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ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA UMA ANÁLISE DAS APROPRIAÇÕES PELA PRÁTICA PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES André Victor Cavalcanti Seal da Cunha1 Esta investigação teve como tema as apropriações dos livros didáticos de História pela prática pedagógica dos professores A pergunta que materializou nosso problema foi Quais apropriações das possibilidades didáticopedagógicas presentes nos livros didáticos de História são realizadas pela prática pedagógica dos professores da disciplina Estamos elegendo como sujeitos da investigação 4 professores graduados na licenciatura plena em Historia O campo da pesquisa compreende o ensino de História nos anos finais do ensino fundamental do 6 o ao 9o ano em 4 escolas públicas municipais de Mossoró Em nossa investigação a opção foi pela utilização da entrevista e da observação como procedimentos de coletas de dados Visando garantir registros mais fidedignos as entrevistas e observações foram gravadas em áudio com a transcrição integral das informações Desta forma esta pesquisa visou contribuir para o debate social e acadêmico sobre este importante material didáticopedagógico Atualmente envolve recursos consideráveis na sua compra por parte do Estado brasileiro e tem sido um instrumento disponibilizado às nossas escolas públicas Com ela buscamos preencher algumas lacunas nas investigações do campo do ensino de História e da educação acerca dos seus usos na sala de aula Palavraschave Ensino de História Prática Pedagógica Livro Didático de História This research was the theme of the appropriation of history textbooks by the pedagogical practice of teachers The question that produced our problem was What appropriation of didacticpedagogic possibilities in textbooks of history are made by the pedagogical practice of teachers of the discipline Are chosen as subjects of research 4 teachers graduate degree in history in full The field of research includes the teaching of history in the final years of elementary school the 6th to the 9th year in 4 public schools municipal Mossoró In our research the option was the use of interview and observation as data collection procedures To ensure more accurate records interviews and observations were recorded in audio with the full transcript of the information Thus this research aimed to contribute to the social and academic debate on this important teachinglearning materials Currently involves considerable resources in its purchase by the Brazilian state and has been a tool available to our public schools With it we try meet some gaps in the research field of teaching of history and education about their use in the classroom Keywords Teaching History Pedagogical Practice Textbooks of History Esse artigo se vincula ao campo de pesquisa que toma o ensino de História como seu objeto de estudo Este se caracteriza por ser uma área de investigação multireferenciada não apenas ancorada na pesquisa histórica mas que traz uma diversidade grande de matrizes teoria da história história do ensino de História didática geral e específica ciências sociais e psicologia cognitiva são algumas delas Esta multireferencialidade epistemológica é engendrada pela complexidade dos fenômenos em estudo e de forma alguma constituem uma Graduado em História e Mestre em Educação pela UFPE Professor da UERN 1 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 dispersão ou fragmentação teóricometodológica O ensino de História enquanto um objeto de pesquisa não está em migalhas No Brasil consolidouse na academia desde a década de 1980 contando com atores que se fazem presentes na cena desde esse período cuja produção é sistemática e nada intermitente A pesquisa em ensino de História exigindo todo o rigor da produção de conhecimento dentro das especificidades epistemológicas da academia nos parece ter como sua finalidade a produção de inteligibilidade dos objetos em estudo não lhe cabendo enquanto função nenhuma perspectiva prescritiva Foi este espírito que nos animou no momento da investigação que resultou em nossa dissertação de mestrado2 Das questões apontadas pela pesquisa a que mais mobilizou nossa atenção está materializada nessa fala do então denominado Sujeito 13 explicitada a seguir Eu acho que o livro didático cresceu muito nesses últimos 20 anos E mudou a sua abordagem e dessa forma também ele terminou levando o professor mesmo o professor que não tem uma visão conceitual mais amarrada mudou também Já que o livro termina sendo o norteador da práticaS1 EI Nesse trecho o docente faz referência ao processo de mudança porque vêm passando os livros didáticos de História relacionando as transformações nas obras didáticas à instauração de práticas pedagógicas renovadas Esta nos parece uma das encruzilhadas com que se deparam os pesquisadores do ensino de História na atualidade Consideramos que não podemos estabelecer uma relação tão visceral entre a adoção de livros didáticos com a inserção de novos saberes e a vivência de estratégias metodológicas inovadoras Deste modo pensar o uso de livros didáticos de História analisando como estão sendo apropriados pela prática pedagógica dos docentes da disciplina pode representar uma contribuição relevante às pesquisas deste campo inclusive porque a temática foi engendrada a partir da metacognição dos seus professores Esta portanto será nossa escolha como tema de pesquisa Especificamente em relação ao Livro Didático LD que atualmente envolve na sua compra por parte do Estado brasileiro recursos consideráveis e tem sido um instrumento disponibilizado às nossas escolas públicas precisamos também avançar sobre certas 2 Pesquisa orientada pelo Prof Dr José Batista Neto vinculada ao Núcleo de Pesquisa em Formação de Professores e Prática Pedagógica do Programa de Pósgraduação em Educação da UFPE Contou com o auxílio financeiro da CAPES 3 Vale salientar que para fins da preservação da identidade dos sujeitos estes foram codificados em Sujeito 1 S1 Sujeito 2 S2 Sujeito 3 S3 Sujeito 4 S4 Sujeito 5 S5 Também as entrevistas Iniciais as realizadas durante a presença no campo de observação e Finais foram abreviadas de EI EC e EF respectivamente 2 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 representações consideradas limitadas Antes porém necessitamos definilo diferenciandoo dos livros escolares de forma geral Choppin Apud Batista e Rojo 2005 1415 propõe uma classificação dos Livros escolares organizada a partir da sua função na prática pedagógica Seriam quatros tipos principais Primeiramente teríamos as edições escolares dos Clássicos nos quais sua função didática estaria caracterizada não no texto propriamente dito já que estes não foram produzidos para o processo de ensinoaprendizagem mas sim no uso didático pedagógico que fazemos deles Em segundo lugar estariam os livros de referência tais como Atlas e dicionários cuja função é a de dar suporte ao ensino das disciplinas escolares Teríamos ainda os paradidáticos livros que tem por finalidade principalmente na tradição escolar brasileira de aprofundar uma temática referente a um tópico específico de uma determinada disciplina escolar E finalmente os manuais ou livros didáticos propriamente ditos que seriam obras produzidas com o objetivo auxiliar no ensino de uma determinada disciplina por meio da apresentação de um conjunto extenso de conteúdos do currículo de acordo com uma progressão sob a forma de unidades ou lições e por meio de uma organização que favorece tanto a usos coletivos em sala de aula quanto individuais em casa ou em sala de aula Batista 2005 15 È justamente sobre este último que nosso olhar está voltado O senso comum pedagógico e mesmo em muitas produções acadêmicas ainda vem concebendoo como uma produção artesanal em que todo o trabalho é fruto da criação de um artíficeautor Ou seja uma concepção da produção na qual o autor é visto como um artesão sendo responsável isoladamente pela elaboração de textos a inserção de imagens e a proposição das atividades A permanência deste tipo de representação explicita o desconhecimento dos processos engendrados pela consolidação da indústria editorial no Brasil iniciada na década de 1970 mas principalmente a partir da redemocratização vivida nos oitenta De forma concomitante a crise disciplinar da história escolar inclusive integrandoa ou mesmo participando dela vemos a complexificação da produção dos livros didáticos na qual o autor passa a não mais ocupar o lócus de sujeito privilegiado e quase que exclusivo Segundo Gatti Júnior no período anterior compreendido entre os anos 30 e 60 do século XX a produção didática possuía algumas características peculiares Os LDs não representavam o produto principal quanto à vendagem das poucas editoras que se dedicavam a sua produção Seus autores eram figuras de espaços considerados da alta cultura Não havia uma preocupação manifesta com o processo de ensino o que resultavam por exemplo 3 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 em uma falta de adequação entre a linguagem utilizada e o público a que a obra se destinava Seu mote seria a erudição demonstrada Desta forma os manuais permaneciam durante muitos anos e até décadas inteiras sem sofrerem alterações 2004 37 Já no período do pós anos setenta mas principalmente a partir dos oitenta ocorreu um crescimento vertiginoso do consumo de LDs no país O que lançou o subsetor dos didáticos para o topo das vendas do mercado editorial nacional Essa expansão levou a uma necessidade para o atendimento da demanda crescente de sofisticação do processo produtivo Passouse do autor individual à equipe técnica responsável de uma produção praticamente artesanal a uma produção em escala industrial com a implantação de uma poderosa indústria editorial Gatti Junior 2004 4344 Com a expansão do consumo e conseqüente complexificação da produção os autores trabalham agora com todo um grupo de profissionais técnicos qualificados principalmente em parceria com editores especializados Estes representam uma estrutura organizacional multifacetada cuja teia hierarquizada os situa muitas vezes em espaços marginais em relação ao epicentro do poder nas instituições Assim nos anos noventa os livros didáticos se consolidaram enquanto uma mercadoria de alta vendagem alcançando cifras até então nunca atingidas Ao mesmo tempo representaram para as editoras um negócio extremamente arriscado pela competitividade enfrentada contando com o emprego de marketing estratégico bastante agressivo e custoso bem como pela especialização que passa a ser exigida dos profissionais envolvidos resultando na formula altos investimentos para a contratação cada vez em maior número de pessoal qualificado somada ao retorno incerto ou nada garantido Idem 45 Um fenômeno que explicita bem a hiperespecialização requerida a esses atores sociais é o da profissionalização dos autores Em aparente contradição com o papel relativamente secundário que passaram a desempenhar ocorreu um aumento significativo das exigências para realização desta função Ao assinar uma coleção o autor tornase uma marca engendrando a solicitação de tempo e energia para o atendimento de um sem número de atividades relativas principalmente à divulgação do seu produto tais como palestras seminários cursos e oficinas Isso para não nos referirmos as estritamente relacionadas com a escrita e reescrita do texto propriamente dito No trecho a seguir Gatti Júnior sintetiza os eventos comentados Do ponto de vista editorial o final da década de 1990 era palco do aumento da velocidade da elaboração e renovação das coleções com conseqüente mudança da atuação dos autores de livros didáticos de História que eram cada vez mais 4 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 solicitados a exercerem atividades de divulgação de suas próprias coleções e sobretudo de revisão constante dos textos com o aparecimento da tendência em contratar redatores profissionais para diminuir o trabalho desses autores Ibidem 139 Hoje chegamos à velocidade de atualização de cerca de três anos em média tempo este relativo à vida útil de uma publicação Vêm destacandose neste processo a figura destes redatores profissionais os chamados copydesks Integrantes desta sofisticada rede de divisão de trabalho composta por figuras responsáveis pela diagramação ilustração pesquisa iconográfica revisão edição de arte etc eis que ganha centralidade nestes novos tempos a função da copydeskagem Esta não deve ser reduzida à correção gramatical do texto pois envolve todo um tratamento reinventivo na linguagem que o conforma Munakata 1997 88 91 Munakata 2003 275276 Todo esse processo de complexificação e hiperespecialização da produção de didáticos materializouse em transformações significativas quanto à estrutura dos livros que inclusive resultaram ao final dos noventa em uma formatação padrão consolidada Não obstante a complexidade do livro didático não se revela apenas na sua natureza caracterizada por ser um objeto da indústria cultural ou através do seu processo de criação mas também em suas múltiplas funções É a diversidade de usos a constelação de práticas discursivas constituios desde sua etapa de produção que caracteriza a peculiaridade a especificidade deste objeto Mas o que é afinal um livro didático Os mais variados sujeitos envolvidos na sua cadeia inventiva da produção ao uso poderiam trazer representações advindas de suas múltiplas facetas Seriam os livros então um produto da indústria cultural portanto uma mercadoria Seriam também um repositório de visões de mundo ou até de ideologias se quisermos nostalgicamente relembrar as análises da década de oitenta Outra representação possível seria a de instrumento pedagógico organizador de práticas de ensino Diríamos que estes elementos compõem a pluralidade da natureza multifacetada dos LDs Mas em um nível soberano não poderíamos deixar de considerálo enquanto um artefato cultural pois produz significado significação e sentido No caso dos livros de História poderíamos ir além caracterizando sua especificidade na capacidade de possibilitar a estruturação de narrativas que posicionam o leitor no fluxo temporal ou seja na relação passadopresentefuturo Desta forma assumimos o entendimento de que um livro didático não é apenas um objeto material inerte e sem vida papel e tinta mas um evento discursivo materializando 5 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 práticas discursivas plurais Ele é portanto um integrante do mundo da cultura possuindo um circuito cultural que o singulariza Apropriações dos Livros Didáticos pela Prática Pedagógica dos Docentes o processo da retrodicção didática A representação paradigmática norteadora deste trabalho é justamente nossa compreensão acerca dos usos criativos que os professores realizam dos livros didáticos Para Apple a teia discursiva criadora da produção didática é engendrada através da complicada interrelação entre as políticas de adoção de livros didáticos do Estado e o mercado editorial que publica esses livros APPLE 2006 63 Se observarmos as formulações de certeauneanas 2004 consideraremos que a sua complexidade é ainda maior justamente porque não são apenas os ditos produtores mas também os denominados de consumidores criam e reinventam cotidianamente essas possibilidades didáticopedagógicas através dos usos dos livros em sua prática pedagógica Assim é Certeau quem nos ajuda a compreender o papel criativo e criador dos denominados consumidores dos usuários de produtos de artefatos culturais que a partir de e segundo ele constroem táticas cotidianamente Poderíamos dizer então que os livros Como os utensílios os provérbios ou outros discursos são marcados por usos apresentam à análises as marcas de atos ou processos de enunciação significam as operações de que foram objeto operações relativas a situações e encaráveis como modalizações conjunturais do enunciado ou da prática de modo mais lato indicam portanto uma historicidade social na qual os sistemas de representações ou os procedimentos de fabricação não aparecem mais só como quadros normativos mas como instrumentos manipuláveis por usuários CERTEAU 2004 p 82 É desta forma que através da compreensão de que os usos dos livros representam táticas produtoras de práticas discursivas inventivas não poderíamos deixar de considerar os docentes enquanto integrantes do circuito cultural criador da produção didática Se atrelarmos as noções de Certeau a abordagem da transposição didática o uso do livro didático pelos professores de História em sua prática pedagógica está inserido em uma complexa teia discursiva perpassando diversos campos transpositores Em pesquisa que realizamos sobre as narrativas históricas escolares produzidas por professores de História encontramos uma 6 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 noção empírica de retrodicção didática que poderá ser útil para ilustrar o movimento inventivo das apropriações dos livros didáticos pela prática pedagógica dos Docentes A nossas análises revelaram um fenômeno curioso que consideramos integrar os elementos característicos da transposição didática interna em História na atualidade Desde o estabelecimento da crise disciplinar com toda a ebulição que causou têm surgido propostas de renovação do ensino de História com vistas a tornálo mais significativo atraente e dinâmico Um dos recursos mais ventilados seria o de aproximar seus conteúdos disciplinares com a realidade dos alunos o que acreditase despertaria maior interesse dos discentes e tiraria a História enquanto disciplina escolar do rol das matérias enfadonhas ROSA 1984 Vale salientar que este princípio metodológico foi introduzido no Brasil por inspiração escolanovista sendo retomado pela abordagem freireana e mais recentemente pelo ideário construtivista Acreditamos que algumas estratégias discursivas têm sido adotadas visando tornar a narrativa histórica escolar mais acessível a alunos e alunas o que nos levou a identificálas enquanto elemento integrante do quefazer transpositor dos professores Durante as observações nos deparamos com uma exposição em que o sujeito desenvolve sua narração a partir de um trecho do livro didático transcrito para o quadro Esta aula representa bem o que estamos tentando dizer pois nela encontramos quase uma caricatura Vemos a seguir o segmento da obra copiado na lousa A formação das monarquias centralizadas na Europa No mundo feudal o poder era descentralizado O rei dividia o poder com os senhores feudais Os poderes eram fazer as leis fazer justiça ter exército e ter sua própria moeda Centralização só o rei tinha o poder Durante quase toda a idade média não existiam países como os que conhecemos hoje Assim morar em Londres ou em Paris não significava morar na Inglaterra ou na França As pessoas sentiamse ligadas apenas a uma cidade a um feudo ou a um reino O processo de formação de monarquias com o poder centralizado na Europa iniciouse entre os séculos XIV e XVI S11º ano do 4º ciclo Prot1 A exposição seguiu o texto transcrito sendo convertido nesta representação gráfica desenhada da mesma forma para toda a sala Ter Exércitos Cobrar Impostos Fazer Justiça Juiz Justiceiro Fazer as Leis Ter sua própria Moeda Poder do Senhor Feudal 7 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 Ao final o professor apresenta um fechamento como que realizando uma síntese dos conteúdos ministrados e das discussões realizadas PEntão veja só olha só aqui apontando para a figura construída no quadro quando nós estávamos falando do poder dividido com os senhores feudais eu tô falando do poder de ter exército do poder de cobrar impostos do poder de fazer justiça do poder de fazer as leis e do poder de fazer sua própria moeda Todos esses poderes aqui nesse momento o que acontece O rei tomou de volta e só quem tem esse poder é ele Ou seja quando o rei tomou esses poderes do senhor feudal ele centralizou o poder Não foi isso que a gente viu aqui Ele centralizou o poder então a idéia da centralização é todo poder na mão de quem A2 do rei S1 1º ano do 4º ciclo Prot1 Uma análise apressada deste recorte poderia levar a crer que a narrativa reinventada pelo professor sinalizaria mais para uma cópia Comparado o esquema do seu discurso ao trecho do livro didático vemos uma semelhança visível a olho nu Serão os docentes meros reprodutores Há quem duvide da transposição do rio São Francisco quanto mais da transposição didática No entanto vejamos O esquema analisado superficialmente retrataria a fidelidade quase que absoluta à obra didática como se a fala do professor só representasse uma vulgarização uma reprodução literal via oralidade da idéia materializada através da linguagem escrita já presente anteriormente Entretanto se observarmos mais atentamente veremos saltar aos olhos um movimento dinâmico e criativo no qual poderão ser encontrados aspectos de remanejamento de recomposição de seleção de apropriação o que resultaria a nosso ver em uma reinvenção acarretando na elaboração de algo novo que não sendo nem inédito nem um trabalho simplesmente mecânico é fruto do trabalho de didatização do esforço em tornar ensinável o saber histórico escolar Consideramos que o texto do livro didático é material moldável matéria plástica que seu agir na urgência reelabora para atender às necessidades do fazer docente E mesmo quando aparentemente o seu discurso representa apenas uma reprodução de um texto didático posto no quadro elementos de sua atuação impregnam a narrativa Para compreender melhor este processo criativo e criador da atuação do professor na transposição didática interna em História precisamos nos ancorar na noção de retrodicção didática Veyne 1998 p 121125 no campo da teoria da História argumenta que uma das dificuldades enfrentadas pelo historiador na invenção do saber histórico seriam as lacunas 8 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 existentes entre os documentos e a infinita complexidade do passado humano Esse autor admite que apenas em parte o preenchimento dessas lacunas se daria por uma elaboração consciente de hipóteses Em grande medida os espaços vazios seriam sanados por retrodicção A retrodicção corresponderia ao preenchimento das áreas nebulosas via interpretações inferenciais baseadas numa causalidade indutiva caracteristicamente cotidiana e marcadamente irregular Mesmo os chamados fatos históricos apesar de sua aparente consistência e densidade seriam na verdade construções comportando porções consideráveis de retrodicção Por isso para o autor o saber histórico seria lacunar Acreditamos poder nos apropriar da contribuição desta noção para a realização de nossas análises Através de uma transposição analógica poderemos considerar que também o professor de História à sua maneira e dentro das especificidades do seu campo de atuação realiza também retrodicções não historiográficas mas didáticas De forma semelhante detectamos nas narrativas reinventadas em sala o preenchimento das lacunas existentes entre o saber histórico escolar e o que se consideraria a realidade dos discentes No caso explicitado a análise do protocolo apontou para uma seleção dos elementos referentes às relações de poder que foram privilegiados em detrimento do aspecto político Formação dos Estados Nacionais A fala do docente contribuiu ainda para inserção de elementos novos Se compararmos o trecho transcrito no quadro com o esquema elaborado pelo professor veremos que além de conter mais um item dentre os poderes do senhor feudal o de cobrar impostos pode ser identificada no tópico sobre fazer justiça uma distinção entre as noções de juiz e justiceiro Mas como ela surgiu Porque foi aí inserida Voltemos à narrativa talvez ela nos forneça algumas respostas P podia né então o senhor feudal ele também podia fazer justiça È esse o poder que ele tinha Quem é de pode fazer justiça hoje A6 a polícia P quem A6 a polícia Pa polícia pode fazer justiça Não A2 às vezes P gente como é que a gente faz justiça A6 matandomas é uma justiça que não é certa P ai bom ai não é justiça é o justiceiro A2 depende da justiça também professor depende da justiça P mas veja só quando eu falo a palavra justiça qual é a imagem que vem na sua cabeça A6 em se vingar 9 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 P quando eu falo em justiça você pensa em se vingar Veja só quando eu falo a palavra justiça o que você lembra direcionando a pergunta a outro aluno A2 juiz P Juiz leve validação pelo tom Então quando a gente fala em justiça a gente pensa no juiznéquando a polícia faz justiçaela nem pode fazer então o policial se torna justiceiro Ou seja veja só o justiceiroo juiz é diferente do justiceiro coloca no quadro Porque veja só o justiceiro o policial ou quem quer que se coloque na posição de justiceiro ele segue alguma lei A6 a o justiceiro não o juiz segue P aaa o justiceiro ele não segueo justiceiro não segue nenhuma lei por que ele é um policial e entre aspas juiz ao mesmo tempo S1 1º ano do 4º ciclo Prot1 Como pode ser visto a inserção do elemento que não estava inicialmente no livro se deu através da interação do professor com o aluno na sala de aula O discente parece apresentar uma noção diferenciada da que propõe o livro didático sobre o conceito de justiça associando justiça ao ato do extermínio fenômeno digase de passagem que provavelmente integra seu cotidiano Mas a distância conceitual só pode ser detectada e essa nos parece a proposição essencial no momento em que o sujeito lança a questão Quem é que pode fazer justiça hoje Observamos que durante todo o percurso da reinvenção o professor procurou relacionar o assunto estudado poderes do senhor feudal com a sua contrapartida na atualidade Estas se deram através de perguntas como Ai eu pergunto a vocês o senhor feudal podia ter um exército A2 e a3 pode P Então ele podia ter exército Isso é ou não é um poder A4 é P é um poder Por exemplo que é que pode ter um exército hoje no Brasil P Outra coisaeu pergunto será que esse senhor feudal ele podia cobrar impostos Então ele podia cobrar impostos Quem é que pode cobrar impostos hoje S1 1º ano do 4º ciclo Prot1 Vemos assim que o processo de retrodicção didática realizado pelo sujeito caminhou no sentido de estabelecer sistematicamente relações a que estamos denominando de relações didáticas Por definição consideramos como didáticas aquelas relações estabelecidas pelo professor entre a narrativa reinventada e outros discursos ou saberes cuja finalidade seria a de facilitar a aprendizagem do saber histórico escolar tendo por base a concepção de que este 10 ANPUH XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Fortaleza 2009 11 procedimento possibilitaria a ampliação da compreensão do objeto em estudo Integram desta forma a busca por tornar ensináveis as narrativas históricas escolares participando do movimento transpositor realizado pelos docentes Por isso sua presença está sendo considerada como mais um elemento característico da transposição didática interna em História Foram elas as principais responsáveis via retrodicção pela inserção de elementos originais nas narrativas reinventadas que encontramos na investigação o que nos parece caracterizar um dos fenômenos integrantes da epistemologia da prática desses sujeitos Referências ANHORN Carmen Teresa Gabriel Um Objeto de Ensino Chamado História a disciplina História nas tramas da didatização Rio de Janeiro PUCRJ 2003 Tese Doutorado em Educação PUCRJ 2003 APPLE Michael A Política do Conhecimento Oficial Faz Sentido a Idéia de um Currículo Nacional In Moreira Antônio Flávio e Silva Tomaz Tadeu da Orgs Currículo Cultura e Sociedade 9ª edição São Paulo Cortez 2006 BATISTA Antônio AG e ROJO R Livros escolares no Brasil a produção científica Em VAL MGC e MARCUSCHI B Orgs Livros didáticos de Língua Portuguesa letramento e cidadania Belo Horizonte Autêntica 2005 CERTEAU Michel de A Invenção do Cotidiano 10º Ed Petrópolis Vozes 2004 CUNHA André victor Cavalcanti Seal A REINVENÇÃO DO SABER HISTÓRICO ESCOLAR APROPRIAÇÕES DAS NARRATIVAS HISTÓRICAS ESCOLARES PELA PRÁTICA PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES DE HISTÓRIA Recife UFPE 2005 Dissertação Mestrado em Educação UFPE 2005 GATTI JÚNIOR Décio A Escrita Escolar da História livro didático e ensino no Brasil 1970 1990 Uberlândia EDUSCEDUFU 2004 LAHIRE Bernard Homem Plural os determinantes da ação Petrópolis Vozes 2002 MARROU H I Sobre o Conhecimento Histórico Rio de Janeiro Zahar 1978 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didáticos e paradidáticos São Paulo PUC 1997 Tese Doutorado em Educação PUC 1997 Histórias que os Livros Didáticos Contam depois que acabou a ditadura no Brasil In FREITAS Marcos César de Historiografia Brasileira em Perspectiva São Paulo Contexto 2003 Produzindo Livros Didáticos e Paradidáticos São Paulo PUC 1997 Tese Doutorado em Educação PUC 1997 PERRENOUD Philippe Ensinar agir na urgência decidir na incerteza 2ed Porto Alegre Artmed 2001 ROSA Zita de Paula Um bom começo In SILVA Marcos A da Org Repensando a História 2d São Paulo Marco ZeroANPUH 1984 VEYNE Paul Como se Escreve a História Brasília UNB 1998