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DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 1 DE 33 OS CONTRARREVOLUCIONÁRI OS DE 1817 E SUAS APROPRI AÇÕES DA HISTÓRIA Este artigo tem por objeto as apropriações da história feitas pelos que se opuseram à Revolução Pernambucana de 1817 Parte das diferentes noções de história e dos tipos de ex periências históricas então correntes no mundo lusobrasileiro para analisar os personagens fatos períodos etc da história profana e sagra da apropriados pelos contrarrevolucionários ou realistas em suas análises sobre a Revolução de 1817 Identifica uma linguagem conceitos pro cedimentos analíticos e até mesmo princípios claramente inspirada pelas Luzes e ao mesmo tempo uma defesa da monarquia de Bragança calcadas nas ideias de fidelidade à realeza e de honra dos vassalos Palavraschave Pernambuco 1817 Con trarrevolução Apropriações históricas Noções de História Estratégias políticas RESUMO The counterrevolutionaries of 1817 and their appropriations of history The dangers of Revolutions Luiz Carlos VILLALTA Universidade Federal de Minas Gerais UFMG luizvillaltagmailcom The subject of this article is the appropriations of the history made by those who were against the Pernambuco Revolution of 1817 at that time called counterrevolutionaries or royal ists Firstly It examines the different notions of history and the historical experiences types used in Brazil and Portugal around 1817 In a second part it analyzes the characters facts periods etc of the profane and sacred history appropriated by the counterrevolutionaries or realists in their reports about the Revolution of 1817 It identifies a language concepts ana lytical procedures and even principles clearly inspired by the Enlightenment and also based on the defense of the Royal Bragança dinasty using the ideas of fidelity to royalty and the vas sals honor Keywords Pernambuco 1817 Counterrevolu tion Historical appropriations History Notions Political strategies ABSTRACT DOI httpdxdoiorg1015901980436920170000000028 Os perigos das Revoluções DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 2 DE 33 A os 6 de março de 1817 há duzentos anos eclodiu a Revolução Pernambucana de 1817 que como bem avaliou Denis Bernardes foi a mais ousada e radical tentativa de enfrentamento até então vivida pela monarquia portuguesa em toda sua história BERNARDES 2001 p 163 Apropriações da história pregressa figuraram nos impressos e proclamações do Governo Provisório instituído com a Revolução Pernambu cana bem como em documentos similares dos realistas servindo portanto a propósitos políticos antagônicos Neste texto determeei unicamente na análise das apropriações da história feitas pelos contrarrevolucionários Esclareço que não é o meu propósito dis cutir se o movimento foi ou não revolucionário A opção pelo uso de revolução fiase na tradição ao mesmo tempo que considera a ousadia característica do movimento e a surpresa que ele causou nos contemporâneos em Pernambuco na Corte na Europa e nas Américas As noções de História nos idos de 1817 entre processo e narrativa exemplar Em português a palavra História colavase à ideia de relato O Vocabulário Portuguez Latino de Raphael Bluteau editado pela primeira vez em 1712 registra no verbete histó ria ao lado da origem grega do termo que ele significaria mais particularmente narração de cousas memoráveis que têm acontecido em algum lugar em certo tempo com cer tas pessoas ou nações destacando ainda que de todas as Histórias a mais certa é a da Sagrada Bíblia BLUTEAU 1716 v 3 p 3940 O Diccionário da Lingua Portugueza 1789 de Antônio de Morais Silva que seria convidado em 1817 para integrar o Conselho de Estado instituído pela Revolução de Pernambuco da qual se mostrou opositor consa grava significado similar porém secularizandoo Narração de sucessos civis militares ou políticos SILVA 1789 v 2 p 116 Portanto entre 1712 e 1789 malgrado a secularização do termo e sua desvinculação em relação à história sagrada em português ele permane ceu ligado à ideia de narrativa não se definindo a partir dos acontecimentos das ações cometidas ou sofridas Aproximadamente em 1750 conforme Reinhart Koselleck em língua alemã o termo historie relato cedeu espaço para Geschichte originalmente o acontecimento em si ou respectivamente uma série de ações cometidas ou sofridas termo que vinha havia algum tempo também designando relato KOSELLECK 2006 p 50 Mais ou menos até a mesma época além disso predominava certa indistinção entre passado presente e futuro de tal sorte que se estabelecia uma identidade entre passado e futuro situação que seria claramente superada apenas no início do século XIX KOSELLECK 2006 p 2224 A alu dida indistinção acompanhavase de uma expectativa referente ao fim do mundo que era aguardado ficando o homem numa situação de passividade cabendo a Deus a ação KO SELLECK 2006 p 2425 Até o século XVIII segundo Koselleck ademais difundiase um topos cujas origens remetem a Cícero o da Historia magistra vitae história mestra da vida concepção segundo a qual a história tinha um papel pedagógico deixandonos livres para repetir sucessos do passado em vez de incorrer no presente nos erros antigos KOSEL OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 3 DE 33 LECK 2006 p 42 Logo a própria ideia de repetição pressupunha uma identidade entre passado e presente sendo isto a base para o caráter pedagógico da narrativa histórica Com a Revolução Francesa contudo uma nova perspectiva se imporia consagrando o homem como construtor de sua própria história e neste sentido de um novo tempo de um futuro dourado de felicidade e liberdade o que era preconizado por Robespierre por exemplo KOSELLECK 2006 p 25 Essa transformação de perspectiva foi preparada ao longo de séculos envolvendo um adiamento do fim do mundo e mais do que isto ainda nos horizontes da política absolutista uma modificação na ideia de futuro que antes pro fetizado tornouse prognosticável o futuro ainda deixavase contemplar no presente as previsões cristãs eram mantidas mas a história assumia um caráter estatístico KOSELLECK 2006 p 3435 No pensamento das Luzes ao lado da razão1 a ideia de progresso tinha um lugar cen tral ambas conferindo grande autonomia intelectual ao homem Imanuel Kant em 1784 consideraria essa autonomia intelectual como a essência das Luzes Ao responder à ques tão O que são as Luzes Aufklärung tomouas como a saída do homem do estado de tutela do qual ele mesmo é o responsável e inversamente o estado de tutela como a incapacidade do homem de se servir de seu entendimento sem a condução de outrem KANT 2006 p 4351 Em congruência com essa perspectiva ele postulava o uso livre da razão pública por indivíduos privados na qualidade de sábios e eruditos como membros da sociedade civil universal e não no exercício dos deveres específicos de seus cargos2 Portanto para Kant as Luzes corresponderiam à audácia de pensar livremente à liberdade de combater os preconceitos à coragem de servir ao seu próprio entendimento COT TRET 1998 p 78 comportando assim uma alteração no estado presente do homem Logo razão e história traziam implícita e necessariamente a ideia de progresso Segundo Monique Cottret a interpretação da supracitada resposta de Kant ao que seriam as Luzes não estaria correta na medida em que em alemão Aufklärung é singular o que dá uma co notação de um único processo de um encaminhamento na direção de uma claridade Por causa disso muitos autores propuseram traduzir aquela pergunta de Kant por o que é o progresso das Luzes progresso este que na perspectiva das Luzes francesas se opunha ao obscurantismo clerical COTTRET 1998 p 8 A discussão sobre a história como narrativa era anterior a Kant e às Luzes no geral Ela punha em foco questões como sua relação com a verdade a moral e a retórica bem como os métodos de sua produção Na passagem do século XVII para o XVIII segundo Anthony Grafton circulava a ideia de que a história como campo do conhecimento sujeitavase à arrumação GRAFTON 2007 p 24 Havia então por um lado pouca confiança em relação à história considerandose o passado como algo impossível de ser captado algo sempre falso e àqueles que pretendiam conhecêlo senão como mentirosos ao menos como vítimas de enganos Por outro lado os próprios historiadores ainda que tivessem muitos desacordos compartilhavam das ideias segundo as quais a história era uma es DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 4 DE 33 cola moral um tribunal soberano um teatro para os bons princípios um cadafalso para os maus HAZARD 1994 p 38 Na obra Ars Critica publicada em 1697 com efeito Jean Le Clerc critica o historiador romano Quintus Curtius Russus dos começos do período Imperial por subordinar a história à retórica em detrimento da veracidade cuidava do que se pode chamar arrumação Le Clerc pelo contrário defendia que o trabalho da histó ria exigia o exame das fontes delas se tomando o que fosse crível e se reproduzindo as informações sob a forma de prosa sem inclusão de qualquer ideia ou fala que conviesse para uma melhor arrumação GRAFTON 2007 p 24 e 1112 Ele renunciava portanto ao decoro prescrito pela retórica à adequação necessária das falas e ações às situações e aos atores particulares às especificidades de sua condição social e pessoal enfim à sujeição às prescrições ditadas pelos retores Montesquieu Voltaire e Condorcet entre os pensadores das Luzes podem ser desta cados na discussão sobre a história Montesquieu em Do Espírito das Leis obra e autor muito citados em livros e na imprensa pelos atores políticos lusobrasileiros do século XIX mostrouse interessado em identificar regularidades leis com base no exame de fatos concretos o que lhe permitiu construir tipos ideais que remetem mais ao que deveria ser do que propriamente ao que se encontrava na realidade empírica fazendo o pensador aqui e acolá menções a exemplos que fugiam dos tipos por ele construídos além disso manifestou a crença de que a história como processo marcharia para o estabelecimento de uma ordem que seria comparável em rigor e segurança às leis naturais MONTESQUIEU 1748 2005 CASSIRER 1993 p 235240 Voltaire preocupavase em identificar o espírito das épocas o espírito das nações interessandose pela marcha da cultura e pela íntima conexão de seus elementos fixan dose no gênero humano como sujeito e no objetivo de identificar leis valendose do exame do turbilhão dos fenômenos crendo na ideia de progresso CASSIRER 1993 p 24244 Voltaire em seu Tratado sobre a Tolerância 1763 com fina sensibilidade foi ca paz de exprimir essa nova perspectiva da história corporificada pelas Luzes assentada na ideia de progresso e por conseguinte na possibilidade de inauguração de um tempo em que não se perpetuassem os traços do passado nomeadamente a superstição É claro que não logrou prognosticar a conjuntura revolucionária que estava por se iniciar embora deixasse elementos para se presumir que intuía que estava por acontecer uma convulsão política Num dos textos do referido livro Voltaire analisa a utilidade de manter os povos na superstição e para tanto ele diferencia esta última e a religião Ao mesmo tempo afirma certos pressupostos e identifica as transformações mentais que se operavam na França às vésperas da Revolução Francesa Voltaire por um lado pressupunha implicitamente que a história das sociedades possuía certa analogia com os processos biológicos de maturação definhamento morteputrefação e geração de nova vida e por outro entendia que a reli gião era uma necessidade para o homem tendo em vista que sendo este fraco e perverso precisava de um freio que o contivesse Assim as leis puniriam os crimes conhecidos en quanto a religião faria o mesmo em relação aos crimes secretos VOLTAIRE 2008 p 104 OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 5 DE 33 Esquisse dun tableau historique des progrès de lesprit humain Esboço para um qua dro histórico do progresso do espírito humano obra publicada em 1794 após a morte de Condorcet é considerada o testamento das Luzes e uma síntese da filosofia destas últimas conforme afirma JeanPierre Schandeler 2016 endossando a avaliação da críti ca filosófica e histórica Tratase de uma obra como seu título sugere que faz um relato do progresso humano contra todo tipo de tiranias de imposturas políticas e religiosas demarcando nove períodos e concebendo como ponto culminante de avanço o século XVIII Compartilhando a ideia de que o homem é indefinidamente perfectível compreende que o futuro comporta possibilidades de progressos que não dependem senão da vontade política isto é da capacidade de luta do corpo político e assim a obra distanciase de todo traço messiânico SCHANDELER 2016 p 2 Se Condorcet como Voltaire cria no progresso ao mesmo tempo entendia que o devir histórico não afetaria o espírito que os costumes diferentes corresponderiam a uma superfície sob a qual se encontraria uma unidade dada pela natureza CASSIRER 1993 p 2442453 Condorcet ao que parece foi uma referência em Pernambuco em 1817 sendo muito lido por dois dos revolucionários o padre João Ribeiro e o padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro o padre Miguelinho ANDRADE 2012 p 20 147 e 255256 Montesquieu como se verá mais à frente foi citado por um contrarrevolucionário Segundo Hayden White os pensadores das Luzes objetivavam realizar uma análise his tórica assentada na identificação de nexos causais nos processos históricos e destaquese afastada das mentiras uma história que desse lugar apenas à verdade Ao mesmo tem po eles criticavam a sociedade à luz de um ideal que era moral e valorativo com o que se estabeleceu uma tensão entre os meios da representação histórica e o fim para o qual ela deveria contribuir resultando numa posição que era notória e militantemente irônica WHITE 1992 p 6263 De meados do século XVIII aos inícios do século XIX como se depreende de todo esse quadro que sei ser lacunar deixando de lado vários autores e obras importantes a ideia de história transformouse marcandose pela passagem de uma concepção cen trada num relato de caráter pedagógico moldado segundo doutrinas coevas e prisioneiro de uma compreensão de um tempo quase imutável no qual Deus figurava como o grande protagonista para uma concepção de curso de acontecimentos de processo que dava ao homem o protagonismo e ao futuro uma feição de novidade de liberdade de claridade de progresso Assim abandonavase a ideia de permanência do passado no presente e no futuro Podese supor que com isso se abria a possibilidade para críticas às narrativas às histórias que tinham um fim moral educativo seja porque o futuro distinto que se antevia não dava margem para repetições seja porque tais narrativas se opunham ao que se en tendia como progresso claridade Todavia isso não se deu de maneira tão linear e frontal Valdei Lopes Araújo 2011 em estudo sobre a permanência da expressão historia ma gistra vitae no século XIX brasileiro dá inúmeras contribuições para se pensar sobre as con DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 6 DE 33 cepções de história no período que de modo muito simplificado podem ser condensadas em três campos primeiramente a comparação feita entre os tipos antigo e moderno de experiência histórica sistematizando as reflexões de Koselleck em segundo lugar a identificação de dois usos da expressão historia magistra vitae no período em questão como topos e como um simples lugar comum e ainda de dois empregos de sentidos diferentes da expressão pelos historiadores em seguida a distinção entre tipos de registro histórico entre uma história dos especialistas produzida pelas universidades na Europa e pelos Institutos no Brasil e a história ensinada nas escolas eou divulgada para um público mais amplo de fins colados à difusão de modelos morais e políticos a serviço da constru ção da nacionalidade Quanto aos tipos de experiência histórica o antigo se caracteriza pelos seguintes traços um campo de experiência contínuo natureza humana estável estabilidade de valores exemplaridade repetição e imitação campo de experiência voltado para o futu ro valorização da proximidade temporal do historiadortestemunha coincidência entre a história e o seu relato historie aprender com a história é aplicar exemplos aprende se com a história nos livros tempo circular ou de evolução por etapas fechadas ciclos futuro previsível mas não planejável dialética entre virtude e fortuna o historiador e a história julgam conforme valores estáveis ARAÚJO 2011 p 132133 O tipo moderno por sua vez teria por traços campo de experiência descontínuo relatividade do huma no relatividade de valores singularidade novidade e formação campo de experiência voltado para o futuro esvaziamento da história do presente e valorização da distância temporal crescente complexificação das condições da história sua constante reescrita aprender com a história é avaliar a conjuntura e aumentar a previsibilidade do futuro a história em si é um processo formativo tempo linear e progressivo futuro imprevisível mas planejável dialética entre sentido histórico e ação histórica e por fim o historiador compreende exibe os contornos gerais o próprio processo julga ARAÚJO 2011 p 132 133 Segundo Araújo porém foi entre as décadas de 1820 e 1830 que no Brasil abriuse de forma definitiva uma experiência moderna do tempo o que não se fez sem instabilidade conceitual e ambiguidades ARAÚJO 2011 p 136 Da leitura desses traços é possível depreender com facilidade que os ilustrados e como poderemos constatar a seguir também contrarrevolucionários de 1817 apresen tam traços preponderantemente modernos a saber a concepção de tempo como algo linear e progressivo uma experiência voltada para o futuro concebido como imprevisível mas planejável um entendimento de que aprender com a história implica analisar as con junturas a relação dialética entre o sentido e o agir na história uma certa relatividade do humano e de valores sem que se rompa com uma compreensão de que há uma nature za humana universal Os contrarrevolucionários entretanto não abandonam de todo os traços antigos reafirmandoos em alguns casos menos por crença e mais por estratégia de defesa da ordem natureza humana estável estabilidade de valores exemplarida de repetição e imitação e aprender com a história é aplicar exemplos Esses últimos OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 7 DE 33 elementos e mais ainda o recurso persistente à fórmula historia magistra vitae sinalizam que as transformações entre o antigo e o moderno e ainda os modos como elas se deram entre ilustrados e sobretudo entre os contrarrevolucionários de 1817 do que só se poderá ter uma ideia mais precisa apenas ao final deste trabalho não foram isentos de ambiguidades e instabilidades conceituais Os usos da expressão historia magistra vitae que permanece entre os modernos são indicativos dessas ambiguidades e instabilidades O próprio Araújo registra que uma coisa é o emprego feito em obediência à tópica e aos preceitos ditados pela retórica na realidade anterior à emergência dos Estados nacionais outra seria quando esta última realidade estava estabelecida e ainda quando o pensamento sistemáticodedutivo a observação e a exploração da natureza encontravamse dinamizados situação que se constrói progres sivamente no Brasil desde fins do século XVIII ARAÚJO 2011 p 134 Sob essa condição a expressão historia magistra vitae se tornou um simples lugar comum ou como o autor define com mais precisão um protocolo elemento que se fazia presente num contexto de incorporação da cultura clássica sem ter efetividade nos textos sendo objeto de uma apropriação que arruinava sua coerência ARAÚJO 2011 p 140 grifos nossos O autor além disso fala de um uso estrito da expressão historia magistra vitae que pressupõe que a história ensina pelo exemplo e pela imitação e outro lato como indicador de uma his tória cujo propósito é ensinar e moralizar ARAÚJO 2011 p 137 Disso derivaria que a historia magistra vitae seria aquela destinada para a educação em geral não servindo para os especialistas ARAÚJO 2011 p 139 No caso dos contrarrevolucionários de 1817 posso adiantar a natureza necessariamente estratégicopolítica dos usos da história que tornava dispensável qualquer rigor de especialistas era perfeitamente ajustável à história mestra da vida isto é da história como fonte de exemplos para a imitação no presente sem eliminarse uma compreensão da história como um processo Todas essas transformações levam à necessidade de se pensar que havia uma cliva gem entre os produtores de história propriamente ditos e os leigos que a empregavam isto é grosso modo entre historiadores e leitores Conforme João Luís Lisboa em trabalho pioneiro referente ao papel da história entre os leitores do século XVIII e cujas constatações são válidas para os inícios do século XIX lusobrasileiro a história é um motivo de interesse para as camadas dirigentes da sociedade pelo seu espaço pedagógico pela sua informação política e pela sedução de suas narrativas Tem um interesse acrescido se trouxer novidades em relação à história recente e ainda mais se essas novidades tiverem implicações no debate e na crítica política LISBOA 1993 p 8 O mesmo autor com acuidade registra que à época as noções de crítica e de ver dades modificavamse o que alimentava as expectativas em relação à História LISBOA 1993 p 8 Todas essas afirmações são parcialmente válidas em relação àqueles que foram con DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 8 DE 33 trarrevolucionários nos idos de 1817 Devese enfatizar que tais homens eram sobretudo leitores da História e nos textos que serão analisados não demonstram a menor preten são de produzir conhecimentos históricos ou de questionálos mas simplesmente de di vulgálos estrategicamente em suas ações históricas visando à construção de determina dos futuros vistos como possíveis e planejáveis sem ter qualquer caráter de fatalidade Os realistas esboçaram uma compreensão da história como um processo mas não deixaram de compartilhar da ideia de que ela era às vezes também mestra da vida Grosso modo esses realistas ao menos em alguns casos imbricaram a história profana à história sagrada e insistentemente brandiram os perigos que eram possíveis aos seus olhos no presente e no futuro Isso denota que para eles já inexistia aquela identidade concebida outrora en tre passado presente e futuro havendo aqui e acolá indícios de que a ideia de progresso como possibilidade não como certeza era por eles compartilhada a depender das ações dos sujeitos humanos por mais que a mão da Providência pudesse interferir através dos homens Apropriações da história pelos contrarrevolucionários Os contrarrevolucionários de 1817 em muitos casos fizeram escolhas comuns aos revolucionários em termos de personagens movimentos e processos Houve entre eles frequentemente convergências em termos dos períodos movimentos personagens e processos históricos escolhidos Embora se movessem geralmente por fins distintos esses sujeitos históricos por vezes recorreram a procedimentos similares em suas apropriações históricas Excepcionalmente até mesmo em termos de fins houve coincidências ainda que tais atores se diferenciassem num ponto essencial uns por terem aderido à Revolução de 1817 outros por serem seus antagonistas As noções de história subjacentes às apro priações dos contrarrevolucionários por vezes igualmente foram as mesmas que aquelas identificadas entre os revolucionários Em boa parte as convergências e similitudes origi naramse no fato de haver uma linguagem conceitos princípios e modos de argumentar que era comum tributária do pensamento das Luzes quanto aos aportes conceituais e problemas focalizados No geral da História Antiga os contrarrevolucionários tiraram os bons exemplos de personagens cujas condutas deveriam ser imitadas A Restauração Pernambucana foi igualmente a fonte de onde se extrairiam condutas exemplares a serem imitadas e que por isso em tudo contradiziam aquilo que fizeram os atores da Revolução de 1817 As Revoluções em geral com destaque para as Revoluções Francesa e a do Haiti traziam os resultados nefastos a serem evitados condenáveis ainda que embalados em belos prin cípios muitas vezes qualificados como enganadores das gentes e ameaçadores à ordem constituída A história pregressa do mundo lusobrasileiro Portugal e Brasil por seu turno também foi empregada de formas similares àquelas observadas em relação à História Anti ga às histórias das Revoluções e à história da Restauração nela se encontrariam exemplos a serem imitados ou pelo contrário situações de perigo ou ainda transformações a serem OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 9 DE 33 consideradas no seu devido alcance A História enfim servia para fazer com que os con trarrevolucionários pensassem sobre o momento em que viviam seus desafios as próprias inserções que nele tinham e é claro sobre o futuro que almejavam Para os contrarrevo lucionários fosse como narrativa fosse como processo a História era algo essencial a ser considerado na luta pela conservação da ordem monárquica O governador deposto de Pernambuco e suas apropriações e representações históricas Caetano Pinto de Miranda Montenegro o governador de Pernambuco deposto aos 06 de março de 1817 produziu uma Representação posteriormente à Revolução de 1817 e cuja data é anterior a 10 de agosto de 1817 quando se lhe deu despacho favorável em que faz uma solicitação e uma descrição muito interessante ilustrativa das apropriações e usos possíveis da História por um governador e de resto por um nobre de então No documento ele pede que lhe sejam remetidos papéis livros mapas objetos etc que se encontrariam em Pernambuco dando uma preciosa descrição de sua livraria Justifica seu pedido dizendo que o atendimento dele ajudavao a defenderse das acusações que lhe eram imputadas do que portanto inferese que os livros de História e além disso os livros manuscritos e papéis em geral teriam uma utilidade aos seus possuidores que pas sava pela defesa dos seus próprios interesses no caso defenderse de acusações4 Como se pode imaginar havia ali livros que se referiam ao exercício de sua função de governador e isso valia tanto em relação à sua passagem pelo governo de Mato Grosso quanto pelo de Pernambuco Sete livros de folhas que contêm o registro particular do seu Governo da Capitania de Mato Grosso sete livros que estavam na estante da sua livraria e Sete ou oito livros encadernados com capa de carneira que contêm o registro particular do Governo de Pernambuco Dois destes livros dos primeiros anos do dito Governo estavam na mesma livraria e os outros na Secretaria do Governo BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 A localização física diferenciada de parte desses livros alguns na estante de sua biblio teca e outros na Secretaria de Governo caso de parte dos livros relativos a Pernambuco explicase pelo uso que tinham no passado imediato de exercício da atividade de capitão general na última Capitania Para além da sua própria história como governador de duas capitanias Montenegro interessavase também por outros tipos de impresso tais como atlas mapas e livros de viagens referentes à circunscrição geográfica em que atuou ou a outras próximas ou mesmo distantes no espaço mas quem sabe convergentes com suas preocupações e interesses como homem das Luzes e de governador que era O curioso é que justamente um único desses materiais um mapa da América Meridional procedente dos EUA encontravase em local da maior intimidade do governador deposto o seu quar to de dormir DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 10 DE 33 O grande mapa geográfico da Capitania de Mato Grosso que estava na sobredita livraria dentro de um canudo de madeira Atlas de le Sage e uma Carta Inglesa da América Meridional dividida em várias peças assentadas em pano e dobrada dentro da sua caixa que estavam em um almario sic novo junto ao quarto em que dormia Viagem de Condamine pelo rio Amazonas à qual ajuntou o Coronel Engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra um dos da Partida das Demarcações estipuladas no Tratado Preliminar de 1777 um mapa em que corrigiu alguns erros do original o qual estava em uma das estantes da livraria BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 A Geografia e a História são saberes interligados não só por suas afinidades mas tam bém pelos usos que delas se fazem no exercício do poder Elas as Instruções e os Tratados firmados por autoridades governamentais com efeito contêm uma mesma possibilidade de utilização servem ao exercício do governo Por isso mesmo Montenegro queria ter de volta Todos os papéis que estavam nas gavetas da carteira em que escrevia na referida livraria a saber borrões de ofícios e despachos memórias mapas descrições Tratados entre Portugal e Espanha sobre limites dos seus domínios na América e alguns papéis mais sobre este mesmo objeto instruções dadas aos Governadores de Mato Grosso e as que deixou o ViceRei Marquês de Lavradio ao ViceRei Luís de Vasconcelos a descrição de História Natural feita pelo Naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira quando esteve em Mato Grosso BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 Livros e papéis similares aos anteriores aparecem na representação referida diferen ciandose deles todavia por serem certamente manuscritos mas versando sobre preocu pações essenciais da administração portuguesa da época pedras metais rendas e ainda a Colônia de Sacramento ou fornecendolhe balizas preciosas a saber um maço de conhecimentos passados à boca do Cofre Diamantino do rio Coxipó dos diamantes que ofereço gratuitamente à Real Fazenda O Índice das Ordens Reais da antiga Provedoria da Fazenda de Pernambuco feita por Francisco de Brito Bezerra Cavalcante de Albuquerque a Doação de Pernambuco a Duarte Coelho e o Foral dado à mesma Capitania o Mapa ou Relação dos Contratos e Rendas Reais daquela Capitania pelo Escrivão Deputado Maximiano Francisco Duarte junto a eles segundo sua lembrança estava outro manuscrito relativo à Colônia do Sacramento que pede seja também remetido BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 Montenegro além disso arrolava um outro agrupamento de papéis que compreendia livros alguns deles cartas e talvez textos administrativos e ainda manuscritos tudo indica apontamentos seus sobre cartas e comédias havendo referências a autores consagrados da cultura lusobrasileira tais como Alexandre de Gusmão e o padre Antônio Vieira Os livros impressos pareciam ter uso administrativo direto ao passo que os manuscritos Mon tenegro registra que foram empregados tendo em vista a linguagem do que se pode inferir que continham exemplos de boa escrita a serem por ele imitados Cortesão e gover nador que era Montenegro tinha de reunir informações úteis ao bom governo e também OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 11 DE 33 modelos de boa redação Quatro pequenos livros dois de oitavo e dois de quarto pequeno que contêm cartas e mais escritos de Alexandre de Gusmão alguns apontamentos sobre História e Legislação e outros sobre linguagem extraídos das Cartas do Padre Vieira e das Comédias de Jorge Ferreira de Vasconcelos BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 Cortesão nobre governador Caetano precisava ter conhecimentos de Leis e além disso de história da realeza lusitana O que seria do governo sem conhecimento de His tória daqueles que se consagravam às atividades de governo os reis e das Leis que as balizavam Significativamente Caetano solicitava prioridade no envio destes textos o que deveria se dar antes mesmo dos demais Além dos sobreditos manuscritos e papéis e enquanto não pode mandar vir tudo que lhe ficou naquela Capitania se ainda existir desejaria que lhe fosse remetida a coleção que tinha da Legislação Pátria a saber as Ordenações Afonsinas e Filipinas Assentos da Casa da Suplicação Leis dos Reinados do Senhor Dom José Primeiro da Senhora Dona Maria Primeira e de Sua Majestade que Deus guarde Sistema ou Coleção dos Regimentos Reais e dois tomos do Código Brasiliense Todos estes livros estavam na sua livraria e com eles estimaria viesse também a História Genealógica da Casa Real com os tomos das Provas BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 grifo nosso Ainda antes de receber seus papéis manuscritos livros mapas e atlas aos 15 de julho de 1817 Caetano Pinto de Miranda Montenegro em seu esforço repetido e continuado de justificar sua deposição para ele o pior dia de sua vida fora o 06 de março de 1817 elaborou um ofício dirigido ao Conde da Barca Nele o exgovernador desculpase explica a Revolução de 1817 aponta as razões pelas quais foi incapaz de reprimila regozijase pela Restauração Realista e analisa a conjuntura histórica em que se encontrava e por con seguinte empregaa em sua defesa É interessante notar que Montenegro exprime uma compreensão acerca da História que denota uma ideia de processo cujo desenrolar de pende das ações dos homens e que contém certos desfechos que ainda que maus além de não se poder deter convém sofrer para que o bem triunfe aliás bem e mal se alterna vam no curso dos fatos Em outras palavras homens malvados agiram em Pernambuco para fazer uma Revolução contra d João VI iludindo outros tantos com as falsas teorias de liberdade igualdade e independência que sacudiam a Europa e a América fazia trinta anos tendo articulações com outras capitanias e com o estrangeiro se ele Montenegro tivesse prendido aqueles homens não passaria pelos incômodos por que passara nem seria vítima de vagos juízos Está pois restaurada aquela importante Capitania e como os bens e os males se alternam neste mundo pareceme que da sua próxima passada revolução regulou um grande bem qual foi o desenvolvimento das seguintes verdades Primeira que havia alguns homens malvados que pretendiam subtrairse ao legítimo e suavíssimo império de ElRei Nosso Senhor e que acharam outros que os seguiram iludidos com falsas teorias de DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 12 DE 33 liberdade igualdade independência três palavras de prestígio e encantamento que de trinta anos para cá têm feito correr rios de sangue na Europa e na América Segunda que estes homens malvados tinham correspondências em outras Capitanias como provam as cartas que trazia o seu ímpio emissário o Padre José Inácio Roma interceptado e morto na Bahia Terceira que eles mesmos tinham também algumas relações externas como denota a chegada nesta mesma ocasião ao Brasil de algumas embarcações com armamentos petrechos e até cartuchos com pólvora e bala Se eu tivesse conseguido a prisão dos rebeldes não teria sofrido os incômodos que tenho tido nem me veria exposto aos vagos juízos dos homens que abundando em suas opiniões e sendo melhor ao longe que ao perto uns têm para si que eu podia prever a revolução outros que lhe podia ter obstado BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 Porém todos esses males identificados no curso dos fatos permitiriam que o bem triunfasse e neste ponto a história profana encontrava analogias com a história sagrada em que não há salvação sem pecado e desnudaria as verdades más retirandoas das cinzas Ou seja se Montenegro tivesse detido a Revolução Se assim tivesse acontecido ficariam ocultas e escondidas debaixo das cinzas dos traidores aquelas verdades as quais pela sua grande importância de profundíssimos desgostos me não têm alienado a razão me obrigam a dizer feliz a revolução de Pernambuco feliz a minha desgraça Não estranhe V Exa esta expressão porque também a nossa Santa Religião chama feliz o pecado por ser causa de vir um Deus remir os homens BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 Portanto deduzse a superação dos males da Revolução de Pernambuco assim como a dos pecados não seria possível sem sua explicitação a Restauração realista em suma requereria a ocorrência da Revolução assim como a Redenção do Homem o pecado Antes de 13 de outubro de 18205 já depois da Revolução do Porto ocorrida em agosto daquele ano Caetano Pinto de Miranda Montenegro sem que se possa dizer que tivesse conhecimento do movimento ao solicitar nova prorrogação de licença para habitar na Praia Grande atual Niterói deu nova interpretação à Revolução de Pernambuco Ao fazêlo ele apelou para uma causalidade histórica que escaparia do contingente e ao que parece retiraria de si mesmo a responsabilidade como governador pela eclosão do movimento A causalidade que ele invoca seriam as mesmas que muito teriam perturbado e ainda perturbariam o Antigo e o Novo Mundo tendo Leibniz em Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano obra publicada em 1804 previsto suas funestas influências que se arrastariam até aquele momento em que ele escrevia sua petição BIBLIOTECA NACIO NAL DO RIO DE JANEIRO 1830 Foge ao propósito deste artigo analisar a compreensão de Leibniz sobre a relação entre causalidade e necessidade certeza e necessidade verdade e necessidade6 Todavia cumpre reconhecer que Caetano identificava uma causalidade comum a fatos históricos ocorridos na Europa e na América desde fins do século XVIII até 1820 padecendo a Revolução de Pernambuco de 1817 em particular da mesma origem Ao apelar em 1820 para Leibniz filósofo que aborda as relações entre a liberdade humana e OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 13 DE 33 omnisciência divina assim como quando fizera em 1817 ao rememorar a história do peca do Caetano Pinto de Miranda Montenegro deixava claro que sua compreensão da história imbricava o sagrado e o profano Não era ele portanto tributário de uma noção de história totalmente laicizada ainda que fique claro que ele concebia a história como um processo e os homens como seus atores Deus assim seria o protagonista oculto sendo o Senhor dos desfechos dos processos humanos As Memórias Históricas da Revolução de Pernambuco escritas por um economista Memórias Históricas da Revolução de Pernambuco DOCUMENTOS HISTÓRICOS doravante DH 1955 v CVII p 230244 é outro documento contrarrevolucionário que contém apropriações da história bem como noções de história Tais apropriações e no ções guardam similitudes com as observadas entre os revolucionários e seus defensores Nas Memórias com efeito temse uma leitura claramente realista e ilustrada sobre o mo vimento de 1817 e apropriações históricas condizentes com esta perspectiva O autor tudo indica algum burocrata que se subentende tomarse como economista num trecho do documento menciona que providências relativas à escravatura deveriam ser sugeridas por outros economistas DH 1955 v CVII p 238 explica que identificar as causas das revoluções é tarefa difícil quando se está perto temporalmente do movimento Diziase segundo ele que a Revolução do Brasil era tramada fazia tempo que antes mesmo da vinda do Príncipe já se encadeavam algumas correspondências desse negócio hipótese que ele julga inverossímil DH 1955 v CVII p 230231 Ele se propõe a discutir essa ideia e afirma que a avaliação mais certa sobre o princípio da organização do movimento foi dada por seus cabeças José Luís de Mendonça e o Padre João Ribeiro já falecidos relembran do suas palavras Ora Graças a Deus trabalhamos há dez anos mas vencemos afinal DH 1955 v CVII p 232 Dizendo não ter documentos para tanto mas fiarse em depoimentos de anônimos ele levanta a suspeita de que da Corte por obra de pessoas com peso nas decisões lá tomadas tenham sido enviados homens afinados com a causa dos insurgentes para governar Pernambuco Paraíba e outras capitanias Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e Silva segundo suas fontes seria um desses homens DH 1955 v CVII p 232 Para explicar o movimento seu ponto de partida é as Revoluções da América inglesa da França e da América espanhola que influenciaram a Revolução do Brasil DH 1955 v CVII p 230231 Para além dessas influências porém na sua avaliação pesaram outros fatores As leituras dos livros corruptores a libertinagem e enfim o desleixamento venali dade e abandono da Justiça também cooperaram muito porém os motivos mais fortes foram os da corrupção novidade e imitação Portanto na análise do autor primeiramente atuaram leituras de livros corruptores a libertinagem e o desleixamento do que se depreende que para ele as leituras e os livros podem estar nas origens das revoluções o mesmo sendo possível dizerse quanto à autonomia ou intelectual ou religiosa ou política DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 14 DE 33 ou moral dos súditos autonomias estas implícitas isoladas ou somadas à noção então corrente de libertinagem e refratárias a qualquer regramento que não passasse pelo crivo da razão7 Em segundo lugar o autor detecta problemas relativos ao funcionamento da justiça atributo central dos governos sob o Antigo Regime venalidade e abandono Em terceiro mas de modo decisivo houve motivos os mais fortes da corrupção novidade e imitação DH 1955 v CVII p 231 do que se depreende que a ocorrência da Revolução requereria a existência de uma ordem corrompida ou corrupta e ainda a circulação de uma novidade passível de ser imitada Ao que parece procurando dar sustentação empírica aos motivos os mais fortes e tam bém aos problemas relativos à justiça venalidade e abandono o autor classifica como sofríveis os governos das capitanias do Rio de Janeiro e da Bahia enquanto atribui má conta de Pernambuco aos seus filhos DH 1955 v CVII p 231 Todavia os vícios dos pernam bucanos nasciam dos maus exemplos dados por governadores e ouvidores sendo exceções respectivamente d Tomás d Tomás José de Melo capitão general que antecedeu a Caetano Pinto Montenegro e Nabuco José Joaquim Nabuco de Araújo Sobre os demais governa dores e ouvidores anteriores ou posteriores crava o autor foram ou indolentes ou ve nais ou coniventes Sobre o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro e o ouvidor Clemente Ferreira França à semelhança do que falavam dele os advogados defensores dos revolucionários e estes próprios diz que foram os responsáveis pela desordem DH 1955 v CVII p 231 Quanto a Montenegro ele assim o define fleumático inepto e quase sempre indeci so em todas as suas deliberações DH 1955 v CVII p 231 Sobre o ouvidor diz ser um ho mem tão ambicioso de riqueza que nunca subministrou justiça senão a quem lhe apresentou maior soma de dinheiro dando lugar com este procedimento a mil roubos mil desordens que sempre ficaram impunes DH 1955 v CVII p 231 Seu sucessor Francisco Afonso Ferreira tinha temperamento igual ao de Montenegro além de ser de pouca instrução como magistrado e o que parece mais grave nascido e com parentes em Pernambuco deixava seus familiares fazerem o que quisessem O governador enviava os delinquentes ao ouvidor este nada fazia ou protegia os agressores e assim o povo ficava insensível à infração da lei DH 1955 v CVII p 231232 O Doutor Bernardo Luís Ferreira Portugal despachava pelo ouvidor os casos de maior gravidade ficando com os subornos Alinhavando as ideias anteriormente expostas o autor arremata Meia dúzia de homens pois libertinos entusiasmados de bastante saber e invejosos da feliz carreira impune dos rebeldes ingleses e espanhóis americanos assentaram que era incoerência obedecer a um só homem quer este se consumisse pela felicidade de seus povos quer ele esgotasse suas forças em maltratar e arruinar seus vassalos Julgaramse fortes em si mesmos e não consta que procurassem auxílio algum estrangeiro senão depois da ruptura DH 1955 v CVII p 232 Ou seja a revolução surgiu da conjugação da presença de uns poucos libertinos que OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 15 DE 33 se entusiasmaram com os exemplos históricos das Américas Inglesa e Espanhola e pas saram a refutar a obediência a um monarca não importando como fosse seu governo julgandose fortes deram início ao movimento sem buscar antes apoios externos No máximo teriam existido cartas que os enlaçavam ao Rio Minas Bahia e mais interior DH 1955 v CVII p 233 Ele menciona a chegada de Domingos José Martins em 1813 sua viagem à Inglaterra e os elogios que então recebeu de folhetos ao que parece o autor se referia ao Correio Braziliense a articulação estabelecida entre ele o padre José Ribeiro Cabugá mulato rico e Vicente Peixoto cirurgião todos eles brasileiros e maçons para abrir quatro lojas maçônicas tendo em vista a maior congregação dos povos DH 1955 v CVII p 233 Tais lojas seriam abertas aos patrícios e compatrícios que fossem avaliados com potencial para aderir aos planos dos quatro DH 1955 v CVII p 233234 e começaram os catequizadores por efeito de jantares avinhados a persuadir a maior parte do clero e oficialidade da tropa preponderantemente brasileiros uma vez que julgaram os europeus como incapazes DH 1955 v CVII p 234 Conseguiram ademais a ade são de todos os vigários das cidades vilas e povoações do interior Depois ele apresenta argumentos sobre a existência de articulações com Minas Ma ranhão Rio e Bahia contrários à sua existência não se acharam cartas e a favor delas os contatos eram orais ou feitos por cartas enviadas pelo correio e a particulares que não es tavam prevenidos para tanto nomeações para determinados postos foram articuladas no Rio a identificação por Domingos Teotônio Jorge em viagens ao Rio e Bahia de possíveis adesões e forças e a entrega de cartas pelo Padre Roma na Bahia negócio em que ele não se meteria se não houvesse correspondências anteriores e se soubesse que haveria indis posição às suas ideias Fatos e conjecturas no seu entendimento provariam que houve muitas correspondências e vários emissários tendose atingido até a Corte DH 1955 v CVII p 235 Nesse quadro achava que eram necessárias providências do soberano cuja clemência poderia estimular os parentes amigos e patrícios dos agressores isto é dos revolucionários a ensaiarem outra revolução atacando desta vez o próprio trono Expli candose melhor o autor descreve um quadro de ânimos predispostos a planos revolu cionários nutridos no Brasil por rivalidades calcadas em gerações e pátrias e ainda que poderiam partir dos nativos entre os quais os brancos que almejariam ter qualquer príncipe seu patrício ou os abundantes crioulos colorados planos estes traçados em gabinete feitos à semelhança do que sucedia com ele próprio ao escrever aquelas me mórias históricas sem que ninguém o soubesse e talvez mais decisivos pela instrução do levante passado de 1817 Assim como eu escrevo estas memórias históricas no meu gabinete sem que alguém o pense quem nos dirá que outros não tracem planos revolucionários talvez mais decisivos pela instrução do levante passado O Brasil esta terra onde os homens rivalizam gerações e pátria onde eles questionam sobre o direito de propriedade e que entre a maior parte de seus naturais é já uma disputa decidida que o Brasil é sim de seus nativos e não de homens de fortuna que se deitaram aos mares para o conquistar etc não oferece ele um quadro premeditador duma revolta inopinada DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 16 DE 33 quando não seja dos brancos pelo nascimento de qualquer príncipe seu patrício ao menos dos crioulos colorados espécie de gente em que tanto abunda DH 1955 v CVII p 236 O espírito dos brasileiros de modo geral estaria exaltado mais do que fazia dois anos Eles tudo criticavam e censuravam no governo ao mesmo tempo que abocanhavam a interpretação e administração das leis outra hora o zelo das nomeações dos encarrega dos do bem da sociedade DH 1955 v CVII p 236 ou seja a justiça campo de atuação essencial das monarquias sob o Antigo Regime estaria sob o controle dos brasileiros Há certa noção de história subjacente em todo o documento história como um processo construído pelos homens em razão de e sob certas circunstâncias cujo desenrolar de penderia das ações dos sujeitos em confronto podendo certos desfechos ser preparados concretizados ou pelo contrário evitados conforme as leituras feitas das experiências do passado imediato e do presente Por isso mesmo o autor elencava uma série de medidas a serem tomadas pelo soberano para deter o desfecho revolucionário temido cercarse de homens de conhecidíssima fidelidade perspicazes nada lisonjeiros examinar as con dutas palavras e conversas de autoridades civis religiosas e militares despachadas para diferentes partes do Brasil punir exemplarmente os revolucionários fiscalizar as despesas do Estado da Corte e nacionais punindo aquele que na administração fosse delatado e comprovado de ter lesado coroa8 reformarse o clero não admitir mais nenhum frade e fiscalizar os vigários9 punir e demitir os ministros escrivães letrados e mais ocupados na repartição da Justiça que fossem venais parciais ou morosos em suas atividades in serir todo cidadão maior de 15 anos nas tropas de linha ou milícias com os camponeses atuando nas vilas e cidades vizinhas os pais com mais de um filho arregimentando um deles na principal cidade da capitania o que seria facilitado pelo fato do trabalho Brasil ser operado por escravos todos deveriam ser ouvidos em audiência punindose os delin quentes sem exceção com as penas aplicadas aos malvados inimigos do trono da nação e da tranquilidade pública DH 1955 v CVII p 237 Além disso os folhetos impressos em Inglaterra devem ser queimados e de ora em diante rigorosamente proibidos por serem mais incendiários e infamatórios que instrutivos os que os possuíssem sendo denunciados deveriam ser punidos com penas que seriam maiores conforme a insistên cia no delito Penas deveriam ser aplicadas aos estrangeiros em acordo com os ministros plenipotenciários de seus países DH 1955 v CVII p 237238 A escravatura não escapa de sua atenção tendo ele recomendado que houvesse a menor quantidade de escravos possível nas cidades e que não convém que estes mesmos poucos aprendam ciências nem artes e se possível for nem mesmo ler nem escrever DH 1955 v CVII p 238 Ele ensaia propor algo para se aumentar a população mas se esquiva de fazêlo por ser seu propósito escrever uma memória histórica Todas essas providências elencadas pelo economista autor trazem claras conver gências com as propostas dos reformistas ilustrados portugueses guindados ou não a postos de governo desde o reinado de d João V 17061750 mas sobretudo a partir da ascensão de d José I em 1750 Não por acaso ainda que se mostrando adversário visceral OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 17 DE 33 da Revolução e dos excessos do anseio de liberdade o economista analisa os efeitos des te último em passagem lapidar Lapidar porque condenaos lapidar igualmente porque se funda na apropriação explícita da obra Do Espírito das Leis 1748 de Montesquieu Diz o economista Se a ideia da liberdade agrada mesmo a um irracional aferrolhado a que fanatismo não é ela capaz de arrastar um homem rústico e por consequência ignorante do verdadeiro discernimento desta palavra tantas vezes profanada quantas revoluções se têm formado A verdadeira liberdade é a que nos ensina o célebre e ilustre Montesquieu no seu Espírito das leis livro 11 cap 3º A liberdade diz ele é o direito de fazer aquilo que as leis permitem Se um cidadão pudesse fazer o que as leis defendem então não haveria mais liberdade porque os outros se julgariam igualmente revestidos do mesmo poder DH 1955 v CVII p 238 O economista em nota à margem do documento traz a citação de Montesquieu em francês La liberté est le droit de faire tout ce que les lois permettent et si un citoyen pou vait faire ce quelles défendent il naurait plus de liberté parce que les autres auraient tout de même ce pouvoir10 O confronto entre a tradução e o original mostra que o economis ta seguiu Montesquieu sustentando que não haveria mais liberdade se o cidadão pudesse fazer o que as leis proíbem défendent11 postulando portanto que a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem Nesse mesmo trecho o autor defende que a relação entre soberanos leis e vassalos se regule por certos princípios que são consoantes com as teorias corporativas de poder convergentes com o que se denomina economia do dom12 e ainda com os valores do reformismo ilustrado português ou seja que o mo narca respeite às leis premie os súditos merecedores e proteja a indústria e a ciência Nos seus próprios termos A verdadeira liberdade pois é a que constitui um soberano amante do seu povo exato e circunspecto observador das leis que rege e domina sabiamente premiando os distintos engrandecendo a nação propagando e protegendo a indústria e ciência DH 1955 v CVII p 239 Na continuidade de suas Memórias o economista faz uma breve narrativa sobre a Revolução logo interrompida pela descrição de uma disputa travada entre dois senhores de escravos a saber uma senhora e o negociante Alexandre Fermin em torno da posse de uma cativa A escrava escolheu deixar sua senhora e pedir ao comerciante para que a comprasse O negociante tentou fazêlo sem sucesso Iniciouse então a disputa na justiça A senhora teve por advogado Bernardo Luís Ferreira Portugal13 e requereu que a es crava fosse colocada em seu poder O ouvidor compungido com a situação da escrava ou desejoso de agradar a Fermin despachou o requerimento a favor da negra escrava DH 1955 v CVII p 241 O advogado Cabral então foi à réplica na qual claramente valeuse de animosidade antilusitana e anticolonial Assim aludiu à ideia de que os europeus toma vam a América como escrava e não contente com isso fez uma apropriação da história pregressa da França e de Portugal rememorando respectivamente os atentados contra Henrique IV e d José I no que mostrou certa ousadia Afirmou haver DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 18 DE 33 certa classe de europeus que julgam que a América é sua escrava e que tem direito ao vexame dos americanos pela simples voz da compaixão e de uma filantropia desavergonhada que levou ao fogo muitos caciques e cuja ministrou sic o punhal para ser atacado Henrique IV e carregou os bacamartes que ameaçaram a preciosa vida do Senhor Dom José 1 DH 1955 v CVII p 241 Não parando aí em sua descrição da conduta dos europeus e na sua oposição à filan tropia à compaixão no seu entendimento diferente do direito e de lei o economis ta chegou à História Antiga Um tal europeu que entra na América não se julga menos que um simulacro Área o mesmo Deus quando uma escrava o procura para ser valida Roma para poder tirar um escravo do poder de seu senhor que o flagelava julgava necessário que o escravo entrasse no templo se lançasse aos pés de Deus se abraçasse com as vestes sagradas estátua do Rei ou com a Área e então é que o magistrado tomando conhecimento da conduta do senhor fazia executar as cruéis sevícias isto é um castigo superior ao delito e era posto em almoeda pela constituição do Imperador Antônio DH 1955 v CVII p 242 Completa o quadro fazendo insinuações sobre os propósitos de Fermin fosse o de arrebatar a propriedade alheia fosse o de fruir de prazeres sensuais ou do trabalho daquela por quem se compadecia DH 1955 v CVII p 242 Tal réplica segundo o economista teve mil cópias e o Ministro em lugar de o suprimir e castigar seu autor deixou o caso à revelia Azevedo um caixeiro de um negociante interveio na polêmica O caso levou à agitação tendo a população de origem brasileira tomado o partido do Dr Bernardo Com isso sua defesa veio assumir um patriotismo mal entendido Assim foi grassando o mal no coração da canalha que os rebeldes contavam para o golpe decisivo da sua empresa e os oradores da sua parte também não poupavam panegíricos figurados pelos quais lhe representassem cara a ideia da liberdade e a de um patriotismo mal entendido DH 1955 v CVII p 243 As Memórias enfim demonstram a presença da questão escrava e ainda de confli tos entre brasileiros e marinheiros até passando em torno da referida questão e ganhando a esfera pública inundandoa de cópias de um manuscrito e fomentando debates Mos tram ainda como as apropriações da história eram feitas pelos lados em confronto nesse caso segundo uma grade ilustrada comum Indicam igualmente que a defesa dos direitos senhoriais foi usada no caso na luta contra os marinheiros Por fim o economista des crevia a ação do Padre Miguelinho que na primeira Dominga da Quaresma de 1817 isto é 23 de fevereiro data anterior à eclosão da Revolução subiu ao púlpito na igreja do Corpo Santo Matriz do Recife e o texto do seu sermão foi Nunca tempus accetabile die salutis 14 DH 1955 v CVII p 243 cujo fim era disseminar a desobediência aos soberanos da terra uma vez que não se comportassem em conformidade com a Igreja e Justiça dos vassalos DH 1955 v CVIII p 244 O mesmo Padre Miguelinho ademais colocava em confronto o rei David com os monarcas do seu tempo apropriandose da História Antiga em prejuízo dos últimos Dizia que David por um só pecado fizera penitência toda sua vida e que os OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 19 DE 33 soberanos da época presente aplicavam o tempo devido a jejum e silícios a passatempos e renitência de agravo e culpas inexpiáveis para com o céu tais como o abandono do povo e da religião DH 1955 v CVIII p 244 Encerrando suas Memórias o economista defenestrava o clero regular e secular cujas más condutas eram vistas pelo governo como fragilidades humanas não sendo jamais repreendidas faltas cujo registro coloca o autor das Memórias em convergência tanto com os reformistas ilustrados lusitanos que conquistaram cargos no governo quanto com os ditos libertinos15 com maior proximidade em relação aos primeiros pela defesa comum da ordem que fazia O clero enfim nunca foi mais danoso à religião nem suas práticas mais nocivas ao Estado Viramse padres e frades saírem publicamente passar as noites em casas de deboches e prostituição e outros de mais depravada categoria e irem diretamente ao Templo envilecer o altar e o mesmo sacrifício da missa DH 1955 v CVIII p 244 Depreendese que aos olhos do economista isso tudo dessacralizava o clero diante das consciências dos fiéis e o pior acabava por reverberar nos juízos que estes faziam sobre o militar e o cível com o que se viu prepararse o esboço da revolução DH 1955 v CVIII p 24416 Apropriações da Restauração Pernambucana do século XVII e das grandes revoluções Os contrarrevolucionários semelhantemente aos partidários da Revolução de 1817 apropriaramse da Restauração Pernambucana do século XVII As apropriações recorriam aos mesmos fatos e heróis consagrados pelos revolucionários invertendo porém os si nais Nas suas apropriações da Restauração os contrarrevolucionários encontravamse em sintonia com os discursos dos jornais então editados no Brasil a Gazeta do Rio de Janeiro e Idade dOuro no Brasil que faziam remissões àqueles feitos heroicos e de fidelidade do passado dos pernambucanos17 Na primeira Proclamação aos Habitantes de Pernambuco feita aos 21 de março de 1817 o conde dos Arcos governador da Bahia recorreu à Restauração e a mesclou à His tória Antiga procedimentos que foram adotados pelo Governo Provisório da Paraíba18 O Conde afirmava constar que o Teatro onde brilhava a fidelidade de Fernandes Vieira Cami zão sic Henrique Dias e outros cujos nomes têm escrito na mesma linha dos heróis está mudado em covil de monstros infiéis e revoltosos considerou que ao contrário disso a divisa dos baianos é fidelidade ao mais querido dos reis e que cada soldado da Bahia será um Cipião ao lado dos pernambucanos assim que tiver ordem para vingar a afronta perpetrada contra o soberano DH 1954 v CI p 40 A revolução sendo uma traição na perspectiva do conde dos Arcos negaria as ações heroicas do passado iria conspurcálo DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 20 DE 33 com a infidelidade sendo seu reverso o soldado baiano fiel à monarquia A fidelidade era a liga passadopresente enquanto sua negação era a traição dos Revolucionários de 1817 Cipião além disso era o exemplo que os soldados da Bahia imitavam tal como se deveria ser DH 1954 v CI p 40 Essa oposição entre lealdade e governo contratual que mar cou o embate entre as forças do Antigo Regime português e os revolucionários pernambu canos de 1817 estava em congruência com o confronto mais geral que se verificaria entre a Coroa e os constitucionalistas na virada do século XVIII para o século XIX identificado por Kirsten Schultz 2006 p 140 O desembargador João Osório de Castro Souza Falcão partidário da contrarrevolu ção em uma de suas 24 cartas para d Tomás Vilanova Portugal DH 1953 v CIII p 71131 explicou a apropriação da Restauração Pernambucana pelos revolucionários Na carta ele repete informações encontradas em outros documentos acrescentando aqui e ali alguns dados ou colorindo outros Menciona o acaso da eclosão do movimento e sua carac terística intempestiva as relações entre o que ficou conhecido como Inconfidência dos Suassuna e a Revolução com ideias sendo transmitidas por José Francisco de Paula go vernador de Moçambique nos idos de 1817 e naquela ocasião em Lisboa a seus irmãos Francisco de Paula Cavalcanti e Luiz Francisco de Paula as ideias comunicadas pelos dois Arrudas médicos em Goiana pelos vigários de Santo Antônio e Recife as quais cresce ram e propagaramse pelo estabelecimento de Lojas Maçônicas desde 1814 nas quais se excluíram das suas sessões particulares os maçons europeus o impacto da chegada de Domingos José Martins a bebedeira de alguns os jantares a indolência do governador Montenegro talvez enganado por alguns homens próximos etc A isso o desembargador acrescenta o peso decisivo do uso do passado do século XVII que teria operado como le gitimador dos pleitos dos revolucionários somandose às ideias de igualdade à sedução de pardos e pretos e ao apoio embrionário de maçons de outras partes do Brasil O ódio geral antigo e entranhável dos filhos do Brasil contra os europeus que chamam marinheiros que cuidaram em aumentar invertendo os fatos da história da restauração passada sobre os holandeses deduzindo daí direitos de propriedade doação a Sua Majestade com exclusão de qualquer sic impostos foram as persuasões que serviram de mola para dar movimento ao detestável projeto e de que se serviram com especialidade no dito dia seis ideias de igualdade embutidas aos pardos e pretos lhes afiançavam o bom êxito pelo aumento considerável do seu partido e contavam sem dúvida com os mais maçons brasileiros nas outras capitanias nesta parte porém ainda não estava maduro o projeto DH 1953 v CI p 109111 O recurso à Restauração por parte dos revolucionários na verdade teria ajudado no convencimento dos seus patrícios a aderirem à causa da Revolução A ideia que os rebeldes fizeram ter aos seus chamados patrícios ignorantes da história de que esta terra sendo conquistada pelos seus passados aos holandeses ficou sendo propriedade sua e que a doaram a ElRei Nosso Senhor debaixo de condições que ele não tem cumprido pela imposição de novos tributos e que os europeus que têm vindo aqui estabelecerse têm enriquecido à custa deles OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 21 DE 33 patrícios e se têm feito senhores do país e eles escravos por uma parte e por outro o enlaçamento de famílias com os que se acham já presos e que ainda o hão de ser no espírito vingativo próprio da gente do Brasil é motivo suficiente para dever estarse sempre em cautela e manterse um corpo de tropa que pela economia do general não aumentará as despesas do Estado sendo em todo caso necessário que haja ao menos um terço de europeus e que os oficiais da tropa da terra sejam pela maior parte europeus DH 1953 v CI p 109111 Portanto ao mencionar a Restauração Pernambucana como elemento estratégico utilizado pelos revolucionários para encontrar partidários e difundir sua compreensão so bre a relação particular dos pernambucanos com a Coroa e ao mesmo tempo o não cumprimento por parte desta última dos compromissos firmados o desembargador João Osório de Castro Souza Falcão mostrava que aquele passado era usado para atestar uma dada compreensão de soberania que residia nos vassalos e implicava compromissos por parte da realeza19 Ao mesmo tempo o magistrado visava alertar o ministro de d João VI sobre o estado de ânimo reinante entre os súditos pernambucanos e por conseguinte sobre a necessidade de se reorganizar as tropas Antônio de Morais Silva célebre dicionarista lusobrasileiro nascido no Rio de Janei ro em 1750 estudante da Universidade de Coimbra nos idos de 1779 quando então se dizia o Pai dos Libertinos e foi perseguido pela Inquisição retornando a Portugal e reconcilian dose com o Santo Ofício em 1785 ao longo de sua trajetória mantevese firme na defe sa de suas ideias religiosas deístas ainda que ao final da vida a tenha dissimulado um pouco mais Quanto à política sua coerência também é eloquente jamais contestou a monarquia bragantina nem a unidade lusobrasileira20 Convidado pelos Revolucionários de 1817 para integrar o Conselho de Estado tergiversou e negouse Em carta datada dirigida ao padre Antônio Rodrigues de Miranda datada de 11 de julho de 1817 quando os revolucionários já tinham sido derrotados Morais Silva pronunciouse sobre a Revolução em relação à qual expressou verdadeira repulsa tomandoa como traição e infidelidade ao melhor dos so beranos Ele mostrou ser atento observador dos fatos do seu tempo e firmou uma posição prómonarquia e contrarrevolucionária indiscutível Em relação a 1817 fato relativo à or dem política portanto comportouse como um típico letrado das Luzes lusas moderadas Chama a atenção o modo como ele defende a lealdade à casa de Bragança e à monarquia lusitana encaixandoa num esquema que tem como adversários a canalha e a irrupção das paixões A monarquia assim afigurase como expressão da razão e ao mesmo tempo como a ordem que permite aos detentores de conhecimentos certa primazia A defesa da ordem portanto fazse com uma roupagem ilustrada de cunho político moderado Na sua carta Morais Silva apresentou informações e juízos positivos sobre d Tomás Vila Nova Portugal o general Luís Barreto do Rego governador de Pernambuco após a vitória da contrarrevolução e o Conde dos Arcos governador da Bahia Seus juízos pelo contrário foram negativos a respeito da canalha que apoiou a Revolução e ainda sobre Domingos José Martins e sobre os maçons Registrou também dados sobre livros biblio DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 22 DE 33 tecas leituras e imprensa Valeuse dos termos nação ao que tudo indica tomada como coletividade compreendida pelos súditos de um mesmo rei e pátria a pequena pátria no caso de Morais o Rio de Janeiro autodenominandose explicitamente carioca e ma nifestando sua saudade e sua afeição por sua terra de origem Apresentou igualmente avaliações sobre os reis seus infortúnios de veremse cercados de maus ministros Men cionou catecismos que teriam sido achados na casa de Domingos José Martins Em vá rios momentos defendeu uma ideia a respeito de justiça implicitamente premiar e punir Percebese contudo que se a justiça é tarefa essencial dos governos já então a econo mia política vinha ganhando lugar central sendo seu conhecimento algo importante para aqueles que alcançassem postos de governo do que seria exemplo d Tomás Vilanova Por tugal Tomando a Revolução de 1817 como conspiração ele identifica os atores que dela participaram os conspiradores a tropa de linha a canalha e os milicianos de cor Morais num trecho classifica o movimento contra a Revolução como contrarrevolução e nou tro como restauração Percebese que à altura da elaboração da carta havia uma guerra de pronunciamentos e escritos Naquela conjuntura por ele tomada claramente como re volucionária e de ambições imensas das gentes de soberba e portanto depreendese de autonomia do homem ele apresentou um ideal de bom governo Tal ideal combinava a temperança a vigilância e o controle das paixões as quais estariam na origem das ruínas e desgraças dos países Disso seriam exemplos o que se dera na conduta do Presidente dos EUA que levara seus estados à guerra contra a Inglaterra embora ele fosse um espelho de saber bem como os acontecimentos que tiveram o último país como cenário Ele aventou a possibilidade de que maçons da Bahia e do Rio de Janeiro tivessem ligações com a Re volução de 1817 mas manifestou dúvidas a este respeito vendo um quê de calúnia nesta suposição aliás sua avaliação sobre a atuação da maçonaria é um tanto ambígua Em suas apropriações da história ou leituras da história passada Morais Silva defen deu que a Revolução era má conselheira por isso mesmo estabeleceu uma interessante analogia entre o charlatão que tenta endireitar um corcunda e os que propagavam a in subordinação contra os reis o resultado em ambas as situações era a morte Qualificou a Revolução Francesa como infame avaliou também a Revolução Americana ou melhor o apoio do Presidente da América Inglesa à Inglaterra na luta contra Napoleão Bonaparte Segundo ele o demônio se tem empenhado em insuflar a soberba da mais vil canalha aspirante e ilusória de insanos que não quer acabar de entender que os petulantes que se querem subrogar aos soberanos legítimos não são senão homens mal educados atrevidos imorais reloucados como têm mostrado nas suas obras na infâmia dos seus cometimentos E todos os que vimos desde 1789 na desgraçada França e outras partes se me parece com um charlatão que se ofereceu para endireitar corcovados os quais saem com efeito eretos e direitos das suas falas e imprensa mas mortos O Presidente da América Inglesa esse espelho de saber em que não querem ver panos nem névoas ia há pouco dando com os burros nágua implicando os seus Estados impunes ainda na guerra com Inglaterra que afinal subjugou o furioso Bonaparte Inglaterra ela OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 23 DE 33 mesma esteve para ver no começo deste ano a mais horrível e ensanguentada tragédia nenhuma liberdade contenta a esta pobre raça humana quando as paixões a irritam e os velhacos ambiciosos a sabem açular se a sabedoria e atividade bem temperada dos governos não se desvelam constantemente a sofrear a uns e outros BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1817 I33 2700 p 1 v2 Após descrever a situação da América Inglesa e da Inglaterra onde catecismos revo lucionários eram tolerados trazendo más consequências Morais Silva evoca a figura de d Pedro I o Justiceiro de Portugal como exemplo de soberano que aplicou corretivos cuja eficácia contudo ele não tomava como inquestionável diante das repugnâncias desleixos relutâncias das paixões e da condição da massa humana que é necessário mais dizer das suas cegueiras preguiças e más vontades ainda que os soberanos não durmam nem descansem e tenham sempre armadas esporas de fogo e no cinto o azorrague do Sr d Pedro que uns chamaram o Cru e que as lágrimas do seu povo justificaram plenamente de Justiceiro BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1817 p 2 Morais Silva reproduz os mesmos lugares comuns aqui já vistos entre os realistas Aborda a Restauração Pernambucana do século XVII lendoa na chave da fidelidade e à luz dos acontecimentos do seu tempo em que identificava deslealdade e portanto uma negação daquele passado glorioso Vendo a Restauração como manifestação de lealda de dos súditos ao soberano Morais Silva condenava a Revolução de 1817 Discorre tam bém sobre a transferência da Corte e seus impactos para os brasileiros bem como suas consequências para os portugueses Descreve a Aclamação de d João VI que foge aos propósitos deste artigo examinar em detalhes enfatizando a pompa o luxo o regozijo e as manifestações de fidelidade observados nos festejos ocorridos em Recife e coordena dos pelo governador Rego Barreto secundado por sua esposa Ao tratar da Restauração menciona a presença do padre Antônio Vieira a proposta de transferência da família real lusa para Pernambuco para o que Vieira teria tomado providências a ideia de uma história regida pela Providência e ainda a identidade anacronicamente projetada no século XVII de brasileiros A imparcialidade da História deixa perpetuadas as gloriosas façanhas de fidelidade com que os Pernambucanos abandonados pelos usurpadores de Portugal isto é os Felipes de Espanha a uma fácil conquista dos Holandeses logo que a Justiça Eterna chamou ao trono de Portugal a Real Dinastia de Bragança tomaram a voz de Seu legítimo e natural Soberano o Senhor d João 4º e se restituíram a Seu Império e Senhorio Seria longo e inoportuno referir os extremos e finezas da lealdade que os Pernambucanos Europeus e naturais em felicíssima concórdia obraram na causa da Restauração basta que as memórias mais fiéis daquela idade nos asseguram que ela foi a maior obra do reinado do Senhor d João 4º e mereceu ao 2º Restaurador dos Portugueses o testemunho mais honroso de sua gratidão recomendando à magnânima e prudentíssima Rainha a Senhora d Luiza sua Consorte que quando os maus sucessos da guerra pusessem em perigo a sua Real Família tomasse a Pernambuco por asilo e retiro Uma série de desgraças nas campanhas da Europa esteve para realizar este sucesso quando DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 24 DE 33 Francisco de Brito Freire foi mandado a governar esta Capitania e o grande talento e fidelidade do Padre Antônio Vieira veio aqui dispor as coisas para tão magnífico recebimento A Providência ordenou que fosse desnecessária esta emigração de uma Família sua abençoada que já então era o sagrado vínculo de união entre o seu fiel Reino e os seus leais Brasileiros não privou porém a esta Capitania de ser o meio de se assegurarem de novas usurpações dos Holandeses à Bahia e muitas outras colônias Portuguesas que foram recobradas e resgatadas das tiranias daqueles astutos e então poderosíssimos usurpadores Os primores da fé Pernambucana ficaram e serão exempilados sic ao Mundo enquanto nele houver almas nobres que saibam dar preço e valor aos mais religiosos deveres que os homens hão de observar com os Deuses tutelares da paz segurança e proteção dos mais sagrados direitos de seus vassalos BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1817 p 1 1v Em outro documento Morais Silva execra a Revolução Pernambucana Deixa aqui e ali pistas sobre quem foram seus atores e sua extensão sublinhando a compra da plebe a extensão do movimento às capitanias vizinhas e seu caráter de verdadeira guerra civil na Capitania do que se depreende que ele não conseguiu negar nem a si mesmo a força do movimento Ele louva a ação de d João VI particularmente associandoo a Deus uma di vindade limpa de todo traço mais forte de catolicismo embebida em deísmo exceto num aspecto o perdão que talvez possa também ser lido como algo tributário do deísmo uma vez que este se negava a conceber uma divindade que pune e castiga D João VI seria um imitador de Deus Morais Silva recorre a um vocabulário novo em que se veem expressões como direitos dos homens e filosofia Mas vê nas Revoluções uma manifestação da so berba demoníaca que não leva senão à negação dos direitos dos homens e à destruição Recordações de tanta honra de tanta glória para esta Capitania faziam chorar amargamente aos seus habitadores os crimes execrandos perpetrados no sempre infausto dia 6 de Março de 1817 por alguns alunos seus e outros vindiços que os corrompiam por iniciações ímpias e sacrílegas e comprando a pobreza e miséria da plebe esfaimada os embriagaram a fazeremse réus do mais sacrílego e abominável crime contra o Melhor dos Soberanos réus de infidelidade réus da ingratidão mais execrável e se a mínima cor de provocação de um Rei Pai de seu povo que por não sacrificar as vidas e fazendas de seus vassalos compatriotas a uma defesa desigual e provavelmente mal aventurada os quis preservar ilesos e veio lançarse nos braços de seus vassalos Brasileiros para os livrar das calamidades que se lhes acumulariam se uma resistência mal sucedida ou uma detença mal prudente no Reino levasse à Real Família à insultuosa presença do Tirano dEuropa BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1818 I33 27 002 p 1 v2 Por fim Morais Silva conclamava os portugueses a olharem de um lado os horro res que o demônio da deslealdade provocava na Europa culta tomada pelo orgulho filosófico e iludido conduzindo a misérias desgraças e crimes tentando reformas imprudentes e insanas ferindo os direitos dos homens e de outro lado a bondade a sapiência e o caráter divino de d João VI e ao mesmo tempo a obediência que marcava a nação portuguesa OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 25 DE 33 Portugueses alongai os olhos por toda a Europa culta onde o demônio da deslealdade enfatuou os conselhos do orgulho filosófico e iludido em misérias desgraças e crimes os insultos com que ele tentou por modos ilegítimos reformas insanas e imprudentes pisando ele mesmo a escarnecida majestade do povo e os Direitos dos Homens e dizei se nos mares das mais tormentosas e horríveis calamidades nenhuma nação teve um piloto tão Sábio como o nosso e se alguma teve ou tem um Rei tão Bom e tão Divino como o nosso e tão abençoado do Céu com a primitiva e cordial obediência e fé em que sempre se aprimorou ou extremou a nossa Nação BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1818 p 3 v4 José Maria Monteiro um dos comandantes do bloqueio do porto de Recife dirigiu aos Habitantes de Pernambuco uma Proclamação Ela reúne várias representações e apropriações históricas aqui já abordadas tendo sido publicada em Idade dOuro do Brazil periódico baiano em sua edição de 5 de agosto de 1817 Seu ponto de partida é aquele lugar comum empregado pelos realistas segundo os quais os sentimentos de honra e fidelidade seriam elementos distintivos dos bons portugueses ao mesmo tempo que teriam sido comprimidos momentaneamente pela força por um bando de facciosos e revolucionários que apresentaram à Europa espantada o primeiro exemplo entre os Portugueses de deslealdade a seu natural e legítimo Soberano A Proclamação lembrava a Revolução Francesa com a qual por vinte e cinco anos monstros haviam inundado grande parte do continente europeu com as mais funestas calamidades sendo talvez ins trumentos com que a Justiça Divina irritada pela imoralidade e irreligião destes últimos tempos quis castigar a Europa IDADE DOURO DO BRAZIL 181721 Se havia aqui um apelo a uma compreensão providencialista da história segundo a qual Deus pune e castiga os maus fiéis a Proclamação ao mesmo tempo sublinhava o papel dos homens em relação ao seu devir histórico dirigindose aos habitantes de Pernambuco Aliás o texto distinguia aqueles a quem se dirigia pois chamavaos de Pernambucanos e separavaos dos Por tugueses de quem seriam Irmãos os Portugueses jamais creriam que os Pernambuca nos se tornassem sectários da mais fatal revolução e do feroz Tirano por ela produzido subentendase Napoleão Bonaparte seduzidos por frases especiosas e princípios cuja falsidade era demonstrada pela experiência Dizia aos Pernambucanos que havia entre eles naquele século de corrupção e imoralidade imitadores do infame Traidor Cala bar mas também existia nos descendentes dos Vieiras dos Vidais dos Camarões e dos Henrique Dias os mesmos sentimentos de fidelidade e amor ao seu Soberano que tanto os ilustraram IDADE DOURO DO BRAZIL 1817 ou seja Monteiro apropriavase dos feitos da Restauração Pernambucana do século XVII segundo a chave tipicamente realista O comandante Monteiro ademais comparava os holandeses cuja diferença religiosa punha em perigo a pureza do catolicismo abraçado pelos pernambucanos aos revolu cionários que ameaçavam pelas bases todas as ideias religiosas e morais e ainda que sendo vitoriosos fariam como os holandeses ao conquistarem este país isto é despoja riam os pernambucanos de suas riquezas Eles não se moveriam senão pela ambição de riqueza e poder A Revolução poria em perigo às riquezas do Capitalista opulento A DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 26 DE 33 Revolução Francesa cujos princípios eram proclamados pelos revolucionários de Pernam buco se valera de instrumentos ilusórios para conquistar as últimas classes da nação e ainda tivera por desfecho o tirânico despotismo e a insuportável miséria do que se con clui que os danos à propriedade vistos na França se repetiriam em terras pernambucanas No Brasil os princípios revolucionários modernos de efeitos maléficos conhecidos na Europa contudo trariam incalculáveis males haja vista o sucedido no Haiti na Ilha de S Domingos Portanto o comandante Monteiro não rememorava apenas a Revolução Fran cesa mas também a Revolução do Haiti juntandoas como ameaças Que segurança pode ter contra a força do poder colocado em tais mãos o Capitalista opulento cujas riquezas estão desafiando todos os dias a sede ardente de ouro que os domina que incalculáveis males não ameaçam o Brasil no seu estado atual O exemplo da Ilha de São Domingos é tão horroroso e está ainda tão recente que ele só será bastante para aterrar os Proprietários deste Continente IDADE DOURO DO BRAZIL 1817 A Proclamação para evitar a destruição do país conclamava os Habitantes de Per nambuco a deterem o monstro da Revolução da serpente que quer sepultar os pací ficos Povoadores do Brasil nos horrores sublinhando que o chamado Governo Provisório detém a propriedade dos Portugueses que provavelmente quer roubar para com ela se pôr em salvo IDADE DOURO DO BRAZIL 181722 Portanto a Proclamação somava o emprego de dois fantasmas para deter a Revolução de 1817 de um lado a Providência e de outro os perigos representados pelos revolucionários à propriedade lembrando duas Revoluções pretéritas a Francesa e a Haitiana bem como as ações dos holandeses no século XVII louvando assim os que lá no passado e no seu presente engajavamse na Restauração Considerações finais Neste artigo procurei demonstrar que entre os contrarrevolucionários ou realistas que se opuseram à Revolução de 1817 as apropriações da história pregressa foram fei tas com sentidos políticos e estratégicos claros Não possuindo qualquer pretensão de cunho acadêmico ou científico os contrarrevolucionários fizeram dos fatos dos passados argumentos para se pensar sobre o presente e justificar ações no seu interior tendo em vista um futuro que se mirava como desejável e ao mesmo tempo um passado distante que se concebia como digno de imitação eou superação As apropriações da história se articulavam a noções do que seria a história história mestra da vida isto é narrativa de fatos exemplares eou história como um curso de fatos ou ainda história como um curso em que a mão divina interfere Nessas três situações não importa o passado trazia à tona situações análogas a serem imitadas ou negadas eou em que se viam princípios a serem seguidos ou ainda que poderiam alargar o entendimento acerca do presente vivido na medida em que as similitudes configuram tipos quase tipos ideais ou permanências ou ainda rupturas Percebida a identidade tipológica seria possível descortinar as possibilida OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 27 DE 33 des não propriamente fatalidades contidas no presente Esses usos combinam os tipos moderno e antigo de experiência histórica de que fala Valdei Lopes de Araújo indicando que as transformações nas noções de história embora então detectáveis não eliminaram ambiguidades e instabilidades conceituais Nas apropriações da História Antiga veemse modelos exemplos que em Pernam buco poderiam ser imitados talvez com perfeição maior ou pelo contrário situações a serem refutadas As revoluções por seu lado podiam remeter a um fenômeno geral ou pelo contrário a realidades específicas como as diversas partes da América Espanhola a América Inglesa e sobretudo a França e o Haiti A Revolução Francesa foi uma referên cia marcante sendo usada com frequência pelos contrarrevolucionários como espetáculo de horrores palco de erros a serem evitados fonte de princípios cuja concretização em outras realidades teria sido maléfica e que em Pernambuco seria fonte de enganos malo gros e novos erros O Haiti esteve na mesma categoria Ora implícita ora explicitamente a Revolução do Haiti foi representada como um fantasma um caso a ser temido e portanto que se deveria procurar evitar que se reproduzisse no Reino do Brasil As reflexões de Montesquieu em Do Espírito das Leis aparecem como uma referência explícita em um dos casos As apropriações das lutas desenvolvidas em Pernambuco con tra os holandeses no século XVII talvez tenham sido feitas em correlação com a antinomia entre honra e igualdade estabelecida por Montesquieu a primeira a mola principal das monarquias e a segunda a das repúblicas Para os realistas a soberania estava no rei O rei deveria ser objeto da fidelidade dos vassalos A fidelidade era indicativa da honra dos vassalos A infidelidade concretizada na Revolução por conseguinte afrontava a honra e a ideia de soberania que se tinha em mente Os fatos do século XVII eram manifestações de fidelidade dos súditos pernambucanos Na perspectiva dos contrarrevolucionários por tanto em 1817 mostrandose infiéis os pernambucanos desonravam de uma só vez aos ancestrais do século XVII e ao melhor dos soberanos Referências ABREU M Sob o olhar de Príapo narrativas e imagens em romances licenciosos setecen tistas In RAMOS A F PATRIOTA R PESAVENTO S J Org Imagens na História São Paulo HUCITEC 2008 p 344373 ALMODOVAR A CARDOSO J L D Rodrigo de Souza Coutinho e administração econô mica do Brasil no território da economia política In INTERNACIONAL CONGRESS ON THE ENLIGHTENMENT 10th 1999 Dublin Irlanda Comunicação apresentada 24 p ANDRADE B G A guerra das palavras cultura oral e escrita na Revolução de 1817 2012 297 f Dissertação Mestrado em História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2012 DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 28 DE 33 ARAÚJO V L Sobre a permanência da expressão historia magistra vitae no século XIX Brasileiro In NICOLAZZI F MOLLO H M ARAÚJO V L Org Aprender com a Histó ria O passado e o futuro de uma questão Rio de Janeiro FGV 2011 p 131147 BERNARDES D A de M O patriotismo constitucional Pernambuco 18201822 2001 340 f Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2001 BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO BNRJ Seção de Manuscritos MONTE NEGRO Caetano Pinto de Miranda primeiro visconde de marquês de Vila Real da Praia Grande Requerimento encaminhado ao Ministerio do Imperio solicitando devoluçao dos documentos manuscritos mapas etc que lhe pertencem e que se encontram em Pernambuco 18171830 C0081 028 nº 00218171830 BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO BNRJ Seção de Manuscritos SILVA Antônio de Moraes Carta ao Reverendo Antônio Rodrigues de Miranda referindose aos acontecimentos da Revolução de Pernambuco de 1817 Pernambuco 11071817 I33 2700 p 1 v2 BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO BNRJ Seção de Manuscritos SILVA An tônio de Moraes Memória relatando a Vitória conseguida por Luís Rêgo Barreto Coman dante ao obter a paz na Revoltosa capitania de Pernambuco Pernambuco 03081818 I33 27002 p 1 v2 BLANCO MARTÍNEZ R La Iustración en Europa y en España Madrid Endymion 1999 BLUTEAU R Vocabulario Portuguez Latino Coimbra Collegio das Artes da Companhia de Jesus 1728 Disponível em httpwwwbrasilianauspbrptbr dicionario1 Aces so em 29 nov 2014 CADENA P H F Ou há de ser Cavalcanti ou há de ser cavalgado trajetórias politicas dos Cavalcanti de Albuquerque Pernambuco 18011844 Recife Editora Universitária 2013 CASSIRER E Filosofia de la Ilustración 2 ed Madrid Fondo de Cultura Económica 1993 CHARTIER R Les origines culturelles de la Révolution française 2 ed 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SILVA M B N da A Primeira Gazeta da Bahia A Idade dOuro do Brazil Salvador UFBA 2015 SILVA M B N Pernambuco e a Cultura da Ilustração Recife UFPE 2013 SOUZA L de M e Estudo crítico In SOUZA L de M Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720 Belo Horizonte Fundação João Pinhei ro Centro de Estudos Históricos e Culturais 1995 p 1356 TAVARES F M História da Revolução Pernambucana de 1817 Ed revista e anotada por Oliveira Lima Recife Imprensa Industrial 1917 VILLALTA L C Luzes e Colonização no romance Le législateur moderne ou les mémoires du Chevalier de Meillcourt do Marquês dArgens juldez 2006 ArtCultura UFU Uber lândia v 8 n 13 p 2340 2006b VILLALTA L C O Brasil e a crise do Antigo Regime Português 17881822 Rio de Janeiro FGV 2016 VILLALTA L C Pernambuco 1817 encruzilhada de desencontros do Império lusobrasi leiro Notas sobre as ideias de pátria país e nação Revista USP São Paulo n 58 p 5891 junjulago 2003 OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 31 DE 33 VILLALTA L C Robinson Crusoé e Cartas Persas romances viagens e devir histórico 17191806 In BORGES C M Org Narrativas e Imagens Juiz de Fora Editora da Uni versidade Federal de Juiz de Fora 2006a p 102155 VILLALTA L C Usos do livro no mundo lusobrasileiro sob as Luzes reformas censura e contestações Belo Horizonte Fino Traço 2015 VOLTAIRE Traité sur la Tolérance à loccasion de la mort de Jean Calas Paris Gallimard 2008 WHITE H Introdução A tradição recebida o Iluminismo e o problema da consciência histórica In WHITE H Metahistória a imaginação histórica do século XIX São Paulo Edusp 1992 p 59144 XAVIER Â B HESPANHA A M As redes clientelares In HESPANHA Antônio Manuel Coord História de Portugal O Antigo Regime Lisboa Estampa 1997 p 339350 Co leção dirigida por José Mattoso Notas 1 Uma força uma faculdade entendida apenas em ação pertencente a todos os homens pensantes de todas as épocas e culturas que deveria ser repartida com os semelhantes que lhes permitiria descobrir e conquistar parcelas do saber e que não reconhecia outra autoridade que não a si mesma CASSIRER 1993 p 2829 BLANCO MARTÍNEZ 1999 p 6970 2 Sobre este assunto veja Habermas 1984 p 5057 e Chartier 2008 p 45 3 Sobre circulação de livros de Condorcet no Brasil veja Andrade 2012 p 248 4 Quase um século antes algo similar foi feito e dito por outro governador o Conde de Assumar que premido pela necessidade de defenderse perante ElRei por medidas por ele tomadas em seu governo em Minas Gerais decidiu buscar socorro nos livros SOUZA 1995 p 4041 5 Essa data é a da provisão que lhe foi passada atendendo ao seu pleito não datado BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 1830 6 Sobre isso ver Mendonça 2011 7 Sobre a libertinagem no mundo lusobrasileiro ver Villalta 2015 2016 e Nunes 2017 8 A corrupção e sua delação por rivais eram rotineiras sob aquele tipo de dominação patrimonialista característico do Antigo Regime lusobrasileiro Ver Villalta 2016 9 A preocupação com o número de clérigos e de casas de regulares bem como com as propriedades destes e de resto da Igreja era algo muito corrente entre os europeus NUNES 2017 p 5253 As críticas e oposições ao clero regular foram frequentes entre os ilustrados tais como Montesquieu Voltaire e Argens VILLALTA 2006a VILLALTA 2006b VILLALTA 2016 Portugal não foi uma exceção uma vez que as Luzes lusitanas tiveram na oposição ao clero regular uma marca SILVA 2013 p 179 A coroa portuguesa sob o reformismo ilustrado tomou medidas que exprimiam essa compreensão crítica e que visavam ao fortalecimento da jurisdição régia NUNES 2017 p 4256 10 A citação corresponde à edição francesa de 1758 a primeira data de 1748 vejase Montesquieu 17581995 p 111 11 Em português do século XVIII a palavra defender como em francês poderia significar proibir Veja Silva 1789 v 1 p 519 Disponível em httpdicionariosbbmuspbrptbrdicionario2defender DOSSIÊ LIVROS BIBLIOTECA E INTELECTUAIS NO MUNDO IBEROAMERICANO SÉCULOS XVI AO XX História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 32 DE 33 12 A economia do dom envolvia a concessão pela monarquia de benefícios bases das relações políticas aos súditos Baseavase ainda em redes clientelares que ligavam os atores sociais de forma diversa e assimétrica conforme sua posição nos diferentes planos Tais redes reunindo benfeitores e beneficiários traziam mais vantagens para quem estava no polo de credor e compreendiam uma tríade de obrigações e favores dar receber e restituir XAVIER HESPANHA 1997 p 340341 13 Sacerdote secular e bacharel pela Universidade de Coimbra Bernardo era Vigário geral e deão de Olinda promotor do juízo eclesiástico de Pernambuco comissário do Santo Ofício e advogado nos auditórios do Recife Aos 8 de março de 1817 assinou Proclamação incentivando o povo a obedecer ao Governo Constituído após a Revolução DH 1955 v CI p 1213 Contra ele havia um Sumário da Inquisição de Lisboa 17961803 por proposições heréticas e escandalosas o promotor do tribunal referido julgou mais prudente esperar por melhor prova INSTITUTO DOS ARQUIVOS NACIONAIS DA TORRE DO TOMBO 17961803 14 Provavelmente uma mistura de latim com italiano cuja tradução pode ser É agora o tempo aceitável é agora o dia da Salvação uma referência direta da II Epístola de Paulo aos Coríntios 62 Agradeço a André Pereira Miatello pela tradução e pela identificação da referência bíblica 15 Sobre os libertinos no mundo lusobrasileiro ver Abreu 2008 Villalta 2015 p 217 Nunes 2017 p 113 125 191 e 201 16 Em um conjunto de poemas satíricos em circulação em Portugal no final do século XVIII os desvios com portamentais dos eclesiásticos seculares e regulares foram recuperados por quase todos Pina Manique o Intendente Geral de Polícia preocupavase com esses desvios dos clérigos que manchavam a reputação dos religiosos e de suas ordens causando escândalo entre os seculares NUNES 2017 p 219220 e 228229 naquela conjuntura revolucionária clérigos de comportamento indecoroso nos trajes e hábitos como o de frequentar tavernas serviam de objeto para escarnecerem os Povos ameaçavam as bases do trono que requeria ben quistar os ditos eclesiásticos com os povos e unir quanto for possível o sacerdócio com o Império VILLALTA 2016 p 15 Alguns clérigos angustiavamse com a situação como Antônio Seromenho de Olivaes abade de São João da Cova em Portugal Em 1794 ele denunciou Antônio José de Mesquita Pimentel abade na igreja e freguesia de S Gens de Salamonde belicoso perseguidor de desafetos manipulador da justiça eclesiástica intimidador de testemunhas clérigo que desonrara uma moça honesta era concubinário e desrespeitara o sac ramento da penitência Informou que tais comportamentos eram de conhecimento público e que desejava que os fregueses vivessem em paz e com sossego dar remédio aos gemidos dos pobres lavradores rústicos que vivem oprimidos e sufocados sem ter a quem recorrer na terra no presente século IANTT Inquisição de Coimbra Caderno do Promotor No 228 p 160v Portanto as censuras e os temores do economista de Pernambuco em 1817 não eram fatos isolados 17 Vejamse por exemplo as edições da Gazeta do Rio de Janeiro de 14051817 e da Idade dOuro do Brazil de 27051817 Sobre o último jornal veja Silva 2015 18 Vejase sobre isso DH 1953 v CI p 49 19 Em requerimento dos idos de 1801 dirigido ao Visconde de Anadia os irmãos Francisco de Paula e Luiz Francis co Cavalcanti os Suassuna recorreram ao século XVII para comprovar sua lealdade à Coroa afirmando que têm a felicidade de descender dos portugueses mais ilustres daquela capitania de Pernambuco cujo terreno banha ram tantas vezes com o seu sangue em defesa da Pátria na memorável época da expulsão dos holandeses apud CADENA 2013 p 58 grifos meus Portanto Restauração era empregada conforme as conveniências políticas 20 Contra esta certeza pesa a informação de que houve sessões dos tais malvados que se fazem na sala do Governo e à noite ali se ajuntam como Conselheiros Antônio Carlos o Capitãomor do Recife Antônio de Morais Silva filho do Rio de Janeiro que foi ali Juiz de Fora e Gervásio Pires Ferreira e que por voto deste se pronunciou confisco em todos os bens dos que se ausentassem e estivessem fora DH 1953 v CI p 127 21 A Proclamação ao associar a irreligiosidade e imoralidade à Revolução Francesa usa procedimento similar ao observado em panfletos que circularam em Portugal à época das invasões francesas Sobre isso ver Lisboa 1991 p 170173 22 Sobre isso veja Mota 1972 p 5859 OS CONTRARREVOLUCIONÁRIOS DE 1817 E SUAS APROPRIAÇÕES DA HISTÓRIA OS PERIGOS DAS REVOLUÇÕES Luiz Carlos VILLALTA História São Paulo v36 e28 2017 ISSN 19804369 33 DE 33 Luiz Carlos VILLALTA Professor Doutor Departamento de História e Programa de Pós Graduação em História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas UFMG Univ Fede ral de Minas Gerais Campus Pampulha Av Presidente Antônio Carlos 6627 CEP 31270 901 Belo Horizonte Minas Gerais Brasil A pesquisa que resultou neste artigo foi financiada pelo CNPq e FAPEMIG Programa do Pesquisador de Minas Gerais PPM20142016 e foi dirigida por Lucia Bastos Pereira das Neves no Programa de PósDoutorado em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Recebido em 23062017 Aprovado em 18102017