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A Arte sem história mulheres artistas Sécs XVIXVIII Em 1976 teve lugar em Los Angeles uma exposição denominada Women Artists 15501950 Não era a primeira vez que se organizava uma mostra colec tiva sobre mulheres artistas pois já desde o século XIX se tinham realizado inúmeras exposições dedicadas a esta temática No entanto era aprimeira vez que se encontravam num mesmo espaço artistas de nacionalidades tão diversas e de períodos tão dispares e que se consolidavam as abordagens de uma história da arte feminista Organizado pelas historiadoras da arte Linda Nochlin e Ann Sutherland Harris no Los Angeles County Museum o evento também se distin guia pelo seu carácter académico e institucional Este aspecto levou a resultados bem diferentes daqueles que em princípio se poderiam esperar de uma expo sição organizada a margem de um contexto museológico e discursivo da história da arte dominante Por um lado a dimensão prática da exposiçãoenvolvendo investigações pormenorizadas sobre artistas na maior parte dos casos pouco conhecidas e os empréstimos de múltiplos museus e de colecções privadas na Europa e nos Estados Unidos obrigava a condições de trabalho que dificilmente poderiam ter sido obtidas num contexto menos institucional Por outro lado o facto de Women Artists 15501950 ter sido organizada a partir de dentro constituiu uma força acrescida no efeito de ruptura produzido no interior da Este artigo foi escrito na sequência do curso De musas a artistas as mulheres e a arte leccionado pela autora na Fundação Serralves O curso fez parte da secção de programas educativos da Fundação Serralves e teve lugar em Janeiro de 2005 Este artigo constitui parte de um livro em preparação A Arte sem História rnulheres artistas séculos XVZ a XX Agradeço a leitura atenta de Inês Versos e do Eng Sidónio de Freitas Branco Paes 1 Linda NOCHLIN e Ann Sutherland HARRIS eds Women Artists 15501950 Los Angeles Nova Iorque Los Angeles County Miiseum Random Hoiise 1976 Catálogo de Exposição Los Angeles Austin Pittsburgh Nova Iorque 1976119771 Para um exemplo de uma iniciativa equivalente na GrãBretanha poucos anos depois ver o catálogo da exposição que decorreu no Nottinghani Castle MUseum em 1982 The Wornens Art Show 15501970 Nottingham Nottingham Castle Museum 1982 Para o caso francês ver La Femme Artiste dElisabeth VigéeLebrun à Rose Bonheirr Mont deMarsan se 1981 Catálogo de Exposição Donjon Lacataye MontdeMarsan Novembro 1981 Fevereiro 1982 Para um exemplo de outro tipo de exposição de arte com características contem porâneas e não históricas organizado pela associação Women in the Arts ver o catálogo IVorne choose Wonten Nova Iorque New York Ciiltural Center 1973 12 de Janeiro18 de Fevereiro 19731 Para o equivalente português ver Artistas Portugiresas JaneiroFevereiro 1977 Lisboa Socie dade Nacional de Belas Artes 1977 Como se pode constatar todos os espaços de exposição onde decorreram estas iniciativas são relativamente marginais quando comparados com os principais museus destes países ARTIS REITSTA DO INSTITUTO DE l S T 6 1 4 DA ARTE DA FACULDADE DE LETRAS DE LISBOA n 4 2003 205242 própria disciplina de história da arte quer ao nível da siia escrita e ensino quer a um nível museológico O sucesso da exposição ao qual não foi estranho um certo efeito surpresa foi evidente entre o público de Los Angeles primeiro e depois entre o público das outras cidades norteamericanas onde a mostra itinerante marcou presença Incorporando as premissas do valor artístico definidas pela história da arte ou seja as noções de qualidade originalidade ou estilo a exposição e o texto do catálogo que a acompanhou integravam a obra das mulheres artistas no cânone artístico que até então fora somente um cânone masculino Este cânone tradicional instituído sobretudo nas universidades mas também dispo nível a um público muito mais alargado através de exposições temporárias e museus de histórias da arte em forma de coffeetable boohs ou inonografias de artistas a preços acessíveis moldara a formação de grande parte do público de Women Artists Assim mesmo para a maioria dos visitantes mais cultos o habitual reconhecimento do nome ou do estilo das obras observadas num museu era difícil de praticar As iotinas do reconhecimento fácil eram postas em causa pelo desconhecimento dos nomes das artistas expostas Ou seja a uma identi ficação de estilos e épocas artísticas não correspondia a do nome das autoras Tal como Virginia Woolf que ao confrontarse com as dificuldades de ser uma mulher escritora oii uma escritora mulher sem um passado tentara criar uma genealogia de mulheres escritoras a exposição veio propor uma genealogia de mulheres artistas2 De facto a redescoberta de um passado de criatividade artística feminino foi particularmente premente no contexto californiano dos anos 70 em que a prática artística das mulheres pela primeira vez se desen volveu especificamente numa vertente feminista Os anos Setenta Como reescrever a História da Arte Se a exposição Mromen Artists 15501950 pode ser vista como um acto fundador ela também deve ser analisada no contexto específico da Califórnia da década de 1970 onde muitas outras iniciativas questionaram a história da arte e a prática artística E neste decénio que começam a ser publicados inúmeros livros sobre mulheres artistas do passado que a página em branco começa a ser preenchida por várias propostas de genealogias artísticas no feminino3 2 Virginia WOOLF A Rooni of Ones Own New York A Harbinger BookIIarcourt Brace World 1957 1 ed 1928 p 25 Versão portuguesa Una quarto qiie seja seu pref de Maria Isabel BRRENO trad de Maria Emília Ferros Moiira Lisboa Vega 1978 3 Germaine GKEER The Ohstaclc Race The forticies of wonzen paintcrs ald thcir work Londres Picador 1981 1 ed 1970 Elsa Honig FIXE IVoneri and Art a hisioly of ulonzeli pai tc1s atzd sculptors fronl the Reiaissace to lhe 20 ccxtnry Montclair N J Allatiheld Schram 1978 Donna G BACIIMNN e Sherry PIWND IVoticn ilrtisfs an historical conteniporag ard fenii nist bibliography Metuchen N J Scarecrow Press 1978 Karen PETERSEN e J J UILSON IVoniell Artists Recogriition aid Reappraisal frortl lhe Early Middle Ages to the Ticelieh Centlrj Londres The Wornens Press 1976 Hiigo LNSTERRERG A Historj of ITronje1i Arfists Nova Iorcluc C N A ARTE SEM HISTORIAMULHERES AKIIST4S SÉCS XVIVIII 207 É também no início da década que alguns programas de ensino artístico começam especificamente a incentivar os usos de um pensamento feminista na criação artística 4 Muitas artistas começaram a trabalhar especificamente sobre as suas congéneres do passado criando uma genealogia cultural das ausências como ilustra o The Dinner Partyr de Judy Chicago Numa complexa e intrincada teia de referências a mulheres ilustres e ao feminino em geral a instalação de 19741979 tornarseia um ícone do trabalho de vanguarda levado a cabo pelas artistas feministas suas contemporâneas5 Afastandose radi calmente do modernismo que influenciara todo o século XX The Dinner Partp exemplifica os caminhos da arte pósmoderna que marcará a nossa contempo raneidade No entanto e apesar da obra de Chicago se ter tornado talvez no exemplo mais citado da denominada arte feminista dos anos 70 pelo seu valor simbólico e também pelo papel desempenhado pela própria artista na construçáo teórica do feminismo convém não ignorar a quantidade de trabalho inovador produzido por outras artistas Pela mesma altura surgiram na Califórnia dois programas distintos de ensino artístico dedicados à reflexão e prática de uma arte feminista Tanto no Fresno State College como no California Institute of the Arts estes projectos inovadores visavam introduzir a perspectiva das mulheres na arte e incentivar uma prática artística que fosse o resultado de uma reflexão sobre a experiência de ser mulher Os métodos utilizados assim como os resultados obtidos rom peram com o formalismo do modernismo ao mesmo tempo que anunciaram os caminhos da arte contemporânea Contrariando o individualismo que o moder nismo favorecera os programas californianos promoveram quer o diálogo de grupo onde se discutiam abertamente as experiências individuais de se ser mulher quer a realização de trabalhos colectivos De igual modo e longe dos privilégios que o modernismo atribuíra a pintura e à escultura estas comu nidades artísticas recorreram a uma multiplicidade de meios como forma de expressáonstalações performances peças de teatro colagens video uso de técnicas tradicionalmente femininas como o bordado etc Pela primeira vez de uma forma consciente e sistemática a própria arte foi usada pelas mulheres Potter 1975 Eleanor Tuns Our Hidden Heritage Fiue Centuries o Wonien Artists Nova Iorque Londres Paddington Press 1974 Wonzen A historical survey of works by women artists presented by the North Carolina Museunt of Art and Lhe Salem Fine Arts Center as part o the 20Orh anniuer sary celebration o Saleni College and Acadeniy Winston Salem North Carolina Raleigh NC 1972 4 Peggy PHEUN e Helena RECKITT Art and Fenzinisni Londres Phaidon Press 2001 Lucy R LIPPARD The Pink Glass Swan Selected Fenlinist Essays Nova Iorque The New Press 1995 Norma BROUDE e Mary D GARMRD eds The Power of Fenzinist Art The Anericnn Movenent of the 1970s History and Inpact Nova Iorque Harry N Abranis 1994 Rozsika PARKER e Griselda POLLOCI eds Franling Feminisni Art and the IVomens Mooenlent 19701985 Londres Pandora 1987 5 Viki D THOMPSON Jrrdy Chicago Trials and Tributes introd de Lucy R Lippard Talla hassee FL Florida State University Museum of Fine Arts School of Visual Arts Dance c 1999 Catálogo de Exposição artistas como testemunho de ideias feministas No século XIX por exemplo a s mulheres artistas empreendiam acções para eliminar as discriminações de que eram alvo e modificar a qiialificação das suas carreiras mas não usavam a arte em si para o fazer como acontecerá mais tarde Apesar de um certo simplismo nas projecções de género que algumas destas obras cleixavan transparecer devidas certamente ao seu caiácter de novidade a denominada arte feminista dos anos 70 foi extremamente original e inovadora adjectivos que a história da arte tanto valoriza mas que neste caso preferiu ignorar Assim hoje o contri buto destas iniciativas para a piática artística que se lhe seguiu continua a ser analisado por uma história da aite feminista sem fazer parte integrante dos programas de ensino universitário da história da arte ou dos livros onde se cons trói o cânone do século XX Em 1971 é publicado o artigo seminal de Linda Nochlin Why have there been no great women artists o primeiro sobre um tema que marcará o longo e profíquo percurso académico da historiadora da arte norteamericana j Cons ciente de viver num período de grande actividade e discussão feminista Nochlin propôs que esta perspectiva fosse também usada para repensar as bases inte lectuais e ideológicas das várias disciplinas intelectuais ou acadérnicas Este apelo à autoreflexão e autoconsciência deve ser inserido no contexto histórico daquela década onde muitas outras vozes levaram a um repensar das estru turas de pensamento e da própria linguagem das ciências humanas O pensa mento feminista contribuiu decisivamente para este processo de desconstrução disciplinar quer de forma directa inserindo a perspectiva das mulheres em todas as vertentes do pensamento quer de forma indirecta ao fornecer a outras disciplinas exemplos das perguntas possíveis Em 1869 no seu brilhante ensaio The Subjection of Women John Stuart Mil1 já chamara a atenção para a neces sidade de questionar aquilo que é natural e portanto tende a ser inques tionávels No seu entender tal como tudo aquilo que é comum é considerado natural a sujeição das mulheres enquanto costume universal também foi natu ralizada Qualquer alteração a esta norma surge como pouco natural Para o político e ensaísta uma ordem social só seria possível quando se pusesse fim aos privilégios do domínio masculino algo de que dificilmente os homens quere riam abdicar Ao transportar as palavras de Stuart Mil1 para a História da arte Nochlin deparouse com a força da categoria de génio masculino na construção da disciplina realizada segundo o ponto de vista do homem branco ocidental 6 Linda NOCHLIN Why have there been no great women artista in Diane APOSTOLOSCAPPA DONA e Lucinda EBERSOLE eds llbnen Creatilitg and the 4rts Critical and irtobiograpliical Perspectices Nova Iorque Continuum 1997 pp 4269 publicado pela primeira vez eni 1971 na revista r1 Nculs 7 Linda NOCHLIN Why have there been no great women artists p 42 8 Citado por Linda NOCHLIN Why have there been no great wonien artistu pp 42 43 48 Jolin Stuart MILL Tlie Scrbjctioiz of IVonler7 New York D Appleton and Compaiiv 1869 A pergunta porque é que não existiram grandes mulheres artistas Nochlin começa por apresentar as respostas possíveis uma possível reacção feminista seria a de contrariar a pergunta apresentando uma sucessão de casos de grande mulheres artistas ou seja um exercício semelhante àquele reali zado pelo historiador da arte empenhado em defender o interesse e a centrali dade do objecto escolhido por muito secundário que possa parecer Porém como denuncia Linda Nochlin este tipo de resposta não só não responde a pergunta como reforça os seus pressupostos Um outra resposta possível que a historia doia da arte também critica seria a de defender um estilo feminino que sendo diferente não deveria ser analisado segundo os mesmos critérios do masculino Utilizando inúmeros exemplos de artistas Nochlin contraria a ideia de um estilo feminino Uma coisa é que em determinados momentos históricos e por diferentes razões relacionadas com as limitações que lhes eram socialmente impostas as mulheres se dedicassem mais a certos motivos na pintura ou a certos formatos ou géneros pictóricos Outra coisa é a tentativa de encontrar algo de diferente de feminino na produção artística das mulheres através dos séculos e em zonas geográficas distintas Embora nos anos 70 esta ideia pudesse provir de vozes feministas no século XIX a definição de uma arte feminina fora usada como modo de distinguir a arte séria profissional e implicitamente masculina daquela produzida por mulheres e portanto feminina amadora e secundária Finalmente Linda Nochlin conclui que apesar de terem existido muitas artistas com um trabalho interessante de facto não existiram great women artists Nem poderiam existir O que surpreende a historiadora da arte é que mesmo assim fosse possível encontrar no passado tantas mulheres brilhantes nas artes como noutras áreasg Um século antes em 1881 já a artista e feminista Marie Bashkirtseff chegara a uma conclusão semelhante Perguntamnos com ironia indulgente quantas grandes mulheres artistas é que existiram Ah senhores existiram algumas o que é surpreendente tendo em conta as enormes dificuldades com que se depararam l0 Propondo uma análise das condições institucionais e sociais em que ocorre a criação artística que renega a ideia persistente da história da arte de que o génio vem sempre ao de cima independentemente das dificuldades que o possam rodear Nochlin analisa alguns dos obstáculos mais limitadores ao desenvolvimento criativo das mulheres Em primeiro lugar a falta de acesso ao estudo do nú humano Este tema que Nochlin aqui enuncia brevemente está presente em muitos textos de história da arte feminista que também o iden tificam como sendo uma das mais persistentes marcas de discriminação imposta às mulheres artistas É necessário ter em conta que no século XVI como no XIX os géneros artísticos mais prestigiados pressupunham um domínio 9 Linda NOCHLIN Why have there been no great women artists pp 46 57 10 Marie BASKIRISEFF com O pseudónimo de PAULINI ORELL Les femmes artistes La Cito yenne n 4 6 de Março 1881 pp 34 Citado por Tamar GARB Sisters of tlle Brush WonaenS Artistic Citltitre in Late NizeteenthCenticr3 Paiis New Haven e Londres Yale University Press 1994 p 85 do corpo humano que dependia de uma aprendizagem directa do mesmo Só no século XTX é que os diferentes tipos de obstáculos e discriminações relativos às mulheres artistas começaram a ocupar a esfera de um debate público manifes tado em livros e periódicos em textos individuais ou colectivos Assim foi nesta altura que a questão do nú se tornou central a este mesmo debate sendo usada quer por aqueles que invocavam razões morais para a não presença de mulheres nas escolas ou ateliers quer por aqueles que consideravam que o desenvolvi mento artístico das mulheres assim como a sua profissionalização estavam dependentes do acesso ao estudo do nú Foram várias as Escolas de Belas Artes que citaram a questão do nú como razão para não aceitar as mulheres entre os seus alunos I Enquanto outras escolas privadas como aconteceu ein Paris com a Académie Jrlian fizeram do modelo desnudo para mulheres artistas precisa mente a sua mais valia Outro dos obstáculos identificados por Nochlin presente noutras aborda gens feministas sobretudo em relação ao século XIX é o da identificação da mulher pintora com a pintora amadora que tem no desenho ou na pintura uma das marcas da sua distinção social Além de apontar os entraves à criatividade feminina a historiadora da arte também chama a atenção para as condições favoráveis ao desenvolvimento da vocação artística das mulheres A análise do papel da educação artística no desenvolvimento do talento e a identificação dos múltiplos factores que determinam que algo seja considerado arte e alguém seja considerado artista vêm desmentir a ideia de que o talento vem sempre ao de cima independentemente das condições que o possam favorecer Se uma enorme percentagem de homens artistas provêm de uma família ou de um meio artís tico em relação as mulheres artistas isto é quase uma regra De facto não é por acaso que desde o século XIII e até recentemente a tipologia de artistafilha depaiartista ou então filha de pai especialmente atento à sua educação assumiu um padrão tão persistente 12 Como também não é por acaso argumenta a historiadora que existam tão poucas artistas mulheres ou homens entre a aristocracia ao longo dos séculos 11 Alguns aspectos deste dehate como aqueles que discutem a relação das mulheres com o corpo humano podem ser comparados com o ensino da medicina no século XIX mesmo quando as mulheres passani a ser aceites nas escolas de medicina inglesa a especialização em ginecologia continua a serlhes vetada Do mesmo modo enquanto os homens artistas tinham acesso ao nú masculino e feminino às suas coiigéneres femininas não era possível sequer aceder à visão de iiin corpo do mesmo sexo 12 Rosa Bonheur a artista francesa que alcançou uma enorme notoriedade na Europa do século XIS constitui um caso curioso de filha de um artista ligado a comunidade de SaintSimoli que tinha ideias especialmente progressistas em relação às mulheres O nieii pai repetilime militas vezes que a missão da mulher era a de elevar a raça humana que ela era a Messias dos séculos futuros Devo às suas doutrinas a ambição nobre e grandiosa que atribuo ao sexo qiie orgulhosamente afirino como sendo o meu e cuja independència defenderei até morrer in 4niia KLLPJE Rosa Bonlieirr Sa Vie son ouore Paris Flaniiiiarion 1908 p 311 Citado por Lilida NOCHLIN hy have there been no great women artists p 64 A ARTE SEAl 1014BICLHERES ARTISTAS SECS XVIXVIII 211 embora tenham sido tantos os aristocratas a desempenhar papéis fundamentais no encorajamento e concretização da prática artística Todas estas questões resultam de uma mudança do ponto de partida onde habitualmente se situava a história da arte das interrogações ao objecto artístico às interrogações acerca das condições de produção do próprio objecto Claro que as implicações desta leitura materialista cedo extravasaram os contornos ideológicos que a definiram inicialmente para se repercutirem noutras perguntas que a história da arte assumiu como centrais nas décadas seguintes Pensamos por exemplo na pers pectiva dos Museum Studies que vieram enriquecer a disciplina ao colocar outros problemas ao objecto artístico quem é que observa o objecto e como é que ele é observado de que forma é que os contextos de exposição de determinado objecto artístico determinam o seu significado de que modo é que os museus e outros espaços de exposição utilizam diferentes objectos nas construções ideoló gicas que naturalizam Estas e muitas outras questões beneficiaram do clima de interrogação a que a disciplina foi sujeita e onde os problemas levantados por uma perspectiva feminista foram fundamentais De facto uma área de estudos indissociável da história da arte que poderia ser comparada com os estudos feministas é precisamente a de Mzsercm Studies Se uma perspectiva feminista veio confrontar a história da arte consigo própria o mesmo pode ser dito em relação aos Museum Studies que a partir das suas questões teóricas vieram obrigar o museu a pensar as suas premissas ideoló gicas e a construção das suas classificações Enquanto no passado a maior parte dos museus de arte apresentavam um cânone artístico como sendo o cânonen cada vez mais os museus assumem a subjectividade das escolhas daquilo que expõem optando até por renovar periodicamente as salas disponí veis ao público ou preferindo uma divisão temática a uma cronológica como forma de demonstrar esta premissa O mesmo se pode dizer em relação aos museus de antropologia por exemplo Quase sempre produto de uma conjun tura colonial que favorecia a acumulação e o estudo da cultura material das zonas colonizadas bem como a sua divulgação perante um público cúmplice dos múltiplos processos de apropriação dos outros os museus de antropologia que chegaram até hoje dificilmente poderão ignorar os problemas que um discurso póscolonial veio colocar Obrigados a este confronto têm optado por além de olharem para os objectos das suas colecções analisarem criticamente a sua própria história pensarem sobre si próprios e fazerem com que o visitante parti cipe deste processo Por exemplo explicando ao público o contexto em que as colecçóes foram formadas e os usos que lhes foram dados revelando os critérios classificatórios que presidiram à formação dos seus espólios e a sua relação com teorias científicas da época ou relacionando os objectos em si com outras formas de estudo antropológico como os relatos de viagem ou a fotografia habi tualmente ausentes das legendas museológicas Assim o desenvolvimento de uma perspectiva feminista no interior da história da arte a partir da década de 1970 deve ser visto no contexto mais alargado de crítica aos saberes esta belecidos que obrigaram a iim repensar irreversível das próprias disciplinas 212 F I L I P LOI UDES VICÇXTE v de ciências sociais e humanas e que implicaram a sua transformação nas últimas décadas As questões que se começavam a colocar a um grupo ainda restrito de histo riadoras da arte no contexto norte americano e britânico dos anos 1970 Linda Nochlin Griselda Pollock ou Rozsika Parker devem ser vistas como um reflexo do contexto mais alargado de profundas mutações sociais e políticas onde o femi nismo passou a ocupar um lugar central Mas se estas mutações também se deram em muitos outros países não quer dizer que as suas implicações se tenham sentido no interior do discurso académico O caso português é bem exemplo dissoo pensamento feminista e as transforinações da condição femi nina a um nível jurídico social ou político que tiveram lugar na década de 70 pouco se fizeram sentir no ensino e na escrita académica assim como na crítica de arte 13 Para além de casos muito pontuais as ciências sociais e humanas com particular destaque para a História e para a História da Arte permaneceram muito pouco permeáveis as implicações teóricas do feminismo assim como a muitas outras questões que nas últimas décadas se têm tornado centrais ao próprio pensar sobre a história e sobre a sociedade Muito mais do que uma recusa de qualquer tipo de teoria ou perspectiva feminista poderíamos afirmar que o que imperou e continua a imperar na academia portuguesa é simples mente uma feliz ignorância da mesma Uma recusa uma crítica ou Lima negação implicam necessariamente um conhecimento sobre aquilo que se pre tende recusar criticar ou negar Ora não é este o caso A ignorância dos profes sores universitários portugueses quer em relação a tudo aquilo que se tem escrito sobre o assunto de um ponto de vista teórico nas áreas mais díspares quer ao próprio feminismo enquanto pensamento presente desde há tantos séculos ou ainda quanto aos movimentos sociais e políticos feministas dos 13 Uma excepção é a curiosa mostra e colóquio organizado no princípio de 1977 na Sociedade Nacional de Belas Artes Com a colaboração de várias pessoas mas organizada por Emília Nadal Sílvia Chicó e Clara Menéres esta iniciativa centrouse nas artes plásticas e promoveu militas outras manifestações culturais protagonizadas por mulheres O principal evento consistiu numa exposição temporária de artistas portuguesas contemporâneas na Sociedade Nacional de Belas Artes ao mesmo tempo que o RiIirseu de Arte Contemporânea organizava uma exposição de artistas portuguesas desaparecidas Estas iniciativas também constituíram a resposta portuguesa às duas exposições itinerantes de mulheres artistas americanas contemporâneas que se encontravam de passagem por Lisboa Na introdução do pequeno catálogo cuja simplicidade reflecte a marginali dade também económica em que este tipo de iniciativas tinha Iiigar Silvia Chicó começa por afirmar que estas iniciativas náo pretendiam assumir um carácter feminista mas corrige logo não podiam deixar de o sem Até porque explica a polémica e críticas geradas obrigaramnas a reafirmar a sua posição O evento nacional onde dois dos temas debatidos se centraram na discri minação e especificidade da criação artística feminina denota uma consciência daquilo que se estava a passar noutros lugares nomeadamente em Los Angeles Beth Coffelt uma das convidadas para uma conferência relata eni primeira mão as mudanças que estavam a decorrer nos Estados Unidos relativamente às mulheres e às artes Artistas Portrguesas JaiieirolFevereiro 1977 Lisboa Socie dade Nacional de Belas Artes A única biblioteca onde encontrei este catálogo foi na Comissão Para a Igualdade e para os Direitos das Miilheres séculos X1X e XX converteuse num círculo vicioso de difícil interrupção Como tantas vezes acontece a ignorância sucede por vezes o simples desprezoo desprezo de quem não conhece e tem medo de conhecer Assim os estudos femi nistas em Portugal apesar de em crescente desenvolvimento continuam reme tidos para pequenos grupos que trabalham a um nível de mestrado ou de doiitoramento mais ou menos marginais sem repercussões a um nível de alunos de licenciatura Enquanto aos alunos de ensino secundário e universitário não lhes for dada Lima formação mínima em relação aos estudos de género e à centra lidade de uma perspectiva feminista dificilmente esta poderá extravasar os estudos pontuais de alunas de pósgraduação com interesses alternativos Uma perspcctiva feminista da história da arte durante esta fase inicial tinha que se debater com a ausência de textos e de obras sobre a qual edificar o seu trabalho Para lá da análise do objecto de estudo havia simplesmente que o encontrar Para lá da invisibilidade do silêncio da página em branco havia que identificar a obra das artistas e os discursos sobre as mesmas havia que encontrar a arte para fazer a história A primeira constataçáo e as organi zadoras da exposição de 1976 em Los Angeles referemna no seu prefácio é a dos múltiplos processos através dos quais os sinais destas mulheres artistas do passado foram sendo submergidos pela própria história que as desprezou 14 Ou melhor precisamente o facto de não serem consideradas historicamente levou a que geralmente a obra produzida por mulheres fosse menos preser vada menos restaurada menos catalogada menos descrita menos exposta em lugares públicos menos vendida por casas de leilões ou por particulares ou quando vendida com um preço tendencialmente menor ou menos comprada por coleccionadoies pelo Estado ou por museus Esta desclassificação da produção artística feminina podia estar presente logo a partir do momento da sua produção ou era como veremos em numerosos exemplos uma atitude poste rior não menos eficaz Existem vários casos de mulheres artistas do século XVI ao XIX que em vida tiveram tudo aquilo que se considera essencial para a consolidação de uma carreira artística críticas positivas comissões nacionais e internacionais valores de venda de quadros muito elevados medalhas ou prémios oficiais reconhecimento entre os pares Porém mais tarde a história encarregouse de as silenciar Claro que poderemos sempre afirmar que as constriiçóes da história ou da história da arte implicam sempre a escolha de alguns e o esquecimento de outros escolhas estas que estão sujeitas a critérios subjectivos e vão sendo revistas pelo contínuo fazer da própria história A questão fundamental não é a das exclusões que podem afectar tanto homens como mulheres mas sim o facto de o género ser determinante neste processo Enquanto os homens e mulheres artistas podem não fazer parte do cânone da história da arte por razões de outra 14 Ann Sirtherland HARRIS e Linda NOCHLIN Preface in HXRRIS e NOCHLIN eds Wonier Artists 15501950 p 11 ordem só a apreciação do trabalho das mulheres artistas é que está condicio nado pelo facto de serem mulheres Ou seja um homem pode ser esquecido por muitos motivos mas nunca por ser homem Enquanto a ausência da mulher artista na historiografia do século XIX e também do século XX é generalizada o que demonstra que a componente mulher foi um factor de exclusão definitivo Assim poderíamos definir a s foimas de exclusão da prática artística feminina em duas vertentes principais em primeiro lugar as condicionantes sócioculturais que afectaram especificamente cada mulher artista Indepen dentemente dos diferentes espaços geográficos e dos períodos cronológicos em que estas viveram a identidade de artista estava sempre condicionada pela identidade de se ser mulher E se alguns contextos geográficos ou domésticos eram mais favoráveis ao seu desenvolvimento do que outros ter nascido mulher foi sempre um entrave ao ser artista da falta de acesso ao ensino artístico ou à s possibilidades de viajar das condicionantes sociais à profissionalização femi nina sem esquecer o peso das responsabilidades familiares Em segundo lugar e para lá das múltiplas exclusões sócioculturais contemporâneas a cada artista encontramse as posteriores exclusões da própria construção histórica sobre tudo durante os séculos XIX e XX De facto é no século XIX que se consolida a história da arte enquanto área do saber que se debruça sobre manifestações artísticas do passado definindo aquilo que se considera digno de ser estudado A esta formaçáo de uma história da arte europeia com raízes em textos como o de Vasari no séciilo XVI é indissociável a consolidação de uma série de conceitos que se tornarão intrínsecos à própria disciplina a genialidade a originalidade a qualidade a sucessão cronológica de estilos e movimentos as hierarquias de formatos e materiais ou as geografias artísticas A estes instriimentos de análise poderíamos acrescentar aquele que está presente em todos estes conceitostão presente que nem precisa de ser nomeadoo da masculinidade da criação artística As mulheres artistas constituem a excepção à norma Encontramse determinadas por aquilo que poderíamos denominar a s reservas da história da arte em integrálas no seu discurso escrito e visual Reservas aqui num duplo sentido por um lado a s reservas dos museus espaço de preservação mas náo de estudo científico e visibilidade especialmente destinado a mulheres artistas já que nas paredes das salas abertas ao público os critérios de qualidade artística reservaramnas ao cânone artístico isto é masculino por outro lado a s reservas da própria disciplina da história da arte relativamente ao não assunto das mulheres e da arte Naturalmente as múltiplas formas de reservas estão dependentes umas das outras num círculo vicioso de invisibilidade que só um olhar especialmente crítico e vigilante pode interromper Sujeitas a este duplo processo de exclusãoo da história vivida e o da história construída o das suas histórias no presente e o das histórias em que são já passadoas mulheres artistas tornaramse num objecto arqueológico que só recentemente começou a ser escavado pela historiografia da arte feminista Quando estas escavações aiqiieológicas começaram a dar os seus frutos veio colocarse um novo problema que aliás continua a estar presente e que se poderia formular do seguinte modo devem os nomes das miilheres artistas recém descobertas ser colocados nos respectivos lugares definidos pela classifi cação da história da arte OLI seja de acordo com o período em que viveram com o seu estilo artístico ou com os seus temas e sujeitas ao crivo da qualidade aitís tica que a história da arte definiu como inquestionável Ou será necessário assumir que uma reescrita da história da arte numa perspectiva feminista nunca poderá sei realizada e que mais importante do que inserir o eleiiiento feminino no cânone masculino é questionar a pertinência desse mesmo cânone como instrumento de análise históricoartística Por outro lado não será tarde demais para anular o peso de uma tradição historiográfica que por muito que se pretenda desmontar beneficia precisamente da força da tradição Como já foi referido o desprezo generalizado da produção artística realizada por mulheres ao longo dos séculos faz com que seja muito mais difícil encontrar documentos visuais OLI escritos sobre o seu trabalho Por muito fundo que se escave esta escavação arqueológica estará senipre determinada por muitas ausências impossíveis de repor Uma das respostas da história da arte feminista a este dilema sugerida nos múltiplos escritos da historiadora da arte britânica Griselda Pollock consistiu em reescrever a s perguntas que a história da arte faz ao seu objecto de estudo 15 Além de descobrir e revelar mulheres artistas do passado havia que questionar as próprias categorias de pensamento sobre a s quais assentava a disciplina A definição de categorias como a qualidade originalidade ou sucessão cronoló gica de génios deveria ser posta em causa Se a história da arte soube cons truir uma contradição entre ser mulher e ser artista a partir de qiie instru mentos teóricos é que a força desta verdade dicotómica poderia ser desafiada Em primeiro lugar Pollock questionou o pressuposto da disciplina que estabe lece uma firme divisão entre passado e presente e que afirma que apenas a passagem do tempo permite saber quem ficou na história o artista verdadeiro é unicamente o homem mortolG Este pressuposto omitia o facto da escrita sobre o passado ter sempre lugar no presente ou seja a prática histórica é sempre inseparável das configurações ideológicas do tempo e do espaço em que é levada a cabo Assim as discriminações em relação à criatividade das miilhe res têm lugar no passado mas também no presente que constrói esse passado Cabe também a uma abordagem feminista questionar a continuidade estática 15 Griselda POLLOCK Differencing thc Canon Feniinist Desire and the Wriling of Art S Histories Londres e Nova Iorque Routledge 1999 ed Generatiorls and Geographies itr the Visual Arts Ferninist Readings Londres e Nova Iorque Routledge 1996 Vision and Difference Fenlininity Feniinisni and the Histories of Art Londres Roiitledge 1988 Tanto quanto sei o único texto de Griselda Pollock publicado e m portiigiiês encontrase no compêndio de textos feministas editado por Ana Gabriela MACEDO A política da teoria gerações e geografias na teoria feminista e na liistória das histórias da arte in Género Identidade e Desejo Antologia crítica do feriiinismo coitenporârieo Lisboa Edições Cotovia 2002 pp 191220 16 Griselda POLLOCI A política da teoria gerações e geografias na teoria feminista e na história das Iiistórias da arte in MACEDO ed Género Identidade e Desejo p 212 da história da arte de inoviment em movirilerito de escola em escola de estilo em estilo detectar roturas e descontinuidades nomes e obras eliminados por verdades tão historicamente enraizadas A estas posturas críticas que permi tiram olhar para a história da arte como uma prática discursiva associada a espaços específicos de museus a editoras ou departainent universitários não foi alheia a obra de Foucault e de outros teóricos aparentemente alheios à disci plina de história da arte No entender de Griselda Pollock o feminismo consti tuiuse numa forma de resistência às estabilidades e estagnações académicas No seu entender é um conjunto de posições não uma essência uma prática crítica não uma doutrina uma resposta e uma intervenção dinâmicas e auto críticas não uma plataforma única li Ao colocar algumas questões à própria história da arte e não apenas à arte enquanto objecto de estudo as perspectivas feministas independentemente das suas diferentes abordagens vieram contribuir para a s interrogações mais generalizadas com que o pósmodernismo confrontou as categorias do saber Mais concretamente o feminismo alterou decisivamente uma das preiliissas da própria disciplinauma história da arte que decide o que é que tem qualidade deu lugar a uma história da arte que analisa os processos que atribuem quali dade De uma história da arte monolítica que se apresenta de forma inquestio nável passouse para uma história da arte que responde aos desafios das muitas interrogações que suscitam as ausências das mulheres Claro que as respostas mesmo no interior de um pensamento feminista foram míiltiplas e por vezes até contraditórias De facto se todas estas abordagens têm implícita uma crítica à forma como a disciplina tende a anular ou a representar as mulheres os caminhos escolhidos para resolver o problema são distintos A maioria no entanto concorda que não chega acrescentar nomes de mulheres aos discursos já existentes não chega descobrir artistas se não se fizerem outras perguntas à história da arte Um outro Renascimerito mulheres artistas sécs XVIXVIII Referimos já como desde os anos 1970 uma das formas assumidas pela abordagem feminista da história da arte foi precisamente a de analisar casos específicos de mulheres artistas quase sempre desconhecidas Esta abordagem tende a seguir três dos modelos mais comuns de análise da história da arte os textos monográficos onde se aprofiinda o caso de uma única artista 18 os livros 17 Griselda POLLOI 4 política da teoria gerações e geografias na teoria feniiiiista e na história rlas histórias da arte in Gérlero Identidade c Desejo p 196 18 Exemplos de tima abordagem monográfica poderiam ser Sarah RRADFORD Larliriia Fontana 1 Pairiter and I i o Patrons in SisieeritliCeritury Bologna New Haven iale Unirersity Press 2003 R Ward BISSEL Aretrisía Gentileschi and Ilie Arrtliority o Art Critica1 Reading and Cataloiie Rciisorrné University Paik Pennsylvania State University Press 1999 M D SHERIF TIIP EXCII ou capítulos de livros sobre a presença das mulheres num movimento artístico ou num período e espaço geográfico especifico 19 e a s histórias da arte gerais talvez as mais comuns na década de 70 como vimos em que as mulheres artistas ocidentais são recolocadas no textomatriz da história da arte com a sua peis pectiva cronológica de novimentos e estilos 20 Hoje e cada vez mais assistimos a uma multiplicação de pontos de vista que dificilmente se encaixam nas três vertentes referidas e que reflectem uma tendência geral da história da arte também visível noutras áreas tional Wonaan Elizabeth VigéeLebrun ard the Cultiral Politics of Art Chicago University of Chicago Press 1996 Gillian PERRT Paula ModersohrzBecker Londres Woinens Press 1986 19 Exemplos de estudos onde se analisam as mulheres artistas de determinado grupo movi mento artístico ou período Fredrika H JACOBS Defirzing the Renaissarce Virtuosa Mronlen Artists and the Langirage of Art History and Criticisnt Cambridge Cambridge University Press 1997 Deborah CHERRY Painting Wonien Victorian Woriaen Artists Londres e Nova Iorque Routledge 1995 Tamar GARB Sisters of the Brush Mromens Artistic Culture irz Late Nirzeteenth CentUry Paris New Haven e Londres Yale University Press 1994 Shulamith BEHR MTomen Expressionists Oxford Phaidon 1988 Whitney CHADYICR I4onaen Ariists and Lhe Surrealist Moventent Londres Thames and Hudson 1985 20 Para além das histórias da arte gerais no feminino publicadas ainda nos anos 70 que referimos anteriormente talvez o livro mais exemplificativo desta abordagem seja o de Whitney CHADWICK Wonien Art and Society Londres Thames and Hudson 1994 Por fazer parte da colecção de livros de arte de divulgação da editora Thantes and Hudson uma das mais traduzidas e vendidas e m todo o mundo este livro t e m a grande vantagem de chegar a u m público muito mais alargado do que o dos outros estudos que se t é m publicado sobre mulheres e arte Apesar de ter sido alvo de algumas críticas precisamente por apresentar u m canône artístico feminino sem questionar suficientemente o uso de u m modelo que fez da exclusão feminina u m dos seus princípios o texto de Chadwick t e m o mérito de colocar a questão das mulheres e a arte como um dos temas da história da arte mesmo que esta categoria de leitura ao lado do pósimpressionismo ou da arte abstracta que também fazem parte da mesma colecção esteja longe de os equivaler nos cursos universitários ou na escollia temática de exposições temporárias 21 E esta uma abordagem que se distancia da análise de uma só artista ou artistas para se centrar por exemplo na forma como as mulheres são representadas na arte na forma como são observadoras e leitoras de imagens no modo como as mulheres artistas se relacionam com as insti tuições de museus a escolas de arte como a Académie Julian ou nas construções de género de u m museu como o MoMa principal vitrina de u m modernisino no masculino onde as mulheres nuas são u m dos temas preferidos como acontece no artigo de Caro1 DUNCAN The MoMAs Hot Mamas in Aesthetics and Power Cambridge Cambridge University Press 1993 Outros exemplos Linda NOCHLIN Representing IVonzen Londres Thames and Hudson 1999 Gil1 PERRT ed Gender and Art Londres New Haven Yale University Press Open University 1999 Gen Dou Wonaen l7isual Cultclre in 19th century 18001852 Londres e Nova Iorque 1998 Mira SHOR Wet On Pain ting Fenainisna and Art Cirltire Durham e Londres Diike University Press 1997 Rosemary BEITERTON An Zntinzate Distante Wonlert artists and tlte body Londres e Nova Iorque Routledge 1996 Katy DEEPIVELL ed Neto Fentinist Art Criticisnl Critico1 Strategies Manchester e Nova Iorque Manchester University Press 1995 Germaine GREER A tout prix devenir quelquun the women of the Académie Julian Peter COLLIER e Robert LETHBRIDGE eds Artistic Relations Lite ratilre and the Visral Arts in Nineteenth Century France New Haven e Londres Yale University Press 1994 Lynda NEAD The Fenlale Nude Art Obscerzity and Sesiality Londres e Nova Iorque Routledge 1992 Rozsika PARKER e Griselda POLLOCK Old Mistresses IVonlen Art arld Ideology Londres Routledge 1981 Ouercoming a11 Obstacles Tlae Women of lhe Acadéntie Julian Nova Iorque Dahesh Museum Catálogo da Exposição Nova Iorque Daessh Museum 18 de Janeiro13 de Maio 20001 Sem querer de forma alguma inventariar aqui as muitas mulheres artistas que trabalharam na Europa durante os séculos XVI e XVII referiremos apenas os principais temas e aigurnentos da historiografia que se tem dedicado as mulheres artistas deste período usando alguns exemplos específicos Além das diferentes abordagens que têm tido lugar nas últimas décadas também interessa analisar a forma como as artistas surgiram nos escritos sobre arte publicados em Itália sobretudo no século XVII Com uma tradição histórico biográfica que não tem paralelo noutras regiões a Itália conheceu a publicação de muitas vidas de artistas segundo o modelo consolidado por Vasari logo em 15502 Assim não é por acaso que hoje sabemos muito mais sobre mulheres artistas italianas do que sobre as suas congéneres do norte da Europa onde a inexistência de uma tradição equivalente dificulta um trabalho de pesquisa já de si embargado pelos outros múltiplos factores que como referimos faziam com que a produção artística assinada por mulheres fosse menos preservada Esta tradição textual italiana é indissociável de um contexto especialmente favorável ao desenvolvimento artístico onde poderíamos destacar o mecenato e a constituição de colecções Na formação de uma genealogia artística feminina prémoderna destacam se uma série de nomes entre os quais o de Artemisia Gentileschi 15931652 Ela é talvez aquela sobre a qual mais se tem escrito e mais exposições indivi duais se têm realizado e embora continue a não fazer parte dos cânones ensi nados na maioria das universidades talvez seja a mais conhecida das mulheres artistas anteriores ao século XIX Isto poderá deverse a três razões principais em primeiro lugar o facto de existir uma quantidade substancial de obra e texto nomeadamente em grande colecções italianas apesar de alguns dos quadros não estarem assinados e a autoria da sua obra continuar em revisão Em segundo lugar a sua história de vida marcada por uma violação e o subsequente conflito em tribunal atraiu sobre ela uma curiosidade algo sórdida e tornouse indisso ciável da construção da sua personalidade artística Em terceiro lugar e rela cionado com o anterior os temas escolhidos privilegiando mulheres fortes e temas onde personagens masculinos se convertem nas vítimas dos seus actos de violência contra as mulheres favoreceram uma leitura feminista da sua obra e até a identificação da pintora como feminista Em 1989 uma historiadora da arte norteamericana publica o Artemisia Gentileschi The Image of the Female Hero in Italian Baroque Art onde a dimensão de género constitui o principal critério de análise da obra e a artista 22 Giorgio VASRI Le Vite depiú eccelleriti orchitetti pittori et scultori italiani da Citiabttc insino a tenpi noslri Nell edizione per i tipi di Lorenzo Torrentino Firenze 1550 vol I 11 Edição de Luciano Bellosi e Aldo Rossi Introdução de Giovanni Previtali Torjno Einaudi 1991 Ver também Frederika Heriiian Jcoss Dcfifining tlie Renaissnice Virtitosa wonien artists afzd language of arl history and criticisni Cambridge Nova Ioique Cambridge University Press 1997 23 Ann Sutherland HARRIS The Status and Education of Wonien in Renaissance Italy in HARRIS e NOCHLIN eds 14onle Artisls 15501950 p 24 A ARTE SE11 HISTORL hlCLHERES ARTISTAS SECS SIXVIII 219 italiana do século XVII é considerada como sendo portadora de uma voz proto feminista 24 Anos mais tarde a mesma autora publica outro livro desta vez sobre alguns exemplos específicos de quadros de Gentileschi e aproveita a introdução para responder as críticas que a sua obra anterior havia provocado nomeadamente por parte de outras historiadoras de arte feministas como foi o caso de Griselda Pollock2 Garrard foi acusada pela historiadora da arte britânica de ler a arte como uma mera expressão autobiográfica ao mesmo tempo que essencializava a criatividade artística de Artemisia fazendoa repre sentar a perspectiva da mulher O seu livro era também acusado de heroicizar o objecto do seu estudo de uma forma que reproduzia as tradicionais abordagens historiográficas que consagravam a denialidade de determinado homem artista Independentemente da legitimidade das acusações de que a sua primeira obra sobre Artemisia foi alvo a discussão entre ambas as posições serve de exemplo ao debate mais alargado entre diferentes formas de usar o feminismo na história da arteentre uma abordagem feminista mais ligada aos métodos de uma história da arte tradicional e a perspectiva pósmoderna que analisa a obra da arte como um produto cultural e não como o resultado do génio artístico alertando para os perigos da substituição de um cânone masculino por um femi nino sem questionar os seus próprios critérios de definição Embora por vezes se tenda a dividir diferentes abordagens feministas por décadas diferentes um feminismo dos anos 70 mais essencialista seguido de um feminismo pós moderno na década de 1980 por exemplo talvez seja mais correcto termos em conta a coexistência de diferentes posições feministas desde a sua consolidação teórica nos anos dos anos 70 até hoje como nos mostra o debate entre Garrard e Pollock a propósito de Artemisia Embora Artemisia Gentileschi já apareça em textos seus contemporâneos e em obras pontuais publicadas no século XIX a sua historiografia publicada ao longo do século XX é reveladora das transformações da história da arte durante esse período Em 1916 o conhecido historiador de arte italiano Roberto Longhi publica um livro sobre Orazio Gentileschi e Artemisia Gentileschi pai e filha onde a última ainda tem claramente um papel secundário surgindo como um apêndice dependente da figura paterna como acontecia tantas vezes com filhas de pais artistaszG Só em 1991 é que a Itália organiza a primeira grande expo 24 Mary D GARRARD Artemisia Gentileschi The Female Hero in Italian Raroque Art Princeton NJ Princeton University Press 1989 25 Mary D GARRARD Artenzisia Gentileschi around I622 The shaping and reshaping of a n artistic identity Berkeley LA Londres University of California Press 2001 26 Mais recentemente Artemisia voltou a ser exposta ao lado de seu pai mas num outro sentido Keith CHRISTIANSEN e Judith W MANN Orazio and Artenisia Gentileschi New Haven Yale Univer sity Press 2001 Catálogo de Exposição Nova Iorque Metropolitan Miiseum of Art 11 de Fev12 de Maio 2002 St Louis St Louis Art Miiseuin 15 de Junho15 de Set 20021 E curioso com parar este e outros casos de mulheres artistas que só são referidas a propósito dos seus pais artistas com o de Josefa de Óbidos que pelo contrário é mais conhecida do que o seu pai Trataremos este caso mais adiante sição individual sobre a artista já depois do livro de Gairard ter sido publicado nos Estados Unidos em 195927 A perspectiva feminista da vida e da obra de Artemisia feita pela americana não está presente na abordagem da exposição e nos textos do catálogo florentiilo onde domina uma linguagem formalista sobre as escolhas estéticas da artista e um esforço de identificação da sua obra Longe de darem destaque as suas muitas obras de conteúdo violento onde personagens femininas dominadoras exercem a sua força sobre homens dos qiiais muitas vezes resta apenas uma cabeça degolada os autores preferem sublinhar a Artemisia feminina que usa o seu aiitoretrato em múltiplas figuras de mulheres voluptuosas e sensuais Chamando a atenção para esta abordagem em que se esvazia a obra da artista das suas potencialidades femi nistas para pelo contrário a poder feminizar Garrard refere a imagem esco lhida para a capa do catálogo o poster da exposição e todo o material que a identificou não uma das suas violentas rudes e até feias Judithes Cleópatras ou Lucrécias mas a mais bela das siias mulheres a Alegoria da Inclinação num nú semi coberto de miilher que se pensa ser também um autoretrato Ao dar mais destaque às mulheres de Artemisia que correspondem as tradicio nais representações de beleza feminina a exposição acaba por reificar uma correspondência entre mulher artista e mulher bela que está presente desde a Renascença e que como veremos se traduziu numa valorização dos auto retratos de artistas mulheres como forma de dupla beleza Apesar destas tentativas em invalidar o conteúdo ameaçador dos seus temas a artista já faz parte de uma galeria de referências feministas que vão 25 Arteniisia org por Roberto Contini e Gianni Papi testo de Liiciano Berti Roma Leonardo de Luca Editori 1991 Catálogo de Exposição Casa Buonarroti Floieiiça 18 de Julho4 de Novembro 1991 28 Curiosariiente qiiantlo eni 1681 Filippo Baldinucci traça o perfil de Artemisia Gentileschi na sua obra de vários voluines sobre a vida de artistas tanibém dá um especial destaque a siia Incli nnziorie fresco pintado no tecto da casa de Michelangelo Buonarruoti em Florença Esta represen tação de uma beleza feminina desnuda teria sido posteriormente coberta corn iiin pano drapeado dipinse qiiesta virtuosa donna di bellissima niaiiiera una figura quanto i1 naturale dico iiiia femniina di bellissirno molto vivace e fiero aspetto O outro destaque dado por Baldinucci a obra de Artemisia é o de uma Airora vaga feiiiinina ignuda con chiome sparse e braccia stese inalzate verso i1 cielo La figura per Ia parte dinanzi è tiitta graziosamente sbattimentata in niodo che noii lascia però di far niostra della bella proporzione delle nienibra e de1 vago colorito restando solamente percossa dalla nascente niattutina luce dalla opposta parte e veramente ellè opera bella e che fa conoscere fino a qual segiio giungesse Iirigegno e Ia mano duna tal dorina Em relação aos temas que hoje associaiiios a Arternisia como A Jitdith e o Holoferries o autor dedica apenas umas curtas frases para passar logo a referir o talento de Arteniisia para pintar ogni sorte di friitti in Aurelio Lonii pittore pisano discepolo de1 Cigoli Nato morto Orazio Gentileschi fratello dAurelio e discepolo e Arteinisia Gentileschi figliuola e discepola Votizie dei Professori de1 Disegrio do Cirliabir i11 q i o per le qirali si dinlostra conie p e clii le bellc arti di pittitra scnltirrn e rchitcttira lasciata o rozzezza delle nlaniere greca P gotico si siano ir1 qitcsti secoli ridotte allóntica 1010 perfeziorie Opera di Filippo Baldinucci fiorentiiio distinta in secoli e decenriali con niiove ariiotazioni e supplenienti per cura di F Ranalli vol 111 de 7 vols Firenze Per V Batelli e Cornpagrii 1846 pp 708716 p 414 para lá da sua obra ou da sua identidade enquanto objecto de estudo da história da arte 2 A violação sofrida por Artemisia por parte do seu professor particular de perspectiva amigo do seu pai e o processo legal que se seguiu contribuí ram para a identificação da artista como uma vítima de violência sexual que denuncia o opressor e também usa esse episódio marcante da sua vida na sua própria criatividade 30 Esta inseparabilidade entre vida e obra foi também reforçada por um livro assinado por Anna Banti pseudónimo de Lucia Longhi mulher do historiador de arte italiano escrito em 1947 31 Numa original abor dagem composta de uma investigação histórica do processo de violação que se encontra no Arquivo de Roma de aspectos autobiográficos da vida da própria autora que perdeu o primeiro manuscrito do livro devido as vicissitudes de uma Florença bombardeada durante a segunda guerra mundial e de uma narrativa ficcionada em que a Artemisia serve como pretexto para uma reflexão sobre a criatividade feminina a novela de Anna Banti contribuiu muito para divulgars artista para lá de um reduzido grupo de leitores académicos O caso de Artemisia é ilustrativo da tradição de inseparabilidade entre a vida e a obra que tem caracterizado o estudo das mulheres artistas e que como veremos está relacionado com a percepção do carácter excepcional das mesmas Um exemplo onde a narrativa sobre a vida supera largamente o conheci mento sobre a própria obra é o de Sofonisba Anguissola 15321401625 pintora que nasceu umas décadas antes de Artemisia Ao contrário da grande maioria das mulheres artistas deste período e de períodos posteriores Sofonisba não é filha de um artista No entanto é filha de um homem pertencente a uma pequena nobreza italiana de província que se empenhou em dar às filhas a melhor das educações possíveis e que mais tarde investiu na promoção dos seus talentos 33 Como escreveu Vasari a casa do senhor Amilcar Anguissola é um 29 Por exemplo Artemisia é o nome de uma associação sediada em Florença que ajuda as mulheres e crianças vítimas de violência sexual e física 30 Artemisia GENTILESCHI Letlere precedute da Atti di un processo per stupro ed por Eva MENZIO Com um ensaio de Annemarie Sauzeau B o r r i e uma nota de Roland BARTHES col Carte Artisti n 55 Milão Abscondita 2004 31 Anna BANTI Artenzisia trad e posfácio de Shirley DArdia Caracciolo Londres e Nova Iorque Serpents Tail 1995 Primeira edição italiana Artenzisia Rizzoli 1953 Anna Banti também escreveu vários outros livros entre eles Quando le donne si niisero a dipingere Milão La Tarta ruga 1982 Entretanto foram publicadas outras versões romanceadas da vida de Artemisia Alexandra LAPIERRE Arténtisia Paris Robert Laffont 1998 Susan VREELAND The Passion of Artenzisia Nova Iorque Viking Press 2002 32 Sofonisba Anguissola e le sue sorelle Milão Leonardo Arte 1994 Catálogo de Exposição que teve lugar em Cremona cidade de origem da família Anguissola CremonaCentro Culturale Città di Cremona Santa Maria della Pietà 17de Setembro11 Dezembro 19941 A exposição também esteve patente ao público no Kunsthistorisches Museum de Viena e no The National Miiseum of Women in the Arts de Washington Flavio Caroli Sofonisba Anguissola e le sue sorelle Catálogo Ragionato Milão Mondadori 1987 33 c i1 padre fu assai sollecito in dar loro comodità dapprendere le più belle arti e scienze e le più nobili discipline in BALDINUCCI Sofonisba Angosciola nobil cremonese celebre pittrice discepola di Bernardin Campi Elena Lucia Minerva Europa ed AnnaMaria sue sorelle in Notizie albergo da pintura e de todas as virtudese a tipologia persistente de pintoras filhas de pintores tem sido invocada como uma das provas de que a educação artística era fundamental ao desenvolvimento de um talento poderí amos acrescentar que nos casos mais raros de mulheres artistas sem tradições familiares existe também uma tipologia de paisexcepções que valorizavam a educação das suas filhas de um modo que habitualmente apenas correspondia aos descendentes masculinos Assim até ao sbculo XX são numerosos os exem plos de mulheres artistas que apesar da falta de uma educação especificamente artística tiveram uma educação multifacetada onde a arte estava presente facto que lhes permitiu encontrar o caminho dos seus talentos No caso de Sofo nisba e das suas cinco irmãs mais novas o ensino da pintura fazia parte inte grante de uma educação humanista onde o latim a música e o gosto pela antiguidade clássica conviviam e se complementavam Se várias das suas irmãs deixaram exemplos da sua prática pictórica foi Sofonisba aqiiela que mais se destacoii alcançando ainda em vida uma notoriedade que ultrapassou larga mente a s fronteiras de uma Itália profícua de centros artísticos Já Vasari a refere nas suas Vite considerandoa excelentíssima na pintura e destacando a forma como as suas figuras parecem vivas só lhes faltando falar3j Para além de ser considerada a primeira pintora italiana a realizar uma carreira de grande sucesso artístico o facto de ter passado uma parte significativa da sua vida adulta na corte madrilena de Felipe 11 contribuiu para a sua fama internacional e solidificou a sua identidade de fundadora Contemporânea de Sofonisba mas flamenga Levina Teerling c15151576 também foi convidada para a corte do rei de Inglaterra Henrique VIII onde se dedicou à pintura de miniaturas arte que aprendera com seu pai Tal como a italiana Teerling alcança grande cele bridade permanecendo na corte inglesa durante toda a sua vida onde fontes oficiais reconhecem o seu salário como tendo sido superior ao de Holbein Antes de partir para Madrid com vinte e poucos anos Sofonisba já consoli dara a sua carreira trabalhando em inúmeras encomendas de retratos para as cortes de Mantova Ferrara Parma ou Urbino mas ao contrário de Teerling na corte Inglesa a posição de Sofonisba na corte espanhola não era a de pintora oficial mas sim a mais prestigiada função de dama de companhia de Isabel de Valois segunda mulher de Felipe 11 Naturalmente o facto de ser pintora terá sido determinante na escolha até porque Isabel de Valois era uma apreciadora de arte e de pintura No entanto o facto de Sofonisba se dedicar à pintura mas dei Professori de1 Disegno vol 11 pp 619636 p 621 Ver tambéni Orietta PINESSI Soforisba Anguissolo Uri pittorel alla corte di Filippo II Milano Selene Edizioni 1998 Livro publicado na colecçáo LAltra nietá dellilrte dirigida por Tiziaiia Agnati 34 Giorgio VASARI Le I7ite depiii eccelntipittori scultori ed orchitettori suitte do Giorgio Vasari pitlore oretirio cor1 tiuove annotazioni e coninienti di Gaetatio Milonesi vol VI Firenze G C Sansoni 1880 p 502 35 Giorgio VASARI Le lile depiii eccelenti pittori scultori ed architttori vol VI p 498 36 Eleanor TUFTS Otr Hiddert Heritcrge Fiue Cenlirries o IVonieri ilrfists p 43 r ARTE SEM HISTORIAhlULHERES ARTISTAS SÉCS SIxIII 223 não ser pintora de corte oficial afectou o estatuto da sua produção pois este veio a revelarse alheio aos circuitos de encomendas oficiais tão abundantes aliás na corte Filipinan Esta é uma das razões pela qual se sabe pouco sobre o período madrileno quer sobre a obra realizada quer sobre a sua vida3 É durante este período no entanto que o Papa Pio IV lhe faz uma encomenda de um retrato de Isabel de Valois agradecendolhe numa carta de 1561 com elogios efusivos a chegada a Roma da encomenda 3 No século XVII Baldinucci critica os escritores do século anterior por não terem deixado mais notícias sobre a obra da artista 40 Paralelo a esta construção histórica da vida das mulheres artistas é o interesse especial pelos seus autoretratos Possuir um autoretrato de uma mulher artista significava uma dupla vantagem por um lado ter um quadro pintado por uma mulher algo raro e portanto valorizado enquanto curiosidade por outro lado poder ter e ver a representação da mulher artista criada por ela própria Tratavase de reunir num único objecto a beleza da arte e a beleza da mulher artista a qual aludiam tantos dos textos renascentistas que a elas se referiram Em 1558 o famoso Aníbal Caro escreve ao pai de Sofonisba expri mindo o seu desejo de possuir la efigie di lei medesima per potere in un tempo mostrare due maraviglie insieme luna dellopera laltra della m a e t r a Este interesse por parte do observadorcomprador da obra assim como o próprio autoreconhecimento enquanto artistas por parte das mulheres que os produ ziam contribuíram para a profusão de autoretratos feitos por mulheres durante este período e posteriormente Em relação a algumas mulheres artistas só se conhecem mesmo os seus autoretratos porque dada a raridade do tema são mais facilmente identifi cáveis e pelas mesmas razões terão sido também mais preservados Assim o número de artistas mulheres que pintam o seu retrato e muitas fazemno várias vezes é proporcionalmente muito superior ao dos homens naquilo que pode 37 Orietta PINESSI Sofonisba Angrissoln p 45 38 Depois de citar os retratos que Sofonisba realiza de Isabel de Valois de Felipe I1 e do prín cipe Carlos BALDINUCCI acrescenta Moltissinii furono i ritratti siccome anche Ialtre pitture che Sofonisba fece in Ispagna che non sono a nostra notizia le quali rendevano ogni di più chiara la fama di lei non solo in quelle parti ma per 1Italia ancora Notizie dei Professori de1 Disegno vol 11 p 628 39 Filippo BALDINUCCI cita tanto a carta que Sofonisba Anguissola escreve ao Papa Pio IV como a resposta deste após ter recebido a encomenda Notizie dei Professori del Disegno vol 11 pp 628 629 40 BALDINUCCI refere esta ausêiicia de descrição da sua obra e procura colmatála descrevendo uma das suas mais conhecidas obras Lucia Minelva e Europa Anguissola a jogar xadrem 1555 hoje no museu de Narodowe em Poznan e citando uma carta de Aníbal Caro escrita pouco depois de a ter visitado em Cremona Or qui per siipplire a1 difetto comio diceva degli scrittori di que1 secolo che poco o nulla ci hanno lasciato di notizia di quante e quali fossero lopere che in questi tempi andava facendo qiiesta nobil fanciulla e quanto sandava ogni giorno avanzando la faina di lei per tutta Italia e fuori I Notizie de1 Professori de1 Disegno p 624 41 Carta de Aníbal Caro para Amílcar pai de Sofonisba Anguissola Parina 23 de Dezembro 1558 Citada por Filippo BALDINUCCI Votizie dei Professori de1 Disegno vol 11 p 625 ríamos considerar urna das raras vantagens em ser mulher artista nos séculos XVI ou XVII para usar a expressão qiie as Guerrilla Girls utilizarão na década de 1980 ironizando sobre a identidade da mulherartista4 Assim ao mesmo tempo que saciavam os interesses de tantos coleccionadores e estudiosos numa época em que os gabinetes de curiosidades se multiplicavam e famílias como os Medici constituíam a sua galeria de aiitoretratos de artistas3 as mulheres artistas afirmavamse como tal conscientes da sua excepcionalidade mas também conscientes da ausência de uma genealogia feminina que a s legiti masse Tinham que ser elas próprias a criar a sua repreentação Por vezes as mulheres artistas autorepresentavamse não no acto de pintar mas enquanto mulheres cultas e castas possuidoras dos melhores valores morais e culturais que uma mulher quinhentista poderia almejar Pensamos em dois autoretratosum de Sofonisba Anguissola e outro de Lavi nia Fontana 15521614 Tendo em conta que a primeira se tornou numa referência exemplar para as mulheres artistas que se seguiram pois nela encon travam a prova das possibilidades de se ser mulher e artista é provável que Fontana a tenha tido presente quando realizou dois dos seus muitos auto retratos4 Num deles de 1577 representase a tocar cravo símbolo de casti dade que já Anguissola usara niim dos seus autoretratos e muitas outras artistas Uma inscrição latina pintada na tela refere o uso metafórico do espelho como forma de conheciment interior enquanto um cavalete ao fundo 42 Anne Sutherland HARRIS e NOCHIIN Woineii Artists 15501800 Conclusions in blónieri Artists 15501950 p 42 43 Apesar de possuir várias obras de mulheres artistas o Museu dos Uffizi herdeiro das colecç6es de pintura dos h4edici apenas expõe aqiielas que fazeni parte cla sua galeria de auto retratos de wintores Mas como esta zona do museu não é acessível aos visitantes dos Uffizi só estando aberta ao público durante uiil breve período do ano e por uni preço esorbitante a obra de iniilheres artistas acaha por não ser visível Os catálogos postais e todo o nierchatdisirig do museii rcflectem esta política de reserva em relação à produção feminina 44 Existe um autoretrato de Sofonisba Angiiissola muito curioso precisamente por anular a coniponente auto do retrato Nele Sofonisba pintase a si própria não como retratista mas como retratada isto é pinta uin retrato do seti professor de pintura Bernardino Canpi a pintála a ela Neste processo ela parece anularse enquanto autora para assuniir o papel de niodelo enquanto atribui ao seti professor a função que na realidade é ela que protagoniza ao assinar o quadro Bernardino Canipi ritrae Soforaisba 1555 Pinacoteca Nazionale de Siena Sieila 45 No contexto de uina ContraReforma definidora da conjuntura ideológica eni qiie se insere a siia prática artística Lavinia Fontana refere nilina carta que Sofonisba Anguissola lhe servia de inspiração por ser uma artista cristã nÀo inencioiiarido porém o facto de ela ser iniilher in Vera FORTUNATI Lavinia Fontana a woman artist i11 the age of the counterreforination in Lnvinia Fontana of Bologna 15521614 Milão Washington Electa The National Museiim of Uomen in the Arts 1998 pp 1331 p 13 Ver também o catálogo da exposição qiie se realizou quatro anos antes em Itália Larirzia Fontaria 1552lG14 Vera FORTVNATI ed Milano Electa 1994 Bolonha Museo Civico Archeologico 1 de Outubro4 Dezembro 19941 46 Lavinia FKTAN Arrtoritratto a1 clavicenz bolo con dotiesticu 1577 Accadeniia Nazionale di San Liica Roma Sofonisba ANGUISSOL Aiitoritratto alla spirietta Museu de Capodimonte Nápoles Sofonisba Ascnrssow 4rttoritratto olla spirietta cori Ia faritesca Lord Spencei Collectiori Althorp Park Sobre o assunto ver Aiigela GHIRARDI Lavinia Fontaria allo spechio Pittrici e aiito ritratto nel secondo Cinqiecentoin FORTVNATI ed Lnririia Foiitaria 15521614 pp 3752 da sala onde se encontra a tocar o instrumento musical nos remete para a sua principal vocação Uma criada essa segunda mulher que costuma aparecer em segundo plano e que tantas vezes acompanha a protagonista das representações pictóricas seguralhe no livro onde se lêem as pautas Ao ser realizado como presente para o futuro sogro nas vésperas do seu casamento Lavinia apresenta se como uma mulher virtuosa em talentos e formação digna da mão do seu filho A representação de si própria como mulher ideal em cultura e educação não foi com certeza alheia a obra de Baldassare Castiglione 1528 que no seu I1 Cortegiano dedicou especial atenção à formação feminina e cujo sucesso na Europa de então marcou decisivamente o estatuto das mulheres aristocratas 48 A sua definição daquilo que devia ser a educação ideal de uma mulher não diferia substancialmente daquela destinada a um homem onde a música tocada ou cantada assim como a prática do desenho e da pintura ocupavam um lugar central Num outro autoretrato realizado dois anos após o anterior a cons trução da imagem de Lavinia Fontana enquanto mulher culta voltou a ser reforçada Comissariada por Alfonso Chacón teólogo dominicano escritor e coleccionador de retratos de figuras ilustres a miniatura oval pintada em cobre representa uma Lavinia Fontana num studio sentada a uma mesa e rodeada de pequenas esculturas e fragmentos escultóricos clássicos 49 Com uma pena na mão ladeada por papel branco a artista parece prestes a encetar um desenho dos objectos arqueológicos parando apenas para olhar para o observador Repre sentandose a ela própria como uma connoisseur de antiguidades Fontana obtém o duplo propósito de dar ao seu mecenas uma imagem de si mesma e uma referência ao facto de ele ser um homem culto Este exemplos remetemnos para duas das abordagens possíveis a prática artística feita por mulheres até ao século XX a dos espaços de aprendizagem ou de trabalho e a dos motivos escolhidos ambas frequentemente interligadas Como afirmou Virginia Woolf no seu A Room of Ones Own o talento e a criatividade não são suficientes É necessário que estejam reunidas uma série de condições as mais das vezes bastante prosaicas para que as irmãs de Shakespeare possam florescer Formação tempo dinheiro e espaçoconjunto de condições que dificilmente faziam parte da vida de uma mulher ocidental até ao século XX e que mesmo depois continuaram a limitar a actividade 47 Não conheço nenhuma análise da representação das criadas que na pintura acompanhani as suas senhoras mas é muito provável que exista De Artemisia a Mary Cassat ou a Paula Rego são inúmeros os exemplos de presença desta personagem que está lá sem estar que quase sempre acompanha num segundo plano o desenrolar de uma acção protagonizada por outra mulher Se por vezes surge no cumprimento das suas funções a criada da Olympia de Manet a entregarlhe as flores do amante muitas outras aparece num papel de cumplicidade com a sua ama a colaborar na deca pitação da cabeça de Holofernes em Artemisia ou Paula Rego ou como participante activa de um mundo feminino que se mantém I margem do masculino e por ele é desconhecido 48 Existem centenas de edições deste livro Baldassare CASTIGLIONE I1 libro dcl Cortcgiano Walter BARBERIS ed Turim Rinaudi 1998 49 Lavinia FONT4N4 Autorilratlo nello stcdio 1579 Galeria dos Uffizi Florença feminina No processo de redescoberta de percursos de mulheres artistas do passado a história da arte feminista temse concentrado na detecção e na análise dos vários tipos de obstáculos a criatividade artística feeiriinina no mundo ocidental Na maior parte dos casos esta perspectiva incidiu sobre factores exteriores como a falta de acesso ao ensino artístico ou aos caminhos de uma liberdade de escolha mas outros estudos como o de Germaine Greer concen traramse nas barreiras invisíveis e muitas vezes inconscientes que fizeram com que as mulheres interioiizassem a subalternização que lhes era adscrita socialmente A abordagem não cronológica desta última historiadora permite lhe sublinhar a permanência temporal das limitações menos evidentes de se ser mulher e simultaneamente artista Os espaços de criação artística Até ao século XVIII antes do desenvolvimento da vertente de ensino no interior das academias de arte a aprendizagem artística era levada a cabo em ateliers de artistas mais ou menos organizados numa conjuntura onde os laços familiares e as relações pessoais eram determinantes na formação Mesmo num período de redefinição do estatuto do artista em direcção a uma maior individualização a relação com o mestre ou os mestres era parte intrínseca do seu percurso Tendo em conta as limitações aos movimentos físicos das mulheres e a sua educação era necessária uma conjuntura muito favorável para que os seus eventuais talentos fossem identificados Assim não é por acaso que a maioria das mulheres artistas dos séculos XVI a XVIII como já foi referido sejam filhas de artistas ou como no caso de Sofonisba filhas de pais especial mente atentos à sua educaçiio O outro espaço propício a uma prática artística era o convento De facto a tipologia da freiraartista sobretudo nos países católicos europeus apresenta indícios de vitalidade desde o século X com iluministas e músicas como Hil degarda de Bingen e prolongase até ao século XVIII Tendo em conta que o analfabetismo feminino era generalizado os conventos funcionavam muitas vezes como o único espaço onde as mulheres podiam receber uma educação básica A tarefa de copiar manuscritos e por vezes decorálos fez com que a aprendizagem elementar do desenho e da pintura que será divulgada ao longo do século XVI pelo modelo educativo proposto por Castiglione esteja já presente em muitos conventos femininos durante o período medieva151 No entanto se um convento podia significar uma maior liberdade para uma mulher desen volver os talentos que as exigências familiares não permitiam ele era também 50 Geriiiaine GREER Tlze Obslacle Race The fortines of uoneri pointers alrd their rooi1 51 Ann Sutherland HARRIS Medieval Women Illuminators in HARRIS e NOCHLIN eds orlieli Altisls 15501950 p 18 considerado um espaço fechado pouco propício à criação Apesar da grande quantidade de artistasfreiras identificadas no sul da Europa até ao sé culo XVIII a falta de formação artística aliada ao isolamento em relação a um contexto artístico e ao mercado da arte influenciaram naturalmente a sua produção A propósito da obra da sua contemporânea Sor Plautilla Nelli 1523 158788 Vasari escreveu nelle quali mostra che arebbe fatto cose maravigliose se come fanno gli uomini avesse avuto commodo di studiare ed attendere a1 disegno e ritrarre cose vive e naturali Similmente i1 ver0 di ciò si dimostra in questo che nelle sue opere i volti e fatezze delle donne per averne veduto a suo piacimento sono assai migliori che le teste degli uomini non sono e più simili a1 vero 63 0ii seja se o convento proporcionava as mulheres artistas um espaço físico não lhes outorgava o espaço de liberdade favorável à criação não sendo por acaso que os múltiplos casos de mulheres artistas que se notabilizaram durante este período não tenham realizado a sua formação num convento Por outro lado mesmo que tenha havido casos de freiras artistas que experimentaram formas e temas inovadores a sua identificação foi sempre muito dificultada pelo próprio isolamento do convento Ainda no século XV Bolonha conhecerá o caso de Caterina Vigri 1413 1463 muitas vezes citado como o primeiro exemplo de uma genealogia de mulheres artistas que distinguirá a cidade italiana durante um longo período 54 Além de artista Caterina Vigri também se notabilizou como escritora e música 52 Ann Sutherland HARRIS The statiis and Educatioon of Women in Renaissance Iralyv in HARRIS e NOCHLIN eds IVonlen Artists 15501950 p 21 53 Madonna Properzia de Rossi Scultrice Bolognese Giorgio V4S41 Le Vite deliù eccelenti pittori scultori ed architettori scritte da Giorgio Vasari pittore aretino con nuove annotazioni e contnienti di Gaetano Milanesi vol V Firenze G C Sansoni 1880 p 80 54 A genealogia de mulheres artistas de Bolonha é logo construída no século XTII com a obra de Carlo Cesare MALVASIA no capítulo dedicado a Elisabetta Sirani Felsino Pittrice Vite dei Pittori Bolognesi introd e textos de hlarcella Brascaglia Bolonha Edizioni Alfa Bologna 1971 l edição Felsina Pittrice Vite de Pittori Bolognesi alla Maesta Christiartissima di Luigi XVIIZI Re di Finrlcia e di Navarra I1 Sempre Vittorioso consagrate dal Co Carlo Cesare Malvasia fra gelati lascoso 2 tomos Bolonha Per lerede di Domenico Barbieri 16781 Seguese o siiplemento realizado por Luigi Crespi Felsina Pittrice Vite de Pittori Bolognesi Tonto III che serve di supplemento allópera del Malvasia Bolonha Forni Editore 1970 Edição facsimilada de Felsina Pittrice Vite de Pittori Bolognesi Tomo Terzo alla maesta di Carlo Entanuele IIZ Re di Sardegna Roma nella stamperia di Marco Pagliarini 1769 Luigi Crespi refere as seguintes mulheres artistas Bolonhesas Giulia Bonaveri Caterina Canossa Angela Cantelli Cavazza Ginevra Cantofoli Lucia Casalini Torelli Teresa Coriolani Ersilia Creti Vincenzia Fabbri Francesca Fantoni Veronica Fontana Veronica Franchi Maria Oriana Galli Bibiena Camilla Lauteri Paris Maria Lazzari Eleonora hfonti Anna h4orandi Manzolini Teresa Muratori Elena Maria Panzachi Antonia Pinelli Bertusio Anna Sirani Barbara Sirani e Elisabetta Sirani No século XIX esta genealogia artística feminina é reforçada com outros livros especialmente dedicados às mulheres artistas ou intelectuais da cidade Gaetano GIORDANI Notizi delle donne inas realmente o que fez com que os seus talentos fossem descritos e a sua obra preservada foi o seu estatuto de santa Aquilo que ela produziu funcionou muito mais como relíquia do que como obra de aite Neste como noutros casos a iden tidade religiosa sobrepôsse a todas as outras canonizada em 1712 Santa Cata rina foi objecto do quadro de Marcantonio Franceschini poucos anos depois 1723 5 Aqui a sua faceta de pintora faz parte da construção da sua icono grafia como santaum anjo segura na tela onde surge o esboço de um menino Jesus da autoria de uma Santa Catarina vestida de freira a molhar um pincel na paleta Um século depois a sua sucessora na genealogia de mulheres artistas bolonhesas é Lavinia Fontana uma filha de artista como referimos que constrói uma carreira profissional de grande sucesso e produtividade além cle ter tido onze filhos Prospero Fontana detecta desde cedo o gran genio alla pittura demonstrado pela filha e em vez de a incentivar aos umili esercizi ai quali per 10 piu fino dagli anni più verdi vien condannato que1 sesso fez com que ela si desse agli studi de1 disegno ne quali fece tal profito che diventata eccellente pittrice ricca dapplausi e di nomej6 Aqui Baldinucci reconhece a importância da identificação precoce e da qualidade do ensino artístico no desenvolvimento de um talento Embora a sua obra também deva ser lida no contexto dos novos programas iconográficos sugeridos pela ContraReforma e a sua devoção religiosa também faça parte da sua prática artística Fontana nada tem a ver com o contexto conventual que simultaneamente possibilitou e coarctoii os talentos de tantas mulheres Os temas possíveis Indissociáveis dos espaços de criação eram as possibilidades de escolha dos motivos representados um tópico que tem sido muito desenvolvido nas aborda gens historiográficas às mulheres artistas deste período Num momento de profundas mudanças no estatuto do artista e da própria arte o ensino artístico passou a concentrarse no corpo humano no conhecimento escrito e visual da antiguidade clássica e finalmente nas leis da perspectiva e nos cálculos mate m á t i c o Estes princípios implicavam cada vez mais o acesso ao estudo do plltrici di Bologna Bolonha 1832 Carolina BONAFEDE Cenni biografici e ritratti di insigni donrie bolognesi Bolonha 1843 Methwen RAGG T l e Wontaii Artisls of Bologna Londres 1907 Malvasia é o principal responsável da consagração de Elisabeta Sirani denominandoa pintora heroína Seu amigo e protector Malvasia intercala o seti texto com u m inaniiscritodiário da própria pintora 55 ilngeia GHIRARDI Women artists of Bologiia The Selfportrait and the Legend from Caterina Vigri to Aniia Moraiidi h4anzolini 14131774 in Lovinia Fontnra of Bolognn 15521614 PP 32 17 p 3233 56 Lavinia Fontana Pittrice Bolognese in Filippo BALDINUCCI hrotizie dei Professo1i de Disegno vol 111 pp 369 A ARTE SEAI HISTORIAICLHERES ARTISTAS SÉCS k7rISTIII 229 nú assim como deslocações a outros centros artísticos e a locais como Roma onde a arqueologia revelava os vestígios da herança clássica central ao discurso visual e escrito da Renascença As limitações das mulheres em aceder a uma formação completa mesmo nos casos excepcionais em que cresciam num atelier familiar ou recebiam uma educação coartaramlhes a escolha daqueles temas onde por exemplo o estudo do corpo humano era mais premente Foi o que aconteceu pintura histórica e religiosa de grandes dimensões que não por acaso era a mais valorizada Assim e apesar das surpreendentes excepções as limi tações no acesso a múltiplos espaços de ateliers onde se estudava o nú mascu lino a viagens culturais ou à pintura de frescos nas capelas de igrejas corresponderam a uma maior concentração feminina em géneros como o retrato a pintura religiosa de pequeno formato ou já no século XVII a naturezamorta Em meados do século XVII Baglione expõe indirectamente esta dicotomia de génerosapresenta Lavinia Fontana a única mulher que refere na sua obra como uma exímia retratista mas realça que uma coisa é pintar um retrato e uma outra bem distinta é representar a figura humana em grande escala como o exigia a pintura de altares o que Fontana não realizava com a mesma perfeição 58 Já em 1370 no seu De Claris Mrlieribus Giovanni Boccaccio escrevera sobre mais de 100 mulheres notáveis da Antiguidade entre as quais algumas artistas59 Apesar de considerar que a arte era algo alheio à mente de uma mulher e que o talento necessário para a prática artística era muito raro entre elas recomendou às artistas que se dedicassem sobretudo a retratar outras mulheres e a retrataremse a si próprias60 É necessário ter em conta que no interior das hierarquias de géneros artísticos o retrato ocupava um lugar inferior em relação por exemplo à pintura religiosa ou de história A sua reco 57 Alberti elabora um programa de educação artística que será central a partir de finais do séciilo XV e durante o século XVI Leon Battista ALBERTI Della Pittira ed crítica de Liiigi Mallè Firenze G C Sansoni Stampa 1950 58 Verme ella a Roma e nel rassomigliare i volti altrui qui fece gran profitto e ritrasse Ia maggior parte delle dame di Roma e especialmente le Signore Principesse anche molti Signori Principi e Cardinali onde gran fama e credito ne acquistò e per essere una donna in questa sorte di pittura assai bene si portava Pelo contrário em relação ao altar que lhe foi encomendado para a Igreja Romana de S Paolo fuori di muri Bagnoli denuncia a incapacidade de Lavinia em dominar este género de pintura ben egli è vero che per esser le figure maggiori de1 naturale si confuse e si felicemente come pensava non riuscille poiche è gran differenza da quadro ordinario a machine di quella grandezza che spaventano ogni gran ingegno In Vita di Lavinia Fontana Pittrice Giovanni BAGLIONE Le Vite de Pittori scultori et architetti Da1 Porttificato di Gregorio XIII fino a tatto que110 dUrbano VIII Roma 1649 1 ed1642 Ristampa arricchita dellIndice degli oggetti dei luoghi e dei nomi a cura di C Gradara Pesci Velletri 1924 s1 Arnaldo Forni Editore 1975 Col Italica Gens Repertori di biobibliografia italiana no 77 Ristampa Anastatica pp 143 144 59 Giovanni Bocccco Fantous Women trad e edição de Virginia Brown Florença Harvard University Press The I Tatti Renaissance Library 2001 60 Ann Sutherland HARRIS The Status and Education of Women in Renaissance Italy in Harris e Nochlin eds Monien Artists 15501950 pp 2223 27 mendação não só remetia as mulheres para um espaço privado alheio a um contexto artístico mais alargado como as definia enquanto objecto privilegiado de si próprias Musas de si mesmas o espaço da arte no feminino via assim as suas fronteiras codificadas reproduzindo os outros limites sociais e culturais que faziam parte do facto de se ser mulher Lavinia Fontana e sobretudo Sofonisba Anguissola poderiam ser exemplificativas desta tendência para o retrato no feminino tendência esta que era reforçada como vimos pelas próprias condicionantes das encomendas de mecenas que interessados em possuírem o seu retrato pintado por uma mulher ou o autoretrato da própria artista favo reciam esta especialização As muitas excepções não foram suficientes para impedir a criação do estereótipo de que as mulheres só se dedicavam ao retrato e mais tarde também às naturezas mortas A força desta chave de leitura da arte feminina fez com que por exemplo Filippo Baldinucci que até se mostrou especialmente aberto às possibilidades artísticas das mulheres como o demons tram vários dos seus textos escrevesse que Artemisia Gentileschi era conhecida sobretudo pelos seus retratos e naturezasmortas jl Ora um rápido olhar sobre a sua obra é suficiente para nos apercebermos que estes dois géneros estão especialmente ausentes das escolhas pictóricas de Artemisia embora não o estejam nos conceitos construídos a priori com que Baldinucci lê a obra de uma mulher j2 Artemisia apresentanos uma subversão acrescida se é certo que as mulhe res têm um lugar de destaque nas suas escolhas temáticas como que obedecendo à recomendação de Boccaccio estas são mulheres muito distantes dos signifi cantes adscritos à mulher daquele período Como afirma Mary D Garrard olhar para a obra de Gentileschi segundo uma perspectiva de género implica reconhecer o desvio da artista a uma norma retórica na sua reinvenção das personagens femininas assim como ter consciência dos riscos em impor a Arte misia expectativas estereotipadas de género 63 A artista bolonhesa Elisabetta Sirani 16381665 que apesar da sua morte prematura tem uma obra extre mamente prolixa também envereda por vários temas onde não imperam nem as 61 Mary D GARRARD Artemisia Gentileschi around 1622 p 6 Questa che aveva imparata larte da1 padre si diede prima a far ritratti de quali fece moltissimi in Roma Ebbe costei un altro bel talento che fu di ritrarre a1 naturale rnaravigliosamente ogni sorte di frutti in Filippo BALDIVCCI Notizie de Professori de1 disegno vol 111 pp 713 714 Por outro lado Filippo Baldinucci escreveu ma io che so che non solo non é cosa impossibile nè anche cosa punto nuova che un ben coltivato ingegno duna femmina si renda in ogni facoltà maraviglioso ogniqualvolta tolto da quelle umili applicazioni alle quali per 10 più vien condennato que1 sesso egli sia posto nella sua libertà applicato a buoni studi vol 11 p 619 J á citado por Angela GHIRARDI Women artists of Bologna the selfpoitrait and the legend from Caterina Vigri to Anna Morandi Manzolini 14131774 in Lavinia Fontana of Bologna p 47 62 Algo de semelhante se passa com Josefa de Obidos que tendo pintado muitos outros géneros é conhecida sobretudo pelas suas naturezas mortas mais associadas a um mundo feminino do que os temas religiosos e históricos ou a pintura de frescos e m Igrejas 63 Mary D GARRARD Artenzisia Gentileschi arourid 1622 p 6 i ARTE SEM HISTORIALIULHERES ARTISTAS SECS XVIXIII 231 naturezas mortas nem os retratos Como acontecera com Artemisia Sirani reco rreu a uma iconografia de mulheres da antiguidade que se distinguiram pelo seu carácter forte ou afirmativoG A escolha temática destas femmes fortes do passado demonstra por um lado a erudição textual de ambas as artistas seiscentistas assim como uma escolha consciente de personagens femininas que fugiram à norma e com as quais se pudessem identificar G5 Mas se o retrato e o autoretrato podem ser considerados géneros caracte rísticos das mulheres artistas até ao século XVIII o mesmo não se pode dizer em relação à escolha de femmes fortes De facto embora proporcionalmente as mulheres artistas pintem mais retratos de mulheres do que os seus congéneres masculinos GG não parece ter havido uma tendência para a escolha de uma icono grafia feminina feminista como acontece nos casos de Artemisia ou Sirani Esta última também se destaca no seu trabalho de gravurista uma arte pra ticada por muitas mulheres artistas a partir do século XVIG7 Malvasia é o principal responsável da consagração de Elisabeta Sirani denominandoa pintora heroína Seu amigo e protector não deixa contudo de sublinhar como a pintora tendo nascido mulher nada tinha de afeminadoGs No norte da Europa não se encontra a mesma relação entre mulheres artistas e retrato existe sim sobretudo para o século XVII um grande número de mulheres dedicadas à pintura de naturezasmortas G9 De formato reduzido sem necessidade de um conhecimento profundo do corpo humano e com a possi bilidade de ser realizado no interior do espaço doméstico este tema adaptavase bem às condições de vida feminina sem ameaçar as expectativas da feminili 64 Jadranka Bentini e Vera Fortunati eds Elisabetta Sirarii Pittrici Eroina 16381665 Bologna Editrice Compositori 2004 Catálogo de Exposição Bologna Museo Civico Archeologico 4 Dez 200427 Fevereiro 20051 65 Uma das femnzes fortes mais comuns na iconografia da época nomeadamente entre os cara vaggisti é a Judite que degola o Holofernes o tirano assírio que oprime Israel e a tenta violar Outros exemplos na obra de Elisabetta Sirani poderiam ser a Lucrezia mulher de u m nobre romano que é violada por u m tirano e se envolve politicamente no processo de instituição da República Romana acabando por se suicidar ou a Timoclea que atira para u m poço o capitão de Alexandre Magno que a violara as suas Sibilas e sobretudo o original tratamento iconográfico que a pintora bolonhesa dá a sua Porzia que surge a ferirse na perna para demonstrar ao marido que possuía a coragem para assumir a escolha política que levaria à derrota de César Esta obra hoje e m Houston na Stephen Warren Miles e Marylin Ross Miles Foundation foi exposta pela primeira vez publicamente na exposição de Los Angeles Wonien Artists 15501 950 66 Anne Sutherland HARRIS Women Artists 15501800 conclusions in HARRIS e NOCHLIN eds Wornen Artists 15501950 p 41 67 Algumas foram apenas gravuristas outras como Sirani fizeram da gravura umas das suas expressões artísticas ao lado do desenho do óleo e da águaforte Ver o curioso catálogo de mulheres gravuristas na colecção do Museu de Bassano e m Itália Donne Artiste nelle collezioni de1 Miseo di Bassano Catálogo organizado por Comitato 8 Março Bassano Museo Civico di Bassano de1 Grappa Catálogo de Exposição Palazzo Agostinelli 15 Março6 Abril 19861 68 MALVASIA Felsina Pittrice Vite dei Pittori Bolognesi p 609 69 Como já referimos a ausência de uma tradição históricobiográfica equivalente a italiana faz com que se saiba menos sobre a vida e os percursos das mulheres artistas no norte da Europa dadeiO Também por estas razões a natureza morta era um género pictórico menos valorizado pelas hierarquias artísticas que privilegiavam a pintura de história ou de grandes dimensões que exigisse um domínio do corpo humano Clara Peeters 1594depois de 1657 por exemplo notabilizouse com a siia pintura de flores intercaladas com objectos de gabinetes de curiosidades tão ao gosto coleccionista da época7 É necessário ter em conta no entanto que este não é um género feminino como por vezes foi descrito posteriormente e que são muitos os homens que se destacaram na pintura de flores ou de comida Um pouco por toda a Europa as mulheres também conieçaram a estar presentes no encontro entre a arte e a ciência No desenho de história natural destacamos o trabalho de Maria Sybilla Merian 16471717 que sendo colec cionadora de espécimes de história natural produziu inúmeras naturezas mortas científicas 7 As expedições e investigações científicas que a levaram ao Suriname colónia holandesa eram inseparáveis do seu trabalho de desenho de plantas e insectos arte que ensinou a sua única filha Algum tempo depois encontramos um outro exemplo de uma mulher a produzir uma outra forma de arte científica que fundindo a escultura com a medicina criava modelos anatómicos em cera 73 Anna Morandi Manzolini frequentemente incluída na genealogia de mulheres artistas bolonhesas casase com um especialista em esculturas de cera para uso da medicina e logo se notabiliza nesta arte muito popular na Itália do século XVII17 As suas mãos hiperrealistas a mostrar as diferenças musculares entre uma mão em repouso e outra em tensão conse guem revelar uma teatralidade do gesto sem renegar a sua utilidade cien tífica A sua vasta produção escultórica de fragmentos anatómicos revelando o exterior do corpo ou o seu interior expondo aquilo que os olhos não vêm culmina com um autoretrat em cera que se poderia considerar um dos mais ciiriosos 70 Alguns exemplos para os séculos SVII e SVIII Fede Galizia Loiise Moillon Clara Peeters Maria Van Oosteruyck Rachel Ruysch Maria Sibylla Merian e tlnne VallayerCoster Catheririe Duchemin Genevieve e Madeleine de Boulogne Seria pertinente comparar as naturezasmortas de Josefa de Óbidos com a produção artística das suas congéneres francesas oii do norte da Eiiropa 71 Clara Peteers é a responsável indirecta pela colecção que se veio a transformar no National Miiseum of Women in the Arts em Washingtoii Quando o casal de coleccionadores frilhelmina e Wallace Holladay descobriu o seti trabalho numa viagem à Europa nos anos 60 verificou como era difícil encontrar inforniação sobre Clara Peeters ou sobre qualquer outra artista iiiitllier Como resultado desta constatação começaram a coleccionar obras de arte feitas por miilheres Naiicy G Heller ed Monlen Artists kVorks fronl Lhe National Museini of Monel in the Arts Nova Iorqiie Rizzoli 2000 p 14 72 Natalie Zemon DAVIS Iornen on tlie Margins Three Seventeenth Centicrj Lives Cainbridge Mass Hnrvard University Press 1995 73 São inúmeras as colecções seteceiltistas italianas de ceras anatómicas coiistituírlas para uso da medicina Além da colecção iiiiversitária Bolonhesa do Palazzo Poggi onde se encontra a obra de Manzolini poderíamos referir o Museu Florentino La Specola que tendo nascido no contesto do ensino universitário da anatomia no século XVIII hoje continua ligado à universidade dp Florença 74 Angela GHIRARDI Woinen artists of Bologna tlie selfportrait and the legend from Caterina Vigri to rlnna Morandi Manzolini 14131774 Laoirria Fontarla of Bologna pp 4547 exemplos de autorepresentação artística 75 Morandi esculpese a si própria no acto de abrir um cérebro humano com o seu bisturi provavelmente para explicar os mistérios da anatomia cerebral aos seus alunos da Universidade de Bolonha Simultaneamente ela identificase como sendo tanto a mulher de ciência como a artista que se reproduz a si própria de forma hiperrealista Só a cera utili zando as possibilidades quer da pintura quer da escultura conseguia alcançar esta verosimilhança para a qual depois contribuíam outros adereços como o uso de tecido para criar o vestido que cobria a carnação ou mesmo a implantação de cabelo verdadeiro Além de se esculpir a si própria Morandi também esculpe o seu marido companheiro nesta mesma arte mas curiosamente não o repre senta com as marcas da profissão Ele é apenas um homem ela é uma mulher mas é também ela quem tem a faca e neste caso o cérebro na mão Poderíamos comparar este autoretrato com tantos outros nos quais as mulheres artistas se representam no gesto de pintar ou pelo menos com os adereços da arte Contudo Morandi não se apresenta a esculpir umas das suas muitas mãos e fetos nem mesmo o interior de um cérebro humano Apresenta se sim no labor de anatomista que imbuída do saber sobre o corpo o transmite aos seus alunos de uma forma prática e visual mostrandolhes um cérebro verdadeiro Os observadores do autoretrato de Morandi não podem deixar de ocupar o espaço dos aprendizes da arte e da ciência que ela dominavaestão simultaneamente a assistir a uma representação da dissecação de um cérebro verdadeiro realizada por Morandi e a observar a reprodução material do cérebro em cera que também era o ofício da mesma pessoa Num só gesto o cerébro funciona como objecto e como representação do objecto enquanto Morandi se apresenta tanto no papel de anatomista com o objecto como no de artista com a reprodução do objecto num jogo de representações que poderia ser comparado ao que Velazquez também realizou 75 Este autoretrato de Morandi deve ser visto no contexto de uma tradição de máscaras biistos e retratos em cera que se desenvolveu desde a antiguidade e que teve uma grande visibilidade em determinadas zonas geográficas e em determinados períodos Com raras excepções a história da arte não se tem debruçado sobre estes objectos talvez porque as suas categorias tradicionais privilegiando certos materiais e formas de representação não consideraram a cera como um rnate ria1 artístico Ver o estudo pioneiro de Julius von SCHLOSSER Histoire du portrait en cire pósfacio de Thomas Medicus trad do alemão de Édouard Pommier Paris Macula 1997 Em Portugal existe notícia da portuense Maria Josefa Angélica que também no século XVIII se dedicava à escul tura de retratos em cera in Aline Gallash HALL Pintura na Vertente do Fenzicino e o Século XVIZI Português trabalho realizado para o Seminário de História da Arte do Prof Doutor Vitor Serrão 1999Instituto de História da ArteFaculdade de LetrasUniversidade de Lisboa trabalho policopiado p 56 Os paradoxos do caso português Josefa de Óbidos 4 o mais paradigmático dos exemplos de mulheres artistas na Peninsula Ibérica do século XVII A classificação historiográfica portuguesa de Josefa de Óbidos como pintora nacional que privilegia o seu lado paterno e o lugar onde viveu durante grande parte da sua vida nem sempre é aquele escolhido em livros anglosaxónicos onde por vezes aparece como artista espa nhola enfatizando assim o seu lado materno e a cidade de Sevilha onde nasceu e fez a sua primeira formação artística No catálogo da exposição Women Artists 15501950 de 1976 por exemplo que naturalmente influenciou muitas das sucessivas genealogias de mulheres artistas Josefa de Óbidos ocupa apenas uma pequena nota no capítulo dedicado a pintoras de naturezas mortas dos séculos XVII e XVIII Spains only 17th century female painter should a t least be mentioned here namely Josefa dóbidos ca 16301684 for she is a t her best as a stilllife painter see the monograph on her by Luís ReisSantos Lisbon ca 1955 one work is repr by Mitchell no 267 Thoiigh born in Seville she spent most of her life in Portugal Her work is uneven and some of it is unde niably provincial 76 Germaine Greer no seu clássico An Obstacle Race publicado em 1979 também refere Josefa dóbidos além de reproduzir uma das suas obras naquela que terá sido uma das primeiras referências a artista para os leitores anglosa xónicos Like Louise Moillon the Spanishborn stilllife painter Josefa de Obidos painting long after Zurbarán returned to superseded decorative values of pure colour and line Her father was the Portuguese painter Balthasar Gomes Figueira who returned to his homeland with his family after Josefa had learned painting in Spain She is principally known as a painter of portraits and religious subjects and was a member of the Academia of Lisbon with the name Evora Her stilllife painting is represented by a basket of flowers in the Espirito Santo collection in Cascais and a pair of paintings in the MuseuBiblio teca a t Santarem Her experience as a professional painter makes her style of stilllife painting even more interesting her choice of a stylised manner would seem to be deliberate 77 Em 1991 o historiador da arte Vitor Serrão organizou a primeira grande exposição e catálogo sobre a pintora continuando posteriormente a darlhe um especial destaque noutras publicações e exposições sobre arte barroca em P r t u g a l Mais recentemente o National Museum for Women in the Arts 76 Anne Sutherland HARRIS Wornen STILLlife painters of the Sevcnteenth and Eighteenth Centuries in HARRIS e NOCHLIN eds Wonzen Artists 15501950 p 35 Nota 1181 75 Germaine GREER The Obstacle Race pp 235 236 Em nota Luis ReisSantos Josefa dobidos p 3501 58 Vitor SERRÃO Josefa de 4yala pintora oic o elogio da inoc6ncia Lisboa IPPC 1991 Catá logo da Exposição Josefa de Obidos e otenipo barrocoGaleria do Rei D LiiísPalácio Nacional da Ajirda Vitor SERRO ed Josefo de Obidos e o lernpo Barroco Lisboa Printe 1993 acolheu uma grande exposição individual sobre a sua obra publicando o respec tivo catálogo em língua inglesa 7 Esta exposição também organizada por Vitor Serrão e com o apoio de várias entidades e instituições portuguesas poderia ser comparada com a exposição que o mesmo museu dedicou à obra de Lavinia Fontana pois ambas as mostras contribuíram para divulgar entre um público norteamericano duas artistas locais na medida em que pouco conhecidas para lá das fronteiras nacionais no caso de Lavinia Fontana o local significa mais Bolonha do que Itália dada a especificidade do caso bolonhês no interior do contexto italiano Ainda mais recentemente uma outra exposição também organizada por Vitor Serrão veio dar a conhecer o trabalho de Josefa de Obidos em França e em Itália De facto Rouge et Or Trésors du Portugal Baroque mostra que foi inaugurada no pequeno mas fascinante museu parisiense JacquemartAndré e depois foi transferida num formato algo distinto para o Museu Capitolino de Roma traduziuse em grande medida numa exposição de pintura de Josefa de ÓbidossO Curiosamente apesar do lugar central ocupado por Josefa de Óbidos no interior da historiografia da arte portuguesa a perspectiva de género tem estado ausente dass sua abordagens 81 As perguntas que são feitas à sua personalidade e à sua obra não usam a sua identidade feminina como uma das vertentes de análise o que pode parecer algo contraditório quando pensamos na relativa excepcionalidade de uma mulher artista no Portugal de seiscentos Conside ramos assim que muitas das questões que têm sido colocadas aos casos de outras mulheres artistas noutros contextos cronológicos e geográficos poderiam ser aplicadas ao caso de Josefa de Óbidos Tal não significa que faça sentido comparar a sua obra com a das artistas suas contemporâneas até porque como afirma Vitor Serrão uma artista que passou grande parte da sua vida num Convento em Coimbra e na vila de Óbidos não pode ser explicada artisticamente através de comparações internacionais que correm o risco de cair numa artifi cialidade o que não quer dizer que ela não tenha sido influenciada por imagens vindas do exterior nomeadamente através da gravura como refere Vitor Serrão e como analisa Luís de Moura Sobral s2 Pensamos no entanto que faz sentido 79 The Sacred and the Profane Josefa de Óbidos of Portugal Washington DC The National Museum of Women in the Arts Ministério da Cultura Gabinete de Relações Internacionais 1997 80 Rouge et Or Trésors d u Portugal Baroque Paris Catálogo de Exposição Musée Jacquemart André25 de Setembro 200125 Fevereiro 20021 81 Talvez não seja por acaso que uma das raras abordagens de género ensaiadas sobre Josefa de Óbidos provenha de u m não português Edward J Sullivan no catálogo de uma exposição sobre arte portuguesa para iim público EstadoUnidense Edward J SULLIVAN Josefa de Óbidos and Portu guese Spirituality i n the Age of the Baroque Crowning Glory Intages of the Virgir in the Arts o Portugal Newark New Jerseg The Newark Museiirn Ministério da Cultura Gabinete das Relações Internacionais 1997 Newark Catálogo de Exposição Newark RiIuseum pp 6373 82 Vito SERRAO The painter Josefa de Ayala A Tribute to Innocence Luís de Moiira SOBRAL Josefa de Obidos and Her Use of Prints Probleins of Style and Iconography in The Sacred and tlie profane Josefa de Obidos of Portugal pp 1531 pp 24 25 pp 3761 realizar um exercício de comparação com outros casos de mulheres artistas euro peias não para encontrar semelhanças artísticas mas sim para reflectir sobre a forma como a sua identidade feminina afectou ou definiu os seus percursos artísticos e a percepção da sua obra Se pensarmos nas questões que têm sido colocadas por uma historiografia atenta a questões de género a artistas como Artemisia Gentileschi Lavinia Fontana ou Sofonisba Anguissola verificamos como muitas delas se poderiam colocar tambéin em relação a Josefa de Ayala Ela é filha de um artista Baltasar Gomes Figueira neta por parte da mãe espanhola de um amador e coleccionador de pintura e afilhada de Francisco Herrera enquadrandose assim na tipologia persistente de mulheres artistas que foram criadas num ambiente familiar artístico Por outro lado Josefa de Óbidos também é educada num convento o que coloca a questão da educação artística no espaço religioso que deu lugar ao fenómeno das artistasfreiras Saindo do convento não para casar mas para ir para Óbidos onde passará grande parte da sua vida Josefa de Óbidos levará a existência pacata e religiosa de uma mulher independente económica e afectivamente que conheceu o contexto adequado para se dedicar a pintura Citando Virginia Woolf mais uma vez poderíamos afirmar que a pintora tinha o seu quarto as condições que lhe permitiam ter tempo disponibilidade dinheiro e espaço para se dedicar à prática da sua criatividade Muitos dos textos que se escreveram sobre a artista ainda no século XVII dedicaram uma grande atenção a aspectos da sua vida privada dando destaque à sua vivência casta e espiritual Ora como vimos a propósito de mulheres artistas desde o Renascimcnto tem sido frequentemente idcntificada uma tendência para valorizar a sua vida e as suas qualidades morais mais do que a obra Por outro lado poderia questionarse se o facto de Josefa de Óbidos ser considerada sobretudo uma autora de naturezas mortas de doces conventuais e flores quando a sua obra ultrapassa em muito este género não estará tambéin relacionado com a percepção da sua identidade feminina Como também já apontou Edward J Sullivan algumas das suas obras mesmo as naturezas mortas contrariam os adjectivos de doçura inocência e domestici dade espiritual que normalmente lhe são atribuído Ou numa outra perspectiva será que como afirma Vitor Serrão a sua obra e o seu nome não terão beneficiado precisamente da percepção da sua excep cionalidade levando até a um esquecimento da obra de seu pai 8 W ainda por outras palavras será que parte da mitificação da artista não se deve precisa 83 Referese a uin quadro datado de 1676naturezamorta com fruta carne e ave que repre senta entranhas dos animais de forma crua Edward J SULLIVAN Josefa de Óbidos and Portuguese Spiritualitg in the Age of the Baroque Croiiring G1ory Irizages o the Virgin in the 4rts of Por tugal p 69 84 Vitor SERRO The painter Josefa de Ajala A Tribute to Innocence pp 1531 p 16 Na primeira parte do seu artigo Vitor Serrão faz uma interessante análise da historiografia sobre a artista desde o século XVII um tipo de abordagem que em muito favorece a compreensão da cons trução histórica de um artista mente ao facto de ela ser mulher Se assim for então esta é uma percepção que a história da arte deve estudar sem com isso pretender repor uma verdade que voltaria a colocar a artista no seu devido lugar das hierarquias qualitativas que sustentam a disciplina Mas reconhecer que o facto de Josefa de Óbidos ter sido mulher poderá ter contribuído para despertar a curiosidade dos seus contemporâneos e um sucessivo interesse histórico não deverá levar a uma negação do factor de género como instrumento de análise Ou seja não deverá servir para contrapor ao factor género uma avaliação supostamente objectiva e imparcial do seu valor histórico Até porque numa inversão quase caricatural se assim fosse a história da arte teria que reavaliar a obra de milhares de artistas homens consagrados que se tivessem sido mulheres não teriam o lugar que a história lhes atribuiu E poderíamos acrescentar outras duas questões se como vimos anteriormente no século XVII o facto de uma artista ser mulher ainda poderia contribuir para a construção da sua fama quando o seu número começou a aumentar isto deixou de acontecer Do mesmo modo o facto que no caso de Josefa de Óbidos ser mulher poderá ter sido um benefício não significa que para muitas outras mulheres artistas portuguesas ou melhor para a sua grande maioria ser mulher não possa ter tido precisamente o efeito contrário O nome de Josefa de Óbidos quando colocado ao lado de exemplos como o de Maria Helena Vieira da Silva ou de Paula Rego sugerenos alguns dos para doxos do caso português Por um lado poderíamos afirmar que elas são oslas artistas portugueses mais conhecidos internacionalmente pensamos em termos de exposições fora de Portugal presença em colecções internacionais e em museus estrangeiros ou livros não portugueses que as referem Por outro lado exceptuando os escritos mais recentes sobre Paula Rego o facto de serem todas mulheres tem sido uma nãoquestão nas abordagens historiográficas nacionais dos seus percursos Uma resposta imediata e inocente a esta contestação seria a de afirmar que a sua identidade de mulheres não afecta ou influencia a sua identidade de artistas e até que a ausência de uma perspectiva historiográfica 85 Quando analisamos o interessante trabalho de Aline Gallasch Hall sobre mulheres artistas portuguesas do século XVIII ficamos surpreendidas com a quantidade de nomes desconhecidos Se tivermos em conta a sua quantidade por um lado e por outro a quase total ausência de obra identificada e de escritos sobre verificamos que ser mulher não contribuiu para que fossem objecto de maior curiosidade ou valorização Pelo contrário poderíamos até sugerir que este conjunto de nomes sem obra e sem história exernplifica bem o problema com o qual se têm deparado tantas historiadoras da arte a tentar escrever um texto pleno de ausências e silênciosde obras que não forani catalogadas nem restauradas de vidas que não forma biografadas de artistas cujo esqueci mento no passado marca inevitavelmente o esquecimento no futuro Como é visível neste elenco a existência da grande maioria das mulheres artistas portii guesas do século XVIII é meramente textual não sendo possível nomear um exemplar do seu trabalho nos casos raros em que existe obra em colecções miiseológicas esta é na sua grande maioria remetida para as resen7asas resen7as do 1Liuseu Nacional de Arte Antiga do Museu Machado de Castro ou do Museu Soares dos Reis Ver Aline Gallash HALL Pirtura na Vertente do Feminino e o S k c l o XVIZZ Português pp 4187 feminista na crítica da arte e na história da arte portuguesas apenas confir maria o facto de esta não ser necessária nem pertinente Outra reacção ainda relacionaria este tipo de abordagem com um olhar demasiado específico que estaria agora na moda e portanto devia ser ignorado por uma abordagem profunda sólida e alheia a essas digressões marginais à tradição historiográfica Assim Josefa de Óbidos Vieira da Silva ou Paula Rego tendem a não ser consi deradas mulheres artistas entendendo isso cono uma classificação derro gatória mas sim artistas sujeitas a critérios de qualidade e mérito que se consideram independentes do género e que são aqueles que devem reger o mundo a parte ocupado pela esfera da arte Por outras palavras a especifici dade do caso português surgenos aparentemente como muito distinta para não dizer diametralmente oposta Aquilo que acontece noutros lugares Enquanto em quase todos os países a existência de mulheres artistas mesmo para um passado recente se deve frequentemente a um processo de escavaçáo arqueoló gica no caso português aparentemente estas escavações não são necessárias porque o critério da qualidade não discriminaria as mulheresa6 86 Curiosamente e num processo também inverso à norma quem necessitaria de ser escavado são os pais e maridos das artistas conhecidas também eles artistas mas remetidos para aquela soinbra que tem sido apanágio historiográfico das mulheres Pensamos por exeinplo em Baltazar Gomes Figueira pai de Josefa de Óbidos ou Arpad Szenes marido de Vieira da Silva Iiidependen temente do seu valor artístico argumento tantas vezes invocado pela história da arte para deter minar quem se encontra entre os seus anais é inegável que estes nomes nasculinos são menos conhecidos do que os das mulheres com quem partilharam a sua vida criativa Assistimos recen temente a i i n exemplo de escavação do elemento esquecido no masculino no fim de 2004 Vitor Serrão organizou uma esposiçio e piiblicoii um catálogo sobre Baltasar Gomes Figueira o pai de Josefa de Óbidos em que propõe uma rcavaliação das obras quer do pai quer da filha O inevi tável recurso à comparação que preside à avaliação de um casal de artistas ou neste caso de dois artistas unidos por laços familiares muito próximos invariavelmente estabelece uma hierarquia entre influência e influenciado entre melhor artista e pior artista Num curioso processo para lelo àquele que teni sido realizado por uma historiografia da arte feminista o historiador da arte encontra na obra do pai aquilo qije a filha depois teria desenvolvido de forma menos consc guida O lugar atribuído a Josefa de Obidos na historiografia da arte portuguesa teria assim deter minado a ausência de interesse pelo trabalho do seu pai situação que entretanto esta exposição teria vindo colmatar São infindáveis os casos de casais em que dedicandose ambos à prática artística apenas um deles ficoti para a história como se um dos elementos apagasse a criatividatle do outro num processo irreversível que espelharia a sua ausência na construção historiográfica Invariavelinente a parte masculina tendia a ficar para a história enquanto o eleniento feminino se submergiria sob as múltiplas formas que a história tem de eliminar o seu objecto Apenas Ihes restaria aguardar a chegada de um olhar feminista à abordagem da história da arte mais atento aos silêncios às ausências e aos nãoassuntos E este olhar que empreende uma escavação e descobre as F r i d a s Kahlon da arte que a projecção dos Diegos Riveras havia remetido para segundo plano São inúmeros os casos de recuperação historiográfica do elemento feminino do casal e se na maioria esta recuperação ainda não esteja integrada no cânone em casos mais excepcionais como precisamente o da Frida Kahlo dáse um processo de iconização ein que o outro elemento do casal passa a ser remetido para segundo plano Assim a arte de Diego Kivera os seus niurais com temas sociais foram como que derolvidos a um contexto político mexicano enquanto Frida Iahlo sem deixar de sei uin símbolo da inexicanidade e sem deixar de ser politizada passou no entanto a integrar a galeria Consideramos que o denominado critério da qualidade artística é aquele que deve começar por ser sujeito a uma crítica Não por acaso é também aquele que é mais frequentemente invocado como resposta à ausência de mulheres na arte Por um lado é assumido como prioritário por críticos de arte júris de prémios artísticos directores de museus e galerias historiadores da arte ou curadores por outro lado é aceite e reiterado pelo público de museus e galerias de arte por estudantes de história da arte ou belas artes ou por leitores de críticas de arte ou livros sobre arte Ou seja a qualidade é evocada como critério primeiro quer por aqueles que o determinam quer por aqueles que observam o resultado das suas escolhas Assim a evocação de critérios de qualidade nas escolhas de artistas para exposições bienais prémios artigos livros colóquios ou programas de ensino secundário e universitário aparentemente dessexualiza os artistas e a arte Ora se um breve exercício de estatística comprova que o número de artistas mulheres do passado mas também do presente a serem escolhidas ainda é substancialmente menor ao dos seus congéneres mas culinos a primeira conclusão poderia ser a de que os homens são muito melhores artistas do que as mulheres e portanto só eles atingem esse grau de qualidade necessário para serem escolhidos e as mulheres que o fazem continuariam então a ser excepções Se esta resposta foi usada vezes sem conta até um período relati vamente recente hoje dificilmente alguém a poderia endossar Assim talvez a mais frequente das razões contemporâneas invocadas para justificar este desequilíbrio por aqueles que determinam quem está presente nos espaços de construção da arte mas também por aqueles que os observam das raríssimas vezes em que em Portugal se julga necessário fazêlo é de que não existem tantas mulheres artistas Assim a menor visibilidade ou a total ausência de mulheres artistasvejase a programação de exposições dos nossos principais museus os programas dos nossos cursos universitários de história da arte as escolhas para as bienais internacionais 87 OU as colecções de monogra fias de artistas das nossas e d i t r a s é justificada pelo argumento de que da arte que transcende fronteiras locais e que merece ocupar as paredes do MoMa as monografias da Taschen ou os filmes hollywoodescos que têm contribuído para a iconizaçáo popular de artistas como Picassso Vermeer Pollock V a n Gogh ou mais recentemente Klimt e Modigliani Whitney Cliadwick e Isabelle de Courtivron eds Significant Others creatiuity intinlatepartnership Nova Iorque Thames and Hudson 1993 Valeria Palumbo Prestanzi i1 volto Donne oltre i1 ritratto colecção LAltra Meti dellArte Milão Selene Edizioni 2003 87 Pela primeira vez a representação portuguesa na Bienal de Veneza de 2005 é feminina quer a curadora Isabel Carlos quer a única artista escolhida Helena Almeida são mulheres Este facto contrasta drasticamente com o passado das representações nacionais que eu analiso no artigo 49 Bienal de Veneza Os artistas os espectadores o espectáculo Arte Ibérica n 47 Junho 2001 PP 3641 88 Recentemente e numa iniciativa louvável a editora Caminho associouse ao Jornal de Letras para distribuir a u m preço convidativo uma nova colecção de monografias de artistas portugueses 42 destacados protagonistas da época numa colecção absolutamente inédita e m Portugal como existem menos mulheres artistas Ou melhor em Portugal esta invisibilidade feminina no supostamente progressista mundo da arte na maior parte das vezes nem chega a ser justificada porque não existe uma consciência crítica que peça justificações que faça perguntas que questione um desequilíbrio que por vezes se torna gritante Assim esta resposta de que existem menos mulheres artistas tendo em vista a enorme quantidade de mulheres a traba lharem como artistas também começa a soar desconfortavelnente desa dequada No entanto dada a ausência em Portugal de uma consciência femi nista generalizada e dada a persistência de um contexto academicamente acrítico em relação às escolhas de quem escolhe estes desequilíbrios repro duzemse incólumes Se fossem realmente os tão invocados critérios de qualidade a imperar então teríamos muitíssimos mais nomes de mulheres artistas a ocupar quer os vários palcos da cena contemporânea quer mesmo os cenários construídos pela história Mas fazêlo não é suficiente Uma história da arte consciente além de decidir aquilo que tem qualidade deve analisar os processos que atribuem qualidade É necessário pensamos ter em conta que além da qualidade são inúmeros os outros critérios que estão presentes nos processos de selecção que determinam a representatividade artística E estes por muito que se tenda a isolar o mundo da arte de outras esferas estão surpreendentemente próximos daqueles que presidem As escolhas no mundo empresarial no mundo político partidário ou no religioso A comparação do mundo religioso com o campo artístico tornase especialmente pertinente quando temos em conta que ambos se defendem das denúncias face a uma prática de discriminação feminina mais ou menos assumida evocando a sua pertença a uma outra esfera que não a da sociedade civil Assim o divino ou a arte ao estarem para lá das vicissitudes da sociedade onde se movem questões de equidade justiça democracia ou direitos humanos legitimam os critérios das suas excliisões tanto como das suas inclusões De acordo com esta apologia de uma divisão entre a esfera artís tica e as outras esferas a arte ocuparia um lugar diferente onde como é tantas vezes invocado as questões de género seriam completamente alheias Além de confundir criação artística ou seja a obra de arte com os múltiplos processos que levam a sua identificação e classificação como tal esta posição inviabiliza mesmo que inconscientemente uma denúncia das múltiplas formas com que o mundo da arte de museus e galerias de arte a professores de história da arte e críticos continua a discriminar a arte das mulheres por serem mulheies Enquanto aqueles que definem o que é qualidade artística através das suas escolhas não forem conscientes de que qualidade 6 um critério determinando anuncia o texto publicitário Mas num aspecto a colecção nada tem de inéditoapenas 3 mulheres em 42 artistas é que sáo consideradas dignas de traçar os caminhos da arte Portuguesa do século XX As escolhas dos artistas são de facto representativas do nosso panorama artístico ou seja náo represctani as mulheres artistas 4 ARTE S E I HISTRIAIULHERE ARTISTAS SÉCS XVISIII 241 por significantes mutáveis historicamente onde também se podem encontrar preconceitos de género a qualidade continuará a ser usada acriticamente para justificar a ausência de mulheres Uma outra resposta muito comum por parte de críticos de arte conserva dores ou historiadores é a de que essa é uma não questão e que as suas escolhas não são afectadas por diferenças de género mas apenas por aquilo que consi deram merecedor Esta postura que aparentemente seria a ideal não pode servir como pretexto para a negação da questão em si Ou seja não é pelo facto de eu que tenho o poder da escolha não discriminar uma mulher artista por ela ser mulher mas apenas por ela ser uma má artista que me devo alhear da tomada de consciência de que estas discriminações são reais Mais existem inúmeros exemplos de textos que descobrem casos de mulheres artistas desco nhecidas ou que escrevem sobre aquelas que já existem historiograficamente sem fazer uso do material por vezes riquíssimo que têm em mãos Assim a história da arte portuguesa quando refere ou estuda uma mulher artista tende a optar por dois caminhos ou por ignorar totalmente ou quase o facto de ela ser mulher ou o de o reconhecêlo mas acrescentando uma justificação ou melhor quase uma desculpa para o fazer Tal como as mulheres artistas que não gostam de se apresentar como mulheres temendo que isso afecte a percepção do seu trabalho de um modo negativo há muitas mulheres historiadoras da arte que se distanciam de uma perspectiva feminista com medo de serem rotuladas de historiadoras da arte feministas com todo o peso negativo que o senso comum atribui à palavra e que o mundo académico também tende a desclassificar Subjacente a esta distanciação de uma perspectiva de género aplicada à história da arte está muitas vezes também o medo de algumas mulheres em serem acusadas de se estarem a vitimizar ou a contribuir para a vitimização do seu objecto Ou até o medo quase inconsciente de encarnar os adjectivos que tantas vezes nos últimos dois séculos têm sido aplicados às feministas ou sufragistasagres sivaso frustradas zangadas masculinas etc Assim incorrer numa abor dagem feminista pode significar um risco de marginalidade em relação à comunidade científica para a qual se escreve Em suma em Portugal a historiografia da arte crítica da arte e museologia caracterizamse pela ignorância generalizada em relação a uma abordagem do género No entanto cremos que na maior parte dos casos este caminho não é tomado como uma escolha consciente de quem conhece os outros caminhos analíticos que pode escolher optando por não o fazer por deles discordar mas devido a uma falta de informação e formação sobre uma perspectiva de género Esta falta de formação na área de estudos feministas e estudos de género não se restringe à história ou à história da arte sendo antes uma característica de todo o ensino português No entanto e ao contrário daquilo que tem acontecido em Portugal com a antropologia ou a literatura por exemplo disciplinas que têm demonstrado ser mais permeáveis em relação Aquilo que tem sido feito nas áreas referidas a história e a história da arte em Portugal têm resistido estoicamente Importa questionarmonos sobre os porquês desta resistência e ao mesmo tempo trabalhar sobre dois aspectos por um lado lendo conhecendo e discutindo aquilo que tem sido escrito sobre história da arte feminista e sobre mulheres artistas nos últimos 30 anos e por outro lado procurando que a arte sem história das artistas portuguesas passe também a ser história da arte
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A Arte sem história mulheres artistas Sécs XVIXVIII Em 1976 teve lugar em Los Angeles uma exposição denominada Women Artists 15501950 Não era a primeira vez que se organizava uma mostra colec tiva sobre mulheres artistas pois já desde o século XIX se tinham realizado inúmeras exposições dedicadas a esta temática No entanto era aprimeira vez que se encontravam num mesmo espaço artistas de nacionalidades tão diversas e de períodos tão dispares e que se consolidavam as abordagens de uma história da arte feminista Organizado pelas historiadoras da arte Linda Nochlin e Ann Sutherland Harris no Los Angeles County Museum o evento também se distin guia pelo seu carácter académico e institucional Este aspecto levou a resultados bem diferentes daqueles que em princípio se poderiam esperar de uma expo sição organizada a margem de um contexto museológico e discursivo da história da arte dominante Por um lado a dimensão prática da exposiçãoenvolvendo investigações pormenorizadas sobre artistas na maior parte dos casos pouco conhecidas e os empréstimos de múltiplos museus e de colecções privadas na Europa e nos Estados Unidos obrigava a condições de trabalho que dificilmente poderiam ter sido obtidas num contexto menos institucional Por outro lado o facto de Women Artists 15501950 ter sido organizada a partir de dentro constituiu uma força acrescida no efeito de ruptura produzido no interior da Este artigo foi escrito na sequência do curso De musas a artistas as mulheres e a arte leccionado pela autora na Fundação Serralves O curso fez parte da secção de programas educativos da Fundação Serralves e teve lugar em Janeiro de 2005 Este artigo constitui parte de um livro em preparação A Arte sem História rnulheres artistas séculos XVZ a XX Agradeço a leitura atenta de Inês Versos e do Eng Sidónio de Freitas Branco Paes 1 Linda NOCHLIN e Ann Sutherland HARRIS eds Women Artists 15501950 Los Angeles Nova Iorque Los Angeles County Miiseum Random Hoiise 1976 Catálogo de Exposição Los Angeles Austin Pittsburgh Nova Iorque 1976119771 Para um exemplo de uma iniciativa equivalente na GrãBretanha poucos anos depois ver o catálogo da exposição que decorreu no Nottinghani Castle MUseum em 1982 The Wornens Art Show 15501970 Nottingham Nottingham Castle Museum 1982 Para o caso francês ver La Femme Artiste dElisabeth VigéeLebrun à Rose Bonheirr Mont deMarsan se 1981 Catálogo de Exposição Donjon Lacataye MontdeMarsan Novembro 1981 Fevereiro 1982 Para um exemplo de outro tipo de exposição de arte com características contem porâneas e não históricas organizado pela associação Women in the Arts ver o catálogo IVorne choose Wonten Nova Iorque New York Ciiltural Center 1973 12 de Janeiro18 de Fevereiro 19731 Para o equivalente português ver Artistas Portugiresas JaneiroFevereiro 1977 Lisboa Socie dade Nacional de Belas Artes 1977 Como se pode constatar todos os espaços de exposição onde decorreram estas iniciativas são relativamente marginais quando comparados com os principais museus destes países ARTIS REITSTA DO INSTITUTO DE l S T 6 1 4 DA ARTE DA FACULDADE DE LETRAS DE LISBOA n 4 2003 205242 própria disciplina de história da arte quer ao nível da siia escrita e ensino quer a um nível museológico O sucesso da exposição ao qual não foi estranho um certo efeito surpresa foi evidente entre o público de Los Angeles primeiro e depois entre o público das outras cidades norteamericanas onde a mostra itinerante marcou presença Incorporando as premissas do valor artístico definidas pela história da arte ou seja as noções de qualidade originalidade ou estilo a exposição e o texto do catálogo que a acompanhou integravam a obra das mulheres artistas no cânone artístico que até então fora somente um cânone masculino Este cânone tradicional instituído sobretudo nas universidades mas também dispo nível a um público muito mais alargado através de exposições temporárias e museus de histórias da arte em forma de coffeetable boohs ou inonografias de artistas a preços acessíveis moldara a formação de grande parte do público de Women Artists Assim mesmo para a maioria dos visitantes mais cultos o habitual reconhecimento do nome ou do estilo das obras observadas num museu era difícil de praticar As iotinas do reconhecimento fácil eram postas em causa pelo desconhecimento dos nomes das artistas expostas Ou seja a uma identi ficação de estilos e épocas artísticas não correspondia a do nome das autoras Tal como Virginia Woolf que ao confrontarse com as dificuldades de ser uma mulher escritora oii uma escritora mulher sem um passado tentara criar uma genealogia de mulheres escritoras a exposição veio propor uma genealogia de mulheres artistas2 De facto a redescoberta de um passado de criatividade artística feminino foi particularmente premente no contexto californiano dos anos 70 em que a prática artística das mulheres pela primeira vez se desen volveu especificamente numa vertente feminista Os anos Setenta Como reescrever a História da Arte Se a exposição Mromen Artists 15501950 pode ser vista como um acto fundador ela também deve ser analisada no contexto específico da Califórnia da década de 1970 onde muitas outras iniciativas questionaram a história da arte e a prática artística E neste decénio que começam a ser publicados inúmeros livros sobre mulheres artistas do passado que a página em branco começa a ser preenchida por várias propostas de genealogias artísticas no feminino3 2 Virginia WOOLF A Rooni of Ones Own New York A Harbinger BookIIarcourt Brace World 1957 1 ed 1928 p 25 Versão portuguesa Una quarto qiie seja seu pref de Maria Isabel BRRENO trad de Maria Emília Ferros Moiira Lisboa Vega 1978 3 Germaine GKEER The Ohstaclc Race The forticies of wonzen paintcrs ald thcir work Londres Picador 1981 1 ed 1970 Elsa Honig FIXE IVoneri and Art a hisioly of ulonzeli pai tc1s atzd sculptors fronl the Reiaissace to lhe 20 ccxtnry Montclair N J Allatiheld Schram 1978 Donna G BACIIMNN e Sherry PIWND IVoticn ilrtisfs an historical conteniporag ard fenii nist bibliography Metuchen N J Scarecrow Press 1978 Karen PETERSEN e J J UILSON IVoniell Artists Recogriition aid Reappraisal frortl lhe Early Middle Ages to the Ticelieh Centlrj Londres The Wornens Press 1976 Hiigo LNSTERRERG A Historj of ITronje1i Arfists Nova Iorcluc C N A ARTE SEM HISTORIAMULHERES AKIIST4S SÉCS XVIVIII 207 É também no início da década que alguns programas de ensino artístico começam especificamente a incentivar os usos de um pensamento feminista na criação artística 4 Muitas artistas começaram a trabalhar especificamente sobre as suas congéneres do passado criando uma genealogia cultural das ausências como ilustra o The Dinner Partyr de Judy Chicago Numa complexa e intrincada teia de referências a mulheres ilustres e ao feminino em geral a instalação de 19741979 tornarseia um ícone do trabalho de vanguarda levado a cabo pelas artistas feministas suas contemporâneas5 Afastandose radi calmente do modernismo que influenciara todo o século XX The Dinner Partp exemplifica os caminhos da arte pósmoderna que marcará a nossa contempo raneidade No entanto e apesar da obra de Chicago se ter tornado talvez no exemplo mais citado da denominada arte feminista dos anos 70 pelo seu valor simbólico e também pelo papel desempenhado pela própria artista na construçáo teórica do feminismo convém não ignorar a quantidade de trabalho inovador produzido por outras artistas Pela mesma altura surgiram na Califórnia dois programas distintos de ensino artístico dedicados à reflexão e prática de uma arte feminista Tanto no Fresno State College como no California Institute of the Arts estes projectos inovadores visavam introduzir a perspectiva das mulheres na arte e incentivar uma prática artística que fosse o resultado de uma reflexão sobre a experiência de ser mulher Os métodos utilizados assim como os resultados obtidos rom peram com o formalismo do modernismo ao mesmo tempo que anunciaram os caminhos da arte contemporânea Contrariando o individualismo que o moder nismo favorecera os programas californianos promoveram quer o diálogo de grupo onde se discutiam abertamente as experiências individuais de se ser mulher quer a realização de trabalhos colectivos De igual modo e longe dos privilégios que o modernismo atribuíra a pintura e à escultura estas comu nidades artísticas recorreram a uma multiplicidade de meios como forma de expressáonstalações performances peças de teatro colagens video uso de técnicas tradicionalmente femininas como o bordado etc Pela primeira vez de uma forma consciente e sistemática a própria arte foi usada pelas mulheres Potter 1975 Eleanor Tuns Our Hidden Heritage Fiue Centuries o Wonien Artists Nova Iorque Londres Paddington Press 1974 Wonzen A historical survey of works by women artists presented by the North Carolina Museunt of Art and Lhe Salem Fine Arts Center as part o the 20Orh anniuer sary celebration o Saleni College and Acadeniy Winston Salem North Carolina Raleigh NC 1972 4 Peggy PHEUN e Helena RECKITT Art and Fenzinisni Londres Phaidon Press 2001 Lucy R LIPPARD The Pink Glass Swan Selected Fenlinist Essays Nova Iorque The New Press 1995 Norma BROUDE e Mary D GARMRD eds The Power of Fenzinist Art The Anericnn Movenent of the 1970s History and Inpact Nova Iorque Harry N Abranis 1994 Rozsika PARKER e Griselda POLLOCI eds Franling Feminisni Art and the IVomens Mooenlent 19701985 Londres Pandora 1987 5 Viki D THOMPSON Jrrdy Chicago Trials and Tributes introd de Lucy R Lippard Talla hassee FL Florida State University Museum of Fine Arts School of Visual Arts Dance c 1999 Catálogo de Exposição artistas como testemunho de ideias feministas No século XIX por exemplo a s mulheres artistas empreendiam acções para eliminar as discriminações de que eram alvo e modificar a qiialificação das suas carreiras mas não usavam a arte em si para o fazer como acontecerá mais tarde Apesar de um certo simplismo nas projecções de género que algumas destas obras cleixavan transparecer devidas certamente ao seu caiácter de novidade a denominada arte feminista dos anos 70 foi extremamente original e inovadora adjectivos que a história da arte tanto valoriza mas que neste caso preferiu ignorar Assim hoje o contri buto destas iniciativas para a piática artística que se lhe seguiu continua a ser analisado por uma história da aite feminista sem fazer parte integrante dos programas de ensino universitário da história da arte ou dos livros onde se cons trói o cânone do século XX Em 1971 é publicado o artigo seminal de Linda Nochlin Why have there been no great women artists o primeiro sobre um tema que marcará o longo e profíquo percurso académico da historiadora da arte norteamericana j Cons ciente de viver num período de grande actividade e discussão feminista Nochlin propôs que esta perspectiva fosse também usada para repensar as bases inte lectuais e ideológicas das várias disciplinas intelectuais ou acadérnicas Este apelo à autoreflexão e autoconsciência deve ser inserido no contexto histórico daquela década onde muitas outras vozes levaram a um repensar das estru turas de pensamento e da própria linguagem das ciências humanas O pensa mento feminista contribuiu decisivamente para este processo de desconstrução disciplinar quer de forma directa inserindo a perspectiva das mulheres em todas as vertentes do pensamento quer de forma indirecta ao fornecer a outras disciplinas exemplos das perguntas possíveis Em 1869 no seu brilhante ensaio The Subjection of Women John Stuart Mil1 já chamara a atenção para a neces sidade de questionar aquilo que é natural e portanto tende a ser inques tionávels No seu entender tal como tudo aquilo que é comum é considerado natural a sujeição das mulheres enquanto costume universal também foi natu ralizada Qualquer alteração a esta norma surge como pouco natural Para o político e ensaísta uma ordem social só seria possível quando se pusesse fim aos privilégios do domínio masculino algo de que dificilmente os homens quere riam abdicar Ao transportar as palavras de Stuart Mil1 para a História da arte Nochlin deparouse com a força da categoria de génio masculino na construção da disciplina realizada segundo o ponto de vista do homem branco ocidental 6 Linda NOCHLIN Why have there been no great women artista in Diane APOSTOLOSCAPPA DONA e Lucinda EBERSOLE eds llbnen Creatilitg and the 4rts Critical and irtobiograpliical Perspectices Nova Iorque Continuum 1997 pp 4269 publicado pela primeira vez eni 1971 na revista r1 Nculs 7 Linda NOCHLIN Why have there been no great women artists p 42 8 Citado por Linda NOCHLIN Why have there been no great wonien artistu pp 42 43 48 Jolin Stuart MILL Tlie Scrbjctioiz of IVonler7 New York D Appleton and Compaiiv 1869 A pergunta porque é que não existiram grandes mulheres artistas Nochlin começa por apresentar as respostas possíveis uma possível reacção feminista seria a de contrariar a pergunta apresentando uma sucessão de casos de grande mulheres artistas ou seja um exercício semelhante àquele reali zado pelo historiador da arte empenhado em defender o interesse e a centrali dade do objecto escolhido por muito secundário que possa parecer Porém como denuncia Linda Nochlin este tipo de resposta não só não responde a pergunta como reforça os seus pressupostos Um outra resposta possível que a historia doia da arte também critica seria a de defender um estilo feminino que sendo diferente não deveria ser analisado segundo os mesmos critérios do masculino Utilizando inúmeros exemplos de artistas Nochlin contraria a ideia de um estilo feminino Uma coisa é que em determinados momentos históricos e por diferentes razões relacionadas com as limitações que lhes eram socialmente impostas as mulheres se dedicassem mais a certos motivos na pintura ou a certos formatos ou géneros pictóricos Outra coisa é a tentativa de encontrar algo de diferente de feminino na produção artística das mulheres através dos séculos e em zonas geográficas distintas Embora nos anos 70 esta ideia pudesse provir de vozes feministas no século XIX a definição de uma arte feminina fora usada como modo de distinguir a arte séria profissional e implicitamente masculina daquela produzida por mulheres e portanto feminina amadora e secundária Finalmente Linda Nochlin conclui que apesar de terem existido muitas artistas com um trabalho interessante de facto não existiram great women artists Nem poderiam existir O que surpreende a historiadora da arte é que mesmo assim fosse possível encontrar no passado tantas mulheres brilhantes nas artes como noutras áreasg Um século antes em 1881 já a artista e feminista Marie Bashkirtseff chegara a uma conclusão semelhante Perguntamnos com ironia indulgente quantas grandes mulheres artistas é que existiram Ah senhores existiram algumas o que é surpreendente tendo em conta as enormes dificuldades com que se depararam l0 Propondo uma análise das condições institucionais e sociais em que ocorre a criação artística que renega a ideia persistente da história da arte de que o génio vem sempre ao de cima independentemente das dificuldades que o possam rodear Nochlin analisa alguns dos obstáculos mais limitadores ao desenvolvimento criativo das mulheres Em primeiro lugar a falta de acesso ao estudo do nú humano Este tema que Nochlin aqui enuncia brevemente está presente em muitos textos de história da arte feminista que também o iden tificam como sendo uma das mais persistentes marcas de discriminação imposta às mulheres artistas É necessário ter em conta que no século XVI como no XIX os géneros artísticos mais prestigiados pressupunham um domínio 9 Linda NOCHLIN Why have there been no great women artists pp 46 57 10 Marie BASKIRISEFF com O pseudónimo de PAULINI ORELL Les femmes artistes La Cito yenne n 4 6 de Março 1881 pp 34 Citado por Tamar GARB Sisters of tlle Brush WonaenS Artistic Citltitre in Late NizeteenthCenticr3 Paiis New Haven e Londres Yale University Press 1994 p 85 do corpo humano que dependia de uma aprendizagem directa do mesmo Só no século XTX é que os diferentes tipos de obstáculos e discriminações relativos às mulheres artistas começaram a ocupar a esfera de um debate público manifes tado em livros e periódicos em textos individuais ou colectivos Assim foi nesta altura que a questão do nú se tornou central a este mesmo debate sendo usada quer por aqueles que invocavam razões morais para a não presença de mulheres nas escolas ou ateliers quer por aqueles que consideravam que o desenvolvi mento artístico das mulheres assim como a sua profissionalização estavam dependentes do acesso ao estudo do nú Foram várias as Escolas de Belas Artes que citaram a questão do nú como razão para não aceitar as mulheres entre os seus alunos I Enquanto outras escolas privadas como aconteceu ein Paris com a Académie Jrlian fizeram do modelo desnudo para mulheres artistas precisa mente a sua mais valia Outro dos obstáculos identificados por Nochlin presente noutras aborda gens feministas sobretudo em relação ao século XIX é o da identificação da mulher pintora com a pintora amadora que tem no desenho ou na pintura uma das marcas da sua distinção social Além de apontar os entraves à criatividade feminina a historiadora da arte também chama a atenção para as condições favoráveis ao desenvolvimento da vocação artística das mulheres A análise do papel da educação artística no desenvolvimento do talento e a identificação dos múltiplos factores que determinam que algo seja considerado arte e alguém seja considerado artista vêm desmentir a ideia de que o talento vem sempre ao de cima independentemente das condições que o possam favorecer Se uma enorme percentagem de homens artistas provêm de uma família ou de um meio artís tico em relação as mulheres artistas isto é quase uma regra De facto não é por acaso que desde o século XIII e até recentemente a tipologia de artistafilha depaiartista ou então filha de pai especialmente atento à sua educação assumiu um padrão tão persistente 12 Como também não é por acaso argumenta a historiadora que existam tão poucas artistas mulheres ou homens entre a aristocracia ao longo dos séculos 11 Alguns aspectos deste dehate como aqueles que discutem a relação das mulheres com o corpo humano podem ser comparados com o ensino da medicina no século XIX mesmo quando as mulheres passani a ser aceites nas escolas de medicina inglesa a especialização em ginecologia continua a serlhes vetada Do mesmo modo enquanto os homens artistas tinham acesso ao nú masculino e feminino às suas coiigéneres femininas não era possível sequer aceder à visão de iiin corpo do mesmo sexo 12 Rosa Bonheur a artista francesa que alcançou uma enorme notoriedade na Europa do século XIS constitui um caso curioso de filha de um artista ligado a comunidade de SaintSimoli que tinha ideias especialmente progressistas em relação às mulheres O nieii pai repetilime militas vezes que a missão da mulher era a de elevar a raça humana que ela era a Messias dos séculos futuros Devo às suas doutrinas a ambição nobre e grandiosa que atribuo ao sexo qiie orgulhosamente afirino como sendo o meu e cuja independència defenderei até morrer in 4niia KLLPJE Rosa Bonlieirr Sa Vie son ouore Paris Flaniiiiarion 1908 p 311 Citado por Lilida NOCHLIN hy have there been no great women artists p 64 A ARTE SEAl 1014BICLHERES ARTISTAS SECS XVIXVIII 211 embora tenham sido tantos os aristocratas a desempenhar papéis fundamentais no encorajamento e concretização da prática artística Todas estas questões resultam de uma mudança do ponto de partida onde habitualmente se situava a história da arte das interrogações ao objecto artístico às interrogações acerca das condições de produção do próprio objecto Claro que as implicações desta leitura materialista cedo extravasaram os contornos ideológicos que a definiram inicialmente para se repercutirem noutras perguntas que a história da arte assumiu como centrais nas décadas seguintes Pensamos por exemplo na pers pectiva dos Museum Studies que vieram enriquecer a disciplina ao colocar outros problemas ao objecto artístico quem é que observa o objecto e como é que ele é observado de que forma é que os contextos de exposição de determinado objecto artístico determinam o seu significado de que modo é que os museus e outros espaços de exposição utilizam diferentes objectos nas construções ideoló gicas que naturalizam Estas e muitas outras questões beneficiaram do clima de interrogação a que a disciplina foi sujeita e onde os problemas levantados por uma perspectiva feminista foram fundamentais De facto uma área de estudos indissociável da história da arte que poderia ser comparada com os estudos feministas é precisamente a de Mzsercm Studies Se uma perspectiva feminista veio confrontar a história da arte consigo própria o mesmo pode ser dito em relação aos Museum Studies que a partir das suas questões teóricas vieram obrigar o museu a pensar as suas premissas ideoló gicas e a construção das suas classificações Enquanto no passado a maior parte dos museus de arte apresentavam um cânone artístico como sendo o cânonen cada vez mais os museus assumem a subjectividade das escolhas daquilo que expõem optando até por renovar periodicamente as salas disponí veis ao público ou preferindo uma divisão temática a uma cronológica como forma de demonstrar esta premissa O mesmo se pode dizer em relação aos museus de antropologia por exemplo Quase sempre produto de uma conjun tura colonial que favorecia a acumulação e o estudo da cultura material das zonas colonizadas bem como a sua divulgação perante um público cúmplice dos múltiplos processos de apropriação dos outros os museus de antropologia que chegaram até hoje dificilmente poderão ignorar os problemas que um discurso póscolonial veio colocar Obrigados a este confronto têm optado por além de olharem para os objectos das suas colecções analisarem criticamente a sua própria história pensarem sobre si próprios e fazerem com que o visitante parti cipe deste processo Por exemplo explicando ao público o contexto em que as colecçóes foram formadas e os usos que lhes foram dados revelando os critérios classificatórios que presidiram à formação dos seus espólios e a sua relação com teorias científicas da época ou relacionando os objectos em si com outras formas de estudo antropológico como os relatos de viagem ou a fotografia habi tualmente ausentes das legendas museológicas Assim o desenvolvimento de uma perspectiva feminista no interior da história da arte a partir da década de 1970 deve ser visto no contexto mais alargado de crítica aos saberes esta belecidos que obrigaram a iim repensar irreversível das próprias disciplinas 212 F I L I P LOI UDES VICÇXTE v de ciências sociais e humanas e que implicaram a sua transformação nas últimas décadas As questões que se começavam a colocar a um grupo ainda restrito de histo riadoras da arte no contexto norte americano e britânico dos anos 1970 Linda Nochlin Griselda Pollock ou Rozsika Parker devem ser vistas como um reflexo do contexto mais alargado de profundas mutações sociais e políticas onde o femi nismo passou a ocupar um lugar central Mas se estas mutações também se deram em muitos outros países não quer dizer que as suas implicações se tenham sentido no interior do discurso académico O caso português é bem exemplo dissoo pensamento feminista e as transforinações da condição femi nina a um nível jurídico social ou político que tiveram lugar na década de 70 pouco se fizeram sentir no ensino e na escrita académica assim como na crítica de arte 13 Para além de casos muito pontuais as ciências sociais e humanas com particular destaque para a História e para a História da Arte permaneceram muito pouco permeáveis as implicações teóricas do feminismo assim como a muitas outras questões que nas últimas décadas se têm tornado centrais ao próprio pensar sobre a história e sobre a sociedade Muito mais do que uma recusa de qualquer tipo de teoria ou perspectiva feminista poderíamos afirmar que o que imperou e continua a imperar na academia portuguesa é simples mente uma feliz ignorância da mesma Uma recusa uma crítica ou Lima negação implicam necessariamente um conhecimento sobre aquilo que se pre tende recusar criticar ou negar Ora não é este o caso A ignorância dos profes sores universitários portugueses quer em relação a tudo aquilo que se tem escrito sobre o assunto de um ponto de vista teórico nas áreas mais díspares quer ao próprio feminismo enquanto pensamento presente desde há tantos séculos ou ainda quanto aos movimentos sociais e políticos feministas dos 13 Uma excepção é a curiosa mostra e colóquio organizado no princípio de 1977 na Sociedade Nacional de Belas Artes Com a colaboração de várias pessoas mas organizada por Emília Nadal Sílvia Chicó e Clara Menéres esta iniciativa centrouse nas artes plásticas e promoveu militas outras manifestações culturais protagonizadas por mulheres O principal evento consistiu numa exposição temporária de artistas portuguesas contemporâneas na Sociedade Nacional de Belas Artes ao mesmo tempo que o RiIirseu de Arte Contemporânea organizava uma exposição de artistas portuguesas desaparecidas Estas iniciativas também constituíram a resposta portuguesa às duas exposições itinerantes de mulheres artistas americanas contemporâneas que se encontravam de passagem por Lisboa Na introdução do pequeno catálogo cuja simplicidade reflecte a marginali dade também económica em que este tipo de iniciativas tinha Iiigar Silvia Chicó começa por afirmar que estas iniciativas náo pretendiam assumir um carácter feminista mas corrige logo não podiam deixar de o sem Até porque explica a polémica e críticas geradas obrigaramnas a reafirmar a sua posição O evento nacional onde dois dos temas debatidos se centraram na discri minação e especificidade da criação artística feminina denota uma consciência daquilo que se estava a passar noutros lugares nomeadamente em Los Angeles Beth Coffelt uma das convidadas para uma conferência relata eni primeira mão as mudanças que estavam a decorrer nos Estados Unidos relativamente às mulheres e às artes Artistas Portrguesas JaiieirolFevereiro 1977 Lisboa Socie dade Nacional de Belas Artes A única biblioteca onde encontrei este catálogo foi na Comissão Para a Igualdade e para os Direitos das Miilheres séculos X1X e XX converteuse num círculo vicioso de difícil interrupção Como tantas vezes acontece a ignorância sucede por vezes o simples desprezoo desprezo de quem não conhece e tem medo de conhecer Assim os estudos femi nistas em Portugal apesar de em crescente desenvolvimento continuam reme tidos para pequenos grupos que trabalham a um nível de mestrado ou de doiitoramento mais ou menos marginais sem repercussões a um nível de alunos de licenciatura Enquanto aos alunos de ensino secundário e universitário não lhes for dada Lima formação mínima em relação aos estudos de género e à centra lidade de uma perspectiva feminista dificilmente esta poderá extravasar os estudos pontuais de alunas de pósgraduação com interesses alternativos Uma perspcctiva feminista da história da arte durante esta fase inicial tinha que se debater com a ausência de textos e de obras sobre a qual edificar o seu trabalho Para lá da análise do objecto de estudo havia simplesmente que o encontrar Para lá da invisibilidade do silêncio da página em branco havia que identificar a obra das artistas e os discursos sobre as mesmas havia que encontrar a arte para fazer a história A primeira constataçáo e as organi zadoras da exposição de 1976 em Los Angeles referemna no seu prefácio é a dos múltiplos processos através dos quais os sinais destas mulheres artistas do passado foram sendo submergidos pela própria história que as desprezou 14 Ou melhor precisamente o facto de não serem consideradas historicamente levou a que geralmente a obra produzida por mulheres fosse menos preser vada menos restaurada menos catalogada menos descrita menos exposta em lugares públicos menos vendida por casas de leilões ou por particulares ou quando vendida com um preço tendencialmente menor ou menos comprada por coleccionadoies pelo Estado ou por museus Esta desclassificação da produção artística feminina podia estar presente logo a partir do momento da sua produção ou era como veremos em numerosos exemplos uma atitude poste rior não menos eficaz Existem vários casos de mulheres artistas do século XVI ao XIX que em vida tiveram tudo aquilo que se considera essencial para a consolidação de uma carreira artística críticas positivas comissões nacionais e internacionais valores de venda de quadros muito elevados medalhas ou prémios oficiais reconhecimento entre os pares Porém mais tarde a história encarregouse de as silenciar Claro que poderemos sempre afirmar que as constriiçóes da história ou da história da arte implicam sempre a escolha de alguns e o esquecimento de outros escolhas estas que estão sujeitas a critérios subjectivos e vão sendo revistas pelo contínuo fazer da própria história A questão fundamental não é a das exclusões que podem afectar tanto homens como mulheres mas sim o facto de o género ser determinante neste processo Enquanto os homens e mulheres artistas podem não fazer parte do cânone da história da arte por razões de outra 14 Ann Sirtherland HARRIS e Linda NOCHLIN Preface in HXRRIS e NOCHLIN eds Wonier Artists 15501950 p 11 ordem só a apreciação do trabalho das mulheres artistas é que está condicio nado pelo facto de serem mulheres Ou seja um homem pode ser esquecido por muitos motivos mas nunca por ser homem Enquanto a ausência da mulher artista na historiografia do século XIX e também do século XX é generalizada o que demonstra que a componente mulher foi um factor de exclusão definitivo Assim poderíamos definir a s foimas de exclusão da prática artística feminina em duas vertentes principais em primeiro lugar as condicionantes sócioculturais que afectaram especificamente cada mulher artista Indepen dentemente dos diferentes espaços geográficos e dos períodos cronológicos em que estas viveram a identidade de artista estava sempre condicionada pela identidade de se ser mulher E se alguns contextos geográficos ou domésticos eram mais favoráveis ao seu desenvolvimento do que outros ter nascido mulher foi sempre um entrave ao ser artista da falta de acesso ao ensino artístico ou à s possibilidades de viajar das condicionantes sociais à profissionalização femi nina sem esquecer o peso das responsabilidades familiares Em segundo lugar e para lá das múltiplas exclusões sócioculturais contemporâneas a cada artista encontramse as posteriores exclusões da própria construção histórica sobre tudo durante os séculos XIX e XX De facto é no século XIX que se consolida a história da arte enquanto área do saber que se debruça sobre manifestações artísticas do passado definindo aquilo que se considera digno de ser estudado A esta formaçáo de uma história da arte europeia com raízes em textos como o de Vasari no séciilo XVI é indissociável a consolidação de uma série de conceitos que se tornarão intrínsecos à própria disciplina a genialidade a originalidade a qualidade a sucessão cronológica de estilos e movimentos as hierarquias de formatos e materiais ou as geografias artísticas A estes instriimentos de análise poderíamos acrescentar aquele que está presente em todos estes conceitostão presente que nem precisa de ser nomeadoo da masculinidade da criação artística As mulheres artistas constituem a excepção à norma Encontramse determinadas por aquilo que poderíamos denominar a s reservas da história da arte em integrálas no seu discurso escrito e visual Reservas aqui num duplo sentido por um lado a s reservas dos museus espaço de preservação mas náo de estudo científico e visibilidade especialmente destinado a mulheres artistas já que nas paredes das salas abertas ao público os critérios de qualidade artística reservaramnas ao cânone artístico isto é masculino por outro lado a s reservas da própria disciplina da história da arte relativamente ao não assunto das mulheres e da arte Naturalmente as múltiplas formas de reservas estão dependentes umas das outras num círculo vicioso de invisibilidade que só um olhar especialmente crítico e vigilante pode interromper Sujeitas a este duplo processo de exclusãoo da história vivida e o da história construída o das suas histórias no presente e o das histórias em que são já passadoas mulheres artistas tornaramse num objecto arqueológico que só recentemente começou a ser escavado pela historiografia da arte feminista Quando estas escavações aiqiieológicas começaram a dar os seus frutos veio colocarse um novo problema que aliás continua a estar presente e que se poderia formular do seguinte modo devem os nomes das miilheres artistas recém descobertas ser colocados nos respectivos lugares definidos pela classifi cação da história da arte OLI seja de acordo com o período em que viveram com o seu estilo artístico ou com os seus temas e sujeitas ao crivo da qualidade aitís tica que a história da arte definiu como inquestionável Ou será necessário assumir que uma reescrita da história da arte numa perspectiva feminista nunca poderá sei realizada e que mais importante do que inserir o eleiiiento feminino no cânone masculino é questionar a pertinência desse mesmo cânone como instrumento de análise históricoartística Por outro lado não será tarde demais para anular o peso de uma tradição historiográfica que por muito que se pretenda desmontar beneficia precisamente da força da tradição Como já foi referido o desprezo generalizado da produção artística realizada por mulheres ao longo dos séculos faz com que seja muito mais difícil encontrar documentos visuais OLI escritos sobre o seu trabalho Por muito fundo que se escave esta escavação arqueológica estará senipre determinada por muitas ausências impossíveis de repor Uma das respostas da história da arte feminista a este dilema sugerida nos múltiplos escritos da historiadora da arte britânica Griselda Pollock consistiu em reescrever a s perguntas que a história da arte faz ao seu objecto de estudo 15 Além de descobrir e revelar mulheres artistas do passado havia que questionar as próprias categorias de pensamento sobre a s quais assentava a disciplina A definição de categorias como a qualidade originalidade ou sucessão cronoló gica de génios deveria ser posta em causa Se a história da arte soube cons truir uma contradição entre ser mulher e ser artista a partir de qiie instru mentos teóricos é que a força desta verdade dicotómica poderia ser desafiada Em primeiro lugar Pollock questionou o pressuposto da disciplina que estabe lece uma firme divisão entre passado e presente e que afirma que apenas a passagem do tempo permite saber quem ficou na história o artista verdadeiro é unicamente o homem mortolG Este pressuposto omitia o facto da escrita sobre o passado ter sempre lugar no presente ou seja a prática histórica é sempre inseparável das configurações ideológicas do tempo e do espaço em que é levada a cabo Assim as discriminações em relação à criatividade das miilhe res têm lugar no passado mas também no presente que constrói esse passado Cabe também a uma abordagem feminista questionar a continuidade estática 15 Griselda POLLOCK Differencing thc Canon Feniinist Desire and the Wriling of Art S Histories Londres e Nova Iorque Routledge 1999 ed Generatiorls and Geographies itr the Visual Arts Ferninist Readings Londres e Nova Iorque Routledge 1996 Vision and Difference Fenlininity Feniinisni and the Histories of Art Londres Roiitledge 1988 Tanto quanto sei o único texto de Griselda Pollock publicado e m portiigiiês encontrase no compêndio de textos feministas editado por Ana Gabriela MACEDO A política da teoria gerações e geografias na teoria feminista e na liistória das histórias da arte in Género Identidade e Desejo Antologia crítica do feriiinismo coitenporârieo Lisboa Edições Cotovia 2002 pp 191220 16 Griselda POLLOCI A política da teoria gerações e geografias na teoria feminista e na história das Iiistórias da arte in MACEDO ed Género Identidade e Desejo p 212 da história da arte de inoviment em movirilerito de escola em escola de estilo em estilo detectar roturas e descontinuidades nomes e obras eliminados por verdades tão historicamente enraizadas A estas posturas críticas que permi tiram olhar para a história da arte como uma prática discursiva associada a espaços específicos de museus a editoras ou departainent universitários não foi alheia a obra de Foucault e de outros teóricos aparentemente alheios à disci plina de história da arte No entender de Griselda Pollock o feminismo consti tuiuse numa forma de resistência às estabilidades e estagnações académicas No seu entender é um conjunto de posições não uma essência uma prática crítica não uma doutrina uma resposta e uma intervenção dinâmicas e auto críticas não uma plataforma única li Ao colocar algumas questões à própria história da arte e não apenas à arte enquanto objecto de estudo as perspectivas feministas independentemente das suas diferentes abordagens vieram contribuir para a s interrogações mais generalizadas com que o pósmodernismo confrontou as categorias do saber Mais concretamente o feminismo alterou decisivamente uma das preiliissas da própria disciplinauma história da arte que decide o que é que tem qualidade deu lugar a uma história da arte que analisa os processos que atribuem quali dade De uma história da arte monolítica que se apresenta de forma inquestio nável passouse para uma história da arte que responde aos desafios das muitas interrogações que suscitam as ausências das mulheres Claro que as respostas mesmo no interior de um pensamento feminista foram míiltiplas e por vezes até contraditórias De facto se todas estas abordagens têm implícita uma crítica à forma como a disciplina tende a anular ou a representar as mulheres os caminhos escolhidos para resolver o problema são distintos A maioria no entanto concorda que não chega acrescentar nomes de mulheres aos discursos já existentes não chega descobrir artistas se não se fizerem outras perguntas à história da arte Um outro Renascimerito mulheres artistas sécs XVIXVIII Referimos já como desde os anos 1970 uma das formas assumidas pela abordagem feminista da história da arte foi precisamente a de analisar casos específicos de mulheres artistas quase sempre desconhecidas Esta abordagem tende a seguir três dos modelos mais comuns de análise da história da arte os textos monográficos onde se aprofiinda o caso de uma única artista 18 os livros 17 Griselda POLLOI 4 política da teoria gerações e geografias na teoria feniiiiista e na história rlas histórias da arte in Gérlero Identidade c Desejo p 196 18 Exemplos de tima abordagem monográfica poderiam ser Sarah RRADFORD Larliriia Fontana 1 Pairiter and I i o Patrons in SisieeritliCeritury Bologna New Haven iale Unirersity Press 2003 R Ward BISSEL Aretrisía Gentileschi and Ilie Arrtliority o Art Critica1 Reading and Cataloiie Rciisorrné University Paik Pennsylvania State University Press 1999 M D SHERIF TIIP EXCII ou capítulos de livros sobre a presença das mulheres num movimento artístico ou num período e espaço geográfico especifico 19 e a s histórias da arte gerais talvez as mais comuns na década de 70 como vimos em que as mulheres artistas ocidentais são recolocadas no textomatriz da história da arte com a sua peis pectiva cronológica de novimentos e estilos 20 Hoje e cada vez mais assistimos a uma multiplicação de pontos de vista que dificilmente se encaixam nas três vertentes referidas e que reflectem uma tendência geral da história da arte também visível noutras áreas tional Wonaan Elizabeth VigéeLebrun ard the Cultiral Politics of Art Chicago University of Chicago Press 1996 Gillian PERRT Paula ModersohrzBecker Londres Woinens Press 1986 19 Exemplos de estudos onde se analisam as mulheres artistas de determinado grupo movi mento artístico ou período Fredrika H JACOBS Defirzing the Renaissarce Virtuosa Mronlen Artists and the Langirage of Art History and Criticisnt Cambridge Cambridge University Press 1997 Deborah CHERRY Painting Wonien Victorian Woriaen Artists Londres e Nova Iorque Routledge 1995 Tamar GARB Sisters of the Brush Mromens Artistic Culture irz Late Nirzeteenth CentUry Paris New Haven e Londres Yale University Press 1994 Shulamith BEHR MTomen Expressionists Oxford Phaidon 1988 Whitney CHADYICR I4onaen Ariists and Lhe Surrealist Moventent Londres Thames and Hudson 1985 20 Para além das histórias da arte gerais no feminino publicadas ainda nos anos 70 que referimos anteriormente talvez o livro mais exemplificativo desta abordagem seja o de Whitney CHADWICK Wonien Art and Society Londres Thames and Hudson 1994 Por fazer parte da colecção de livros de arte de divulgação da editora Thantes and Hudson uma das mais traduzidas e vendidas e m todo o mundo este livro t e m a grande vantagem de chegar a u m público muito mais alargado do que o dos outros estudos que se t é m publicado sobre mulheres e arte Apesar de ter sido alvo de algumas críticas precisamente por apresentar u m canône artístico feminino sem questionar suficientemente o uso de u m modelo que fez da exclusão feminina u m dos seus princípios o texto de Chadwick t e m o mérito de colocar a questão das mulheres e a arte como um dos temas da história da arte mesmo que esta categoria de leitura ao lado do pósimpressionismo ou da arte abstracta que também fazem parte da mesma colecção esteja longe de os equivaler nos cursos universitários ou na escollia temática de exposições temporárias 21 E esta uma abordagem que se distancia da análise de uma só artista ou artistas para se centrar por exemplo na forma como as mulheres são representadas na arte na forma como são observadoras e leitoras de imagens no modo como as mulheres artistas se relacionam com as insti tuições de museus a escolas de arte como a Académie Julian ou nas construções de género de u m museu como o MoMa principal vitrina de u m modernisino no masculino onde as mulheres nuas são u m dos temas preferidos como acontece no artigo de Caro1 DUNCAN The MoMAs Hot Mamas in Aesthetics and Power Cambridge Cambridge University Press 1993 Outros exemplos Linda NOCHLIN Representing IVonzen Londres Thames and Hudson 1999 Gil1 PERRT ed Gender and Art Londres New Haven Yale University Press Open University 1999 Gen Dou Wonaen l7isual Cultclre in 19th century 18001852 Londres e Nova Iorque 1998 Mira SHOR Wet On Pain ting Fenainisna and Art Cirltire Durham e Londres Diike University Press 1997 Rosemary BEITERTON An Zntinzate Distante Wonlert artists and tlte body Londres e Nova Iorque Routledge 1996 Katy DEEPIVELL ed Neto Fentinist Art Criticisnl Critico1 Strategies Manchester e Nova Iorque Manchester University Press 1995 Germaine GREER A tout prix devenir quelquun the women of the Académie Julian Peter COLLIER e Robert LETHBRIDGE eds Artistic Relations Lite ratilre and the Visral Arts in Nineteenth Century France New Haven e Londres Yale University Press 1994 Lynda NEAD The Fenlale Nude Art Obscerzity and Sesiality Londres e Nova Iorque Routledge 1992 Rozsika PARKER e Griselda POLLOCK Old Mistresses IVonlen Art arld Ideology Londres Routledge 1981 Ouercoming a11 Obstacles Tlae Women of lhe Acadéntie Julian Nova Iorque Dahesh Museum Catálogo da Exposição Nova Iorque Daessh Museum 18 de Janeiro13 de Maio 20001 Sem querer de forma alguma inventariar aqui as muitas mulheres artistas que trabalharam na Europa durante os séculos XVI e XVII referiremos apenas os principais temas e aigurnentos da historiografia que se tem dedicado as mulheres artistas deste período usando alguns exemplos específicos Além das diferentes abordagens que têm tido lugar nas últimas décadas também interessa analisar a forma como as artistas surgiram nos escritos sobre arte publicados em Itália sobretudo no século XVII Com uma tradição histórico biográfica que não tem paralelo noutras regiões a Itália conheceu a publicação de muitas vidas de artistas segundo o modelo consolidado por Vasari logo em 15502 Assim não é por acaso que hoje sabemos muito mais sobre mulheres artistas italianas do que sobre as suas congéneres do norte da Europa onde a inexistência de uma tradição equivalente dificulta um trabalho de pesquisa já de si embargado pelos outros múltiplos factores que como referimos faziam com que a produção artística assinada por mulheres fosse menos preservada Esta tradição textual italiana é indissociável de um contexto especialmente favorável ao desenvolvimento artístico onde poderíamos destacar o mecenato e a constituição de colecções Na formação de uma genealogia artística feminina prémoderna destacam se uma série de nomes entre os quais o de Artemisia Gentileschi 15931652 Ela é talvez aquela sobre a qual mais se tem escrito e mais exposições indivi duais se têm realizado e embora continue a não fazer parte dos cânones ensi nados na maioria das universidades talvez seja a mais conhecida das mulheres artistas anteriores ao século XIX Isto poderá deverse a três razões principais em primeiro lugar o facto de existir uma quantidade substancial de obra e texto nomeadamente em grande colecções italianas apesar de alguns dos quadros não estarem assinados e a autoria da sua obra continuar em revisão Em segundo lugar a sua história de vida marcada por uma violação e o subsequente conflito em tribunal atraiu sobre ela uma curiosidade algo sórdida e tornouse indisso ciável da construção da sua personalidade artística Em terceiro lugar e rela cionado com o anterior os temas escolhidos privilegiando mulheres fortes e temas onde personagens masculinos se convertem nas vítimas dos seus actos de violência contra as mulheres favoreceram uma leitura feminista da sua obra e até a identificação da pintora como feminista Em 1989 uma historiadora da arte norteamericana publica o Artemisia Gentileschi The Image of the Female Hero in Italian Baroque Art onde a dimensão de género constitui o principal critério de análise da obra e a artista 22 Giorgio VASRI Le Vite depiú eccelleriti orchitetti pittori et scultori italiani da Citiabttc insino a tenpi noslri Nell edizione per i tipi di Lorenzo Torrentino Firenze 1550 vol I 11 Edição de Luciano Bellosi e Aldo Rossi Introdução de Giovanni Previtali Torjno Einaudi 1991 Ver também Frederika Heriiian Jcoss Dcfifining tlie Renaissnice Virtitosa wonien artists afzd language of arl history and criticisni Cambridge Nova Ioique Cambridge University Press 1997 23 Ann Sutherland HARRIS The Status and Education of Wonien in Renaissance Italy in HARRIS e NOCHLIN eds 14onle Artisls 15501950 p 24 A ARTE SE11 HISTORL hlCLHERES ARTISTAS SECS SIXVIII 219 italiana do século XVII é considerada como sendo portadora de uma voz proto feminista 24 Anos mais tarde a mesma autora publica outro livro desta vez sobre alguns exemplos específicos de quadros de Gentileschi e aproveita a introdução para responder as críticas que a sua obra anterior havia provocado nomeadamente por parte de outras historiadoras de arte feministas como foi o caso de Griselda Pollock2 Garrard foi acusada pela historiadora da arte britânica de ler a arte como uma mera expressão autobiográfica ao mesmo tempo que essencializava a criatividade artística de Artemisia fazendoa repre sentar a perspectiva da mulher O seu livro era também acusado de heroicizar o objecto do seu estudo de uma forma que reproduzia as tradicionais abordagens historiográficas que consagravam a denialidade de determinado homem artista Independentemente da legitimidade das acusações de que a sua primeira obra sobre Artemisia foi alvo a discussão entre ambas as posições serve de exemplo ao debate mais alargado entre diferentes formas de usar o feminismo na história da arteentre uma abordagem feminista mais ligada aos métodos de uma história da arte tradicional e a perspectiva pósmoderna que analisa a obra da arte como um produto cultural e não como o resultado do génio artístico alertando para os perigos da substituição de um cânone masculino por um femi nino sem questionar os seus próprios critérios de definição Embora por vezes se tenda a dividir diferentes abordagens feministas por décadas diferentes um feminismo dos anos 70 mais essencialista seguido de um feminismo pós moderno na década de 1980 por exemplo talvez seja mais correcto termos em conta a coexistência de diferentes posições feministas desde a sua consolidação teórica nos anos dos anos 70 até hoje como nos mostra o debate entre Garrard e Pollock a propósito de Artemisia Embora Artemisia Gentileschi já apareça em textos seus contemporâneos e em obras pontuais publicadas no século XIX a sua historiografia publicada ao longo do século XX é reveladora das transformações da história da arte durante esse período Em 1916 o conhecido historiador de arte italiano Roberto Longhi publica um livro sobre Orazio Gentileschi e Artemisia Gentileschi pai e filha onde a última ainda tem claramente um papel secundário surgindo como um apêndice dependente da figura paterna como acontecia tantas vezes com filhas de pais artistaszG Só em 1991 é que a Itália organiza a primeira grande expo 24 Mary D GARRARD Artemisia Gentileschi The Female Hero in Italian Raroque Art Princeton NJ Princeton University Press 1989 25 Mary D GARRARD Artenzisia Gentileschi around I622 The shaping and reshaping of a n artistic identity Berkeley LA Londres University of California Press 2001 26 Mais recentemente Artemisia voltou a ser exposta ao lado de seu pai mas num outro sentido Keith CHRISTIANSEN e Judith W MANN Orazio and Artenisia Gentileschi New Haven Yale Univer sity Press 2001 Catálogo de Exposição Nova Iorque Metropolitan Miiseum of Art 11 de Fev12 de Maio 2002 St Louis St Louis Art Miiseuin 15 de Junho15 de Set 20021 E curioso com parar este e outros casos de mulheres artistas que só são referidas a propósito dos seus pais artistas com o de Josefa de Óbidos que pelo contrário é mais conhecida do que o seu pai Trataremos este caso mais adiante sição individual sobre a artista já depois do livro de Gairard ter sido publicado nos Estados Unidos em 195927 A perspectiva feminista da vida e da obra de Artemisia feita pela americana não está presente na abordagem da exposição e nos textos do catálogo florentiilo onde domina uma linguagem formalista sobre as escolhas estéticas da artista e um esforço de identificação da sua obra Longe de darem destaque as suas muitas obras de conteúdo violento onde personagens femininas dominadoras exercem a sua força sobre homens dos qiiais muitas vezes resta apenas uma cabeça degolada os autores preferem sublinhar a Artemisia feminina que usa o seu aiitoretrato em múltiplas figuras de mulheres voluptuosas e sensuais Chamando a atenção para esta abordagem em que se esvazia a obra da artista das suas potencialidades femi nistas para pelo contrário a poder feminizar Garrard refere a imagem esco lhida para a capa do catálogo o poster da exposição e todo o material que a identificou não uma das suas violentas rudes e até feias Judithes Cleópatras ou Lucrécias mas a mais bela das siias mulheres a Alegoria da Inclinação num nú semi coberto de miilher que se pensa ser também um autoretrato Ao dar mais destaque às mulheres de Artemisia que correspondem as tradicio nais representações de beleza feminina a exposição acaba por reificar uma correspondência entre mulher artista e mulher bela que está presente desde a Renascença e que como veremos se traduziu numa valorização dos auto retratos de artistas mulheres como forma de dupla beleza Apesar destas tentativas em invalidar o conteúdo ameaçador dos seus temas a artista já faz parte de uma galeria de referências feministas que vão 25 Arteniisia org por Roberto Contini e Gianni Papi testo de Liiciano Berti Roma Leonardo de Luca Editori 1991 Catálogo de Exposição Casa Buonarroti Floieiiça 18 de Julho4 de Novembro 1991 28 Curiosariiente qiiantlo eni 1681 Filippo Baldinucci traça o perfil de Artemisia Gentileschi na sua obra de vários voluines sobre a vida de artistas tanibém dá um especial destaque a siia Incli nnziorie fresco pintado no tecto da casa de Michelangelo Buonarruoti em Florença Esta represen tação de uma beleza feminina desnuda teria sido posteriormente coberta corn iiin pano drapeado dipinse qiiesta virtuosa donna di bellissima niaiiiera una figura quanto i1 naturale dico iiiia femniina di bellissirno molto vivace e fiero aspetto O outro destaque dado por Baldinucci a obra de Artemisia é o de uma Airora vaga feiiiinina ignuda con chiome sparse e braccia stese inalzate verso i1 cielo La figura per Ia parte dinanzi è tiitta graziosamente sbattimentata in niodo che noii lascia però di far niostra della bella proporzione delle nienibra e de1 vago colorito restando solamente percossa dalla nascente niattutina luce dalla opposta parte e veramente ellè opera bella e che fa conoscere fino a qual segiio giungesse Iirigegno e Ia mano duna tal dorina Em relação aos temas que hoje associaiiios a Arternisia como A Jitdith e o Holoferries o autor dedica apenas umas curtas frases para passar logo a referir o talento de Arteniisia para pintar ogni sorte di friitti in Aurelio Lonii pittore pisano discepolo de1 Cigoli Nato morto Orazio Gentileschi fratello dAurelio e discepolo e Arteinisia Gentileschi figliuola e discepola Votizie dei Professori de1 Disegrio do Cirliabir i11 q i o per le qirali si dinlostra conie p e clii le bellc arti di pittitra scnltirrn e rchitcttira lasciata o rozzezza delle nlaniere greca P gotico si siano ir1 qitcsti secoli ridotte allóntica 1010 perfeziorie Opera di Filippo Baldinucci fiorentiiio distinta in secoli e decenriali con niiove ariiotazioni e supplenienti per cura di F Ranalli vol 111 de 7 vols Firenze Per V Batelli e Cornpagrii 1846 pp 708716 p 414 para lá da sua obra ou da sua identidade enquanto objecto de estudo da história da arte 2 A violação sofrida por Artemisia por parte do seu professor particular de perspectiva amigo do seu pai e o processo legal que se seguiu contribuí ram para a identificação da artista como uma vítima de violência sexual que denuncia o opressor e também usa esse episódio marcante da sua vida na sua própria criatividade 30 Esta inseparabilidade entre vida e obra foi também reforçada por um livro assinado por Anna Banti pseudónimo de Lucia Longhi mulher do historiador de arte italiano escrito em 1947 31 Numa original abor dagem composta de uma investigação histórica do processo de violação que se encontra no Arquivo de Roma de aspectos autobiográficos da vida da própria autora que perdeu o primeiro manuscrito do livro devido as vicissitudes de uma Florença bombardeada durante a segunda guerra mundial e de uma narrativa ficcionada em que a Artemisia serve como pretexto para uma reflexão sobre a criatividade feminina a novela de Anna Banti contribuiu muito para divulgars artista para lá de um reduzido grupo de leitores académicos O caso de Artemisia é ilustrativo da tradição de inseparabilidade entre a vida e a obra que tem caracterizado o estudo das mulheres artistas e que como veremos está relacionado com a percepção do carácter excepcional das mesmas Um exemplo onde a narrativa sobre a vida supera largamente o conheci mento sobre a própria obra é o de Sofonisba Anguissola 15321401625 pintora que nasceu umas décadas antes de Artemisia Ao contrário da grande maioria das mulheres artistas deste período e de períodos posteriores Sofonisba não é filha de um artista No entanto é filha de um homem pertencente a uma pequena nobreza italiana de província que se empenhou em dar às filhas a melhor das educações possíveis e que mais tarde investiu na promoção dos seus talentos 33 Como escreveu Vasari a casa do senhor Amilcar Anguissola é um 29 Por exemplo Artemisia é o nome de uma associação sediada em Florença que ajuda as mulheres e crianças vítimas de violência sexual e física 30 Artemisia GENTILESCHI Letlere precedute da Atti di un processo per stupro ed por Eva MENZIO Com um ensaio de Annemarie Sauzeau B o r r i e uma nota de Roland BARTHES col Carte Artisti n 55 Milão Abscondita 2004 31 Anna BANTI Artenzisia trad e posfácio de Shirley DArdia Caracciolo Londres e Nova Iorque Serpents Tail 1995 Primeira edição italiana Artenzisia Rizzoli 1953 Anna Banti também escreveu vários outros livros entre eles Quando le donne si niisero a dipingere Milão La Tarta ruga 1982 Entretanto foram publicadas outras versões romanceadas da vida de Artemisia Alexandra LAPIERRE Arténtisia Paris Robert Laffont 1998 Susan VREELAND The Passion of Artenzisia Nova Iorque Viking Press 2002 32 Sofonisba Anguissola e le sue sorelle Milão Leonardo Arte 1994 Catálogo de Exposição que teve lugar em Cremona cidade de origem da família Anguissola CremonaCentro Culturale Città di Cremona Santa Maria della Pietà 17de Setembro11 Dezembro 19941 A exposição também esteve patente ao público no Kunsthistorisches Museum de Viena e no The National Miiseum of Women in the Arts de Washington Flavio Caroli Sofonisba Anguissola e le sue sorelle Catálogo Ragionato Milão Mondadori 1987 33 c i1 padre fu assai sollecito in dar loro comodità dapprendere le più belle arti e scienze e le più nobili discipline in BALDINUCCI Sofonisba Angosciola nobil cremonese celebre pittrice discepola di Bernardin Campi Elena Lucia Minerva Europa ed AnnaMaria sue sorelle in Notizie albergo da pintura e de todas as virtudese a tipologia persistente de pintoras filhas de pintores tem sido invocada como uma das provas de que a educação artística era fundamental ao desenvolvimento de um talento poderí amos acrescentar que nos casos mais raros de mulheres artistas sem tradições familiares existe também uma tipologia de paisexcepções que valorizavam a educação das suas filhas de um modo que habitualmente apenas correspondia aos descendentes masculinos Assim até ao sbculo XX são numerosos os exem plos de mulheres artistas que apesar da falta de uma educação especificamente artística tiveram uma educação multifacetada onde a arte estava presente facto que lhes permitiu encontrar o caminho dos seus talentos No caso de Sofo nisba e das suas cinco irmãs mais novas o ensino da pintura fazia parte inte grante de uma educação humanista onde o latim a música e o gosto pela antiguidade clássica conviviam e se complementavam Se várias das suas irmãs deixaram exemplos da sua prática pictórica foi Sofonisba aqiiela que mais se destacoii alcançando ainda em vida uma notoriedade que ultrapassou larga mente a s fronteiras de uma Itália profícua de centros artísticos Já Vasari a refere nas suas Vite considerandoa excelentíssima na pintura e destacando a forma como as suas figuras parecem vivas só lhes faltando falar3j Para além de ser considerada a primeira pintora italiana a realizar uma carreira de grande sucesso artístico o facto de ter passado uma parte significativa da sua vida adulta na corte madrilena de Felipe 11 contribuiu para a sua fama internacional e solidificou a sua identidade de fundadora Contemporânea de Sofonisba mas flamenga Levina Teerling c15151576 também foi convidada para a corte do rei de Inglaterra Henrique VIII onde se dedicou à pintura de miniaturas arte que aprendera com seu pai Tal como a italiana Teerling alcança grande cele bridade permanecendo na corte inglesa durante toda a sua vida onde fontes oficiais reconhecem o seu salário como tendo sido superior ao de Holbein Antes de partir para Madrid com vinte e poucos anos Sofonisba já consoli dara a sua carreira trabalhando em inúmeras encomendas de retratos para as cortes de Mantova Ferrara Parma ou Urbino mas ao contrário de Teerling na corte Inglesa a posição de Sofonisba na corte espanhola não era a de pintora oficial mas sim a mais prestigiada função de dama de companhia de Isabel de Valois segunda mulher de Felipe 11 Naturalmente o facto de ser pintora terá sido determinante na escolha até porque Isabel de Valois era uma apreciadora de arte e de pintura No entanto o facto de Sofonisba se dedicar à pintura mas dei Professori de1 Disegno vol 11 pp 619636 p 621 Ver tambéni Orietta PINESSI Soforisba Anguissolo Uri pittorel alla corte di Filippo II Milano Selene Edizioni 1998 Livro publicado na colecçáo LAltra nietá dellilrte dirigida por Tiziaiia Agnati 34 Giorgio VASARI Le I7ite depiii eccelntipittori scultori ed orchitettori suitte do Giorgio Vasari pitlore oretirio cor1 tiuove annotazioni e coninienti di Gaetatio Milonesi vol VI Firenze G C Sansoni 1880 p 502 35 Giorgio VASARI Le lile depiii eccelenti pittori scultori ed architttori vol VI p 498 36 Eleanor TUFTS Otr Hiddert Heritcrge Fiue Cenlirries o IVonieri ilrfists p 43 r ARTE SEM HISTORIAhlULHERES ARTISTAS SÉCS SIxIII 223 não ser pintora de corte oficial afectou o estatuto da sua produção pois este veio a revelarse alheio aos circuitos de encomendas oficiais tão abundantes aliás na corte Filipinan Esta é uma das razões pela qual se sabe pouco sobre o período madrileno quer sobre a obra realizada quer sobre a sua vida3 É durante este período no entanto que o Papa Pio IV lhe faz uma encomenda de um retrato de Isabel de Valois agradecendolhe numa carta de 1561 com elogios efusivos a chegada a Roma da encomenda 3 No século XVII Baldinucci critica os escritores do século anterior por não terem deixado mais notícias sobre a obra da artista 40 Paralelo a esta construção histórica da vida das mulheres artistas é o interesse especial pelos seus autoretratos Possuir um autoretrato de uma mulher artista significava uma dupla vantagem por um lado ter um quadro pintado por uma mulher algo raro e portanto valorizado enquanto curiosidade por outro lado poder ter e ver a representação da mulher artista criada por ela própria Tratavase de reunir num único objecto a beleza da arte e a beleza da mulher artista a qual aludiam tantos dos textos renascentistas que a elas se referiram Em 1558 o famoso Aníbal Caro escreve ao pai de Sofonisba expri mindo o seu desejo de possuir la efigie di lei medesima per potere in un tempo mostrare due maraviglie insieme luna dellopera laltra della m a e t r a Este interesse por parte do observadorcomprador da obra assim como o próprio autoreconhecimento enquanto artistas por parte das mulheres que os produ ziam contribuíram para a profusão de autoretratos feitos por mulheres durante este período e posteriormente Em relação a algumas mulheres artistas só se conhecem mesmo os seus autoretratos porque dada a raridade do tema são mais facilmente identifi cáveis e pelas mesmas razões terão sido também mais preservados Assim o número de artistas mulheres que pintam o seu retrato e muitas fazemno várias vezes é proporcionalmente muito superior ao dos homens naquilo que pode 37 Orietta PINESSI Sofonisba Angrissoln p 45 38 Depois de citar os retratos que Sofonisba realiza de Isabel de Valois de Felipe I1 e do prín cipe Carlos BALDINUCCI acrescenta Moltissinii furono i ritratti siccome anche Ialtre pitture che Sofonisba fece in Ispagna che non sono a nostra notizia le quali rendevano ogni di più chiara la fama di lei non solo in quelle parti ma per 1Italia ancora Notizie dei Professori de1 Disegno vol 11 p 628 39 Filippo BALDINUCCI cita tanto a carta que Sofonisba Anguissola escreve ao Papa Pio IV como a resposta deste após ter recebido a encomenda Notizie dei Professori del Disegno vol 11 pp 628 629 40 BALDINUCCI refere esta ausêiicia de descrição da sua obra e procura colmatála descrevendo uma das suas mais conhecidas obras Lucia Minelva e Europa Anguissola a jogar xadrem 1555 hoje no museu de Narodowe em Poznan e citando uma carta de Aníbal Caro escrita pouco depois de a ter visitado em Cremona Or qui per siipplire a1 difetto comio diceva degli scrittori di que1 secolo che poco o nulla ci hanno lasciato di notizia di quante e quali fossero lopere che in questi tempi andava facendo qiiesta nobil fanciulla e quanto sandava ogni giorno avanzando la faina di lei per tutta Italia e fuori I Notizie de1 Professori de1 Disegno p 624 41 Carta de Aníbal Caro para Amílcar pai de Sofonisba Anguissola Parina 23 de Dezembro 1558 Citada por Filippo BALDINUCCI Votizie dei Professori de1 Disegno vol 11 p 625 ríamos considerar urna das raras vantagens em ser mulher artista nos séculos XVI ou XVII para usar a expressão qiie as Guerrilla Girls utilizarão na década de 1980 ironizando sobre a identidade da mulherartista4 Assim ao mesmo tempo que saciavam os interesses de tantos coleccionadores e estudiosos numa época em que os gabinetes de curiosidades se multiplicavam e famílias como os Medici constituíam a sua galeria de aiitoretratos de artistas3 as mulheres artistas afirmavamse como tal conscientes da sua excepcionalidade mas também conscientes da ausência de uma genealogia feminina que a s legiti masse Tinham que ser elas próprias a criar a sua repreentação Por vezes as mulheres artistas autorepresentavamse não no acto de pintar mas enquanto mulheres cultas e castas possuidoras dos melhores valores morais e culturais que uma mulher quinhentista poderia almejar Pensamos em dois autoretratosum de Sofonisba Anguissola e outro de Lavi nia Fontana 15521614 Tendo em conta que a primeira se tornou numa referência exemplar para as mulheres artistas que se seguiram pois nela encon travam a prova das possibilidades de se ser mulher e artista é provável que Fontana a tenha tido presente quando realizou dois dos seus muitos auto retratos4 Num deles de 1577 representase a tocar cravo símbolo de casti dade que já Anguissola usara niim dos seus autoretratos e muitas outras artistas Uma inscrição latina pintada na tela refere o uso metafórico do espelho como forma de conheciment interior enquanto um cavalete ao fundo 42 Anne Sutherland HARRIS e NOCHIIN Woineii Artists 15501800 Conclusions in blónieri Artists 15501950 p 42 43 Apesar de possuir várias obras de mulheres artistas o Museu dos Uffizi herdeiro das colecç6es de pintura dos h4edici apenas expõe aqiielas que fazeni parte cla sua galeria de auto retratos de wintores Mas como esta zona do museu não é acessível aos visitantes dos Uffizi só estando aberta ao público durante uiil breve período do ano e por uni preço esorbitante a obra de iniilheres artistas acaha por não ser visível Os catálogos postais e todo o nierchatdisirig do museii rcflectem esta política de reserva em relação à produção feminina 44 Existe um autoretrato de Sofonisba Angiiissola muito curioso precisamente por anular a coniponente auto do retrato Nele Sofonisba pintase a si própria não como retratista mas como retratada isto é pinta uin retrato do seti professor de pintura Bernardino Canpi a pintála a ela Neste processo ela parece anularse enquanto autora para assuniir o papel de niodelo enquanto atribui ao seti professor a função que na realidade é ela que protagoniza ao assinar o quadro Bernardino Canipi ritrae Soforaisba 1555 Pinacoteca Nazionale de Siena Sieila 45 No contexto de uina ContraReforma definidora da conjuntura ideológica eni qiie se insere a siia prática artística Lavinia Fontana refere nilina carta que Sofonisba Anguissola lhe servia de inspiração por ser uma artista cristã nÀo inencioiiarido porém o facto de ela ser iniilher in Vera FORTUNATI Lavinia Fontana a woman artist i11 the age of the counterreforination in Lnvinia Fontana of Bologna 15521614 Milão Washington Electa The National Museiim of Uomen in the Arts 1998 pp 1331 p 13 Ver também o catálogo da exposição qiie se realizou quatro anos antes em Itália Larirzia Fontaria 1552lG14 Vera FORTVNATI ed Milano Electa 1994 Bolonha Museo Civico Archeologico 1 de Outubro4 Dezembro 19941 46 Lavinia FKTAN Arrtoritratto a1 clavicenz bolo con dotiesticu 1577 Accadeniia Nazionale di San Liica Roma Sofonisba ANGUISSOL Aiitoritratto alla spirietta Museu de Capodimonte Nápoles Sofonisba Ascnrssow 4rttoritratto olla spirietta cori Ia faritesca Lord Spencei Collectiori Althorp Park Sobre o assunto ver Aiigela GHIRARDI Lavinia Fontaria allo spechio Pittrici e aiito ritratto nel secondo Cinqiecentoin FORTVNATI ed Lnririia Foiitaria 15521614 pp 3752 da sala onde se encontra a tocar o instrumento musical nos remete para a sua principal vocação Uma criada essa segunda mulher que costuma aparecer em segundo plano e que tantas vezes acompanha a protagonista das representações pictóricas seguralhe no livro onde se lêem as pautas Ao ser realizado como presente para o futuro sogro nas vésperas do seu casamento Lavinia apresenta se como uma mulher virtuosa em talentos e formação digna da mão do seu filho A representação de si própria como mulher ideal em cultura e educação não foi com certeza alheia a obra de Baldassare Castiglione 1528 que no seu I1 Cortegiano dedicou especial atenção à formação feminina e cujo sucesso na Europa de então marcou decisivamente o estatuto das mulheres aristocratas 48 A sua definição daquilo que devia ser a educação ideal de uma mulher não diferia substancialmente daquela destinada a um homem onde a música tocada ou cantada assim como a prática do desenho e da pintura ocupavam um lugar central Num outro autoretrato realizado dois anos após o anterior a cons trução da imagem de Lavinia Fontana enquanto mulher culta voltou a ser reforçada Comissariada por Alfonso Chacón teólogo dominicano escritor e coleccionador de retratos de figuras ilustres a miniatura oval pintada em cobre representa uma Lavinia Fontana num studio sentada a uma mesa e rodeada de pequenas esculturas e fragmentos escultóricos clássicos 49 Com uma pena na mão ladeada por papel branco a artista parece prestes a encetar um desenho dos objectos arqueológicos parando apenas para olhar para o observador Repre sentandose a ela própria como uma connoisseur de antiguidades Fontana obtém o duplo propósito de dar ao seu mecenas uma imagem de si mesma e uma referência ao facto de ele ser um homem culto Este exemplos remetemnos para duas das abordagens possíveis a prática artística feita por mulheres até ao século XX a dos espaços de aprendizagem ou de trabalho e a dos motivos escolhidos ambas frequentemente interligadas Como afirmou Virginia Woolf no seu A Room of Ones Own o talento e a criatividade não são suficientes É necessário que estejam reunidas uma série de condições as mais das vezes bastante prosaicas para que as irmãs de Shakespeare possam florescer Formação tempo dinheiro e espaçoconjunto de condições que dificilmente faziam parte da vida de uma mulher ocidental até ao século XX e que mesmo depois continuaram a limitar a actividade 47 Não conheço nenhuma análise da representação das criadas que na pintura acompanhani as suas senhoras mas é muito provável que exista De Artemisia a Mary Cassat ou a Paula Rego são inúmeros os exemplos de presença desta personagem que está lá sem estar que quase sempre acompanha num segundo plano o desenrolar de uma acção protagonizada por outra mulher Se por vezes surge no cumprimento das suas funções a criada da Olympia de Manet a entregarlhe as flores do amante muitas outras aparece num papel de cumplicidade com a sua ama a colaborar na deca pitação da cabeça de Holofernes em Artemisia ou Paula Rego ou como participante activa de um mundo feminino que se mantém I margem do masculino e por ele é desconhecido 48 Existem centenas de edições deste livro Baldassare CASTIGLIONE I1 libro dcl Cortcgiano Walter BARBERIS ed Turim Rinaudi 1998 49 Lavinia FONT4N4 Autorilratlo nello stcdio 1579 Galeria dos Uffizi Florença feminina No processo de redescoberta de percursos de mulheres artistas do passado a história da arte feminista temse concentrado na detecção e na análise dos vários tipos de obstáculos a criatividade artística feeiriinina no mundo ocidental Na maior parte dos casos esta perspectiva incidiu sobre factores exteriores como a falta de acesso ao ensino artístico ou aos caminhos de uma liberdade de escolha mas outros estudos como o de Germaine Greer concen traramse nas barreiras invisíveis e muitas vezes inconscientes que fizeram com que as mulheres interioiizassem a subalternização que lhes era adscrita socialmente A abordagem não cronológica desta última historiadora permite lhe sublinhar a permanência temporal das limitações menos evidentes de se ser mulher e simultaneamente artista Os espaços de criação artística Até ao século XVIII antes do desenvolvimento da vertente de ensino no interior das academias de arte a aprendizagem artística era levada a cabo em ateliers de artistas mais ou menos organizados numa conjuntura onde os laços familiares e as relações pessoais eram determinantes na formação Mesmo num período de redefinição do estatuto do artista em direcção a uma maior individualização a relação com o mestre ou os mestres era parte intrínseca do seu percurso Tendo em conta as limitações aos movimentos físicos das mulheres e a sua educação era necessária uma conjuntura muito favorável para que os seus eventuais talentos fossem identificados Assim não é por acaso que a maioria das mulheres artistas dos séculos XVI a XVIII como já foi referido sejam filhas de artistas ou como no caso de Sofonisba filhas de pais especial mente atentos à sua educaçiio O outro espaço propício a uma prática artística era o convento De facto a tipologia da freiraartista sobretudo nos países católicos europeus apresenta indícios de vitalidade desde o século X com iluministas e músicas como Hil degarda de Bingen e prolongase até ao século XVIII Tendo em conta que o analfabetismo feminino era generalizado os conventos funcionavam muitas vezes como o único espaço onde as mulheres podiam receber uma educação básica A tarefa de copiar manuscritos e por vezes decorálos fez com que a aprendizagem elementar do desenho e da pintura que será divulgada ao longo do século XVI pelo modelo educativo proposto por Castiglione esteja já presente em muitos conventos femininos durante o período medieva151 No entanto se um convento podia significar uma maior liberdade para uma mulher desen volver os talentos que as exigências familiares não permitiam ele era também 50 Geriiiaine GREER Tlze Obslacle Race The fortines of uoneri pointers alrd their rooi1 51 Ann Sutherland HARRIS Medieval Women Illuminators in HARRIS e NOCHLIN eds orlieli Altisls 15501950 p 18 considerado um espaço fechado pouco propício à criação Apesar da grande quantidade de artistasfreiras identificadas no sul da Europa até ao sé culo XVIII a falta de formação artística aliada ao isolamento em relação a um contexto artístico e ao mercado da arte influenciaram naturalmente a sua produção A propósito da obra da sua contemporânea Sor Plautilla Nelli 1523 158788 Vasari escreveu nelle quali mostra che arebbe fatto cose maravigliose se come fanno gli uomini avesse avuto commodo di studiare ed attendere a1 disegno e ritrarre cose vive e naturali Similmente i1 ver0 di ciò si dimostra in questo che nelle sue opere i volti e fatezze delle donne per averne veduto a suo piacimento sono assai migliori che le teste degli uomini non sono e più simili a1 vero 63 0ii seja se o convento proporcionava as mulheres artistas um espaço físico não lhes outorgava o espaço de liberdade favorável à criação não sendo por acaso que os múltiplos casos de mulheres artistas que se notabilizaram durante este período não tenham realizado a sua formação num convento Por outro lado mesmo que tenha havido casos de freiras artistas que experimentaram formas e temas inovadores a sua identificação foi sempre muito dificultada pelo próprio isolamento do convento Ainda no século XV Bolonha conhecerá o caso de Caterina Vigri 1413 1463 muitas vezes citado como o primeiro exemplo de uma genealogia de mulheres artistas que distinguirá a cidade italiana durante um longo período 54 Além de artista Caterina Vigri também se notabilizou como escritora e música 52 Ann Sutherland HARRIS The statiis and Educatioon of Women in Renaissance Iralyv in HARRIS e NOCHLIN eds IVonlen Artists 15501950 p 21 53 Madonna Properzia de Rossi Scultrice Bolognese Giorgio V4S41 Le Vite deliù eccelenti pittori scultori ed architettori scritte da Giorgio Vasari pittore aretino con nuove annotazioni e contnienti di Gaetano Milanesi vol V Firenze G C Sansoni 1880 p 80 54 A genealogia de mulheres artistas de Bolonha é logo construída no século XTII com a obra de Carlo Cesare MALVASIA no capítulo dedicado a Elisabetta Sirani Felsino Pittrice Vite dei Pittori Bolognesi introd e textos de hlarcella Brascaglia Bolonha Edizioni Alfa Bologna 1971 l edição Felsina Pittrice Vite de Pittori Bolognesi alla Maesta Christiartissima di Luigi XVIIZI Re di Finrlcia e di Navarra I1 Sempre Vittorioso consagrate dal Co Carlo Cesare Malvasia fra gelati lascoso 2 tomos Bolonha Per lerede di Domenico Barbieri 16781 Seguese o siiplemento realizado por Luigi Crespi Felsina Pittrice Vite de Pittori Bolognesi Tonto III che serve di supplemento allópera del Malvasia Bolonha Forni Editore 1970 Edição facsimilada de Felsina Pittrice Vite de Pittori Bolognesi Tomo Terzo alla maesta di Carlo Entanuele IIZ Re di Sardegna Roma nella stamperia di Marco Pagliarini 1769 Luigi Crespi refere as seguintes mulheres artistas Bolonhesas Giulia Bonaveri Caterina Canossa Angela Cantelli Cavazza Ginevra Cantofoli Lucia Casalini Torelli Teresa Coriolani Ersilia Creti Vincenzia Fabbri Francesca Fantoni Veronica Fontana Veronica Franchi Maria Oriana Galli Bibiena Camilla Lauteri Paris Maria Lazzari Eleonora hfonti Anna h4orandi Manzolini Teresa Muratori Elena Maria Panzachi Antonia Pinelli Bertusio Anna Sirani Barbara Sirani e Elisabetta Sirani No século XIX esta genealogia artística feminina é reforçada com outros livros especialmente dedicados às mulheres artistas ou intelectuais da cidade Gaetano GIORDANI Notizi delle donne inas realmente o que fez com que os seus talentos fossem descritos e a sua obra preservada foi o seu estatuto de santa Aquilo que ela produziu funcionou muito mais como relíquia do que como obra de aite Neste como noutros casos a iden tidade religiosa sobrepôsse a todas as outras canonizada em 1712 Santa Cata rina foi objecto do quadro de Marcantonio Franceschini poucos anos depois 1723 5 Aqui a sua faceta de pintora faz parte da construção da sua icono grafia como santaum anjo segura na tela onde surge o esboço de um menino Jesus da autoria de uma Santa Catarina vestida de freira a molhar um pincel na paleta Um século depois a sua sucessora na genealogia de mulheres artistas bolonhesas é Lavinia Fontana uma filha de artista como referimos que constrói uma carreira profissional de grande sucesso e produtividade além cle ter tido onze filhos Prospero Fontana detecta desde cedo o gran genio alla pittura demonstrado pela filha e em vez de a incentivar aos umili esercizi ai quali per 10 piu fino dagli anni più verdi vien condannato que1 sesso fez com que ela si desse agli studi de1 disegno ne quali fece tal profito che diventata eccellente pittrice ricca dapplausi e di nomej6 Aqui Baldinucci reconhece a importância da identificação precoce e da qualidade do ensino artístico no desenvolvimento de um talento Embora a sua obra também deva ser lida no contexto dos novos programas iconográficos sugeridos pela ContraReforma e a sua devoção religiosa também faça parte da sua prática artística Fontana nada tem a ver com o contexto conventual que simultaneamente possibilitou e coarctoii os talentos de tantas mulheres Os temas possíveis Indissociáveis dos espaços de criação eram as possibilidades de escolha dos motivos representados um tópico que tem sido muito desenvolvido nas aborda gens historiográficas às mulheres artistas deste período Num momento de profundas mudanças no estatuto do artista e da própria arte o ensino artístico passou a concentrarse no corpo humano no conhecimento escrito e visual da antiguidade clássica e finalmente nas leis da perspectiva e nos cálculos mate m á t i c o Estes princípios implicavam cada vez mais o acesso ao estudo do plltrici di Bologna Bolonha 1832 Carolina BONAFEDE Cenni biografici e ritratti di insigni donrie bolognesi Bolonha 1843 Methwen RAGG T l e Wontaii Artisls of Bologna Londres 1907 Malvasia é o principal responsável da consagração de Elisabeta Sirani denominandoa pintora heroína Seu amigo e protector Malvasia intercala o seti texto com u m inaniiscritodiário da própria pintora 55 ilngeia GHIRARDI Women artists of Bologiia The Selfportrait and the Legend from Caterina Vigri to Aniia Moraiidi h4anzolini 14131774 in Lovinia Fontnra of Bolognn 15521614 PP 32 17 p 3233 56 Lavinia Fontana Pittrice Bolognese in Filippo BALDINUCCI hrotizie dei Professo1i de Disegno vol 111 pp 369 A ARTE SEAI HISTORIAICLHERES ARTISTAS SÉCS k7rISTIII 229 nú assim como deslocações a outros centros artísticos e a locais como Roma onde a arqueologia revelava os vestígios da herança clássica central ao discurso visual e escrito da Renascença As limitações das mulheres em aceder a uma formação completa mesmo nos casos excepcionais em que cresciam num atelier familiar ou recebiam uma educação coartaramlhes a escolha daqueles temas onde por exemplo o estudo do corpo humano era mais premente Foi o que aconteceu pintura histórica e religiosa de grandes dimensões que não por acaso era a mais valorizada Assim e apesar das surpreendentes excepções as limi tações no acesso a múltiplos espaços de ateliers onde se estudava o nú mascu lino a viagens culturais ou à pintura de frescos nas capelas de igrejas corresponderam a uma maior concentração feminina em géneros como o retrato a pintura religiosa de pequeno formato ou já no século XVII a naturezamorta Em meados do século XVII Baglione expõe indirectamente esta dicotomia de génerosapresenta Lavinia Fontana a única mulher que refere na sua obra como uma exímia retratista mas realça que uma coisa é pintar um retrato e uma outra bem distinta é representar a figura humana em grande escala como o exigia a pintura de altares o que Fontana não realizava com a mesma perfeição 58 Já em 1370 no seu De Claris Mrlieribus Giovanni Boccaccio escrevera sobre mais de 100 mulheres notáveis da Antiguidade entre as quais algumas artistas59 Apesar de considerar que a arte era algo alheio à mente de uma mulher e que o talento necessário para a prática artística era muito raro entre elas recomendou às artistas que se dedicassem sobretudo a retratar outras mulheres e a retrataremse a si próprias60 É necessário ter em conta que no interior das hierarquias de géneros artísticos o retrato ocupava um lugar inferior em relação por exemplo à pintura religiosa ou de história A sua reco 57 Alberti elabora um programa de educação artística que será central a partir de finais do séciilo XV e durante o século XVI Leon Battista ALBERTI Della Pittira ed crítica de Liiigi Mallè Firenze G C Sansoni Stampa 1950 58 Verme ella a Roma e nel rassomigliare i volti altrui qui fece gran profitto e ritrasse Ia maggior parte delle dame di Roma e especialmente le Signore Principesse anche molti Signori Principi e Cardinali onde gran fama e credito ne acquistò e per essere una donna in questa sorte di pittura assai bene si portava Pelo contrário em relação ao altar que lhe foi encomendado para a Igreja Romana de S Paolo fuori di muri Bagnoli denuncia a incapacidade de Lavinia em dominar este género de pintura ben egli è vero che per esser le figure maggiori de1 naturale si confuse e si felicemente come pensava non riuscille poiche è gran differenza da quadro ordinario a machine di quella grandezza che spaventano ogni gran ingegno In Vita di Lavinia Fontana Pittrice Giovanni BAGLIONE Le Vite de Pittori scultori et architetti Da1 Porttificato di Gregorio XIII fino a tatto que110 dUrbano VIII Roma 1649 1 ed1642 Ristampa arricchita dellIndice degli oggetti dei luoghi e dei nomi a cura di C Gradara Pesci Velletri 1924 s1 Arnaldo Forni Editore 1975 Col Italica Gens Repertori di biobibliografia italiana no 77 Ristampa Anastatica pp 143 144 59 Giovanni Bocccco Fantous Women trad e edição de Virginia Brown Florença Harvard University Press The I Tatti Renaissance Library 2001 60 Ann Sutherland HARRIS The Status and Education of Women in Renaissance Italy in Harris e Nochlin eds Monien Artists 15501950 pp 2223 27 mendação não só remetia as mulheres para um espaço privado alheio a um contexto artístico mais alargado como as definia enquanto objecto privilegiado de si próprias Musas de si mesmas o espaço da arte no feminino via assim as suas fronteiras codificadas reproduzindo os outros limites sociais e culturais que faziam parte do facto de se ser mulher Lavinia Fontana e sobretudo Sofonisba Anguissola poderiam ser exemplificativas desta tendência para o retrato no feminino tendência esta que era reforçada como vimos pelas próprias condicionantes das encomendas de mecenas que interessados em possuírem o seu retrato pintado por uma mulher ou o autoretrato da própria artista favo reciam esta especialização As muitas excepções não foram suficientes para impedir a criação do estereótipo de que as mulheres só se dedicavam ao retrato e mais tarde também às naturezas mortas A força desta chave de leitura da arte feminina fez com que por exemplo Filippo Baldinucci que até se mostrou especialmente aberto às possibilidades artísticas das mulheres como o demons tram vários dos seus textos escrevesse que Artemisia Gentileschi era conhecida sobretudo pelos seus retratos e naturezasmortas jl Ora um rápido olhar sobre a sua obra é suficiente para nos apercebermos que estes dois géneros estão especialmente ausentes das escolhas pictóricas de Artemisia embora não o estejam nos conceitos construídos a priori com que Baldinucci lê a obra de uma mulher j2 Artemisia apresentanos uma subversão acrescida se é certo que as mulhe res têm um lugar de destaque nas suas escolhas temáticas como que obedecendo à recomendação de Boccaccio estas são mulheres muito distantes dos signifi cantes adscritos à mulher daquele período Como afirma Mary D Garrard olhar para a obra de Gentileschi segundo uma perspectiva de género implica reconhecer o desvio da artista a uma norma retórica na sua reinvenção das personagens femininas assim como ter consciência dos riscos em impor a Arte misia expectativas estereotipadas de género 63 A artista bolonhesa Elisabetta Sirani 16381665 que apesar da sua morte prematura tem uma obra extre mamente prolixa também envereda por vários temas onde não imperam nem as 61 Mary D GARRARD Artemisia Gentileschi around 1622 p 6 Questa che aveva imparata larte da1 padre si diede prima a far ritratti de quali fece moltissimi in Roma Ebbe costei un altro bel talento che fu di ritrarre a1 naturale rnaravigliosamente ogni sorte di frutti in Filippo BALDIVCCI Notizie de Professori de1 disegno vol 111 pp 713 714 Por outro lado Filippo Baldinucci escreveu ma io che so che non solo non é cosa impossibile nè anche cosa punto nuova che un ben coltivato ingegno duna femmina si renda in ogni facoltà maraviglioso ogniqualvolta tolto da quelle umili applicazioni alle quali per 10 più vien condennato que1 sesso egli sia posto nella sua libertà applicato a buoni studi vol 11 p 619 J á citado por Angela GHIRARDI Women artists of Bologna the selfpoitrait and the legend from Caterina Vigri to Anna Morandi Manzolini 14131774 in Lavinia Fontana of Bologna p 47 62 Algo de semelhante se passa com Josefa de Obidos que tendo pintado muitos outros géneros é conhecida sobretudo pelas suas naturezas mortas mais associadas a um mundo feminino do que os temas religiosos e históricos ou a pintura de frescos e m Igrejas 63 Mary D GARRARD Artenzisia Gentileschi arourid 1622 p 6 i ARTE SEM HISTORIALIULHERES ARTISTAS SECS XVIXIII 231 naturezas mortas nem os retratos Como acontecera com Artemisia Sirani reco rreu a uma iconografia de mulheres da antiguidade que se distinguiram pelo seu carácter forte ou afirmativoG A escolha temática destas femmes fortes do passado demonstra por um lado a erudição textual de ambas as artistas seiscentistas assim como uma escolha consciente de personagens femininas que fugiram à norma e com as quais se pudessem identificar G5 Mas se o retrato e o autoretrato podem ser considerados géneros caracte rísticos das mulheres artistas até ao século XVIII o mesmo não se pode dizer em relação à escolha de femmes fortes De facto embora proporcionalmente as mulheres artistas pintem mais retratos de mulheres do que os seus congéneres masculinos GG não parece ter havido uma tendência para a escolha de uma icono grafia feminina feminista como acontece nos casos de Artemisia ou Sirani Esta última também se destaca no seu trabalho de gravurista uma arte pra ticada por muitas mulheres artistas a partir do século XVIG7 Malvasia é o principal responsável da consagração de Elisabeta Sirani denominandoa pintora heroína Seu amigo e protector não deixa contudo de sublinhar como a pintora tendo nascido mulher nada tinha de afeminadoGs No norte da Europa não se encontra a mesma relação entre mulheres artistas e retrato existe sim sobretudo para o século XVII um grande número de mulheres dedicadas à pintura de naturezasmortas G9 De formato reduzido sem necessidade de um conhecimento profundo do corpo humano e com a possi bilidade de ser realizado no interior do espaço doméstico este tema adaptavase bem às condições de vida feminina sem ameaçar as expectativas da feminili 64 Jadranka Bentini e Vera Fortunati eds Elisabetta Sirarii Pittrici Eroina 16381665 Bologna Editrice Compositori 2004 Catálogo de Exposição Bologna Museo Civico Archeologico 4 Dez 200427 Fevereiro 20051 65 Uma das femnzes fortes mais comuns na iconografia da época nomeadamente entre os cara vaggisti é a Judite que degola o Holofernes o tirano assírio que oprime Israel e a tenta violar Outros exemplos na obra de Elisabetta Sirani poderiam ser a Lucrezia mulher de u m nobre romano que é violada por u m tirano e se envolve politicamente no processo de instituição da República Romana acabando por se suicidar ou a Timoclea que atira para u m poço o capitão de Alexandre Magno que a violara as suas Sibilas e sobretudo o original tratamento iconográfico que a pintora bolonhesa dá a sua Porzia que surge a ferirse na perna para demonstrar ao marido que possuía a coragem para assumir a escolha política que levaria à derrota de César Esta obra hoje e m Houston na Stephen Warren Miles e Marylin Ross Miles Foundation foi exposta pela primeira vez publicamente na exposição de Los Angeles Wonien Artists 15501 950 66 Anne Sutherland HARRIS Women Artists 15501800 conclusions in HARRIS e NOCHLIN eds Wornen Artists 15501950 p 41 67 Algumas foram apenas gravuristas outras como Sirani fizeram da gravura umas das suas expressões artísticas ao lado do desenho do óleo e da águaforte Ver o curioso catálogo de mulheres gravuristas na colecção do Museu de Bassano e m Itália Donne Artiste nelle collezioni de1 Miseo di Bassano Catálogo organizado por Comitato 8 Março Bassano Museo Civico di Bassano de1 Grappa Catálogo de Exposição Palazzo Agostinelli 15 Março6 Abril 19861 68 MALVASIA Felsina Pittrice Vite dei Pittori Bolognesi p 609 69 Como já referimos a ausência de uma tradição históricobiográfica equivalente a italiana faz com que se saiba menos sobre a vida e os percursos das mulheres artistas no norte da Europa dadeiO Também por estas razões a natureza morta era um género pictórico menos valorizado pelas hierarquias artísticas que privilegiavam a pintura de história ou de grandes dimensões que exigisse um domínio do corpo humano Clara Peeters 1594depois de 1657 por exemplo notabilizouse com a siia pintura de flores intercaladas com objectos de gabinetes de curiosidades tão ao gosto coleccionista da época7 É necessário ter em conta no entanto que este não é um género feminino como por vezes foi descrito posteriormente e que são muitos os homens que se destacaram na pintura de flores ou de comida Um pouco por toda a Europa as mulheres também conieçaram a estar presentes no encontro entre a arte e a ciência No desenho de história natural destacamos o trabalho de Maria Sybilla Merian 16471717 que sendo colec cionadora de espécimes de história natural produziu inúmeras naturezas mortas científicas 7 As expedições e investigações científicas que a levaram ao Suriname colónia holandesa eram inseparáveis do seu trabalho de desenho de plantas e insectos arte que ensinou a sua única filha Algum tempo depois encontramos um outro exemplo de uma mulher a produzir uma outra forma de arte científica que fundindo a escultura com a medicina criava modelos anatómicos em cera 73 Anna Morandi Manzolini frequentemente incluída na genealogia de mulheres artistas bolonhesas casase com um especialista em esculturas de cera para uso da medicina e logo se notabiliza nesta arte muito popular na Itália do século XVII17 As suas mãos hiperrealistas a mostrar as diferenças musculares entre uma mão em repouso e outra em tensão conse guem revelar uma teatralidade do gesto sem renegar a sua utilidade cien tífica A sua vasta produção escultórica de fragmentos anatómicos revelando o exterior do corpo ou o seu interior expondo aquilo que os olhos não vêm culmina com um autoretrat em cera que se poderia considerar um dos mais ciiriosos 70 Alguns exemplos para os séculos SVII e SVIII Fede Galizia Loiise Moillon Clara Peeters Maria Van Oosteruyck Rachel Ruysch Maria Sibylla Merian e tlnne VallayerCoster Catheririe Duchemin Genevieve e Madeleine de Boulogne Seria pertinente comparar as naturezasmortas de Josefa de Óbidos com a produção artística das suas congéneres francesas oii do norte da Eiiropa 71 Clara Peteers é a responsável indirecta pela colecção que se veio a transformar no National Miiseum of Women in the Arts em Washingtoii Quando o casal de coleccionadores frilhelmina e Wallace Holladay descobriu o seti trabalho numa viagem à Europa nos anos 60 verificou como era difícil encontrar inforniação sobre Clara Peeters ou sobre qualquer outra artista iiiitllier Como resultado desta constatação começaram a coleccionar obras de arte feitas por miilheres Naiicy G Heller ed Monlen Artists kVorks fronl Lhe National Museini of Monel in the Arts Nova Iorqiie Rizzoli 2000 p 14 72 Natalie Zemon DAVIS Iornen on tlie Margins Three Seventeenth Centicrj Lives Cainbridge Mass Hnrvard University Press 1995 73 São inúmeras as colecções seteceiltistas italianas de ceras anatómicas coiistituírlas para uso da medicina Além da colecção iiiiversitária Bolonhesa do Palazzo Poggi onde se encontra a obra de Manzolini poderíamos referir o Museu Florentino La Specola que tendo nascido no contesto do ensino universitário da anatomia no século XVIII hoje continua ligado à universidade dp Florença 74 Angela GHIRARDI Woinen artists of Bologna tlie selfportrait and the legend from Caterina Vigri to rlnna Morandi Manzolini 14131774 Laoirria Fontarla of Bologna pp 4547 exemplos de autorepresentação artística 75 Morandi esculpese a si própria no acto de abrir um cérebro humano com o seu bisturi provavelmente para explicar os mistérios da anatomia cerebral aos seus alunos da Universidade de Bolonha Simultaneamente ela identificase como sendo tanto a mulher de ciência como a artista que se reproduz a si própria de forma hiperrealista Só a cera utili zando as possibilidades quer da pintura quer da escultura conseguia alcançar esta verosimilhança para a qual depois contribuíam outros adereços como o uso de tecido para criar o vestido que cobria a carnação ou mesmo a implantação de cabelo verdadeiro Além de se esculpir a si própria Morandi também esculpe o seu marido companheiro nesta mesma arte mas curiosamente não o repre senta com as marcas da profissão Ele é apenas um homem ela é uma mulher mas é também ela quem tem a faca e neste caso o cérebro na mão Poderíamos comparar este autoretrato com tantos outros nos quais as mulheres artistas se representam no gesto de pintar ou pelo menos com os adereços da arte Contudo Morandi não se apresenta a esculpir umas das suas muitas mãos e fetos nem mesmo o interior de um cérebro humano Apresenta se sim no labor de anatomista que imbuída do saber sobre o corpo o transmite aos seus alunos de uma forma prática e visual mostrandolhes um cérebro verdadeiro Os observadores do autoretrato de Morandi não podem deixar de ocupar o espaço dos aprendizes da arte e da ciência que ela dominavaestão simultaneamente a assistir a uma representação da dissecação de um cérebro verdadeiro realizada por Morandi e a observar a reprodução material do cérebro em cera que também era o ofício da mesma pessoa Num só gesto o cerébro funciona como objecto e como representação do objecto enquanto Morandi se apresenta tanto no papel de anatomista com o objecto como no de artista com a reprodução do objecto num jogo de representações que poderia ser comparado ao que Velazquez também realizou 75 Este autoretrato de Morandi deve ser visto no contexto de uma tradição de máscaras biistos e retratos em cera que se desenvolveu desde a antiguidade e que teve uma grande visibilidade em determinadas zonas geográficas e em determinados períodos Com raras excepções a história da arte não se tem debruçado sobre estes objectos talvez porque as suas categorias tradicionais privilegiando certos materiais e formas de representação não consideraram a cera como um rnate ria1 artístico Ver o estudo pioneiro de Julius von SCHLOSSER Histoire du portrait en cire pósfacio de Thomas Medicus trad do alemão de Édouard Pommier Paris Macula 1997 Em Portugal existe notícia da portuense Maria Josefa Angélica que também no século XVIII se dedicava à escul tura de retratos em cera in Aline Gallash HALL Pintura na Vertente do Fenzicino e o Século XVIZI Português trabalho realizado para o Seminário de História da Arte do Prof Doutor Vitor Serrão 1999Instituto de História da ArteFaculdade de LetrasUniversidade de Lisboa trabalho policopiado p 56 Os paradoxos do caso português Josefa de Óbidos 4 o mais paradigmático dos exemplos de mulheres artistas na Peninsula Ibérica do século XVII A classificação historiográfica portuguesa de Josefa de Óbidos como pintora nacional que privilegia o seu lado paterno e o lugar onde viveu durante grande parte da sua vida nem sempre é aquele escolhido em livros anglosaxónicos onde por vezes aparece como artista espa nhola enfatizando assim o seu lado materno e a cidade de Sevilha onde nasceu e fez a sua primeira formação artística No catálogo da exposição Women Artists 15501950 de 1976 por exemplo que naturalmente influenciou muitas das sucessivas genealogias de mulheres artistas Josefa de Óbidos ocupa apenas uma pequena nota no capítulo dedicado a pintoras de naturezas mortas dos séculos XVII e XVIII Spains only 17th century female painter should a t least be mentioned here namely Josefa dóbidos ca 16301684 for she is a t her best as a stilllife painter see the monograph on her by Luís ReisSantos Lisbon ca 1955 one work is repr by Mitchell no 267 Thoiigh born in Seville she spent most of her life in Portugal Her work is uneven and some of it is unde niably provincial 76 Germaine Greer no seu clássico An Obstacle Race publicado em 1979 também refere Josefa dóbidos além de reproduzir uma das suas obras naquela que terá sido uma das primeiras referências a artista para os leitores anglosa xónicos Like Louise Moillon the Spanishborn stilllife painter Josefa de Obidos painting long after Zurbarán returned to superseded decorative values of pure colour and line Her father was the Portuguese painter Balthasar Gomes Figueira who returned to his homeland with his family after Josefa had learned painting in Spain She is principally known as a painter of portraits and religious subjects and was a member of the Academia of Lisbon with the name Evora Her stilllife painting is represented by a basket of flowers in the Espirito Santo collection in Cascais and a pair of paintings in the MuseuBiblio teca a t Santarem Her experience as a professional painter makes her style of stilllife painting even more interesting her choice of a stylised manner would seem to be deliberate 77 Em 1991 o historiador da arte Vitor Serrão organizou a primeira grande exposição e catálogo sobre a pintora continuando posteriormente a darlhe um especial destaque noutras publicações e exposições sobre arte barroca em P r t u g a l Mais recentemente o National Museum for Women in the Arts 76 Anne Sutherland HARRIS Wornen STILLlife painters of the Sevcnteenth and Eighteenth Centuries in HARRIS e NOCHLIN eds Wonzen Artists 15501950 p 35 Nota 1181 75 Germaine GREER The Obstacle Race pp 235 236 Em nota Luis ReisSantos Josefa dobidos p 3501 58 Vitor SERRÃO Josefa de 4yala pintora oic o elogio da inoc6ncia Lisboa IPPC 1991 Catá logo da Exposição Josefa de Obidos e otenipo barrocoGaleria do Rei D LiiísPalácio Nacional da Ajirda Vitor SERRO ed Josefo de Obidos e o lernpo Barroco Lisboa Printe 1993 acolheu uma grande exposição individual sobre a sua obra publicando o respec tivo catálogo em língua inglesa 7 Esta exposição também organizada por Vitor Serrão e com o apoio de várias entidades e instituições portuguesas poderia ser comparada com a exposição que o mesmo museu dedicou à obra de Lavinia Fontana pois ambas as mostras contribuíram para divulgar entre um público norteamericano duas artistas locais na medida em que pouco conhecidas para lá das fronteiras nacionais no caso de Lavinia Fontana o local significa mais Bolonha do que Itália dada a especificidade do caso bolonhês no interior do contexto italiano Ainda mais recentemente uma outra exposição também organizada por Vitor Serrão veio dar a conhecer o trabalho de Josefa de Obidos em França e em Itália De facto Rouge et Or Trésors du Portugal Baroque mostra que foi inaugurada no pequeno mas fascinante museu parisiense JacquemartAndré e depois foi transferida num formato algo distinto para o Museu Capitolino de Roma traduziuse em grande medida numa exposição de pintura de Josefa de ÓbidossO Curiosamente apesar do lugar central ocupado por Josefa de Óbidos no interior da historiografia da arte portuguesa a perspectiva de género tem estado ausente dass sua abordagens 81 As perguntas que são feitas à sua personalidade e à sua obra não usam a sua identidade feminina como uma das vertentes de análise o que pode parecer algo contraditório quando pensamos na relativa excepcionalidade de uma mulher artista no Portugal de seiscentos Conside ramos assim que muitas das questões que têm sido colocadas aos casos de outras mulheres artistas noutros contextos cronológicos e geográficos poderiam ser aplicadas ao caso de Josefa de Óbidos Tal não significa que faça sentido comparar a sua obra com a das artistas suas contemporâneas até porque como afirma Vitor Serrão uma artista que passou grande parte da sua vida num Convento em Coimbra e na vila de Óbidos não pode ser explicada artisticamente através de comparações internacionais que correm o risco de cair numa artifi cialidade o que não quer dizer que ela não tenha sido influenciada por imagens vindas do exterior nomeadamente através da gravura como refere Vitor Serrão e como analisa Luís de Moura Sobral s2 Pensamos no entanto que faz sentido 79 The Sacred and the Profane Josefa de Óbidos of Portugal Washington DC The National Museum of Women in the Arts Ministério da Cultura Gabinete de Relações Internacionais 1997 80 Rouge et Or Trésors d u Portugal Baroque Paris Catálogo de Exposição Musée Jacquemart André25 de Setembro 200125 Fevereiro 20021 81 Talvez não seja por acaso que uma das raras abordagens de género ensaiadas sobre Josefa de Óbidos provenha de u m não português Edward J Sullivan no catálogo de uma exposição sobre arte portuguesa para iim público EstadoUnidense Edward J SULLIVAN Josefa de Óbidos and Portu guese Spirituality i n the Age of the Baroque Crowning Glory Intages of the Virgir in the Arts o Portugal Newark New Jerseg The Newark Museiirn Ministério da Cultura Gabinete das Relações Internacionais 1997 Newark Catálogo de Exposição Newark RiIuseum pp 6373 82 Vito SERRAO The painter Josefa de Ayala A Tribute to Innocence Luís de Moiira SOBRAL Josefa de Obidos and Her Use of Prints Probleins of Style and Iconography in The Sacred and tlie profane Josefa de Obidos of Portugal pp 1531 pp 24 25 pp 3761 realizar um exercício de comparação com outros casos de mulheres artistas euro peias não para encontrar semelhanças artísticas mas sim para reflectir sobre a forma como a sua identidade feminina afectou ou definiu os seus percursos artísticos e a percepção da sua obra Se pensarmos nas questões que têm sido colocadas por uma historiografia atenta a questões de género a artistas como Artemisia Gentileschi Lavinia Fontana ou Sofonisba Anguissola verificamos como muitas delas se poderiam colocar tambéin em relação a Josefa de Ayala Ela é filha de um artista Baltasar Gomes Figueira neta por parte da mãe espanhola de um amador e coleccionador de pintura e afilhada de Francisco Herrera enquadrandose assim na tipologia persistente de mulheres artistas que foram criadas num ambiente familiar artístico Por outro lado Josefa de Óbidos também é educada num convento o que coloca a questão da educação artística no espaço religioso que deu lugar ao fenómeno das artistasfreiras Saindo do convento não para casar mas para ir para Óbidos onde passará grande parte da sua vida Josefa de Óbidos levará a existência pacata e religiosa de uma mulher independente económica e afectivamente que conheceu o contexto adequado para se dedicar a pintura Citando Virginia Woolf mais uma vez poderíamos afirmar que a pintora tinha o seu quarto as condições que lhe permitiam ter tempo disponibilidade dinheiro e espaço para se dedicar à prática da sua criatividade Muitos dos textos que se escreveram sobre a artista ainda no século XVII dedicaram uma grande atenção a aspectos da sua vida privada dando destaque à sua vivência casta e espiritual Ora como vimos a propósito de mulheres artistas desde o Renascimcnto tem sido frequentemente idcntificada uma tendência para valorizar a sua vida e as suas qualidades morais mais do que a obra Por outro lado poderia questionarse se o facto de Josefa de Óbidos ser considerada sobretudo uma autora de naturezas mortas de doces conventuais e flores quando a sua obra ultrapassa em muito este género não estará tambéin relacionado com a percepção da sua identidade feminina Como também já apontou Edward J Sullivan algumas das suas obras mesmo as naturezas mortas contrariam os adjectivos de doçura inocência e domestici dade espiritual que normalmente lhe são atribuído Ou numa outra perspectiva será que como afirma Vitor Serrão a sua obra e o seu nome não terão beneficiado precisamente da percepção da sua excep cionalidade levando até a um esquecimento da obra de seu pai 8 W ainda por outras palavras será que parte da mitificação da artista não se deve precisa 83 Referese a uin quadro datado de 1676naturezamorta com fruta carne e ave que repre senta entranhas dos animais de forma crua Edward J SULLIVAN Josefa de Óbidos and Portuguese Spiritualitg in the Age of the Baroque Croiiring G1ory Irizages o the Virgin in the 4rts of Por tugal p 69 84 Vitor SERRO The painter Josefa de Ajala A Tribute to Innocence pp 1531 p 16 Na primeira parte do seu artigo Vitor Serrão faz uma interessante análise da historiografia sobre a artista desde o século XVII um tipo de abordagem que em muito favorece a compreensão da cons trução histórica de um artista mente ao facto de ela ser mulher Se assim for então esta é uma percepção que a história da arte deve estudar sem com isso pretender repor uma verdade que voltaria a colocar a artista no seu devido lugar das hierarquias qualitativas que sustentam a disciplina Mas reconhecer que o facto de Josefa de Óbidos ter sido mulher poderá ter contribuído para despertar a curiosidade dos seus contemporâneos e um sucessivo interesse histórico não deverá levar a uma negação do factor de género como instrumento de análise Ou seja não deverá servir para contrapor ao factor género uma avaliação supostamente objectiva e imparcial do seu valor histórico Até porque numa inversão quase caricatural se assim fosse a história da arte teria que reavaliar a obra de milhares de artistas homens consagrados que se tivessem sido mulheres não teriam o lugar que a história lhes atribuiu E poderíamos acrescentar outras duas questões se como vimos anteriormente no século XVII o facto de uma artista ser mulher ainda poderia contribuir para a construção da sua fama quando o seu número começou a aumentar isto deixou de acontecer Do mesmo modo o facto que no caso de Josefa de Óbidos ser mulher poderá ter sido um benefício não significa que para muitas outras mulheres artistas portuguesas ou melhor para a sua grande maioria ser mulher não possa ter tido precisamente o efeito contrário O nome de Josefa de Óbidos quando colocado ao lado de exemplos como o de Maria Helena Vieira da Silva ou de Paula Rego sugerenos alguns dos para doxos do caso português Por um lado poderíamos afirmar que elas são oslas artistas portugueses mais conhecidos internacionalmente pensamos em termos de exposições fora de Portugal presença em colecções internacionais e em museus estrangeiros ou livros não portugueses que as referem Por outro lado exceptuando os escritos mais recentes sobre Paula Rego o facto de serem todas mulheres tem sido uma nãoquestão nas abordagens historiográficas nacionais dos seus percursos Uma resposta imediata e inocente a esta contestação seria a de afirmar que a sua identidade de mulheres não afecta ou influencia a sua identidade de artistas e até que a ausência de uma perspectiva historiográfica 85 Quando analisamos o interessante trabalho de Aline Gallasch Hall sobre mulheres artistas portuguesas do século XVIII ficamos surpreendidas com a quantidade de nomes desconhecidos Se tivermos em conta a sua quantidade por um lado e por outro a quase total ausência de obra identificada e de escritos sobre verificamos que ser mulher não contribuiu para que fossem objecto de maior curiosidade ou valorização Pelo contrário poderíamos até sugerir que este conjunto de nomes sem obra e sem história exernplifica bem o problema com o qual se têm deparado tantas historiadoras da arte a tentar escrever um texto pleno de ausências e silênciosde obras que não forani catalogadas nem restauradas de vidas que não forma biografadas de artistas cujo esqueci mento no passado marca inevitavelmente o esquecimento no futuro Como é visível neste elenco a existência da grande maioria das mulheres artistas portii guesas do século XVIII é meramente textual não sendo possível nomear um exemplar do seu trabalho nos casos raros em que existe obra em colecções miiseológicas esta é na sua grande maioria remetida para as resen7asas resen7as do 1Liuseu Nacional de Arte Antiga do Museu Machado de Castro ou do Museu Soares dos Reis Ver Aline Gallash HALL Pirtura na Vertente do Feminino e o S k c l o XVIZZ Português pp 4187 feminista na crítica da arte e na história da arte portuguesas apenas confir maria o facto de esta não ser necessária nem pertinente Outra reacção ainda relacionaria este tipo de abordagem com um olhar demasiado específico que estaria agora na moda e portanto devia ser ignorado por uma abordagem profunda sólida e alheia a essas digressões marginais à tradição historiográfica Assim Josefa de Óbidos Vieira da Silva ou Paula Rego tendem a não ser consi deradas mulheres artistas entendendo isso cono uma classificação derro gatória mas sim artistas sujeitas a critérios de qualidade e mérito que se consideram independentes do género e que são aqueles que devem reger o mundo a parte ocupado pela esfera da arte Por outras palavras a especifici dade do caso português surgenos aparentemente como muito distinta para não dizer diametralmente oposta Aquilo que acontece noutros lugares Enquanto em quase todos os países a existência de mulheres artistas mesmo para um passado recente se deve frequentemente a um processo de escavaçáo arqueoló gica no caso português aparentemente estas escavações não são necessárias porque o critério da qualidade não discriminaria as mulheresa6 86 Curiosamente e num processo também inverso à norma quem necessitaria de ser escavado são os pais e maridos das artistas conhecidas também eles artistas mas remetidos para aquela soinbra que tem sido apanágio historiográfico das mulheres Pensamos por exeinplo em Baltazar Gomes Figueira pai de Josefa de Óbidos ou Arpad Szenes marido de Vieira da Silva Iiidependen temente do seu valor artístico argumento tantas vezes invocado pela história da arte para deter minar quem se encontra entre os seus anais é inegável que estes nomes nasculinos são menos conhecidos do que os das mulheres com quem partilharam a sua vida criativa Assistimos recen temente a i i n exemplo de escavação do elemento esquecido no masculino no fim de 2004 Vitor Serrão organizou uma esposiçio e piiblicoii um catálogo sobre Baltasar Gomes Figueira o pai de Josefa de Óbidos em que propõe uma rcavaliação das obras quer do pai quer da filha O inevi tável recurso à comparação que preside à avaliação de um casal de artistas ou neste caso de dois artistas unidos por laços familiares muito próximos invariavelmente estabelece uma hierarquia entre influência e influenciado entre melhor artista e pior artista Num curioso processo para lelo àquele que teni sido realizado por uma historiografia da arte feminista o historiador da arte encontra na obra do pai aquilo qije a filha depois teria desenvolvido de forma menos consc guida O lugar atribuído a Josefa de Obidos na historiografia da arte portuguesa teria assim deter minado a ausência de interesse pelo trabalho do seu pai situação que entretanto esta exposição teria vindo colmatar São infindáveis os casos de casais em que dedicandose ambos à prática artística apenas um deles ficoti para a história como se um dos elementos apagasse a criatividatle do outro num processo irreversível que espelharia a sua ausência na construção historiográfica Invariavelinente a parte masculina tendia a ficar para a história enquanto o eleniento feminino se submergiria sob as múltiplas formas que a história tem de eliminar o seu objecto Apenas Ihes restaria aguardar a chegada de um olhar feminista à abordagem da história da arte mais atento aos silêncios às ausências e aos nãoassuntos E este olhar que empreende uma escavação e descobre as F r i d a s Kahlon da arte que a projecção dos Diegos Riveras havia remetido para segundo plano São inúmeros os casos de recuperação historiográfica do elemento feminino do casal e se na maioria esta recuperação ainda não esteja integrada no cânone em casos mais excepcionais como precisamente o da Frida Kahlo dáse um processo de iconização ein que o outro elemento do casal passa a ser remetido para segundo plano Assim a arte de Diego Kivera os seus niurais com temas sociais foram como que derolvidos a um contexto político mexicano enquanto Frida Iahlo sem deixar de sei uin símbolo da inexicanidade e sem deixar de ser politizada passou no entanto a integrar a galeria Consideramos que o denominado critério da qualidade artística é aquele que deve começar por ser sujeito a uma crítica Não por acaso é também aquele que é mais frequentemente invocado como resposta à ausência de mulheres na arte Por um lado é assumido como prioritário por críticos de arte júris de prémios artísticos directores de museus e galerias historiadores da arte ou curadores por outro lado é aceite e reiterado pelo público de museus e galerias de arte por estudantes de história da arte ou belas artes ou por leitores de críticas de arte ou livros sobre arte Ou seja a qualidade é evocada como critério primeiro quer por aqueles que o determinam quer por aqueles que observam o resultado das suas escolhas Assim a evocação de critérios de qualidade nas escolhas de artistas para exposições bienais prémios artigos livros colóquios ou programas de ensino secundário e universitário aparentemente dessexualiza os artistas e a arte Ora se um breve exercício de estatística comprova que o número de artistas mulheres do passado mas também do presente a serem escolhidas ainda é substancialmente menor ao dos seus congéneres mas culinos a primeira conclusão poderia ser a de que os homens são muito melhores artistas do que as mulheres e portanto só eles atingem esse grau de qualidade necessário para serem escolhidos e as mulheres que o fazem continuariam então a ser excepções Se esta resposta foi usada vezes sem conta até um período relati vamente recente hoje dificilmente alguém a poderia endossar Assim talvez a mais frequente das razões contemporâneas invocadas para justificar este desequilíbrio por aqueles que determinam quem está presente nos espaços de construção da arte mas também por aqueles que os observam das raríssimas vezes em que em Portugal se julga necessário fazêlo é de que não existem tantas mulheres artistas Assim a menor visibilidade ou a total ausência de mulheres artistasvejase a programação de exposições dos nossos principais museus os programas dos nossos cursos universitários de história da arte as escolhas para as bienais internacionais 87 OU as colecções de monogra fias de artistas das nossas e d i t r a s é justificada pelo argumento de que da arte que transcende fronteiras locais e que merece ocupar as paredes do MoMa as monografias da Taschen ou os filmes hollywoodescos que têm contribuído para a iconizaçáo popular de artistas como Picassso Vermeer Pollock V a n Gogh ou mais recentemente Klimt e Modigliani Whitney Cliadwick e Isabelle de Courtivron eds Significant Others creatiuity intinlatepartnership Nova Iorque Thames and Hudson 1993 Valeria Palumbo Prestanzi i1 volto Donne oltre i1 ritratto colecção LAltra Meti dellArte Milão Selene Edizioni 2003 87 Pela primeira vez a representação portuguesa na Bienal de Veneza de 2005 é feminina quer a curadora Isabel Carlos quer a única artista escolhida Helena Almeida são mulheres Este facto contrasta drasticamente com o passado das representações nacionais que eu analiso no artigo 49 Bienal de Veneza Os artistas os espectadores o espectáculo Arte Ibérica n 47 Junho 2001 PP 3641 88 Recentemente e numa iniciativa louvável a editora Caminho associouse ao Jornal de Letras para distribuir a u m preço convidativo uma nova colecção de monografias de artistas portugueses 42 destacados protagonistas da época numa colecção absolutamente inédita e m Portugal como existem menos mulheres artistas Ou melhor em Portugal esta invisibilidade feminina no supostamente progressista mundo da arte na maior parte das vezes nem chega a ser justificada porque não existe uma consciência crítica que peça justificações que faça perguntas que questione um desequilíbrio que por vezes se torna gritante Assim esta resposta de que existem menos mulheres artistas tendo em vista a enorme quantidade de mulheres a traba lharem como artistas também começa a soar desconfortavelnente desa dequada No entanto dada a ausência em Portugal de uma consciência femi nista generalizada e dada a persistência de um contexto academicamente acrítico em relação às escolhas de quem escolhe estes desequilíbrios repro duzemse incólumes Se fossem realmente os tão invocados critérios de qualidade a imperar então teríamos muitíssimos mais nomes de mulheres artistas a ocupar quer os vários palcos da cena contemporânea quer mesmo os cenários construídos pela história Mas fazêlo não é suficiente Uma história da arte consciente além de decidir aquilo que tem qualidade deve analisar os processos que atribuem qualidade É necessário pensamos ter em conta que além da qualidade são inúmeros os outros critérios que estão presentes nos processos de selecção que determinam a representatividade artística E estes por muito que se tenda a isolar o mundo da arte de outras esferas estão surpreendentemente próximos daqueles que presidem As escolhas no mundo empresarial no mundo político partidário ou no religioso A comparação do mundo religioso com o campo artístico tornase especialmente pertinente quando temos em conta que ambos se defendem das denúncias face a uma prática de discriminação feminina mais ou menos assumida evocando a sua pertença a uma outra esfera que não a da sociedade civil Assim o divino ou a arte ao estarem para lá das vicissitudes da sociedade onde se movem questões de equidade justiça democracia ou direitos humanos legitimam os critérios das suas excliisões tanto como das suas inclusões De acordo com esta apologia de uma divisão entre a esfera artís tica e as outras esferas a arte ocuparia um lugar diferente onde como é tantas vezes invocado as questões de género seriam completamente alheias Além de confundir criação artística ou seja a obra de arte com os múltiplos processos que levam a sua identificação e classificação como tal esta posição inviabiliza mesmo que inconscientemente uma denúncia das múltiplas formas com que o mundo da arte de museus e galerias de arte a professores de história da arte e críticos continua a discriminar a arte das mulheres por serem mulheies Enquanto aqueles que definem o que é qualidade artística através das suas escolhas não forem conscientes de que qualidade 6 um critério determinando anuncia o texto publicitário Mas num aspecto a colecção nada tem de inéditoapenas 3 mulheres em 42 artistas é que sáo consideradas dignas de traçar os caminhos da arte Portuguesa do século XX As escolhas dos artistas são de facto representativas do nosso panorama artístico ou seja náo represctani as mulheres artistas 4 ARTE S E I HISTRIAIULHERE ARTISTAS SÉCS XVISIII 241 por significantes mutáveis historicamente onde também se podem encontrar preconceitos de género a qualidade continuará a ser usada acriticamente para justificar a ausência de mulheres Uma outra resposta muito comum por parte de críticos de arte conserva dores ou historiadores é a de que essa é uma não questão e que as suas escolhas não são afectadas por diferenças de género mas apenas por aquilo que consi deram merecedor Esta postura que aparentemente seria a ideal não pode servir como pretexto para a negação da questão em si Ou seja não é pelo facto de eu que tenho o poder da escolha não discriminar uma mulher artista por ela ser mulher mas apenas por ela ser uma má artista que me devo alhear da tomada de consciência de que estas discriminações são reais Mais existem inúmeros exemplos de textos que descobrem casos de mulheres artistas desco nhecidas ou que escrevem sobre aquelas que já existem historiograficamente sem fazer uso do material por vezes riquíssimo que têm em mãos Assim a história da arte portuguesa quando refere ou estuda uma mulher artista tende a optar por dois caminhos ou por ignorar totalmente ou quase o facto de ela ser mulher ou o de o reconhecêlo mas acrescentando uma justificação ou melhor quase uma desculpa para o fazer Tal como as mulheres artistas que não gostam de se apresentar como mulheres temendo que isso afecte a percepção do seu trabalho de um modo negativo há muitas mulheres historiadoras da arte que se distanciam de uma perspectiva feminista com medo de serem rotuladas de historiadoras da arte feministas com todo o peso negativo que o senso comum atribui à palavra e que o mundo académico também tende a desclassificar Subjacente a esta distanciação de uma perspectiva de género aplicada à história da arte está muitas vezes também o medo de algumas mulheres em serem acusadas de se estarem a vitimizar ou a contribuir para a vitimização do seu objecto Ou até o medo quase inconsciente de encarnar os adjectivos que tantas vezes nos últimos dois séculos têm sido aplicados às feministas ou sufragistasagres sivaso frustradas zangadas masculinas etc Assim incorrer numa abor dagem feminista pode significar um risco de marginalidade em relação à comunidade científica para a qual se escreve Em suma em Portugal a historiografia da arte crítica da arte e museologia caracterizamse pela ignorância generalizada em relação a uma abordagem do género No entanto cremos que na maior parte dos casos este caminho não é tomado como uma escolha consciente de quem conhece os outros caminhos analíticos que pode escolher optando por não o fazer por deles discordar mas devido a uma falta de informação e formação sobre uma perspectiva de género Esta falta de formação na área de estudos feministas e estudos de género não se restringe à história ou à história da arte sendo antes uma característica de todo o ensino português No entanto e ao contrário daquilo que tem acontecido em Portugal com a antropologia ou a literatura por exemplo disciplinas que têm demonstrado ser mais permeáveis em relação Aquilo que tem sido feito nas áreas referidas a história e a história da arte em Portugal têm resistido estoicamente Importa questionarmonos sobre os porquês desta resistência e ao mesmo tempo trabalhar sobre dois aspectos por um lado lendo conhecendo e discutindo aquilo que tem sido escrito sobre história da arte feminista e sobre mulheres artistas nos últimos 30 anos e por outro lado procurando que a arte sem história das artistas portuguesas passe também a ser história da arte