com um decodificador que tal como uma car ga genética é sustentado por matrizes que pre servam a história social e individual do sujeito através do paladar Outro aspecto do comportamento alimen tar facilitado pelo estudo das representações sociais é a flexibilidade de sua estrutura Cons tatamos como um mesmo discurso se amolda a diferentes situações o que nos permite con cluir através da análise dos discursos sobre ali mentação que há espaços para atitudes flexí veis orientadas pelas circunstâncias Esta fle xibilidade coloca em questão a objetividade es perada das informações sobre consumo ali mentar O meio urbano afeta a estrutura da alimen tação e provoca uma reorganização de valores e práticas que certamente terão implicações no padrão alimentar As pressões exercidas pe lo meio urbano delineiam novas práticas que vão sendo incorporadas com resistência pelos comensais urbanos PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 467 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Referências ÁRIES P DUBY G 1992 História da Vida Privada da Primeira Guerra aos Dias Atuais São Paulo Companhia de Letras BOURDIEU P 1983 Esboço de uma teoria da práti ca In Pierre Bourdieu R Ortiz org pp 4681 São Paulo Ática CANDIDO A 1987 Os Parceiros do Rio Bonito São Paulo Livraria Duas Cidades CASCUDO L C 1983 História da Alimentação No Brasil São Paulo Itatiaia Limitada DAMATTA R 1985 A Casa e a Rua São Paulo Bra siliense DEMUTH G 1988 Lévolution de moeurs alimen taires Proceeding of the Xth International Con gress of Dietetics John Libberty ed Vol 2 pp 8993 Paris Eurotext ELIAS N 1990 O Processo Civilizador uma História dos Costumes Rio de Janeiro Zahar FISCHLER C 1995 El HOmnívoro El Gusto la Cocina y el Cuerpo Barcelona Editorial Anagra ma FORJAZ M C S 1988 Lazer e consumo cultural das elites Revista Brasileira de Ciências Sociais 399 113 GRÁCIAARNAIZ M 1996 Paradojas de la Alimen tación Contemporánea Barcelona Instituto Ca talá dAntropologia HARVEY D 1993 A Condição PósModerna 2a ed São Paulo Edições Loyola JODELET D 1988 La representación social fenome nos concepto y teoria In Psicologia Social II S Moscovici org 2a ed pp 469494 Barcelona Paidós MARTINS I S MAZZILLI R N NIETO R A AL VARES E D OSHIRO R MARUCCI M F N CASAJUS M I 1994 Hábitos ateriogênicos de grupos populacionais em área metropolitana da região Sudeste do Brasil Revista de Saúde Públi ca 28349356 MENNELL S MURCOTT A OTTERLOO A H 1994 The Sociology of Food Eating Diet and Culture 3a ed London Sage Publications MOSCOVICI S 1978 Representação Social da Psi canálise Rio de Janeiro Zahar STEFFEN R SAFOUAN M 1988 O Fracasso do Princípio do Prazer Campinas Papirus TAGLE M A 1988 Cambios en los patrones de con sumo alimentario en America Latina Archivos Latinoamenricanos de Nutrición 38750765 WEFFORT F C 1984 Nordestinos em São Paulo no tas para um estudo sobre cultura nacional e cul tura popular In Cultura do Povo E Valle J J Queiróz org 3a ed pp1324 São Paulo Cortez WIRTH L 1987 O urbanismo como modo de vida In O Fenômeno Urbano O G Velho org pp90 113 Rio de Janeiro Zahar ZALUAR A 1988 A Máquina e a Revolta São Paulo Brasiliense
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455 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 ARTIGO ARTICLE Práticas e comportamento alimentar no meio urbano um estudo no centro da cidade de São Paulo Eating practices and behavior in the urban environment a study in downtown São Paulo 1 Departamento de Nutrição Faculdade de Ciências Médicas Pontifícia Universidade Católica de Campinas Av John Boyd Dunlop sno Campinas SP 13020904 Brasil Rosa Wanda Diez Garcia 1 Abstract This study focuses on the implications of urban life style on eating habits and the re lated symbolic representations Theoretical references used to approach the food experience are the concepts of social representation and habitus The methodology consisted of a qualitative analysis of interviews with 21 administrative employees and field observations made at com mercial establishments in downtown São Paulo such as snack bars and restaurants Study of eating behavior and practices was developed along two planes food actually eaten and food de sired Results were classified into three segments ingesting and digesting affection determi nants of social representations of eating practices and rituals in eating practices Due to their origin in a domestic universe symbolic aspects associated with food have a strong affective ma trix Concrete conditions of the urban environment associated with the subjects financial limits establish a structure of values and feelings compatible with the subjects possibilities The study addresses both the abbreviation of food rituals and its implications on food behavior as well as features of the present urban food pattern Key words Feed Feeding Behavior Food Habits Social Representation Resumo Este trabalho explora a dimensão da comida no modo de vida urbano tendo em vista as implicações que este modo de vida tem nos hábitos alimentares e nas representações simbóli cas envolvidas Utilizamos como referencial teórico os conceitos de representação social e de ha bitus para abordarmos a experiência alimentar A metodologia utilizada foi a análise qualitati va do discurso de 21 funcionários administrativos e o estudo de observação em estabelecimentos comerciais como lanchonetes e restaurantes na região central de São Paulo O estudo do com portamento alimentar foi exposto em dois planos o dos alimentos e preparações consumidos e o dos desejados Por sua origem no universo doméstico os aspectos simbólicos associados à ali mentação têm uma forte matriz afetiva As condições concretas do meio urbano associadas aos limites financeiros do sujeito estabelecem um arcabouço de valores e sentimentos compatíveis com suas possibilidades A abreviação dos rituais alimentares e suas implicações no comporta mento alimentar são abordados bem como as características do atual padrão de alimentação urbano Palavraschave Alimentação Comportamento Alimentar Hábitos Alimentares Representação Social GARCIA R W D 456 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Introdução A alimentação está envolta nos mais diversos significados desde o âmbito cultural até as ex periências pessoais Nas práticas alimentares que vão dos procedimentos relacionados à pre paração do alimento ao seu consumo propria mente dito a subjetividade veiculada inclui a identidade cultural a condição social a reli gião a memória familiar a época que perpas sam por esta experiência diária garantia de nossa sobrevivência Partindo da premissa de que características do modo de vida urbano orientam o compor tamento alimentar o objetivo deste trabalho foi explorar a dimensão da comida e suas re presentações simbólicas neste meio conhecer o que as pessoas comem e o que representa co mer no centro da cidade de São Paulo Delimitamos como locus característico do meio urbano um trecho do centro da cidade de São Paulo entre as Praças do Patriarca e São Bento incluindo as ruas São Bento Líbero Ba daró e adjacências onde realizamos observa ção de campo em estabelecimentos comerciais como lanchonetes e restaurantes Ao pretender abordar o comensal urbano duas possibilida des foram cogitadas entrevistar os que traba lham no centro da cidade e os que passam pelo centro Optamos pelo comensal que trabalha no centro da cidade e faz pelo menos uma grande refeição almoço neste local O traba lho foi baseado principalmente em entrevistas com 21 funcionários administrativos que tra balham na Secretaria da Habitação da Prefeitu ra Municipal de São Paulo localizada no Ed Martinelli situado no trecho delimitado para o estudo Dos 21 entrevistados 10 eram do sexo feminino e 11 do masculino Todos eram fun cionários administrativos 13 ocupam o cargo de oficial da administração geral 2 são assis tentes administrativos 2 auxiliares de pesqui sa 2 encarregados de setor e os demais auxi liar de escritório e secretário Dezessete pes soas tinham o segundo grau completo 1 o pri meiro grau completo e 3 tinham título univer sitário sem nunca terem exercido a profissão Entre 20 e 29 anos havia 12 entrevistados entre 30 e 39 6 e com mais de 40 anos 3 pessoas Quatorze entrevistados nasceram e sempre vi veram em São Paulo 3 eram paulistas e 4 vie ram de outros estados As entrevistas foram orientadas por um roteiro flexível e realizadas no horário de trabalho segundo a disponibili dade do funcionário Duraram em média entre uma hora e uma hora e meia e foram gravadas Analisamos as entrevistas por categoria temá tica como se sente na cidade valoração positi va ou negativa de alimentos e locais hábitos alimentares nos dias e fins de semana comida de casa refeições feitas durante o turno de tra balho lanches etc e por unidade conside rando a coerência do discurso do entrevistado Na análise das entrevistas estaremos usando citações dos relatos em função da temática a ser enfocada Como referencial teórico utilizamos o con ceito de representação social Moscovici 1978 e de habitus Bourdieu 1983 para abordarmos a experiência alimentar Apresentamos no tex to que se segue os resultados do estudo sobre práticas e comportamento alimentar urbano no centro da cidade de São Paulo subdivididos em três partes ingestão e digestão do afeto algumas condições que determinam as repre sentações sociais sobre as práticas alimenta res e os rituais nas práticas alimentares Práticas e comportamento alimentar urbano O comportamento alimentar do qual estare mos tratando aqui é o relatado pelos entrevis tados que adentra duas instâncias a dos ali mentos consumidos e a dos desejados Não nos preocupou distinguir nos relatos estas duas instâncias por considerarmos que ambas fazem parte das representações sociais sobre a alimentação e orientam o comportamento ali mentar Abordaremos o assunto nos apoiando no conceito de representação social definida co mo a construção mental da realidade que pos sibilita a compreensão e organização do mun do bem como orienta o comportamento Mos covici 1978 Jodelet 1988 Tratase de como o objeto social é apreendido interpretado e re constituído Os elementos da realidade os con ceitos as teorias e as práticas são submetidos a uma reconstituição a partir de informações co lhidas e da bagagem histórica social e pessoal do sujeito permitindo desta forma que se tor nem compreensíveis e úteis Nesse processo as representações sociais tornam um objeto sig nificante introduzindoo num espaço comum digerindoo de forma a permitir sua com preensão e sua incorporação como recurso pe culiar ao sujeito O aspecto a ser destacado na perspectiva das representações sociais da comida é que aqui a experiência reside como seu componen te mais forte Neste sentido Bourdieu 1983 é o autor que através do conceito de habitus in sere com mais veemência as práticas nas re presentações sociais Os habitus que funcio Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 nam como disposições estruturadas e estrutu rantes são fortemente marcados pelas primei ras experiências as que ocorrem no interior das manifestações familiares Essas estruturas de origem irão constituir o princípio da per cepção e da apreciação de toda a vida ulterior O gosto os conflitos as preocupações as lições de moral entre outros manifestarseão se gundo tais experiências constituintes do habi tus Ele funciona como matriz de percepções de apreciações e de ações e é princípio gerador e estruturador das práticas e das representa ções Ao paladar apreciado incorporamse re presentações sociais sobre alimentação forma das por exemplo a partir de informações cien tíficas veiculadas pela mídia Tais representa ções poderão no discurso se sobrepor ao pa ladar O complexo de elementos constituintes das representações sobre alimentação e que orientam o comportamento alimentar não é regido necessariamente pela coerência ou melhor ela existe circunstancialmente impos ta por uma dada situação Um mesmo entrevis tado por exemplo quando está se referindo à comida de sua casa colocaa como sendo a melhor e a preferida Num outro momento ao falar de sua experiência com as refeições feitas fora de casa o entrevistado diz que come me lhor fora de casa Tais elementos constituintes das representações sociais convivem em es truturas flexíveis adaptandose às circunstân cias ao gosto aos valores etc Estando as re presentações sociais no entremeio do discurso e da prática orientandoos e sendo por eles orientadas acreditamos que tais representa ções mutantes principalmente no plano do discurso são mais refratárias ao plano da ex periência As representações sociais sobre alimenta ção podem estar sendo orientadas por diferen tes matrizes Por exemplo pelo hedonismo ou pela disciplina guiandose respectivamente por aquilo que se quer comer ou seja pela bus ca da satisfação do paladar do prazer pelo que será consumido ou ao contrário por aquilo que se deve comer quando a norma é o padrão idealizador predominante dessas representa ções sociais Exemplificamos com duas entrevistas que servem como referências polares e antagônicas dos dois modelos aquele que em suas repre sentações destaca o prazer e aquele que en fatiza a norma na alimentação Se eu precisar eu peço dinheiro pro agiota mas eu me alimento bem Eu não me preo cupo se vou comer muita massa e vou engordar ou vou comer muita gordura e vou ter coleste rol Eu não me preocupo Eu acho o seguinte vo PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 457 cê tá aí um dia você vai ter que morrer O pes soal fala o cigarro mata Eu conheço muita gente que tá com 90 anos de idade e fumando não morreu ainda Vai do organismo da pessoa da saúde da pessoa Quanto mais você se cuida pior é Sou vegetariano Tenho um sistema de co mer Às vezes até me dá fome mas eu porque o organismo vai se adaptando Então eu acho que você para o funcionamento regular do teu or ganismo você tem que ter equilíbrio uma disci plina alimentar Se você tiver um pouqui nho de consciência de alimentação você vai procurar se adequar a esse ambiente da melhor forma possível É lógico a máquina vai des gastando a máquina não páraVolta e meia vo cê tem que levar pro mecânico pra fazer uma re visão geral Eu acho que você então tem que lu brificar a sua máquina da melhor maneira pos sível através de alimentos de qualidade Através de algumas frases que trazem em essência a relação do sujeito com a comida originária da experiência pregressa pudemos identificar alguns discursos regidos por dife rentes vínculos com a alimentação Por exem plo Como de tudo Esta matriz de orientação do vínculo com a comida tem como caracte rística uma relação austera adquirida na in fância Desde menino eu sempre fui criado assim tipo você come o que tem na mesa Estudei em escola interna né então você tinha que comer de tudo que as tias davam você enfiava goela abaixo Neste outro exemplo o comer de tudo di ferenciase pela valorização da variedade de comida de casa como pode ser observado nes ta fala Não ligo pra roupa sapato pra jóia pra nada agora pra alimentação isso é uma coisa que meu pai me ensinou em casa nunca faltou nada eu sempre comi muito bem Podia não ter roupa ou sapato bonito mas sempre me ali mentei muito bem Não posso falar isso eu não comi ou daquilo eu não comi não tem Há também outros tipos de relação como podemos constatar em comentários como sempre busco uma disciplina alimentar ou não sou de comer muito mesmo Nesses exemplos encontramos a psique na raiz das estruturas governantes da ligação do sujeito com a comida GARCIA R W D 458 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Ingestão e digestão do afeto A condição humana pela ausência do aparato instintivo que lhe dê autonomia é a da depen dência de seus semelhantes que inaugura desde o nascimento a inserção num mundo culturalmente constituído Steffen 1988 Não é possível situar os limites da natureza e da cul tura já na amamentação esse ato biológico por excelência Com nascimento inauguramse e a amamentação consagra simultaneamente a existência física a psíquica e a cultural Originária no universo doméstico a ali mentação enquanto prática está envolta no convívio familiar e social vinculada mais espe cificamente à figura da mãe e da mulher e por tanto atrelada a uma referência afetiva Confi gurada no espaço doméstico e sob responsabi lidade da mulher a alimentação era comparti lhada essencialmente na intimidade do lar Ho je mesmo a mulher que trabalha fora de casa não se furta da tarefa e da responsabilidade de ser a principal provedora da alimentação da fa mília com atividades que vão desde a defini ção do cardápio incluindo a responsabilidade de adequar os recursos financeiros às necessi dades de alimentos a realização de compras e preparação das refeições GráciaArnaiz 1996 O tempo na cidade provocou uma reorga nização da rotina interna da família mesmo quando a mulher não se encontra inserida no mercado de trabalho e dedica seu tempo exclu sivamente às atividades domésticas Comer em casa nos grandes centros urbanos não depen de apenas de ter alguém que se ocupe do pre paro da comida A distância entre o local de trabalho e a casa as dificuldades de desloca mento impostas pelo trânsito e o próprio ritmo da cidade dificultam a execução das refeições no domicílio Longe do reduto familiar como observa mos no centro da cidade de São Paulo esse as pecto afetivo acompanha representações so ciais ligadas à comida que se manifestam de maneiras diversas Através da intimidade do ato de comer da necessidade da companhia de amigos parentes ou do colega mais próximo da escolha do restaurante normalmente feita por indicação de amigos da valorização de ambientes aconchegantes da freqüência aos mesmos lugares quer seja pela comida ou pela relação amistosa com os garçons do local ve mos manifestações que delatam a busca cons tante da casa na rua A maioria dos lugares que eu vou é por in dicação do pessoal daqui de dentro mesmo En tão fui comer uma vez duas três daí começo a ir direto Nove anos que eu trabalhei aí e nove anos eu fui habituado a comer lá Porque lá é um lu gar que a gente sabe que é limpinho que o pes soal lá faz boa comida e eu conheço a pessoa que trabalha no balcão Eu comecei a ir porque o pessoal daqui começou a ir lá dizendo que era muito bom Lá você tem aqueles restaurantezinhos que os donos são portugueses são amigos do meu pai Você entra assim o cara te traz uma sopa depois tem também o prato do dia mas o pes soal faz na hora traz as porções até você Entendermos as questões conseqüentes à transferência dessa rotina alimentar para outro espaço que não o doméstico implica conside rar outros valores associados à alimentação em refeitórios de indústrias e escolas restauran tes no próprio local de trabalho na rua etc DaMatta 1985 utiliza a casa e a rua co mo categorias sociológicas para compreender mos a sociedade brasileira entendida como um sistema de ação embebido em valores e idéias A oposição entre casa e rua não deve ser compreendida a partir de espaços rígidos mas principalmente como entidades morais como esferas de ação social capazes de despertar emoções leis reações etc Nos códigos da ca sa a hospitalidade e a familiaridade tipificam uma suposta harmonia do lar O código da rua é regido por leis e mecanismos impes soais o modo de produção a luta de classes a subversão da ordem a lógica do sistema finan ceiro capitalista etc Dessa maneira não se pode transformar impunemente a casa na rua e viceversa Há regras e rituais impor tantes para isso As manifestações de afetividade que com põem as representações sociais da alimentação no meio urbano transferem para o convívio da rua elementos predominantes do convívio doméstico As pessoas geralmente preferem sair para comer acompanhadas por aqueles que têm maior ligação afetiva valorizam a comida caseira e criam vínculos nos lugares onde habi tualmente fazem suas refeições O vínculo afe tivo também é consolidado no ato alimentar Trabalhar até se trabalha com quem a gen te não gosta mas almoçar não Quando a com panhia não agrada o papo fica complicado a comida faz mal A gente sai sempre vai pra ir conversar um pouquinho não importa o que a gente vai co mer Nós comemos aqui Como a gente trabalha aqui em equipe a gente também come aqui em equipe uma espera a outra Eu sempre como com uma amiga minha irmã PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 459 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Normalmente almoço com o meu marido se o meu marido não tá eu almoço sozinha Normalmente no serviço o pessoal tem a pessoa certa para almoçar Meu pai trabalha aqui no centro de vez em quando nós almoçamos juntos umas duas ou três vezes por semana O restaurante é um recinto público e o des conforto de comer sozinho neste local é maior do que no ambiente de trabalho usualmente o refeitório seja por se ter mais possibilidades de encontrar um conhecido seja por sentirse mais à vontade Numa tentativa de mapear as melhores re giões para comer em São Paulo um dos entre vistados utilizou como referência a relação en tre sua casa e o centro Pra comer melhor você precisa se afastar daqui Se afastar até chegar na sua casa Quan to mais você se afastar do centro você vai comer melhor Este comentário mostra como o plano afe tivo orienta a escala de preferência manifesta da na oposição entre casa e rua Um caráter de intimidade circunda a comi da e o modo de comer revelado na preocupa ção e no constrangimento que as pessoas sen tem ao estarem sendo observadas quando es tão comendo A comida delata a condição so cial Quando as pessoas fazem a refeição no lo cal de trabalho sempre escolhem um canto re servado longe dos olhos de quem possa ver o que estão comendo Se for comer aqui vão ficar olhando o que estou comendo e o povo sempre comenta Eu mesmo já vi gente que come só arroz feijão e ovo Comer no local de trabalho só quando não tem jeito você tem que comer rapidinho num canto escondido as pessoas ficam olhando Na valorização da comida do tipo caseiro perseguese a casa lugar idealizado para ali mentação A comida do diaadia e a comida do lazer dos finais de semana transcorrem em espaços distintos e marcam diferenças simbó licas importantes A comida da rua nunca po derá substituir a comida de casa e os envolvi mentos que dela decorrem Os critérios utilizados para discernir a co mida caseira são aqueles que identificamse com o espaço domiciliar ou seja um lugar pe queno que não serve grande quantidade de comida onde a comida por ter mais gosto é mais forte Em contrapartida a comida tida como de escala industrial é qualificada como ruim por representar o contrário da domiciliar por ter cara de comida em grande escala pela desconfiança e desconhecimento do processo de elaboração da comida como demonstram as acusações de que a comida desses lugares tem segundo alguns entrevistados salitre e segundo outros conservantes ambos tidos como prejudiciais à saúde Um dos restauran tes não qualificados como caseiro foi consi derado bom por ser limpo com cardápio equilibrado por nutricionista com pratos fi xos mas ruim por servir muitas refeições e ser tido como restaurante de esquema empre sarial As características de distinção entre o que é caseiro e o que é industrial estão organiza das principalmente pelo argumento simbólico como observamos nos relatos A comida casei ra pertence ao domínio familiar o aspecto industrial representa o impessoal e desco nhecido A diversidade de opções em termos ali mentares que as pessoas dizem encontrar no centro da cidade não satisfaz Sempre em de trimento da comida da rua a comida de ca sa é valorizada por ser limpa melhor de tempero por saber quem faz porque não enjoa etc Mesmo considerando a variedade de opções a comida do centro é tida muitas vezes como repetitiva monótona e enjoa da A comida de casa é identificada com adjeti vos associados ao âmbito afetivo e pela segu rança de conhecer sua origem Então quando vou pra casa da minha mãe quando eu volto pra cáquando eu fico por lá assim de final de semana eu volto pra cá mais forte mais bonito Janto à noite em casa janto bem comidi nha caprichada da mama Em casa você é mais confiante porque você sabe o que tem na comida em casa é sempre mais segurança pra comer você sabe quem faz como faz sabe que a comida é bem mais tratada e a gente sabe de onde compra quem fez e onde foi feito o sabor a higiene a gente sabe como é feita a comida em casa Em contrapartida comer fora de casa tem conotações distintas quando se trata dos dias de trabalho e fins de semana Neste último ca so ou num dia de semana especial por exem plo comer fora enquadrase em outra catego ria a do lazer Atenuamse aqui os inconve nientes expostos com relação a comer fora de casa nos dias de semana Eu como sempre no restaurante aqui em baixo mas quando a gente saí assim pra almo çar fora a gente vai aqui no Lírico mas aí vai num aniversário alguma coisa assim vai a tur ma toda GARCIA R W D 460 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Final de semana quando a gente sai pra comer com a maioria do pessoal a gente vai num rodízio come carne e salada O orçamento não dá pra comer fora não permite mesmo do contrário vontade a gente tem né mas é difícil No final de semana você tem muita opção você não é obrigado a comer num determinado lugar Você vai onde acha legal o que é gostoso comer então sempre você escolhe o melhor lu gar pra ir jantar né E que seja num preço aces sível também A comida feita fora de casa nos dias de se mana durante o período de trabalho não é boa porque a gente não sabe como eles prepa ram a gente não vê mas que tem diferença tem porque fazem em quantidade não tem muita opção porque a comida é cara e não é igual à da casa da gente você não sabe o que está comen do não sabe como é feito geralmente o pessoal não tem muita higiene depende da sorte e da confiança no lugar ou porque não sabe o que vai encontrar no prato a comida a gente não vê não sabe quanto tempo fica parada on de você vê a diferença de uma pessoa que trabalha no centro e come no centro para aque las que comem em casa As desvantagens apontadas em comer no centro não foram sus tentadas durante toda a entrevista A compara ção com a comida de casa acentuou as devan tagens de comer na rua Como notamos nas caracterizações das práticas alimentares pertinentes a diferentes espaços há dois tipos de relação entre comida de casa e comida de rua uma relação de oposição e uma de independência em que pre dominam significantes autônomos de cada instância Os exemplos que se seguem são daqueles que desfrutam da alimentação feita fora de casa Bom como sou uma pessoa sozinha eu adoro comer fora porque uma das coisas que eu detesto é cozinhar Pra mim é uma coisa muito prática comer no centro eu como eu gosto de uma comida assim bem simples e tem vários cardápios saladas e outras coisas Carne pra mim não pode faltar sabe Por isso que eu te falo é melhor comer aqui do que em casa Aqui todo dia eu como carne ou fran go ou de vaca ou de boigosto daqui sim gos to dos lugares da comida eu gosto Não não é diferente comer em casa Eu não como nada assim de extraordinário em casa Porque assim se você come bem na rua chega em casa você não tem o que comer não tem gra ça nenhuma Então você tem que se virar comer aquilo que dá na tua casa Se você não gosta de alguma coisa tem um monte de opção Então aqui eu consigo fazer uma refeição como eu faço na minha casa Quando a prática alimentar do âmbito do méstico é colocada como referência à outra e no caso da alimentação isto é habitual é res saltado o caráter de oposição desses espaços Mas quando essas instâncias se deslocam para situações paralelas isto é com autonomia de valores e com referências nítidas diferenciadas gerase uma outra matriz de representação aquela peculiar a cada um desses espaços É possível notarmos como sutilmente em algu mas ocasiões quando esses domínios são tra tados com autonomia atenuamse as polari dades Quando se trata de uma refeição feita fora de casa como lazer por exemplo os crité rios de qualificação não são os mesmos que co mer na rua quando desvantagens de se co mer em casa são apontadas resgatamse ele mentos positivos associados a comer fora do domicílio mesmo quando anteriormente a comida de casa tenha sido enaltecida Estas constatações indicam uma coerência vulnerável nos discursos uma influência da re lação com o espaço casa e rua na expe riência alimentar com forte tendência de valo rização da experiência doméstica e muitos cri térios subjetivos na determinação da relação do sujeito com a comida Com o tempo a ex periência alimentar sendo consolidada fora do espaço doméstico talvez se construa uma rela ção mais positiva com a alimentação fora de casa Esta é uma possível hipótese a esse res peito Algumas condições que determinam as representações sociais das práticas alimentares As condições concretas associadas aos limites financeiros do sujeito estabelecem um arca bouço de valores e sentimentos compatíveis com as possibilidades alcançáveis A comida de casa delata mais as condições sociais do su jeito do que a comida da rua mesmo quando a escolha do prato é feita pelo preço As despesas domésticas com alimentação pertencem ao or çamento familiar e portanto a comida feita em casa está mais sujeita às condições sócioeco nômicas da família Acreditamos ser este um dos motivos pelo qual a alimentação domésti ca é resguardada com mais intimidade e os sen timentos a ela associados mais protegidos Os qualificativos para a comida de casa são dis tintos daqueles usados para apreciar a comida da rua esta última julgada com maior rigor PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 461 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 A comida consumida em casa e na rua reflete diferencialmente as condições dispo níveis Em casa a variação e a escolha do que se vai comer depende da matériaprima disponí vel e das opções de preparo determinadas pe los recursos financeiros e influências sócio culturais Na cidade escolhese entre o dispo nível que está pronto para ser consumido A variedade é determinada pelas alternativas de cardápios definidos por estabelecimento A es colha é posterior à preparação Em casa as op ções dependem da matéria prima e dos hábi tos alimentares da família A comida de casa é um reflexo mais fiel da condição social eco nômica e cultural A marmita poderia ser um recurso valoriza do por permitir que a comida de casa possa ser consumida no local de trabalho mas é uma al ternativa que traduz por diferentes motivos um sinal de pobreza Quer dizer o máximo que você almoça fora é pelo menos dez dias o restante do mês é obri gado a trazer de casa É quando acaba o vale refeição eu trago marmita Optei por marmita Tem outras opções mas são poucas Ou você come no vegetariano que é mais variado mas também não tem carne ou você come sempre os mesmos É também pelo dinheiro porque a comida aqui sobe demais Bom pra mim detesto cozinhar e carregar marmita não tenho que reclamar se reclamar vou reclamar demais Eu trabalhei muito tempo carregando marmita eu acho isso horrí vel se você quiser comer comida fresca tem que levantar cedo tipo 5 horas da manhã Ho mem nenhum gosta de carregar marmita os ca rinhas vão tirar um sarro da minha cara quer dizer é coisa de homem de colega Então o que ele faz ele come lanche porque ele ganha pouco ele não tem condições pra se alimentar bem O cardápio fixo baliza nos dois sentidos na escolha do prato do dia ou para optar por um outro prato Quartafeira eu sei que tem feijoada então eu pego e procuro outro prato qualquer coisa um chuchu qualquer outra coisa que substitua aquilo Tem macarrão na manteiga o arroz um tipo de arroz com legumes Só na quintafeira só levo em consideração a quinta mesmo que é massa Você sabe que tem um cardápio e que tem um outro tipo de alimento além do prato do dia O prato do dia é geralmente em todo restau rante mas o pessoal tem sempre um prato dife rente então a gente vai procurando Geralmente é o prato do dia e quartafeira tem que comer feijoada Porque prato do dia geralmente é mais rá pido você chega não é sempre você demora de cinco a dez minutos pra conseguir um lugar aí se você pede um prato que não é o do dia logi camente vai ter que esperar um pouco mais A variedade de opções de restaurantes de diferentes tipos de comida e de sabores foi apontada como vantagem mesmo entre aque les que freqüentam os lugares fixos para comer Se por um lado a variedade de opções é valo rizada positivamente o tempo e o preço das re feições são vistos como um problema pela in suficiência O comensal sabe que qualidade e diversidade de alimentos estão relacionados com o preço e portanto a adaptação deve ser do paladar O limite do orçamento está intrin secamente associado ao desconforto com as refeições feitas fora de casa Tem dias que eu como só frutas pra não ter que comer fora Tem dia que eu como pão com presunto pra não ter que comer aqui É mais fá cil eu acho mais gostoso mais barato também O ticket ou vale refeição é um importante determinante da escolha alimentar Na presen ça da inflação progressivamente vai reduzindo seu poder de compra Há períodos em que ele não cobre as despesas de uma refeição sendo necessárias alternativas para alimentarse den tro do orçamento Com freqüência é o paladar quem cede ao preço Opções como salgadi nhos sanduíches são freqüentes nesses perío dos Uma refeição sadia hoje decente está cus tando em média CR 3000000 O nosso vale aqui por exemplo é CR 1680000 quer dizer você tem que completar se quiser se alimentar bem Ou se não você passa à base de lanche que está em média de CR 2500000 e até CR 3000000 A menos que você coma uma esfiha e um refrigerante como na maioria das vezes eu faço pra que o vale possa dar o mês inteiro É quando acaba o vale refeição eu trago marmita O vale pode ser adequado para quem come pouco e pode recorrer à comida por quilogra ma onde pagase o valor correspondente à quantidade de comida que tem no prato Para aqueles que trazem marmita o vale é acresci do ao orçamento doméstico como moeda em alguns supermercados Não fica tão caro o vale da gente pra mim é suficiente e até sobra Então eu como aqui por causa disso Tem pessoas que comem que nem passari nho então o vale refeição dá Na maioria das vezes acho que para 60 da população o vale não comporta não dá É pouco o que você ga nha de vale refeição não acompanha enten GARCIA R W D 462 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 deu O teu salário já é pouco o vale refeição é pouco tudo é pouco Falta estrutura em tudo desde dentro de casa até no seu emprego na tua família filho tudo Os rituais nas práticas alimentares Em função do tempo abreviaramse os rituais destinados à alimentação deslocandoos para ambientes compatíveis com outras atividades Estudos sobre consumo alimentar baseiam se em métodos informativos de descrição por menorizada da alimentação consumida Com os nossos entrevistados nosso objetivo não era ter precisão da ingestão alimentar motivo da opção pela metodologia qualitativa Este crité rio metodológico permitiu tecermos algumas considerações sobre o comportamento ali mentar e dessa forma contribuir com obser vações sobre possíveis problemas na obtenção de informações quando se utilizam métodos quantitativos centralizados no consumo ali mentar Quando as pessoas referemse à comi da é comum elas enfocarem as grandes refei ções principalmente almoço e jantar Talvez alimentos consumidos de maneira dispersa no decorrer do dia e em locais destinados a outras atividades descontextualizados pela ausência de um ritual peculiar àquela refeição sofram um registro na memória mais tênue e orienta do por um outro domínio Recorrendo a uma imagem ilustrativa é como se tivéssemos esca ninhos categorizados por temas Por exemplo o lazer comporta a comida mas a mesma está contida nesta outra temática Assim ao per guntarmos sobre alimentação remetemos o sujeito usualmente àquelas refeições mais for malizadas Um salgadinho no decorrer do dia um biscoito com cafezinho um chocolate um refrigerante uma cerveja com petiscos não são classificados da mesma maneira são guia dos por outras diretrizes encontramse en quanto alimentos volatilizados em diversos segmentos com diferentes significados Nossas impressões nos levam a supor que comer nes sas ocasiões não tem o mesmo rigor no regis tro do consumo alimentar na memória As lanchonetes principalmente os fast food esvaziaram substancialmente os rituais asso ciados à alimentação A própria variedade de utensílios diminuiu em função das prepara ções Bastante simplificadas pela textura ta manho forma as preparações mantêm a mes ma concentração de nutrientes e gastase me nos tempo para sua ingestão Pelas embalagens descartáveis é com facilidade que uma refei ção se desloca para outros locais para uma mesa de trabalho ou para a frente de uma tele visão Isto pode ter levado a um enfraqueci mento da consciência do ato de alimentarse em função dessas facilidades para dispersar as refeições Quando recorrese a métodos de consumo alimentar que utilizam como única referência a alimentação outras informações sobre a comida poderão ficar escamoteadas por estarem dispersas sob outros rótulos de re gistro na memória Em termos de comportamento alimentar enfraquecendo seus rituais é possível facilitar mudanças nos padrões alimentares pelo esva ziamento das rotinas mais estruturadas de ali mentação A desestruturação da alimentação tem sido mencionada como um importante fa tor de mudança na alimentação Fischler 1995 Mennell et al 1994 Demuth 1988 Principalmente nos dias de semana a tele visão centraliza a atenção durante o jantar Em casa é a programação quem faz companhia aos comensais Observamos nos relatos a seguir as características da rotina das refeições feitas em casa principalmente nos dias de semana Olha normalmente a gente nem senta Por que como somos só eu e ela nós fazemos o prato e é a hora da novela sabe e então nós vamos sentar E principalmente lá em casa é aparta mento é pequeno né então eu saio da cozinha já estou na sala Pego o pratinho senta lá e fica vendo novela e jantando Todo dia é isso Sabe um pega o prato e vai pra televisão outro fica lá mesmo entendeu Não tem aquela mesa posta assim não Sabe vai no fogão cada um se serve A não ser quando vai alguém algu ma visita aí já é diferente Aí é lógico na mesa e tal Mas normalmente não é mesa posta não Cada um se vira lá pega o seu prato e se serve Porque é apartamento a cozinha é peque na então não tem espaço para colocar a mesa na cozinha e a mesa é na sala As crianças ficam pedindo vira a televisão para este lado Elas querem assistir geralmente é no horário dos pro gramas infantis né na Cultura Então é neste horário sete sete e meia oito Se não ninguém vai ficar ninguém vai tirar a mesa daí você tem que virar a TV para todo mundo assistir E eu gosto de comer vendo televisão Eu gos to eu gosto muito de ver TV comendo Mesmo na cozinha eu gosto de ficar ouvindo Às vezes está assistindo televisão mas está discutindo alguma coisa Então a televisão fica ligada mas só pelo fato de estar ligada Você não fica entretido comendo e entretido na tele visão Apenas dois dos entrevistados costumam comer sem a presença da televisão e com a me sa posta PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 463 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Ao contrário dos dias de semana o domin go diferenciase por ter o almoço ritualizado caracterizando o encontro familiar em torno da mesa É raro freqüentar a casa de amigos para comer Normalmente as refeições em con junto são entre parentes e mesmo assim entre os mais próximos Áries Duby 1992 também fazem alusões a mudanças no ritual da alimentação tendo como objeto de observação principalmente a sociedade francesa e a americana Antigamen te os rituais alimentares imprimiam o ritmo à vida familiar Hoje a alimentação está cada vez mais submetida às imposições do trabalho p 320 a refeição coletiva moderna in dustrial dietética barata compromete a co mensalidade na hora do intervalo no restau rante da empresa ou em outro lugar com os ticketsrestaurantes a pessoa almoça depres sa cercada pelos colegas mas não com eles Não se tem tempo visto que uma parte deste intervalo será utilizada nas caminhadas Tem po curto de consumo Tempo curto de prepara ção p 320 Observando informações sobre consumo alimentar encontradas nos relatos dos entre vistados principalmente as grandes refeições são ressaltadas Alguns comentários sobre pe tiscos consumidos com cerveja doces salgadi nhos biscoitos consumidos durante o dia de latam outras faces do consumo alimentar que foram explicitadas somente e quando solicita das informações adicionais sobre ingestão ali mentar vinculada a essas outras situações principalmente de lazer e intervalos entre as grandes refeições O lazer está associado à comida à bebida e à dança componentes universais da noção de festa categoria próxima da idéia de lazer prazer gozo Na sociedade industrial moderna tais práticas continuam tendo para todas as classes sociais uma conotação de entreteni mento e sociabilidade Forjaz 1988 Acredita mos que dependendo da ritualização em tor no da mesa como por exemplo em comemora ções como casamentos aniversários Natal en tre outros a conscientização do consumo ali mentar é orientada diferencialmente como re sultado dos significantes que acompanham tais situações Um exemplo é a cerveja consumida na sextafeira no final do expediente acompa nhada por petiscos os quais só foram mencio nados mediante pergunta sobre o assunto Quando questionados sobre o que comem principalmente o almoço e o jantar foram des critos e com menos freqüência o desjejum O que é ingerido nos intervalos ou ocasionalmen te não foi mencionado espontaneamente A principal refeição feita em casa durante a semana é o jantar Durante a semana o arroz e o feijão são os componentes básicos da ali mentação sendo o cardápio variado principal mente pelos vegetais e num segundo plano pe las preparações à base de carne já que não são todos os que a consomem regularmente O desjejum consiste basicamente do con sumo de café e para poucos representa uma re feição mais suculenta De manhã saio de casa e tomo um café só pra fumar Café puro Eu não gosto de café com leite De manhã é um copo de café com leite e só não passa mais nada Eu não tomo café da manhã nada Tomo só um golinho de café sem pão sem nada Em contrapartida os poucos que mencio nam comer nesta refeição relatam Me alimento bem de manhã tomo leite café bolacha como uma fruta sempre quando tem Eu geralmente como alguma coisa como bolacha e mais um suco Eu sou acostumado a comer fruta suco de laranja comer pão com alguma coisa No almoço de sábado as preparações são similares às dos dias de semana assinaladas basicamente pelo arroz e feijão Como o sába do é dedicado a atividades domésticas como compras de gêneros alimentícios limpeza da casa organização das roupas entre outras o almoço não é uma refeição de destaque O sá bado à noite inaugura o fim de semana para o descanso em geral com uma pizza ou com um lanche feito em casa Domingo ao contrário é o dia dedicado a saciar o apetite com preparações culinárias di ferenciadas Domingo pra mim se não tiver macarrão não é domingo Pode ter arroz feijão pode ter o que tiver mas tem que ter o macarrão Gosto de massa gosto de pizza ao sábado De sábado comer uma pizzinha e domin go aquela macarronada com porpeta bracho la Domingo se não tiver uma macarronada um nhoque não tem almoço Domingo é geralmente macarrão risoto um frango uma carne uma maionese uma la sanha às vezes faço cuscuz Final de semana é aquele tal negócio ma carronada uma lasanha um arroz de forno às vezes feijoada Às vezes de domingo a gente varia é peixe ou macarronada mas domingo geralmente é macarronada GARCIA R W D 464 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 A única coisa que eu como fora mesmo to do sábado é pizza não tem jeito O pessoal não faz muita comida de sábado à noite aí vai numa pizzaria Se durante os dias de semana o arroz e o feijão são os pratos básicos nos fins de semana predomina o paladar italiano A macarronada tem gosto de domingo Algumas vezes o ma carrão acompanha o arroz e o feijão aqui co mo mistura e não como prato principal Cascudo 1983 faz esse mesmo comentário so bre a associação do macarrão concorrendo com outros pratos de nossa culinária e sua di fusão no gosto coletivo É no terreno dos costumes alimentares que apreciamos as mesclas culturais que permitem identificarmos uma dieta tipicamente paulis tana e ao mesmo tempo uma composição de pratos com as mais variadas influências que se traduz no caso de São Paulo por um cosmo politismo no plano alimentar A imigração acrescentou novos paladares e os incorporou aos nossos hábitos de tal modo que como vi mos no caso da macarronada de domingo ou da pizza no sábado à noite podemos assumir na nossa identidade alimentar esse traço ita liano Além dos restaurantes típicos instância formal de preservação de valores culinários de outras culturas podemos assimilar fisiologica mente os movimentos migratórios nas barra cas das baianas da feira de artesanato da Praça da República nas barracas de comida chinesa e japonesa do bairro da Liberdade nos quibes e esfihas das lanchonetes espalhadas pela ci dade e nas especialidades síriolibanesas dos arredores do Parque Dom Pedro Os cardápios encontrados no centro da ci dade de São Paulo são caracterizados por duas tendências simultâneas a homogeneidade e a heterogeneidade categorias peculiares às con centrações urbanas Wirth1987 Determinam tais tendências os fluxos humanos das migra ções e imigrações aos quais a cidade esteve su jeita ao longo de sua história as influências econômicas internas e externas determinan tes conjunturais das ofertas e de disponibilida de de alimentos que no decorrer do tempo de linearam o ecletismo dos costumes alimenta res do paulistano Paralelamente há uma ten dência niveladora decorrente dessa alta con centração de diversidades que faz parte do processo de despersonalização A característica social e cultural da cidade vai sendo contruída através das migrações Weffort 1984 problematiza a questão migra tória em função do potencial de absorção so cial cultural e política exemplifica o caso da permeabilidade ao italiano por haver na oca sião espaço social cultural e político e ao con trário a situação que provoca a resistência ao nordestino em São Paulo Na medida em que a tendência atual da economia é a internaciona lização a hegemonia econômica reproduz a desnacionalização associada à importação de outra referência cultural A tendência massifi cante no padrão alimentar explica a notável absorção dos costumes alimentares norte americanos A presença de lanchonetes como Mc Donalds Bobs a Pizza Hut bem como a entrada do hambúrguer nos cardápios das lan chonetes são exemplos da difusão de outro padrão alimentar Por outro lado restaurantes que servem o prato do dia e dispõem de car dápio semanal atendem as diferenças étnicas incorporadas à cozinha brasileira em função da imigração virado à paulista dobradinha nhoque feijoada etc Dispostos e difusos na cidade de São Paulo vemos também restaurantes de comida japo nesa indiana italiana francesa russa alemã entre outras São Paulo destacase como diz Weffort 1984 por ser a cidade que mais reúne amostras expressivas de todas as regiões do país Através das culinárias típicas se confir mam estas presenças churrascarias gaúchas restaurantes de comida típica baiana capixa ba mineira nortista e nordestina O gosto é uma manifestação de identidade cultural No caso dos filhos de imigrantes nas cidos no Brasil ou brasileiros casados com imi grantes é interessante observar como a apre ciação de ambos os paladares vai se acomo dando à rotina alimentar Eu sempre como um bom filho de italiano gostei de comer bem Domingo aquela ma carronada com porpeta brachola Italiano quinta feira é tradicional o macarrão O que eu mais gosto de comer é arroz feijão bife ace bolado purê de batata e salada que não pode faltar Filho de italiano deveria gostar mais de comida italiana mas o que eu mais gosto é es sa A única coisa que eu vario em casa é fazer um quibe assim de vez em quando uma coa lhada uma coalhada síria Eu fui criado com comida árabe assim né O meu filho ele é assim apesar de ser filho de estrangeiro ele puxou meu pai que é brasi leiro É pôr feijão em tudo Seja qual for o prato estrogonofe seja o que for tem que ter fei jão A minha mãe é descendente de italiano então era aquela macarronada que ela fazia Ti nha que ser se ela não fizesse não era domingo Na minha casa é o contrário sábado e domingo é arroz e feijão A minha família puxou mais pro lado italiano mesmo as minhas ir PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 465 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 mãs as duas são casadas com italianos então é só massa Acho que até os 7 anos dá pra modificar a criança depois dos 7 anos o hábito fica arraiga do Eu gosto de massa pizza aos sábados Então pra mim eu vejo que a dificuldade que eu tenho parece que você sente falta desse tipo de alimen to Como sou descendente de italiano a gente está acostumado a comer massa desde crianca eu gosto mas eu sei que é errado pro meu orga nismo não faz bem A única extravagância que eu faço é massa né de fim de semana que eu gosto mais de sábado à noite pizza e macarrão domingo na casa da mama vegetariano Já nestes outros exemplos podese notar a identidade com o paladar nacional e a força da base da nossa dieta o arroz e feijão Eu não sei comer sem feijão Arroz e feijão pra mim é vital sei lá é coisa de moleque vício de criança Eu não como sem feijão se eu comer sem feijão eu me sinto fraca tem que ter arroz e fei jão Só gosto de coisa bem brasileira mesmo na da diferente A maioria das vezes é arroz e feijão Segundo Candido 1987 a apreciação da comida sólida deriva da necessidade de ter a barriga cheia A comida saborosa designa comida sólida e de preferência a carne No meio urbano a preferência pela comida mais calórica concentrase nas classes sociais para as quais a abundância representa uma valor de ascensão e entre trabalhadores braçais Mar tins et al 1994 Zaluar 1988 Tal como é percebida pela população estu dada a refeição tem o caráter de reposição substancial de energia ao contrário do lanche que é caracterizado como uma alternativa in capaz de atender às necessidades Os lanches são gostosos nutritivos mas acho que é só a nível de enganar na hora acho que não chega a sustentar legal Se eu vir que o ticket não vai dar pro mês todo eu paro de comer e vou comer na lancho nete O sanduíche não substitui minha refeição é um complemento alimentar São vinte dias úteis de trabalho quinze dias você se alimenta bem e cinco você toma um lanche ou alguma coisa assim A lanchonete é uma opção barata Quando o vale não vai dar para o mês todo como lan che ou Quando a grana tá curta e não dá para almoçar Acho que o preço do lanche é quase idên tico e a refeição sustenta mais As condições disponíveis formadas de um lado pelas possibilidades financeiras e de ou tro pela oferta de locais para fazer a refeição vão determinar o limite de possibilidades de que o sujeito dispõe para se alimentar no cen tro da cidade e sobre as quais entre outros as pectos irá construir suas representações so ciais O lanche é opção quando há limites fi nanceiros Observamos uma variedade de tipos de sanduíches aqueles baseados no padrão nor teamericano tendo como base o hambúrguer os mais tradicionais à base de frios como o bauru o americano o misto quente os beirutes feitos à base de pão árabe o ca chorroquente em diferentes versões entre outros Os salgadinhos não são considerados lanches apesar de serem também uma opção para a falta de tempo e de dinheiro Os salgadi nhos mais consumidos são a coxinha esfiha e o quibe Na região delimitada para este estudo há as lanchonetes das redes Mc Donalds Pizza Hut e Bobs Apareceram nas falas também as lojas da rede Wells Wells Burguer que foram lem bradas por um dos entrevistados por estarem próximas ao antigo local de trabalho A impressão é que essas lanchonetes estão acima das suspeitas que pairam sobre as de mais Suspeitas de qualquer tipo sobre a higie ne a qualidade etc Algumas características desse tipo de estabelecimento foram aponta das como vantajosas fast food é tudo auto mático ninguém mexe Num paralelo com o que ocorre com a moda no vestuário os fast food importados são as grifes mais valorizadas como podemos observar nestes comentários Por aqui é tudo lugar para você comer em pé ou fast food No caso de fast food alguns de marca Mc Donalds Pizza Hut Bobs eles dão mesinha pra comer Mas a maioria esses bote quinhos do tipo esquininha ou aqueles compri dinhos que no máximo você fica sentado numa banquetinha um do lado do outro com espaço pra você comer comer um lanche Mesmo quando desvalorizados os lanches das redes de lanchonetes são enquadrados com deferência como observamos nesta fala É muito difícil eu comer lanche nem no Mc Donalds Também para aqueles que se intitulam ve getarianos dois de nossos entrevistados há uma relação mais permissiva e condescenden te com este tipo de lanchonete no caso o Mc Donalds Entre os comentários a respeito dos lanches em geral o Mc Donalds é destacado com certa permissividade Acho que o lanche não tem nada de nutri ção mesmo esses Mc Donalds da vida também acho que não trazem nada de nutrição GARCIA R W D 466 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 O outro vegetariano referindose aos lan ches diz Bom eu peço normalmente assim filé de frango alguma coisa nesse sentido No Mc Donald eu como às vezes até bastante aí eu já eu já não aquela carne não tem muito gosto né eu já não porque lá eu como todos os tipos todos os que tem lá eu gosto Apesar do hambúrguer ser feito de carne e eu não gostar de carne aquela eu como porquê não tem mui to gosto de carne né é uma carne meia não sei como é feito mas eu como Em tais reticências parece residir um espa ço permissivo onde os recursos que poderiam ter sido utilizados para classificar por exem plo o hambúrguer enquanto carne não predo minaram Imperou o nome da lanchonete co mo uma entidade que engloba o todo o Mc Donalds A representação social constituise sobre a entidade Mc Donalds que se sobrepõe aos tipos de lanches Podemos supor que haja uma sobreposição da marca sobre o produto Os elementos que compõem a marca o rótulo superam o con teúdo e o recurso que seria utilizado para qua lificar o hambúrguer de qualquer lanchonete passa a ser secundário O exemplo acima de vegetariano que come o hambúrguer do Mc Donalds demonstra que a possibilidade de classificar o hambúrguer enquanto carne pas sou para um segundo plano frente à marca Po demos ter aqui indícios para a compreensão de alguns elementos pertinentes à rápida incor poração de certos hábitos alimentares como é o caso da permeabilidade que o costume ali mentar norteamericano tem tido no nosso país considerando como pano de fundo o po der exercido pela pressão econômica do capi tal internacional impondo suas mercadorias associadas a hábitos e imagens absorvidas e mais especificamente digeridas com esses no vos produtos Harvey 1993 referindose à im portância da imagem para o produto diz ser ela quem promove associações como respei tabilidade qualidade prestígio confiabili dade entre outros Naquilo que observamos especificamente relativo à marca Mc Donalds tais associações parecem superar o próprio produto A tentativa de descrever e diferenciar a car ne do hambúrguer do Mc Donalds por não ter gosto de carne ou ser uma carne meia mascara sua origem Elias 1990 assinala mu danças nas práticas e sentimentos vinculados à forma de servir alimentos à mesa como marcas do processo civilizatório Considerando o pe ríodo que vai da Idade Média até os dias atuais houve mudanças no padrão de sentimentos li gados a certas práticas que nos levaram a abo minar o trincho do animal morto à mesa hábi to anteriormente valorizado que para nós está associado à lembrança do sacrifício do animal de tal forma que hoje as preparações à base de carne são tão disfarçadas que quase não lem bramos da sua origem O hambúrguer é um exemplo plausível dessa mudança Tagle 1988 explica o êxito desse tipo de alimento pela facilidade de acesso de horário rapidez de serviço preços razoáveis e pela pa dronização e regularidade do produto que evi ta surpresas A própria variação de sabores se dá a partir de uma mesma matériaprima onde os aditivos promovem a diferenciação estrita de sabores Conclusão Sendo o núcleo de preocupação o comporta mento alimentar conhecer as representações simbólicas e os costumes envolvidos na ali mentação aponta para a compreensão de co mo se dá o elo de embricamento de questões sócioculturais e psicológicas consagradas no ato de alimentarse Através das representa ções sociais é concebida a idéia de alimenta ção enquanto veículo de configurações concre tas e imaginárias construídas pelo pensamento social adaptadas e readaptadas às condições disponíveis mas sobretudo experimentadas com um decodificador que tal como uma car ga genética é sustentado por matrizes que pre servam a história social e individual do sujeito através do paladar Outro aspecto do comportamento alimen tar facilitado pelo estudo das representações sociais é a flexibilidade de sua estrutura Cons tatamos como um mesmo discurso se amolda a diferentes situações o que nos permite con cluir através da análise dos discursos sobre ali mentação que há espaços para atitudes flexí veis orientadas pelas circunstâncias Esta fle xibilidade coloca em questão a objetividade es perada das informações sobre consumo ali mentar O meio urbano afeta a estrutura da alimen tação e provoca uma reorganização de valores e práticas que certamente terão implicações no padrão alimentar As pressões exercidas pe lo meio urbano delineiam novas práticas que vão sendo incorporadas com resistência pelos comensais urbanos PRÁTICAS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR NO MEIO URBANO 467 Cad Saúde Públ Rio de Janeiro 133455467 julset 1997 Referências ÁRIES P DUBY G 1992 História da Vida Privada da Primeira Guerra aos Dias Atuais São Paulo Companhia de Letras BOURDIEU P 1983 Esboço de uma teoria da práti ca In Pierre Bourdieu R Ortiz org pp 4681 São Paulo Ática CANDIDO A 1987 Os Parceiros do Rio Bonito São Paulo Livraria Duas Cidades CASCUDO L C 1983 História da Alimentação No Brasil São Paulo Itatiaia Limitada DAMATTA R 1985 A Casa e a Rua São Paulo Bra siliense DEMUTH G 1988 Lévolution de moeurs alimen taires Proceeding of the Xth International Con gress of Dietetics John Libberty ed Vol 2 pp 8993 Paris Eurotext ELIAS N 1990 O Processo Civilizador uma História dos Costumes Rio de Janeiro Zahar FISCHLER C 1995 El HOmnívoro El Gusto la Cocina y el Cuerpo Barcelona Editorial Anagra ma FORJAZ M C S 1988 Lazer e consumo cultural das elites Revista Brasileira de Ciências Sociais 399 113 GRÁCIAARNAIZ M 1996 Paradojas de la Alimen tación Contemporánea Barcelona Instituto Ca talá dAntropologia HARVEY D 1993 A Condição PósModerna 2a ed São Paulo Edições Loyola JODELET D 1988 La representación social fenome nos concepto y teoria In Psicologia Social II S Moscovici org 2a ed pp 469494 Barcelona Paidós MARTINS I S MAZZILLI R N NIETO R A AL VARES E D OSHIRO R MARUCCI M F N CASAJUS M I 1994 Hábitos ateriogênicos de grupos populacionais em área metropolitana da região Sudeste do Brasil Revista de Saúde Públi ca 28349356 MENNELL S MURCOTT A OTTERLOO A H 1994 The Sociology of Food Eating Diet and Culture 3a ed London Sage Publications MOSCOVICI S 1978 Representação Social da Psi canálise Rio de Janeiro Zahar STEFFEN R SAFOUAN M 1988 O Fracasso do Princípio do Prazer Campinas Papirus TAGLE M A 1988 Cambios en los patrones de con sumo alimentario en America Latina Archivos Latinoamenricanos de Nutrición 38750765 WEFFORT F C 1984 Nordestinos em São Paulo no tas para um estudo sobre cultura nacional e cul tura popular In Cultura do Povo E Valle J J Queiróz org 3a ed pp1324 São Paulo Cortez WIRTH L 1987 O urbanismo como modo de vida In O Fenômeno Urbano O G Velho org pp90 113 Rio de Janeiro Zahar ZALUAR A 1988 A 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