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ENSINO em REVISTA DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25a2018-11 Ensinar e aprender Geografia na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Iara Vieira Guimarães1 RESUMO Neste artigo, realizamos uma discussão a respeito da configuração que a Geografia apresenta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nossa motivação é pautada tanto pela recente aprovação e homologação pelo Ministério da Educação do referido documento, quanto pelas questões que envolvem seu processo de debate e implementação junto aos professores atuantes nas escolas brasileiras. A delimitação do contexto político nacional em que foi construído o documento bem como a concepção de currículo presente no texto configuram o cenário sobre o qual levantamos questões para discussão e análise. Defendemos a importância de se considerarem os professores como os principais profissionais a serem consultados em qualquer política pública de ensino que intencione mudar as práticas pedagógicas, seus conteúdos curriculares, os materiais escolares e os processos de ensino-aprendizagem. Salientamos a especificidade da Geografia como componente curricular fundamental para a formação cidadã sendo, portanto, imprescindível em todos os segmentos da educação básica brasileira. PALAVRAS-CHAVES: Geografia Escolar. Currículo. Base Nacional Comum Curricular-BNCC. Teaching and learning geography in the National Curriculum Common Base (BNCC) 1Pós-Doutorado em Educação. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. E-mail: iaravg@ufu.br Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1036 ENSINO em REVISTA DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25a2018-11 ABSTRACT In this article, we present a theoretical discussion about the configuration that Geography presents in the Common National Curricular Basis. Our motivation is based both by the recent approval and homologation by the Ministry of Education of this document and by the weaknesses that involve all the process of debate and implementation next to the teachers who works on several education systems. The delimitation of the brazilian political context such as well the indefinition of curriculum presents in the document form a scenario on which we raise points that we consider relevant to discuss. We defend the importance of considering teachers as the main professionals to be consulted in any education public policy that intends to change pedagogical practices, its curricular content, the school materials and teaching-learning processes. We emphasize the specificity of Geography as an important curricular component for a citizenship education and, therefore, its indispensable character in all segments of brazilian basic education. KEYWORDS: School geography. Curriculum. Common National Curricular Basis - BNCC. Introdução Iniciamos nossa reflexão sobre a temática desse texto, apresentando ao leitor duas questões: que contribuições a Geografia pode dar à formação dos alunos da educação básica? Quais conhecimentos geográficos importam para os estudantes dessa etapa de escolaridade? Essas questões são necessárias quando nos propomos a analisar documentos de referência da Geografia Escolar, pois eles expressam finalidades: dentre elas, o que é importante ser tratado no ensino dessa disciplina na escola. Consideramos como documentos de referência as propostas que apresentam uma sistematização dos conhecimentos, uma seleção e ordenação de conteúdos que possibilitam aos professores organizar um Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1037 ENSINO em REVISTA DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25a2018-11 processo pedagógico para que os alunos entrem em contato com a interpretação geográfica. Isso é manifesto, em grande parte das escolas, como obrigatório, quando o professor se propõe a pensar no que os alunos devem aprender. Essas propostas curriculares ou documentos de referência, como estamos nomeando aqui, apresentam uma seleção do que deve ser ensinado e do que é importante o aluno aprender em uma determinada área de conhecimento. Logo, são os documentos que estabelecem a direção para a ação de ensinar e aprender em uma dada disciplina escolar. Contudo, frente a qualquer documento curricular de referência, precisamos estar atentos para outras duas questões úteis durante todo o processo de análise. Pensando no contexto de vida, nas experiências e na região em que os alunos habitam, quais são os conteúdos geográficos de maior importância a serem trabalhados? Por que esses conteúdos são importantes? É necessário ressaltar que a existência de documentos de referência não pode eliminar a possibilidade de o professor questionar a realidade, levantar temáticas de estudo e estabelecer diretrizes para o processo pedagógico. Isso se apresenta como algo desejável e fundamental para o trabalho docente, principalmente no caso da Geografia. Entretanto, essa postura vai depender da forma como o sistema de ensino, a escola e, de modo particular, o professor, encaram os documentos curriculares de referência. Dependerá, também, de como as políticas públicas são arquitetadas para direcionar a formação de professores, o material didático e a avaliação do sistema educacional (dos alunos, dos professores e da instituição de ensino). No Brasil, os documentos curriculares de referência foram (e ainda são) apresentados com a denominação de guias, propostas, parâmetros ou, mais recentemente, como base comum. A esse respeito, é importante considerar que a própria denominação de um dado documento indica o que se espera do ensino escolar. Nesse sentido, “a expressão guia pressupõe um processo de dirigir, conduzir”; o termo proposta contém a ideia de plano que se apresenta Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1038 para o debate; enquanto parâmetro pode ser entendido como aquilo que se baliza” (SPOSITO, 1999, p. 26). Entretanto, o que significa o termo “base”? De modo mais específico, podemos questionar o significado da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), elaborada pelo Ministério da Educação (MEC) e aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em dezembro do ano de 2017. Qual ensino de Geografia esse documento institui? Que repercussões essa política pública pode notabilizar na prática do professor e da escola? O contexto de construção da BNCC É importante salientar que a elaboração da BNCC estava prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996. Além disso, a Base Nacional Comum Curricular foi estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE), votado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, em junho de 2014. Esse documento normativo (a BNCC) deveria ter sido entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE), para sua aprovação final, dois anos depois, ou seja, em junho de 2016. Assim, a BNCC é uma política pública amparada em determinação legal e legítima. Seu objetivo é estabelecer um conjunto de conhecimentos e aprendizagens essenciais a todos os alunos brasileiros, isto é, todos devem ter acesso a tal conjunto, ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Contudo, o período de construção da BNCC foi marcado por conflitos e eventos políticos complexos da história do Brasil. Para exemplificarmos essa situação, registramos que, nesse período, nosso país teve três ministros da Educação2. É preciso registrar, também, que o período de instalação das comissões, pelo MEC, para a elaboração da Base, ocorreu somente em abril de 2015, de forma tardia se ponderarmos sobre tudo que um projeto dessa magnitude envolve. Foi nesse ano que o Ministério da Educação iniciou as Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1039 2 Refirimo-nos aos Ministros Renato Janine Ribeiro que iniciou o processo de construção da BNCC, seguido por Aloizio Mercadante e, depois, sucedido por José Mendonça Filho. Este último concluiu o processo de elaboração da Base. ações, objetivando a construção da Base Nacional Comum Curricular. Tais ações visavam a arquitetura de uma política pública com um conjunto de orientações para situar os currículos das escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Em 2015, vivemos, no Brasil, o processo de impeachment do Presidente da República3 e uma mudança significativa das orientações políticas e do curso das ações do governo. Esse fato ressoou no Ministério da Educação e na mudança na equipe que liderava a pasta. As decisões em relação à construção em andamento da BNCC surpreenderam, pois os novos dirigentes desconsideraram o que havia sido feito até então. Contratou-se outra equipe para construir uma nova proposta. Foi nesse contexto que uma terceira versão do documento foi encaminhada para o Conselho Nacional de Educação, aprovada e homologada pelo MEC, em dezembro de 2017. O MEC optou pela publicação de dois documentos separados, um para a educação infantil e o ensino fundamental, outro para o ensino médio. Este fato gerou inúmeras críticas à condução do processo, pois ele acabou por fragmentar o sentido de integração entre as etapas da educação básica. A BNCC foi gestada, portanto, em um contexto político nacional conturbado, de instabilidade e conflito, o que gerou muitos questionamentos por parte dos profissionais do campo da Educação, dentre outros. Uma das críticas contundentes é que o processo de elaboração da BNCC foi marcado pelas circunstâncias políticas, pelo acirramento das divergências e pela imposição de determinados grupos, resultando em uma reduzida participação dos docentes, dos profissionais da Educação e da sociedade em geral. A proposta é, portanto, centralizadora e se configura como um currículo prescrito que será implementado na ação docente e escolar. Como nos mostra Macedo (2018, p. 30), “para a BNCC, a complementariedade entre Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1040 3 Refirimo-nos ao processo de impeachment de Dilma Rousseff que teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu prosseguimento ao pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal. Com uma duração de 273 dias, o caso encerrou-se em 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato. Como resultado, o vice-presidente, Michel Temer, assumiu a Presidência da República em definitivo, até o fim do mandato, em 2018. Fonte: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/>. currículo prescrito e currículo em ação é da ordem da aplicação, a Base será implementada como currículo em ação”. Além disso, há uma forte indicação de que o processo foi marcado por um caráter conservador e reflete os interesses do mercado e de grupos privatizantes dos setores relacionados à Educação. Sabemos que há interesses mercadológicos que envolvem de maneira proeminente a Educação Básica no Brasil. De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica, divulgado em 2018 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o Brasil possui 184,1 mil escolas, 2,2 milhões de professores atuando na Educação Básica, 48,6 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental e 7,9 milhões no ensino médio. Esses dados dão mostras suficientes dos interesses comerciais que circulam as escolas, os programas de formação de professores, os materiais didáticos, as tecnologias educativas, as avaliações de larga escala, etc. Sabemos que os representantes dos setores empresariais são ávidos para atrelaram ao Estado, objetivando tomar plausíveis as suas demandas e interesses. Apesar de a BNCC anunciar que seu intuito mais significativo é garantir os direitos dos alunos à aprendizagem, há forte questionamento, por parte da comunidade docente, sobre a pouca eficiência na implementação de políticas públicas centralizadoras e sobre as repercussões que elas podem ter, de fato, na melhoria da qualidade da Educação Básica brasileira. Muitos intelectuais defendem que a organização da BNCC pode pôr em risco a autonomia dos professores e a liberdade para a estruturação dos conteúdos contextuais mais significativos para os diversos alunos brasileiros. Nesse sentido, um fato que merece nossa atenção é a ambiguidade do documento ao afirmar que a BNCC não é currículo, mas apenas diretrizes para a elaboração dos currículos pelas escolas. Uma análise do arranjo do documento mostra que essa assertiva pode ser amplamente contestada, pois o texto especifica os conteúdos e os objetivos do Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1041 3 ensino. Os conteúdos mínimos já estão definidos no documento, de forma bastante esquemática e tecnicista. Conforme nos mostra Macedo (2018, p. 32), Os velhos modelos de Bloom e Mager (MEC, 2017, p.29) — expoentes da abordagem técnica dos anos 1950-1960 — estão de volta para possibilitar a escrita clara e inequívoca das habilidades, codificadas com letras e números cuja montagem é detalhadamente explicada. Como o documento informa que tais códigos não explicitam sequência ou importância, o sentido de seu destaque seria, talvez, apenas fortalecer o imaginário de controle necessário à implementação de um currículo formal centralizado. Certamente, estará-se contando que a avaliação desempenhe o seu papel de direcionar tal implementação e os códigos seriam um lembrete, aos mais rebeldes, de que ela ocorrerá. Assim, podemos afirmar que a seleção dos conhecimentos que devem ser trabalhados na escola está exposta de modo literal no documento, o que não gera dúvidas sobre o fato de que aquele se constitui em um currículo prescrito. São pertinentes os questionamentos de Freitas (2018) sobre tal aspecto, pois na prática, a BNCC acabou por definir as competências, as habilidades e os objetos do conhecimento em um sequenciamento rígido, indicando o ano em que devem ser trabalhados. Isso é um currículo mínimo que vai modelar as avaliações e os materiais didáticos, incluindo os livros didáticos. Desse modo, segundo o autor, é possível questionar o que resta para os professores criarem? Como fica a autonomia do magistério em relação à tarefa de ensinar? As críticas e as perguntas em relação à BNCC estão muito presentes no cenário educacional. Anteriormente, elencamos alguns pontos centrais, que julgamos importante salientar, sobre o contexto mais global da instituição dessa política pública. A seguir, realizaremos uma análise mais específica do documento, na área de Geografia Escolar. Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1042 A BNCC de Geografia para o ensino fundamental Há tempos, são questionadas as finalidades de práticas pedagógicas de Geografia pautadas em metodologias de ensino que giram em torno do uso exclusivo de uma apostila ou de um livro didático. São questionadas, também, as aulas de Geografia direcionadas pela exposição oral de conteúdos listados e subdivididos em unidades temáticas que pouco, ou nada, se relacionam umas com as outras. São práticas pedagógicas em que o giz, a lousa e o material impresso (apostila ou livro didático) imperam como únicos recursos didáticos. Esses recursos estão sempre em posição de destaque em detrimento dos demais aportes disponíveis no contexto atual. Aulas que se pautam em conteúdos estipulados em currículos instrumentais, que desconsideram os alunos e os seus desejos, os seus contextos de vida, as suas realidades, os seus sonhos e as suas potencialidades. Partimos dessas circunscrições, ainda tão presentes no cotidiano das nossas escolas, para avaliarmos a conformação do ensino de Geografia na BNCC. Afinal, quais conhecimentos, quais aprendizagens e qual ensino de Geografia a BNCC propõe? Em primeiro lugar é possível notar que a referida base foi escrita de modo a obedecer a uma diretriz tecnicista, objetiva, breve, econômica e prática. Não há análise ou problematização sobre o conhecimento geográfico em si, pois o texto é marcado, do início ao fim, pelo prescritivismo no sentido de “aplicação”. Isso confere a ele características particulares, pois não há tempo para descidas aos “porões”, como defende Veiga Neto (2012), tampouco para pensar com certa profundidade sobre os conceitos da Geografia, sua historicidade e sua constituição epistêmica. Em decorrência do estilo de texto adotado, notamos, no documento, declarações acentuadas de princípios gerais, marcados pela superficialidade teórica. Tudo para estruturar o melhor modelo, a melhor solução para o ensino de Geografia. Segundo Veiga-Neto (2012, p. 276), quando não há tempo para descer aos porões e visitar os fundamentos nos quais se radicam Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1043 as opções epistemológicas, tem-se como consequência o fato de que “poucos conhecem o solo em que se alimentam suas convicções acerca da salvação por obra da educação. Não se trata, é claro, de dizer que não são feitas opções ou que não há convicções (sociais, políticas, pedagógicas, metodológicas, éticas etc.)”. A questão que se impõe é, portanto: de onde vieram essas opções? Algumas evidências textuais nos chamaram a atenção para problematizar as convicções e opções postuladas na BNCC. A saber: a) A falta de conexão entre o texto introdutório da área de Ciências Humanas e o texto da área de Geografia É possível observar com clareza que o texto que introduz a Área de Ciências Humanas (Geografia e História) não dialoga de modo consistente com o texto introdutório da proposta de Geografia, o que nos dá a impressão de que eles não foram escritos pela mesma equipe ou que houve uma fragmentação do trabalho de construção. Enquanto o primeiro texto defende a “retomada” no sentido dos espaços percorridos, conhecidos e vividos nos permite reconhecer os objetos, os fenômenos e os lugares distribuídos no território e compreender os diferentes olhares para os arranjos desses objetos nos planos espaciais” (BRASIL, 2018, p. 351), o texto introdutório da área de Geografia não faz referência alguma a essa concepção teórica. Tal fato também acontece com outros conceitos, por exemplo, o do “espaço biográfico”, defendido no texto da área de Ciências Humanas e sem qualquer referência no texto de Geografia. Podemos conceber, assim, que o princípio da articulação curricular por áreas do conhecimento não se efetiva no documento. Se não foi possível expressar uma articulação potente entre as áreas, é difícil imaginar que isso possa reverberar em uma prática de maior flexibilidade entre as disciplinas na prática escolar, ou na defesa consistente de um trabalho interdisciplinar. b) O tecnicismo como fundamento da proposta O texto inicial que fundamenta a proposta é demasiado curto, apenas oito páginas (357 até 364) destinadas a mostrar os fundamentos, os Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1044 ensino em RE VISTA em DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25n3a2018-11 objetivos, os conceitos e as unidades temáticas que sustentam a estrutura curricular de Geografia apresentada. Por sua vez, a parte que demonstra a organização curricular em Unidades temáticas, os objetos de conhecimento e as Habilidades ocupa a maior parte do documento. Desses quesitos, o tópico destinado às habilidades específicas evidencia, de modo detalhado, tudo o que se quer atingir em termos da aprendizagem da Geografia. Isso denota um tecnicismo exacerbado. Como afirma Libâneo (2018, p. 66), O paradigma behaviorista se diferencia radicalmente de outras pedagogias como a cognitiva, a humanista, a construtivista, a histórico-cultural as quais têm alguns traços em comum como o papel da aprendizagem significativa no desenvolvimento dos processos mentais, as implicações cognitivas e emocionais no ensino, o papel do ambiente social da aprendizagem e de situações estimuladoras do desenvolvimento mental, as interações em sala de aula etc. Essas características estão ausentes do paradigma tecnicista, já que considera a mente humana como uma "caixa preta” cujo interior não podemos conhecer e, por isso mesmo, trata-se de buscar no ensino formas externas de mudanças no comportamento humano dos alunos ignorando os processos psíquicos ou mentais, o contexto sociocultural, a relação pedagógica. Com isso, o papel educativo da escola e dos professores fica praticamente anulado porque os objetivos vêm previamente, ou seja, agentes avaliadores do sistema escolar definem os objetivos da matéria, o tipo de cidadão, o projeto educativo. Logo, a preocupação central da proposta é estipular e enquadrar os conteúdos de modo pormenorizado, desprezando a discussão dos fundamentos, do embasamento teórico-conceitual, das discussões didático-pedagógicas, basilares para a compreensão do que é o ensino e a aprendizagem de Geografia de qualidade. Assim, podemos perceber que o documento possui um viés que dá mais importância à descrição Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1045
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ENSINO em REVISTA DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25a2018-11 Ensinar e aprender Geografia na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Iara Vieira Guimarães1 RESUMO Neste artigo, realizamos uma discussão a respeito da configuração que a Geografia apresenta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nossa motivação é pautada tanto pela recente aprovação e homologação pelo Ministério da Educação do referido documento, quanto pelas questões que envolvem seu processo de debate e implementação junto aos professores atuantes nas escolas brasileiras. A delimitação do contexto político nacional em que foi construído o documento bem como a concepção de currículo presente no texto configuram o cenário sobre o qual levantamos questões para discussão e análise. Defendemos a importância de se considerarem os professores como os principais profissionais a serem consultados em qualquer política pública de ensino que intencione mudar as práticas pedagógicas, seus conteúdos curriculares, os materiais escolares e os processos de ensino-aprendizagem. Salientamos a especificidade da Geografia como componente curricular fundamental para a formação cidadã sendo, portanto, imprescindível em todos os segmentos da educação básica brasileira. PALAVRAS-CHAVES: Geografia Escolar. Currículo. Base Nacional Comum Curricular-BNCC. Teaching and learning geography in the National Curriculum Common Base (BNCC) 1Pós-Doutorado em Educação. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. E-mail: iaravg@ufu.br Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1036 ENSINO em REVISTA DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25a2018-11 ABSTRACT In this article, we present a theoretical discussion about the configuration that Geography presents in the Common National Curricular Basis. Our motivation is based both by the recent approval and homologation by the Ministry of Education of this document and by the weaknesses that involve all the process of debate and implementation next to the teachers who works on several education systems. The delimitation of the brazilian political context such as well the indefinition of curriculum presents in the document form a scenario on which we raise points that we consider relevant to discuss. We defend the importance of considering teachers as the main professionals to be consulted in any education public policy that intends to change pedagogical practices, its curricular content, the school materials and teaching-learning processes. We emphasize the specificity of Geography as an important curricular component for a citizenship education and, therefore, its indispensable character in all segments of brazilian basic education. KEYWORDS: School geography. Curriculum. Common National Curricular Basis - BNCC. Introdução Iniciamos nossa reflexão sobre a temática desse texto, apresentando ao leitor duas questões: que contribuições a Geografia pode dar à formação dos alunos da educação básica? Quais conhecimentos geográficos importam para os estudantes dessa etapa de escolaridade? Essas questões são necessárias quando nos propomos a analisar documentos de referência da Geografia Escolar, pois eles expressam finalidades: dentre elas, o que é importante ser tratado no ensino dessa disciplina na escola. Consideramos como documentos de referência as propostas que apresentam uma sistematização dos conhecimentos, uma seleção e ordenação de conteúdos que possibilitam aos professores organizar um Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1037 ENSINO em REVISTA DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25a2018-11 processo pedagógico para que os alunos entrem em contato com a interpretação geográfica. Isso é manifesto, em grande parte das escolas, como obrigatório, quando o professor se propõe a pensar no que os alunos devem aprender. Essas propostas curriculares ou documentos de referência, como estamos nomeando aqui, apresentam uma seleção do que deve ser ensinado e do que é importante o aluno aprender em uma determinada área de conhecimento. Logo, são os documentos que estabelecem a direção para a ação de ensinar e aprender em uma dada disciplina escolar. Contudo, frente a qualquer documento curricular de referência, precisamos estar atentos para outras duas questões úteis durante todo o processo de análise. Pensando no contexto de vida, nas experiências e na região em que os alunos habitam, quais são os conteúdos geográficos de maior importância a serem trabalhados? Por que esses conteúdos são importantes? É necessário ressaltar que a existência de documentos de referência não pode eliminar a possibilidade de o professor questionar a realidade, levantar temáticas de estudo e estabelecer diretrizes para o processo pedagógico. Isso se apresenta como algo desejável e fundamental para o trabalho docente, principalmente no caso da Geografia. Entretanto, essa postura vai depender da forma como o sistema de ensino, a escola e, de modo particular, o professor, encaram os documentos curriculares de referência. Dependerá, também, de como as políticas públicas são arquitetadas para direcionar a formação de professores, o material didático e a avaliação do sistema educacional (dos alunos, dos professores e da instituição de ensino). No Brasil, os documentos curriculares de referência foram (e ainda são) apresentados com a denominação de guias, propostas, parâmetros ou, mais recentemente, como base comum. A esse respeito, é importante considerar que a própria denominação de um dado documento indica o que se espera do ensino escolar. Nesse sentido, “a expressão guia pressupõe um processo de dirigir, conduzir”; o termo proposta contém a ideia de plano que se apresenta Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1038 para o debate; enquanto parâmetro pode ser entendido como aquilo que se baliza” (SPOSITO, 1999, p. 26). Entretanto, o que significa o termo “base”? De modo mais específico, podemos questionar o significado da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), elaborada pelo Ministério da Educação (MEC) e aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em dezembro do ano de 2017. Qual ensino de Geografia esse documento institui? Que repercussões essa política pública pode notabilizar na prática do professor e da escola? O contexto de construção da BNCC É importante salientar que a elaboração da BNCC estava prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996. Além disso, a Base Nacional Comum Curricular foi estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE), votado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, em junho de 2014. Esse documento normativo (a BNCC) deveria ter sido entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE), para sua aprovação final, dois anos depois, ou seja, em junho de 2016. Assim, a BNCC é uma política pública amparada em determinação legal e legítima. Seu objetivo é estabelecer um conjunto de conhecimentos e aprendizagens essenciais a todos os alunos brasileiros, isto é, todos devem ter acesso a tal conjunto, ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Contudo, o período de construção da BNCC foi marcado por conflitos e eventos políticos complexos da história do Brasil. Para exemplificarmos essa situação, registramos que, nesse período, nosso país teve três ministros da Educação2. É preciso registrar, também, que o período de instalação das comissões, pelo MEC, para a elaboração da Base, ocorreu somente em abril de 2015, de forma tardia se ponderarmos sobre tudo que um projeto dessa magnitude envolve. Foi nesse ano que o Ministério da Educação iniciou as Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1039 2 Refirimo-nos aos Ministros Renato Janine Ribeiro que iniciou o processo de construção da BNCC, seguido por Aloizio Mercadante e, depois, sucedido por José Mendonça Filho. Este último concluiu o processo de elaboração da Base. ações, objetivando a construção da Base Nacional Comum Curricular. Tais ações visavam a arquitetura de uma política pública com um conjunto de orientações para situar os currículos das escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Em 2015, vivemos, no Brasil, o processo de impeachment do Presidente da República3 e uma mudança significativa das orientações políticas e do curso das ações do governo. Esse fato ressoou no Ministério da Educação e na mudança na equipe que liderava a pasta. As decisões em relação à construção em andamento da BNCC surpreenderam, pois os novos dirigentes desconsideraram o que havia sido feito até então. Contratou-se outra equipe para construir uma nova proposta. Foi nesse contexto que uma terceira versão do documento foi encaminhada para o Conselho Nacional de Educação, aprovada e homologada pelo MEC, em dezembro de 2017. O MEC optou pela publicação de dois documentos separados, um para a educação infantil e o ensino fundamental, outro para o ensino médio. Este fato gerou inúmeras críticas à condução do processo, pois ele acabou por fragmentar o sentido de integração entre as etapas da educação básica. A BNCC foi gestada, portanto, em um contexto político nacional conturbado, de instabilidade e conflito, o que gerou muitos questionamentos por parte dos profissionais do campo da Educação, dentre outros. Uma das críticas contundentes é que o processo de elaboração da BNCC foi marcado pelas circunstâncias políticas, pelo acirramento das divergências e pela imposição de determinados grupos, resultando em uma reduzida participação dos docentes, dos profissionais da Educação e da sociedade em geral. A proposta é, portanto, centralizadora e se configura como um currículo prescrito que será implementado na ação docente e escolar. Como nos mostra Macedo (2018, p. 30), “para a BNCC, a complementariedade entre Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1040 3 Refirimo-nos ao processo de impeachment de Dilma Rousseff que teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu prosseguimento ao pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal. Com uma duração de 273 dias, o caso encerrou-se em 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato. Como resultado, o vice-presidente, Michel Temer, assumiu a Presidência da República em definitivo, até o fim do mandato, em 2018. Fonte: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/>. currículo prescrito e currículo em ação é da ordem da aplicação, a Base será implementada como currículo em ação”. Além disso, há uma forte indicação de que o processo foi marcado por um caráter conservador e reflete os interesses do mercado e de grupos privatizantes dos setores relacionados à Educação. Sabemos que há interesses mercadológicos que envolvem de maneira proeminente a Educação Básica no Brasil. De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica, divulgado em 2018 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o Brasil possui 184,1 mil escolas, 2,2 milhões de professores atuando na Educação Básica, 48,6 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental e 7,9 milhões no ensino médio. Esses dados dão mostras suficientes dos interesses comerciais que circulam as escolas, os programas de formação de professores, os materiais didáticos, as tecnologias educativas, as avaliações de larga escala, etc. Sabemos que os representantes dos setores empresariais são ávidos para atrelaram ao Estado, objetivando tomar plausíveis as suas demandas e interesses. Apesar de a BNCC anunciar que seu intuito mais significativo é garantir os direitos dos alunos à aprendizagem, há forte questionamento, por parte da comunidade docente, sobre a pouca eficiência na implementação de políticas públicas centralizadoras e sobre as repercussões que elas podem ter, de fato, na melhoria da qualidade da Educação Básica brasileira. Muitos intelectuais defendem que a organização da BNCC pode pôr em risco a autonomia dos professores e a liberdade para a estruturação dos conteúdos contextuais mais significativos para os diversos alunos brasileiros. Nesse sentido, um fato que merece nossa atenção é a ambiguidade do documento ao afirmar que a BNCC não é currículo, mas apenas diretrizes para a elaboração dos currículos pelas escolas. Uma análise do arranjo do documento mostra que essa assertiva pode ser amplamente contestada, pois o texto especifica os conteúdos e os objetivos do Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1041 3 ensino. Os conteúdos mínimos já estão definidos no documento, de forma bastante esquemática e tecnicista. Conforme nos mostra Macedo (2018, p. 32), Os velhos modelos de Bloom e Mager (MEC, 2017, p.29) — expoentes da abordagem técnica dos anos 1950-1960 — estão de volta para possibilitar a escrita clara e inequívoca das habilidades, codificadas com letras e números cuja montagem é detalhadamente explicada. Como o documento informa que tais códigos não explicitam sequência ou importância, o sentido de seu destaque seria, talvez, apenas fortalecer o imaginário de controle necessário à implementação de um currículo formal centralizado. Certamente, estará-se contando que a avaliação desempenhe o seu papel de direcionar tal implementação e os códigos seriam um lembrete, aos mais rebeldes, de que ela ocorrerá. Assim, podemos afirmar que a seleção dos conhecimentos que devem ser trabalhados na escola está exposta de modo literal no documento, o que não gera dúvidas sobre o fato de que aquele se constitui em um currículo prescrito. São pertinentes os questionamentos de Freitas (2018) sobre tal aspecto, pois na prática, a BNCC acabou por definir as competências, as habilidades e os objetos do conhecimento em um sequenciamento rígido, indicando o ano em que devem ser trabalhados. Isso é um currículo mínimo que vai modelar as avaliações e os materiais didáticos, incluindo os livros didáticos. Desse modo, segundo o autor, é possível questionar o que resta para os professores criarem? Como fica a autonomia do magistério em relação à tarefa de ensinar? As críticas e as perguntas em relação à BNCC estão muito presentes no cenário educacional. Anteriormente, elencamos alguns pontos centrais, que julgamos importante salientar, sobre o contexto mais global da instituição dessa política pública. A seguir, realizaremos uma análise mais específica do documento, na área de Geografia Escolar. Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1042 A BNCC de Geografia para o ensino fundamental Há tempos, são questionadas as finalidades de práticas pedagógicas de Geografia pautadas em metodologias de ensino que giram em torno do uso exclusivo de uma apostila ou de um livro didático. São questionadas, também, as aulas de Geografia direcionadas pela exposição oral de conteúdos listados e subdivididos em unidades temáticas que pouco, ou nada, se relacionam umas com as outras. São práticas pedagógicas em que o giz, a lousa e o material impresso (apostila ou livro didático) imperam como únicos recursos didáticos. Esses recursos estão sempre em posição de destaque em detrimento dos demais aportes disponíveis no contexto atual. Aulas que se pautam em conteúdos estipulados em currículos instrumentais, que desconsideram os alunos e os seus desejos, os seus contextos de vida, as suas realidades, os seus sonhos e as suas potencialidades. Partimos dessas circunscrições, ainda tão presentes no cotidiano das nossas escolas, para avaliarmos a conformação do ensino de Geografia na BNCC. Afinal, quais conhecimentos, quais aprendizagens e qual ensino de Geografia a BNCC propõe? Em primeiro lugar é possível notar que a referida base foi escrita de modo a obedecer a uma diretriz tecnicista, objetiva, breve, econômica e prática. Não há análise ou problematização sobre o conhecimento geográfico em si, pois o texto é marcado, do início ao fim, pelo prescritivismo no sentido de “aplicação”. Isso confere a ele características particulares, pois não há tempo para descidas aos “porões”, como defende Veiga Neto (2012), tampouco para pensar com certa profundidade sobre os conceitos da Geografia, sua historicidade e sua constituição epistêmica. Em decorrência do estilo de texto adotado, notamos, no documento, declarações acentuadas de princípios gerais, marcados pela superficialidade teórica. Tudo para estruturar o melhor modelo, a melhor solução para o ensino de Geografia. Segundo Veiga-Neto (2012, p. 276), quando não há tempo para descer aos porões e visitar os fundamentos nos quais se radicam Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1043 as opções epistemológicas, tem-se como consequência o fato de que “poucos conhecem o solo em que se alimentam suas convicções acerca da salvação por obra da educação. Não se trata, é claro, de dizer que não são feitas opções ou que não há convicções (sociais, políticas, pedagógicas, metodológicas, éticas etc.)”. A questão que se impõe é, portanto: de onde vieram essas opções? Algumas evidências textuais nos chamaram a atenção para problematizar as convicções e opções postuladas na BNCC. A saber: a) A falta de conexão entre o texto introdutório da área de Ciências Humanas e o texto da área de Geografia É possível observar com clareza que o texto que introduz a Área de Ciências Humanas (Geografia e História) não dialoga de modo consistente com o texto introdutório da proposta de Geografia, o que nos dá a impressão de que eles não foram escritos pela mesma equipe ou que houve uma fragmentação do trabalho de construção. Enquanto o primeiro texto defende a “retomada” no sentido dos espaços percorridos, conhecidos e vividos nos permite reconhecer os objetos, os fenômenos e os lugares distribuídos no território e compreender os diferentes olhares para os arranjos desses objetos nos planos espaciais” (BRASIL, 2018, p. 351), o texto introdutório da área de Geografia não faz referência alguma a essa concepção teórica. Tal fato também acontece com outros conceitos, por exemplo, o do “espaço biográfico”, defendido no texto da área de Ciências Humanas e sem qualquer referência no texto de Geografia. Podemos conceber, assim, que o princípio da articulação curricular por áreas do conhecimento não se efetiva no documento. Se não foi possível expressar uma articulação potente entre as áreas, é difícil imaginar que isso possa reverberar em uma prática de maior flexibilidade entre as disciplinas na prática escolar, ou na defesa consistente de um trabalho interdisciplinar. b) O tecnicismo como fundamento da proposta O texto inicial que fundamenta a proposta é demasiado curto, apenas oito páginas (357 até 364) destinadas a mostrar os fundamentos, os Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1044 ensino em RE VISTA em DOI: http://dx.doi.org/10.14393/ER-v25n3a2018-11 objetivos, os conceitos e as unidades temáticas que sustentam a estrutura curricular de Geografia apresentada. Por sua vez, a parte que demonstra a organização curricular em Unidades temáticas, os objetos de conhecimento e as Habilidades ocupa a maior parte do documento. Desses quesitos, o tópico destinado às habilidades específicas evidencia, de modo detalhado, tudo o que se quer atingir em termos da aprendizagem da Geografia. Isso denota um tecnicismo exacerbado. Como afirma Libâneo (2018, p. 66), O paradigma behaviorista se diferencia radicalmente de outras pedagogias como a cognitiva, a humanista, a construtivista, a histórico-cultural as quais têm alguns traços em comum como o papel da aprendizagem significativa no desenvolvimento dos processos mentais, as implicações cognitivas e emocionais no ensino, o papel do ambiente social da aprendizagem e de situações estimuladoras do desenvolvimento mental, as interações em sala de aula etc. Essas características estão ausentes do paradigma tecnicista, já que considera a mente humana como uma "caixa preta” cujo interior não podemos conhecer e, por isso mesmo, trata-se de buscar no ensino formas externas de mudanças no comportamento humano dos alunos ignorando os processos psíquicos ou mentais, o contexto sociocultural, a relação pedagógica. Com isso, o papel educativo da escola e dos professores fica praticamente anulado porque os objetivos vêm previamente, ou seja, agentes avaliadores do sistema escolar definem os objetivos da matéria, o tipo de cidadão, o projeto educativo. Logo, a preocupação central da proposta é estipular e enquadrar os conteúdos de modo pormenorizado, desprezando a discussão dos fundamentos, do embasamento teórico-conceitual, das discussões didático-pedagógicas, basilares para a compreensão do que é o ensino e a aprendizagem de Geografia de qualidade. Assim, podemos perceber que o documento possui um viés que dá mais importância à descrição Ensino Em Re-Vista | Uberlândia, MG | v.25 | n.Especial | p.???-??? | 2018 0000 ISSN: 1983-1730 1045