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Universidade Federal de Goiás Faculdade de Educação Programa de PósGraduação em Psicologia Guilherme Nogueira Compreensão psicodiagnóstica na contemporaneidade diálogos com a fenomenologia e com Karl Jaspers Goiânia 2021 Universidade Federal de Goiás Faculdade de Educação Programa de PósGraduação em Psicologia Guilherme Nogueira Compreensão psicodiagnóstica na contemporaneidade diálogos com a fenomenologia e com Karl Jaspers Trabalho apresentado à Banca Examinadora de Defesa do Programa de PósGraduação em Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia sob a orientação da Profª Drª Maria do Rosário Silva Resende e coorientação da Profª Drª Celana Cardoso Andrade Área de Concentração Processos Psicossociais e Educacionais Goiânia 2021 Agradecimentos Agradeço primeiramente a minha amada mãe Obrigado por sempre ter me dado a chance de estudar dedicar à minha formação por se orgulhar de cada passo dado ao longo de toda minha vida Mais do que mãe você é a grande formadora e incentivadora que tenho na vida Agradeço à minha orientadora Maria do Rosário Marrô desde a graduação você foi uma peça fundamental para a minha formação humana Nossas conversas além da sala de aula sempre me ajudaram muito a ver a vida por um novo prisma e gratidão ao seu jeito sempre muito cuidadoso tanto em questões pessoais quanto formadoras Agradeço à minha também orientadora Celana Difícil pensar no meu eu profissional sem você no meio minha inspiração e guia Obrigado por acreditar em mim me empurrar quando preciso passar a mão na minha cabeça e puxar minha orelha Quando crescer quero ser parecido com você Agradeço a todos os professores que passaram por minha trajetória desde quando aprendi a escrever até esse momento de formação crítica da sociedade Cada passo sempre me ajudou e me formou como a pessoa profissional que sou Agradeço ao PPGPUFG me senti acolhido e desenvolvi amizades adquiri conhecimentos e pude estudar as fundamentações que me permitiram elaborar esse trabalho Sumário Introdução 1 Percurso para a Psicologia e Pesquisa Fenomenológica em Edmund Husserl 5 11 A definição de fenômeno ao longo da modernidade filosófica Immanuel Kant Franz Brentano e Edmund Husserl 6 12 A fenomenologia proposta por Edmund Husserl da reviravolta filosófica ao método para a ciência 11 13 A Fenomenologia como fundamento para uma Psicologia Fenomenológica 17 14 A pesquisa fenomenológica em Psicologia 20 Transtornos mentais e a proposta psicodiagnóstica de Karl Jaspers 25 21 Histórico da compreensão de saúde mental 26 22 A psicopatologia e processo diagnóstico de Karl Jaspers 33 23 Influências filosóficas na psicopatologia e processo diagnóstico de Karl Jaspers 43 O psicodiagnóstico e o trabalho em saúde mental na contemporaneidade possíveis contribuições de Jaspers e da fenomenologia 52 31 A psicopatologia e o processo diagnóstico do DSM5 53 32 A Reforma Psiquiátrica e a proposta biopsicossocial de tratamento em saúde mental 61 33 A fenomenologia como modo de intervenção em saúde mental 66 Considerações finais 72 Referências 74 Lista de Abreviaturas e Siglas APA Associação Americana de Psiquiatria CID Classificação Internacional de Doenças DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais OMS Organização Mundial da Saúde Resumo Praticamente em todas as sociedades do passado e do presente as pessoas com comportamentos dissonantes da maioria entram em foco e a psicopatologia é uma das ciências que auxilia o alcance da compreensão psicodiagnóstica dessas pessoas Uma proposta clássica psicodiagnóstica é a de Karl Jaspers a qual propõe estudar o que o homem vivencia e como o faz investigando juntamente a biografia do paciente Para Jaspers alcançar patamar científico foi necessário classificar definir diferenciar e descrever os fenômenos psíquicos particulares por meio do método fenomenológico Agrupar e classificar os sintomas é um processo de grande relevância para a compreensão da sociedade desse modo o objetivo dessa pesquisa foi responder ao problema como está o diagnóstico em saúde mental por meio de uma compreensão crítica da fenomenologia e da teoria de Karl Jaspers Para responder a esse problema foi apresentada a fenomenologia enquanto proposta de pesquisa e o modelo de psicopatologia e psicodiagnóstico de Karl Jaspers para averiguar a postura da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM5 do modelo biopsicossocial de atenção à saúde mental dialogando com a fenomenologia e Jaspers Esse trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa teórica com base no desenvolvimento metodológico do método fenomenológico e a sua fundamentação teórica foi realizada pelos fundamentos da abordagem fenomenológica De acordo com os dados levantados notase que a proposta de Jaspers por focar no vivido pelo paciente e significados que este dá a sua experiência temse mantido ao longo de mais de cem anos da sua proposição conseguindo ainda manterse atualizada e coerente para o exame clínico e tratamento humanizado do paciente sem que fosse preciso alterar objetivos e métodos ao longo de novos estudos do autor A postura fenomenológica permite respeito à experiência vivida pelo usuário do serviço em coloca profissional e paciente na relação para a compreensão da experiência do psicopatológico Essas posturas assemelhamse às propostas do modelo de atenção biopsicossocial da saúde mental voltado a práticas mais humanizadas que vislumbram o paciente como ser ativo do processo e o resgate de sua dignidade e emancipação Concluise que mesmo ao longo do percurso diagnóstico ter havido muitas posturas desumanizadas há desde os clássicos uma postura de humanização sendo resgatada na contemporaneidade permitindo que diálogos entre eles sejam feitos e assim possa haver embasamento e possibilidades de práticas que valorizam cada vez mais a pessoa que vivencia algum transtorno mental Palavraschave psicodiagnóstico psicopatologia fenomenológica saúde mental Karl Jaspers processos psicossociais 1 1 Introdução Não creio ser um homem que saiba Tenho sido sempre um homem que busca Hermann Hesse in Demian O tema desse trabalho está fundamentado na compreensão crítica de posturas psicodiagnósticas por meio de uma análise do modelo clássico de Karl Jaspers com o atual cenário da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM 5 e a perspectiva de atenção à saúde mental Essa pesquisa é para verificar se o modo de se diagnosticar em psicologia tem se pautado em uma postura de respeito ao humano na sua singularidade A psicopatologia e a psicologia diagnóstica são dois pilares da Psicologia que me inspiraram a partir do momento que as conheci Desde quando entrei em contato pela primeira vez com essas áreas fiquei deslumbrado com todas as possibilidades oferecidas por elas Tanto é que cada novo estudo novo aprendizado mas cresceu meu desejo de aprofundar nelas Eu conheci um pouco da influência de Jaspers logo que comecei a estudar as disciplinas de Psicopatologia no curso de Psicologia Li inicialmente textos que debatiam as ideias desse autor e achei interessante o fato de as discussões me parecerem atuais O contato com o autor em si naquele momento foi complicado pela minha falta de conhecimento mais amplos que me possibilitassem entendêlo de fato Isso fez despertar em mim o desejo de me preparar mais e aí poder conhecer melhor e na própria fonte a obra de Jaspers Já o DSM5 foi um dos grandes assuntos da saúde mental durante meus últimos períodos na faculdade pois foi esse o momento do lançamento do manual Interessado em psicopatologia e questões diagnósticas li artigos e assisti debates de pessoas a favor e contra o DSM5 Eram muitas informações muita curiosidade e também o meu desejo de compreender mais sobre o tema Entretanto após ter adquirido essas informações e notícias sobre o DSM5 e tendo estudado mais sobre essas áreas que sempre me encantaram senti que precisava nortear melhor minhas leituras Fiz a escolha de começar a aprofundar um pouco mais meus estudos nessas áreas diagnósticas entrando em contato com os clássicos Escrevi meu Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Psicologia utilizando alguns textos e recortes do Jaspers para compreender algumas questões referentes ao normal e ao patológico Foi interessante para mim 2 2 o trabalho por conseguir entender algumas questões da sua proposta e ficar com ainda mais desejo de conhecêla melhor As coisas mudaram um pouco após a colação de grau Logo que me formei e durante quase dois anos realizei um trabalho voluntário em um hospital psiquiátrico de Goiânia Convivi de perto com vários psiquiatras e profissionais hábeis na linguagem do DSM5 mas pouco entendedores dos clássicos averiguei isso perguntando diretamente para alguns colegas do local Lá toda semana havia reuniões de discussões de casos e textos psiquiátricos Para usufruir mais dessas reuniões eu mudei meu foco para poder estudar bastante desses textos e do próprio DSM5 Creio ter sido nesse momento que surgiu em meus pensamentos abstratos as origens do presente trabalho Mesmo que eu ainda não tivesse parado para sistematizar as questões e realizar uma comparação mais elaborada eu tentei ver em quais casos seria possível o diálogo dos clássicos com as atuais linguagens psiquiátricas Muitas vezes consegui perceber que havia relações paralelas de Jaspers por exemplo com alguma questão levantada nas discussões baseadas em textos bem atuais e quem em nada o citavam Já em outras vezes pude perceber que lá havia posturas antagônicas do clássico com o atual Com isso veio a curiosidade de realizar essas comparações de forma mais ordenada Após algum tempo de amadurecimento das ideias foi delimitado o objeto no qual eu gostaria de focar meus estudos diagnóstico em psicologia Estando isso claro foi o momento de buscar como compreendêlo melhor Aí surgiu a fenomenologia Eu sabia que a fenomenologia era um modo de acesso ao mundo surgido em contraposição às propostas positivistas Por meio dela buscavase conhecer aquilo que se apresentava do modo como se apresentava ao sujeito da experiência Então eu que sempre tive curiosidade e vontade de conhecer mais as coisas em si mesmas vislumbrei que conhecendo a fenomenologia e seu modo de acessar o mundo isso se tornaria possível Ao pautarme na fenomenologia como acesso a meu objeto vi que haveria possibilidade de conhecêlo sem precisar emitir de imediato juízos de valores Seria possível estudar o diagnóstico em psicologia para entender sua proposta sem questionar de antemão se ele estaria certo ou errado mas com a tentativa de compreender cada nuance ali existente Era a chance de estar em busca de aprender verdadeiramente o que cada era proposto em cada modelo Outro ponto que me atentou para essas questões diagnósticas foi uma pesquisa realizada durante minha pósgraduação em Gestaltterapia Entrevistei profissionais que trabalhavam em locais de atenção à saúde mental de dependentes químicos Durante as 3 3 entrevistas depareime com posturas profissionais diferentes conforme a formação e espaço de trabalho de cada pessoa entrevistada Após a prática em hospital psiquiátrico mais clássico vislumbrei formas de atenção à saúde mental em outros espaços mas condizentes inclusive com a proposta da Reforma Psiquiátrica Essa experiência contribuiu para levantar mais minha curiosidade Ao conhecer modelos diagnósticos foi possível perceber que entre eles havia semelhanças e diferenças alguns com diálogos e outros completamente distintos Não se tratava de uma variabilidade cultural ou social pois em uma mesma instituição há profissionais com práticas distintas Assim surgiu o questionamento será que todos esses modelos diagnósticos apresentam práticas que respeitam as singularidades do humano Com essa questão entrelaçada a uma trajetória de estudos e curiosidades sobre o trabalho diagnóstico em psicologia foi elaborado esse projeto O objetivo deste foi o aprofundamento na proposta psicodiagnóstica apresentada por Karl Jaspers para ser a base teórica para olhar a proposta do DSM5 e o trabalho em saúde mental Para tanto a fenomenologia embasou metodologicamente e teoricamente essa pesquisa O capítulo um Percurso para a Psicologia e Pesquisa Fenomenológica em Edmund Husserl apresentou a fenomenologia e sua possibilidade de apreensão do vivido bem como método para a pesquisa em Psicologia Para compreender a fenomenologia primeiramente foi discutido o conceito de fenômeno para Immanuel Kant Franz Brentano e Edmund Husserl As reflexões desses três filósofos do primeiro ao último trazem uma noção de desenvolvimento do conceito de fenômeno ao longo do tempo e das possibilidades de compreensão de cada época até se chegar à fenomenologia A discussão sobre a fenomenologia de Husserl e sua proposta de psicologia fenomenológica foi com o intuito de discorrer sobre os conceitos por ele elaborados O próprio Husserl acreditou que sua elaboração era inovadora logo foram apresentadas quais suas inovações e suas possibilidades para a ciência psicológica Posteriormente foram discutidos modos de se fazer pesquisa por meio da fenomenologia métodos que permitem acesso ao objeto sem inferências e juízos de valores O segundo capítulo Transtornos mentais e a proposta psicodiagnóstica de Karl Jaspers teve o intuito de embasado na definição de fenômeno discutir como a visão do fenômeno patológico se desenvolveu ao longo do tempo até o momento atual Posteriormente foram apresentadas a proposta psicodiagnóstica de Karl Jaspers Na apresentação dessa proposta não foram emitidos juízos de valores ou julgamentos de acertos ou erros de cada uma Pautandose na fenomenologia foi apresentada a proposta de 4 4 Jaspers e realizada uma leitura de influências que o inspiraram na produção de sua obra como Husserl e Kant Por fim no capítulo três O psicodiagnóstico e o trabalho em saúde mental na contemporaneidade possíveis contribuições de Jaspers e da fenomenologia apresentouse a proposta do DSM mostrando seu desenvolvimento ao longo da história como está a versão mais atualizada do manual bem como o modelo biopsicossocial de atenção à saúde mental e a fenomenologia como possibilidade de contribuição para o tratamento em saúde mental Foi possível observar que mesmo quando os clássicos não estão presentes como referências das propostas atuais ainda assim é possível notar suas influências e a contemporaneidade de seus trabalhos Isso porque a postura proposta por Jaspers da compreensão do sintoma e a postura fenomenológica de trabalho são semelhantes ao modelo de atenção psicossocial Com isso esse trabalho permite por meio do método fenomenológico e da teoria da psicopatologia e psicodiagnóstico de Jaspers analisar questões que estão presentes hoje na saúde mental Abre questionamentos de entrelaçamento do clássico com o atual para a proposição de possíveis formas de trabalhos humanizados para pessoas com algum transtorno mental Os estudos realizados ao longo da pesquisa possiblitaram olhar para o psicodiagnóstico sem os viéses da classificação nosográfica e sim para humano como um todo Surge a possibilidade para pesquisas futuras de utilização também da nosografia de um modo menos tachativo e mais assertivo para auxiliar a pessoa em seu modo existencial bem como métodos de intervenção que abarcam a subjetividade do homem em suas demandas contemporâneas 5 5 Capítulo I Percurso para a Psicologia e Pesquisa Fenomenológica em Edmund Husserl Não quero perguntar por quê podese perguntar sempre porque e sempre continuar sem resposta Clarice Lispector in Água Viva O objetivo desta pesquisa é a compreensão crítica de posturas psicodiagnósticas por meio de uma análise do modelo clássico de Karl Jaspers o atual cenário da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM5 APA 2014e a perspectiva de atenção à saúde mental Para tanto será usada a fenomenologia como método de descrição e ordenamento de possíveis críticas A escolha da fenomenologia foi feita devido ao fato de ser esta um modo de acesso ao mundo sem ser confundida com um modelo ideológico1 Holanda 2014 p 27 Logo apropriarse dessa postura para o estudo de um objeto torna possível apresentar os fenômenos identificados na produção de Karl Jaspers e comparálos com os do DSM5 APA 2014 sem o comprometimento de uso de interpretações prévias sobre o assunto Edmund Husserl é o criador da fenomenologia e considerado uma das principais figuras da filosofia moderna Trombley 2014 Além de ser uma filosofia e um método a fenomenologia é considerada também um modelo investigativo que respeita os fenômenos do modo como se manifestam propõe sua perspectiva em primeira pessoa e realiza um exame minucioso das chamadas vivências intencionais e da compreensão diferentemente da objetivação própria do naturalismo existente nos modelos científicos já existentes Peres 2019a As reflexões realizadas por Husserl contaram com as inspirações de ideias de nomes como Immanuel Kant e Franz Brentano para a concretização da ideia de fenômeno Peres 2019a Conhecer essas contribuições auxilia a compreensão da proposta husserliana da fenomenologia e o vislumbre de uma psicologia fenomenológica com suas possibilidades inclusive de pesquisa 1 A proposição citada por Holanda 2014 de a fenomenologia não ser um modelo ideológico sugere que esta seja uma postura de acesso aos fenômenos sem desconsiderar outros modelos que possam existir para tal tarefa Desse modo a fenomenologia seria um modo de integrar o sujeito e o objeto na relação já existente entre eles mas que pode ficar oculta pelos mais diversos fatores como as próprias ideologias existentes 6 6 11 A definição de fenômeno ao longo da modernidade filosófica Immanuel Kant Franz Brentano e Edmund Husserl Conforme Trombley 2014 cabe a Kant o mérito de ter criado um sistema filosófico do período moderno Isso porque este filósofo em sua produção e como será discutido leva em consideração os impactos do período em que viveu como a Revolução Científica e o desenvolvimento do Iluminismo A relevância das obras kantianas faz com que este autor seja de algum modo influenciador de opinião na modernidade Immanuel Kant 17241804 filósofo germânico iniciou sua filosofia na época na qual havia um embate entre duas vertentes para se pensar a origem do conhecimento o racionalismo e o empirismo O primeiro estava pautado na ideia de que por meio da razão seria possível por meio da dedução conhecer a realidade de forma análoga ao raciocínio matemático Já o empirismo propunha a experiência dos sentidos como fonte segura do conhecimento pois as ideias das mais simples às mais complexas vão sendo elaboradas à medida que a pessoa vai entrando por indução em contato com os objetos Foi na busca de esclarecer a ciência ou seja o conjunto daquilo que pode ser sistematizado e ordenado por meio de princípios que este filósofo formulou sua proposta epistemológica Fulgência 2006 Silveira 2002 Segundo a perspectiva kantiana é no período da Revolução Científica e do Iluminismo que o homem adquire sua autonomia enquanto indivíduo Tal fato ocorre porque por meio do uso de sua razão e conhecimento o homem começa a tomar decisões mais livremente à diferença do período medieval em que ele se abstinha do direito de decidir em decorrência da autoridade religiosa Logo o homem adota uma postura consciente de possuidor de conhecimento e vontade próprias Roure 2006 Conforme a proposta de Kant discutida por Roure 2006 o homem possui a potencialidade de desenvolvimento da razão e da moral porém não de forma autônoma mas por meio de seus processos educativos Desses advém a ideia de que o indivíduo se constitui ao adquirir as características da humanidade já existente de modo que uma geração formará a próxima A formação intelectual e moral do homem lhe traz a possibilidade de compreensão do mundo posicionamento em suas relações sociais decisão e julgamento Kant 20011787 expõe que mesmo quando o conhecimento se origina da experiência existem algumas condições prévias racionais para que este se constitua Todavia ele esclarece que sua vertente racionalista não é radical justamente pelo fato de a verdade ser alcançada pela experiência e por afirmar que o conhecer apenas pela razão pode constituirse numa ilusão Assim a proposta para esclarecer quais seriam as condições a priori para o entendimento da 7 7 experiência seria o método transcendental o qual não está calcado na percepção puramente do objeto mas na maneira pela qual este pode ser conhecido usandose a intuição Na obra Crítica da razão pura de 1787 na elucidação de como o conhecimento é dado Kant apresenta a distinção entre o que ele denomina de o númeno e o fenômeno Este primeiro seria a coisa em si que possui uma realidade metafísica a qual não pode ser conhecida factualmente pela pessoa Para ele o que é possível conhecer é a representação da coisa em si que é o fenômeno Klein 2010 Silveira 2002 A razão com os seus julgamentos ao contrário da realidade objetiva não consegue alcançar as coisas como elas realmente são e sim os fenômenos que representam essas coisas do mundo real O fenômeno é compreendido como algo a ser desvelado para o alcance de sua essência por intermédio da racionalidade Araújo 2017 Pimenta 2006 Desse modo aquilo que compõe o mundo estará sempre encoberto por essa questão fenomênica sendo impossível alcançar a sua materialidade Conforme Kant 20011787 a intuição é uma representação do fenômeno Isso significa que para ele sem um sujeito ou alguma constituição subjetiva dos sentidos não haveria qualquer constituição do objeto e qualquer relação deste com o tempo e o espaço porque o intuído não existe em si mesmo Logo o objeto em si e fora do alcance da recepção da sensibilidade é algo desconhecido Em uma comparação tecida por Araújo 2017 o conceito de fenômeno para Kant se assemelha à perspectiva platônica presente em O Mito da Caverna na qual a pessoa veria apenas as sombras das coisas Na filosofia kantiana o fenômeno também é percebido como se fosse a silhueta em que por meio dos sentidos é formada uma configuração para este conforme as circunstâncias de espaço e para possibilitar a materialização deste como uma realidade objetiva O espaço e o tempo não são propriedades do númeno mas do fenômeno É por meio desses recursos contextuais que a pessoa tem condições a priori para representar o númeno e tornálo possível de ser percebido como fenômeno o que possui um conhecimento de sentido próprio e constitui a experiência Pimenta 2006 Silveira 2002 Tendo por base o exemplo de algumas ideias para compreender o que seria o fenômeno para Kant podese apresentar um esboço de sua proposta para a psicologia O filósofo propôs que os objetos da experiência tratados pela psicologia fossem tomados em uma perspectiva semelhante ao entendimento de objetos da física Esse processo considera a possibilidade de objetivação do psiquismo da mesma forma como os objetos da natureza o são e assim a atribuição de relações causais A psicologia durante o período da modernidade enquanto ainda 8 8 estava ligada à filosofia apresentou propostas que seguiram essa linha de raciocínio Todavia quando a psicologia começou seu desenvolvimento como ciência autônoma concebeu o psiquismo com perspectivas sociais e históricas e se desenvolveu fora dessas concepções Gomes 2005 Fulgêncio 2006 Outra proposta de produção filosófica para se compreender o fenômeno foi elaborada entre o empirismo britânico e o positivismo de Auguste Comte por Franz Clement Brentano 18381917 A filosofia empirista afirmava que o conhecimento tem seu início externo ao homem e somente por meio da experiência seria possível adquirir as ideias que habitam o pensamento Já o positivismo elaborou leis de organização do mundo social pautados nos modelos das ciências exatas e biológicas Abbagnano 2003 No que tange aos estudos psicológicos para Brentano a psicologia pode ser definida como a ciência dos fenômenos psíquicos e de modo semelhante as ciências naturais serão as ciências dos fenômenos físicos Outra característica do trabalho de Brentano foi contrapor o método transcendental das escolas neokantianas de sua época ao método psicológico descritivo Peres 2019b Desse modo as ciências estudam os fenômenos e os tratam cada qual em um estilo e método próprio cabe então definir o significado de fenômeno para ele A perspectiva de Brentano para a psicologia consistiu em baseála empiricamente com base nos fenômenos e assim não pautar em hipóteses e dados metafísicos Peres 2019b Santos Nunes Filho 2014 Ele refutou tanto a abordagem fisiológicapsicológica de pensadores da época bem como a abordagem introspectiva como metodologia descritiva dos atos psíquicos pautouse então em um modelo que toma a consciência como intencional Santos Nunes Filho 2014 A palavra fenômeno na perspectiva brentaniana é usada para referirse àquilo que aparece Diferente do modelo de Kant que propôs apenas fenômenos de uma intuição empírica para Brentano aquilo que aparece pode manifestarse de dois modos os fenômenos físicos e os fenômenos psíquicos Santos Nunes Filho 2014 Os primeiros são os conteúdos e objetividades imanentes fazem parte do ser Já os fenômenos psíquicos possuem a característica fundamental de apresentar direcionalidade intencionalidade a um objeto ou seja a um fenômeno físico Peres 2019b Pires 2019 Conforme Fréchette 2016a Brentano expôs a realidade do mental da maneira como ela é tomada na experiência e quis elucidar o solo comum compartilhado pelos fenômenos psíquicos mesmo estes sendo diversos Para tanto a intencionalidade foi proposta como um fundamento surgido em níveis variados que possibilita a ligação com tudo o que pode constituir a vida psíquica humana 9 9 Desse modo representar é a característica essencial do fenômeno psíquico pois tudo aquilo que recebe um juízo valorativo ou afetivo é representado na consciência por alguma sensação ou fantasia Há de se distinguir entre o ato de representar e o conteúdo representado O primeiro é o movimento realizado pela consciência para perceber o segundo Sugerese a utilização de verbos no infinitivo para a referência aos atos psíquicos logo quando alguém diz lembrar ato de representação por sua intencionalidade já é questionado o lembrado conteúdo representado Peres 2019b Pires 2019 Santos Nunes Filho 2014 Nessa perspectiva em Brentano a distinção de fenômeno físico e psíquico é delicada justamente pela intencionalidade Mesmo que a característica de direcionalidade seja exclusiva do fenômeno psíquico o fenômeno físico fica condicionado a ela pois só assim é determinado como um objeto para a consciência Há então a representação do fenômeno físico que se torna um objeto intencional para a consciência Santos Nunes Filho 2014 Uma questão colocada por Brentano é que o objeto representado do fenômeno psíquico é real o que não significa ser sempre existente Isso quer dizer que é possível por exemplo imaginar algo que tenha existência e também algo que não o tenha como uma cadeira e um centauro respectivamente Para o filósofo a questão de o objeto do fenômeno psíquico existir ou não é então irrelevante O fato de o objeto ser imanente possibilita criar um elo para representar o objeto externo do mundo exterior independente de ele existir Fréchette 2016a Logo Fréchette 2016b expõe ser possível notar que a proposta para a psicologia de Brentano contrapõese à da psicologia da experiência de Kant pois a prática psicológica científica não precisa estar pautada em objetivações Brentano também rejeita os juízos prévios usados por Kant para a compreensão do fenômeno por não poderem estes ser tomados em concretude e terem a chance de estar errados Para Brentano então o método de trabalho é a realização de análises descritivas dos fenômenos psíquicos que favorece uma metodologia tão eficaz quanto a ciência matemática Por ser também professor ministrou cursos a Husserl que foi muito influenciado por suas ideias mas que tecerá novas reflexões A partir dos estudos de intencionalidade iniciados por Brentano Husserl fará a proposição da fenomenologia com o intuito de uma filosofia que fosse também um método de investigação para a ciência Conforme Trombley 2014 Edmund Husserl 18591938 é considerado o filósofo com mais influência na história desde Kant com grande parte de sua produção na Alemanha Ele exerceu papel fundamental na produção de grandes nomes de pensadores como Martin Heidegger JeanPaul Sartre e outros e foi precursor de movimentos como o existencialismo a hermenêutica e o pósestruturalismo Sua formação em matemática juntamente e seus vários 10 10 estudos filosóficos propiciaram uma produção que culminou na fenomenologia não só como um sistema de pensamento mas também como um método de investigação filosófica Umas das tarefas da filosofia proposta por Husserl seria investigar como uma pessoa olha para aquilo que lhe aparece O filósofo percebe haver uma correlação entre o mundo e os chamados fenômenos Isso porque ele notou que cada um coloca suas questões subjetivas naquilo que observa Logo um de seus objetivos de trabalho foi compreender o objeto da experiência e sua manifestação fenomênica para o sujeito pois a significação desse fenômeno na perspectiva husserliana está relacionada a atos intuitivos da consciência e à linguagem Moura 2009 Husserl defende a tese de que no cotidiano as pessoas percebem os fenômenos na chamada atitude natural Nesta quando a pessoa percebe algo ela de modo quase automático toma isso como sendo real como se esse algo existisse em si sem realizar questionamentos teóricofilosóficos sobre tal Na atitude natural a pessoa percebe o fenômeno sem a realização de grandes reflexões e conforme suas capacidades subjetivas do momento como o nível de instrução naquele tema capacidade de percepção sensorial e espacial nível de atenção Tal prática é comum no cotidiano e pode ser entendida como um realismo perceptual e experiencial sendo então dogmática na qual há a percepção da realidade bem como ação e produção de efeitos sobre esta Dartigues 2008 Moura 2009 Peres 2019a Pela proposta de Husserl para se alcançar a apreensão pura da consciência é necessário realizar o método da redução fenomenológica que se inicia com a epoché Esta consiste em retirar do foco a crença da existência de um mundo exterior com uma realidade existente em si buscando neutralidade no processo de percepção Isso não é negar ou afirmar a realidade externa nem é feito o descarte dos juízos e crenças da pessoa mas sim adotar uma postura filosófica de se abster de utilizálos naquele momento de reflexão atingindo uma atitude transcendental Desse modo pela atitude fenomenológica é possível o exame e compreensão de como é a elaboração perceptiva da atitude natural Peres 2019a A redução fenomenológica por não corroborar a tese da existência do mundo em si possibilita a visão fenomênica do mundo Pela atitude natural a pessoa não aborda o objeto mundano por correlação à consciência nem como ele se manifesta a esta Assim para se compreender o modo de conscientização do mundo é preciso um olhar integrado da consciência e do mundo para não tomar nenhum dos dois de modo isolado como se existissem em si É então que pela atitude fenomenológica a redução reconduz traz de volta o objeto ao seu modo inicial de manifestação à consciência Isso porque todo ato de conscientizarse 11 11 de algo necessita do movimento da consciência próprio das vivências intencionais Moura 2009 Peres 2015 Peres 2019a As vivências intencionais se caracterizam por dirigiremse a algo como evento pessoa ou aspecto de alguma coisa Desse modo a intencionalidade seria uma característica de algumas vivências ao se referirem a algo e acontecerem em um fluxo de consciência Esse objeto para o qual se direciona o fluxo da consciência não está necessariamente presente na mesma como se estivesse contido nela ele precisa ser um componente real da vivência pois o objeto percebido é transcendente à própria consciência Moura 2009 Peres 2005 Peres 2019a Este modo de refletir sobre o transcendental em Husserl possui elo com Kant Isso porque é por meio de um movimento da consciência que algo pode ser percebido Assim todo fenômeno se manifesta por meio de sínteses realizadas na própria consciência que não é passiva e sim constituída de forma transcendente Essa atitude não favorece o surgimento de fenômenos ocultos mas notar alguma novidade naquilo com aparência banal devido ao apreender mundano Desse modo os entes do mundo passam a revelarse para a pessoa como vivências intencionais Peres 2019a Peres 2015 De modo semelhante a Kant Husserl propôs que pela consciência é possível compreender as estruturas do mundo intencionado e também sua unidade de sentido Todavia o objeto fenomênico não será mera constituição dessa consciência mas irá se desvelar por si mesmo diante da consciência intencional ideia desenvolvida por meio da concepção de Brentano acerca da intencionalidade A diferença de Husserl das ideias prévias de Kant e Brentano está no fato de que para ele a percepção transcendental do objeto é a reflexão da própria intencionalidade pois esta se direciona ao próprio objeto intencionado Thévenaz 19522017 E foi por meio desta ideia e com base em sua compreensão de fenômeno que Husserl elaborou a fenomenologia uma epistemologia e filosofia mas com método e aspirações científicas 12 A fenomenologia proposta por Edmund Husserl da reviravolta filosófica ao método para a ciência A fenomenologia conforme Husserl 20121913 é compreendida como a ciência dos fenômenos com uma proposta divergente das vertentes empíricas existentes à época Essa divergência consistia no fato de a ciência da modernidade e contemporaneidade estar desenvolvendo cada vez mais modelos explicativos para os diversos fenômenos humanos e 12 12 sociais Abbagnano 2003 Já a proposta husserliana é compreensiva ou seja visa a entender aquilo que estava aparecendo da forma como aparecia Logo a fenomenologia se define como postura rigorosa que almeja a redefinição do significado de ciência por meio da investigação das relações lógicas próprias da consciência reflexiva Conforme a ideia husserliana a fenomenologia oferece duas caracterizações em seu modo de trabalho Na primeira esta é um método descritivo o qual apresenta um caráter de vanguarda comparado à filosofia do final do século XIX e início do século XX e funda uma ciência que se organiza conforme princípios desse método Já na segunda ela é esta ciência que pretende propiciar a instrumentação básica para uma filosofia científica de rigor e como resultado de seu uso favorecer uma reforma metodológica para todas as outras ciências Desse modo diante do contexto histórico da produção de Husserl a fenomenologia tem seu fundamento perceptível em diversas áreas do conhecimento com ênfase na psicologia e contribui para debates epistemológicos e metodológicos de estudos acerca da subjetividade Castro Gomes 2011 Para a elaboração da fenomenologia umas das primeiras sugestões de Husserl 19751901 foi a proposição de uma filosofia com o intuito de esclarecer uma lógica ao conhecimento Seu objetivo era a descrição do sentido de essência da experiência consciente veladas por meio das relações de conhecimento Para alcançálo o autor buscou as ideias de racionalidade apresentadas na filosofia do francês René Descartes com o intuito de vislumbrar outra alternativa para o entendimento da consciência reflexiva que não fosse pelo método cartesiano A ideia lógica do cogito cartesiano penso logo existo conforme Husserl 20121906 foi a precursora de um modelo de objetivação da experiência consciente vigente na produção científica do século XIX Na contramão do proposto por Descartes Husserl 20191929 apresenta o conhecimento como próprio da vivência psíquica da pessoa e não mais como algo que pertence à lógica da natureza externa submetido a processos racionais Para o fenomenólogo o conhecimento é próprio do sujeito no seu ato de conhecer e sua percepção é fruto de sua vivência perceptiva o que faz a experiência consciente poder ser a medida de um sistema teórico O estudo epistemológico de Husserl tendo em vista as determinações lógicas do conhecimento esteve presente desde o início de seus estudos quando a fenomenologia era compreendida com uma psicologia descritiva Husserl 19751901 mas esta vai se modificando com a maturação do autor Conforme Husserl 20121913 ao indicar uma 13 13 psicologia descritiva esta seria uma fase inicial de um projeto mais amplo da psicologia empírica Na reelaboração de sua ideia da fenomenologia Husserl 20201907 modifica sua proposta descritiva para um idealismo transcendental Este último seria por definição a fenomenologia da consciência em seu processo de constituição das coisas Para o autor o objeto da fenomenologia transcendental seria a consciência dirigida à experiência não mais dirigida para o conteúdo das suas vivências como havia sido feito na sua proposta da psicologia descritiva A elaboração da fenomenologia transcendental tem o respaldo por purificar a consciência das influências das interferências naturais Husserl 20201907 Isso porque na consciência transcendental há a distinção fundamental dos dados imanentes aqueles que são imediatos presentes dos transcendentes os que não são percebidos mas constituídos nas relações intencionais para a consciência Logo Husserl busca construir o conhecimento estruturado ao se descrever a experiência mesma cuja expressão provém da consciência intencional Nessa perspectiva o objetivo da postura fenomenológica baseada nesse projeto transcendental é elaborar análises do movimento intencional ou o fluxo das vivências conscientes Husserl 20121913 visa a compreender então a consciência como característica ontológica do ser ou seja da sua realidade e não pode ser vista separada da vivência real propiciando a intencionalidade da consciência O fenomenólogo considera que a consciência é sempre de algo pois sempre intenciona por meio de uma propriedade de relação com as vivências É a partir daí que surge a ideia de sua proposta bem radical para a época de se emparelhar os polos sujeitoobjeto Castro Gomes 2011 A fenomenologia transcendental rompe com os outros modos de lógica formal vigentes nesse contexto histórico os quais propagavam uma ideia de realidade factual com princípios de relações para o ato de conhecer que fossem independentes do ato de perceber do sujeito Husserl 20121913 apresenta sua fenomenologia como um estudo dos fenômenos todavia com uma perspectiva dissonante comparada às outras ciências que também se dedicavam aos fenômenos O modo de investigação da fenomenologia husserliana busca retornar às coisas como elas são Husserl 20201907 Em sua investigação o filósofo se voltará para as possíveis correlações existentes entre o ato intencional os significados e os objetos presentes na consciência não sendo utilizados como aparato para tal modelos teóricos já estabelecidos 14 14 Tudo isso é possível com uma descrição minuciosa dos fenômenos quando estes se apresentam à consciência Em sua proposição filosófica Husserl 20191929 utiliza o conceito de intencionalidade para conectar a consciência ao mundo A consciência intencional permite a compreensão sob perspectivas e indução da reflexibilidade e da consciência humana o que se distancia da consciência segregada do mundo e absoluta como conferida por Descartes Assim na fenomenologia husserliana há referência a uma intencionalidade da consciência que parte de sua relação com o mundo a qual constitui a unidade natural e sem predicativos mais originária da relação mundovida na qual surgem os atos de julgar e perceber o mundo Podese referir a uma intencionalidade operante visada por Husserl 20121913 por meio do modelo compreensivodescritivo da visada total existente na relação da consciência com as coisas Essa intencionalidade rompe com as doutrinações conceituais e explicativas da difundida verdade científica da época Compreender essa dimensão operante da intencionalidade permite o ato de desvelar os significados dados aos fenômenos percebidos pela consciência intencional Todo esse ideário de uma ciência rigorosa de Husserl é possível pela transição de uma atitude natural de significação do mundo para a atitude fenomenológica Com isso é possível deixar a proposição de uma realidade objetiva para ser possível descrever como o humano dá significado ao percebido Pelo método fenomenológico é possível analisar a intencionalidade da consciência como meio de apreender a relação de significado particular existente entre sujeito e mundo Isso sem a utilização da atitude natural Dartigues 2008 a qual fornece orientações prévias e externas para a compreensão daquilo que é percebido na vivência intencional Elaborase então o processo de uma atitude fenomenológica em que há dois modos para a compreensão do processo pessoal próprio da percepção O primeiro é a intuição um modo processual de apreender o objeto ao recorrer à pluralidade da imaginação acerca das possibilidades de manifestação do fenômeno E o segundo seria a reflexão um processo de sistematização e comunicação do apreendido Nesse processo Husserl 20121913 sugere a ciência constituída na análise do intuitivo e reflexivo das essências geradas quando o fenômeno se apresenta à consciência O posicionamento fenomenológico de Husserl com os modelos de ciências empíricas vigentes em sua época não foi de crítica pois ele reconhece a consolidação das ciências naturais A proposta da fenomenologia é diferenciar alguns aspectos da ciência ao destacar como passo inicial do percurso investigativo a atenção primeiramente às manifestações da 15 15 experiência para depois elaborar hipóteses acerca da natureza própria dos objetos A ideia husserliana atentase a analisar de forma crítica e rigorosa os fundamentos e possibilidade dos conhecimentos experienciais Assim o foco primeiro é a consciência do fenômeno experimentado para depois buscar a consciência reflexiva direcionada a um sentido universal para o mundo Dartigues 2008 Essa saída da atitude natural para a fenomenológica e a descrição da experiência de modo a compreender o significado dado pela consciência ao fenômeno percebido são possíveis por meio de um recurso denominado redução fenomenológica Conforme já discutido é por meio dessa postura fenomenológica que o movimento fenomenológico foi desenvolvido por não mais se pautar no objeto de forma segregada mas na experiência do sujeito com este Isso porque para Husserl 20201907 a ideia da investigação fenomenológica é manterse na busca pelas essências da evidência pura apresentada à consciência Duas medidas são fundamentais para se alcançar a evidência pura A primeira apresentada anteriormente é a epoché que consiste na suspensão de conceitos prévios acerca do fenômeno advindo da intencionalidade sem negar a realidade externa mas abrindose à manifestação transcendental do objeto para a consciência Já a segunda é a descrição minuciosa do fenômeno com o intuito de se alcançarem as essências próprias de sua aparência Essas medidas são processuais e assim seguidas em concordância com o projeto metodológico de Husserl em que se afirma ser realizada a redução em níveis até ser alcançada a essência Dartigues 2008 Conforme Castro Gomes 2011 durante sua trajetória de produção em fenomenologia Husserl apresentou modos distintos de realização da redução fenomenológica O ponto em comum entre todos esses modos de redução é a busca do que fica evidente por meio da experiência o que torna então a experiência vivida o solo onde a fenomenologia é praticada O modo de redução mais utilizado pela psicologia está baseado no método cartesiano e defende a ideia da fenomenologia transcendental Husserl 20201907 ao iniciar sua elaboração sobre esse modo de redução fenomenológica apresentao como um recurso inicial de posicionamento para não deslocar a evidência fenomênica para sua dimensão transcendental à qual não há acesso da experiência imediata e ficar com ela na esfera da consciência Desse modo tudo o que for transcendente é suspenso para ser possível descrever unicamente aquilo a que se tem acesso experiencial o imanente Logo a produção de conhecimento do dado evidente em si e a intuição de sua essência não são alcançadas pela inferência de novas informações oriundas de fundamentos préestabelecidos 16 16 Nesse início de elaboração conceitual Castro Gomes 2011 discutem que Husserl ainda deixa algumas questões em aberto A redução fenomenológica surge como possibilidade de se transitar entre a atitude natural e fenomenológica contudo não é possível identificar como realizar esse trânsito O fenomenólogo também visa à redução fenomenológica como um método universal e radical mas sem uma apresentação clara do método fenomenológico Em estudo posterior Husserl 20121913 propõe que suspender as ideias prévias e buscar as essências na realidade fenomênica é base para a redução fenomenológica e apresenta novos níveis desta Isso porque a redução é alcançada de fato em um trabalho processual de reduções para ser vislumbrado o movimento essencial de uma subjetividade pura Desse modo o autor afirma que para sair da atitude natural para a fenomenológica a redução básica se divide em outras secundárias redução fenomenológica psicológica redução eidética e redução fenomenológica transcendental A redução fenomenológica psicológica consiste em suspender os valores preconcebidos de mundo pela consciência contudo sem suspender o sujeito dessa experiência Desse modo não há negação do valor da experiência vivida pelo sujeito e sim do valor explicativo naturalmente e comumente dado a esse fenômeno experienciado Husserl 20121913 Por sua vez a redução eidética consiste em reduzir os fenômenos percebidos pela consciência à sua essência que são as partes fundamentais e indispensáveis para sua evidência Para tanto Husserl 20121913 sugere ser usado um procedimento de variação imaginativa livre em que seriam sugeridas possibilidades de alterações do fenômeno manifestado com o intuito de averiguar as limitações de sua identidade na expressão Assim com essas alterações seria possível identificar quais características que se modificadas impossibilitariam a identificação daquele fenômeno denominando estas essências Contudo conforme Peres 2019a a reviravolta do método fenomenológico husserliano é redução fenomenológica transcendental Nesta Husserl 20121913 busca realizar a suspensão mutuamente do sujeito da experiência e do mundo circundante a fim de investigar qual a correlação entre o mundo e a consciência do sujeito do próprio mundo Essa é a investigação ideal para a apreensão pura do fluxo das vivências da consciência intencional Investigar um fenômeno exige uma postura constante do pesquisador quanto à consciência do objetivo de sua investigação Logo a operação das reduções fenomenológicas precisa ser estabelecida como postura contínua e não como ato temporário pois as vivências se apresentam em fluxo permitindo sua alteração e exigindo novas reduções Desse modo não se deve visar a uma ordenação de explicações e validações de conceitos generalistas mas 17 17 continuar em postura de abertura às possibilidades de evidência do fenômeno Castro Gomes 2011 Peres 2019a As reflexões de Husserl para essa redução fenomenológica se mantiveram no plano filosófico e fazem referência a sua proposta teórica uma fundamentação para a ciência No seu movimento intelectual o filósofo irá retomar algumas posturas deixadas de lado para recolocar o sujeito em seu contexto natural de intencionalidade préreflexiva Peres 2019a Husserl 20191929 sugere dividir as noções de eu em psicológico e transcendental O primeiro é objetivo das ciências positivas e realiza percepções intuitivas como homem natural próprio do cotidiano O segundo oriundo da redução fenomenológica é a dimensão fundamental de sua posição relacionadas às vivências intencionais Desse modo o eu transcendental não é uma parte da experiência do mundo como um ordenamento de dados dos sentidos ou ato psicológicos mas uma constituição com sentido particular de mundo para sua intencionalidade O projeto geral de Husserl foi fundamental para a reorientação da ciência para as dimensões da vivência e significação subjetiva das mesmas Castro Gomes 2011 Tanto que suas ideias mesmo que possam ser idealistas e difíceis de serem transpostas para a prática embasaram as ciências dentre elas a psicologia 13 A Fenomenologia como fundamento para uma Psicologia Fenomenológica Para entender a relação existente entre fenomenologia e psicologia fazse necessário saber qual o contexto histórico pelo qual passava essa última durante o momento de produção de Husserl Peres 2015 afirma que na Alemanha na transição do século XIX para o XX o foco dos estudos psicológicos era com objetivo psicofísico nos quais recebiam destaque temas como sensações percepções e pensamentos Era possível notar que as pesquisas sobre subjetividade eram realizadas por meio de uma importação da metodologia explicativa própria das ciências naturais Nessa metodologia era possível tecer explicações das relações físico estruturais tecidas pelo sujeito e organizálas conforme as teorias vigentes mas a relação do sujeito com sua experiência sobre os objetos não era captada Os modelos de psicologia vigentes nesse período em questão eram metodologias científicas focadas em estudar e pesquisar as demandas psíquicas contextualizadas em espaços e tempos definidos e concretos Com isso os processos psíquicos dentre eles sentir pensar experienciar e outros poderiam ter uma análise como se fossem de algum modo naturalizados conforme a conceituação psicofísica da psicologia Estas abordagens não analisavam as 18 18 indicações da realidade subjetiva além do físico correspondentes à dimensão experiencial do processo psíquico tão caro à Husserl Peres 2015 A filosofia fenomenológica seria então o embasamento para uma nova postura da psicologia A postura de elaboração da psicologia fenomenológica seria possibilitar reformas para os modelos de ciência vigentes de procedência à psicologia empírica tendo em vista abarcar também as relações subjetivas do sujeito com o objeto Assim as abordagens com objetivo de estudar sistematicamente a subjetividade ou a experiência psicológica passariam a ter um novo aparato como respaldo Peres 2015 Conforme Husserl 20121913 para os fenômenos psicológicos serem purificados de suas explicações prévias decorrentes da inserção no mundo deveriam ser submetidos a redução fenomenológica psicológica Isso porque a investigação dos processos da consciência pelas lentes das ideias psicofísicas realiza o estudo das atividades externas supostamente observáveis dessa consciência Desse modo antes de ser feita a análise do sentido dado pelo indivíduo a sua experiência vivida já haveria um objeto dado e carregado de valores definições e objetivos o que não está em conformidade com o intuito fenomenológico No que diz respeito a como se opera a consciência imediata no contexto de virada do século XIX para o XX é possível comparar as ideias de Wilhelm Wundt com as de Husserl Conforme Peres 2015 Wundt realizou seu trabalho em laboratório científico base para se desenvolver as ciências naturais e esteve voltado para a apercepção a qual consiste no processo de consciência sensorial dos fenômenos Já a fenomenologia de Husserl foi focada no significado dado pela consciência intencionada ao fenômeno Foi então uma proposta de psicologia descritiva intuitiva apriorística e concentrada na apresentação dos atos da intencionalidade o que consiste dizer no ato da consciência imediata se movimentar em direção ao objeto da experiência Peres 2014 discute que Husserl em sua trajetória de pensamento busca esclarecer a necessidade da mudança tanto de perspectiva quanto de foco da investigação para a transição da atitude de exploração do objeto de investigação da ciência A psicologia fenomenológica do modo como foi proposta por Husserl não se pretende definir nem como uma inovadora abordagem de psicologia para a Academia nem como base determinística para trabalhar empiricamente com fatos Ela seria então uma proposta para redefinir o objeto e o método de se estudar o fenômeno Husserl 20121913 não desmerece o valor das psicologias empíricas da modernidade como disciplinas experimentais embora critique o método psicológico Todavia o intuito de suas críticas é elucidar as falhas que para ele são radicais da lógica da suposta orientação 19 19 natural que estas aplicam à subjetividade Tanto que para ele a inicial restrição da entrada da fenomenologia nos programas acadêmicos não se dá por conta da psicologia em si nem de seus enfoques de estudo e terminologias mas decorrentes dos alicerces de princípios utilizados para estudar a experiência e os modos de pensar A proposta do método fenomenológico é a compreensão das partes constituintes do fenômeno tal como se apresentam à consciência por meio da intuição Esse processo não consiste na pura divisão do fenômeno em partes separadas e sim na distinção de seus eixos constituintes analisando as relações e vínculos com os fenômenos próximos e derivados deste e do próprio sentido intuído Toda essa descrição é possível por atos de comunicação e estruturação na linguagem Peres 2014 Conforme Husserl 20191929 a elaboração sistematizada de uma psicologia fenomenológica pura exigiria seguir alguns passos O primeiro seria descrever minuciosamente as propriedades comumente atribuídas à essência do objeto intencionado incluindo apresentar as características gerais de síntese das conexões realizadas pela consciência O segundo consistiria em explorar de formas particulares o objeto intencionado em concordância com a análise das sínteses da consciência às quais pertence esse objeto O terceiro seria apresentar a descrição das atribuições essenciais desse objeto em um possível fluxo universal da consciência E o último seria compreender como o eu aqui entendido como a consciência que intenciona esse objeto direciona o processo de investigação ao atribuirlhe crenças pensamentos hábitos e outros valores É possível perceber a intenção de compreensão do fenômeno do geral para o singular analisando o passo a passo de sua percepção tanto no sentido universal como no particular e conhecer suas relações intencionais com a consciência Em todas as obras aqui analisadas de Husserl 19751901 20121913 20191929 20201907 percebemse críticas ao psicologismo e a busca pela superação da tendência à objetificação da experiência psíquica O filósofo tinha em vista um novo modo de compreender o movimento da consciência Isso porque para ele a psicologia entre outras ciências da época poderia ir além das análises realizadas com base em princípios conceituais prévios estruturantes de um saber Holanda 2009 p 88 afirma que toda psicologia é e deve ser fenomenológica O trabalho de Husserl propõe a fenomenologia como modo de clarificar o sentido íntimo do objeto para o fenômeno ser tomado em si mesmo Para tanto reflete sobre uma fundamentação consistente para a filosofia de forma a ser possível embasar uma ciência rigorosa O fundamento desta está nas evidências apodíticas ou seja passíveis de demonstração e indiscutíveis Logo mesmo apresentando diferença clara com a lógica naturalista a 20 20 fenomenologia pode ser tomada como um modelo de ciência positiva e que pode embasar seguramente estudos e pesquisas científicas Dartigues 2008Goto 2008 Holanda 2009 2014 A prática científica da fenomenologia é caracterizada por um modelo compreensivo e integrativo Isso porque intenta compreender as relações existentes no fenômeno intencionado e buscar seus vínculos de integração ao invés de dissociálos Goto 2008 Peres 2014 Em psicologia isso pode ser pensado na compreensão das experiências do indivíduo na vivência do fenômeno intencionado de quais são as relações entre a consciência desse indivíduo e o objeto seja externo ou interno Na elaboração de sua metodologia Husserl 20191929 busca descrever o fenômeno tanto na esfera pessoal quanto na universal É possível notar esse passo metodológico na ideia de a psicologia fenomenológica compreender o fenômeno subjetivo ser em essência intersubjetivo Isso significa que o mundo não é uma representação puramente única e pessoal mas com características e representações também universais Holanda 2009 Por ser também um modelo epistemológico a fenomenologia visa a conhecer o objeto em sua forma original Nesse sentido é a intenção da fenomenologia uma atitude fenomenológica a qual possibilita a esse ato de conhecer evidenciar o fenômeno de forma clara As reduções fenomenológicas são também o meio para este ser percebido como de fato é Dartigues 2008 Goto 2008 Conforme o exposto o objetivo da fenomenologia para as ciências em destaque para psicologia não é criar novos sentidos mas desvelálos À medida que o objeto é tomado com um fenômeno intencionado e seus sentidos são analisados conforme a consciência intencional é possível perceber como novo aquilo ainda não conhecido mas também o conhecido e escondido pelo a priori O resultado em caráter científico é o conhecimento advindo da integração sujeito fenômeno movimento da consciência e mundo em sua universalidade Dartigues 2008 Goto 2008 Peres 2014 14 A pesquisa fenomenológica em Psicologia Conforme Feijoo e Goto 2017 Husserl elaborou não só a fenomenologia como também uma psicologia fenomenológica Conforme os autores essa última busca o esclarecimento da natureza da vida psíquica das estruturas vividas concretamente e da totalidade dos modos de consciência psíquica p 2 E quando aplicado à pesquisa podese tomar o método fenomenológico com o objetivo de compreensão do significado do vivido 21 21 alcançado mediante uma descrição analítica apoiada em uma relação de cooperação entre os sujeitos da pesquisa e o pesquisador p 2 Conforme o exposto notase que é mantida a intencionalidade do pesquisador com seu objeto de pesquisa de modo a haver o pesquisador intencionando para o objeto e este tendo significado para aquele pesquisador O desenvolvimento da fenomenologia ocorreu por conta do limite epistemológico e incapacidade dos métodos científicos existentes na transição do século XIX para o XX Isso porque eles não tinham ferramentas para abarcar a subjetividade fazendo a filosofia e a ciência perderem parte do seu significado para a formulação da existência humana Desse modo como método científico a ideia de Husserl é voltar às coisas mesmas o que consiste em não se fundamentar em ideias objetivas para apreender o significado do fenômeno sem esses pressupostos estabelecidos e então ser visto como aparece de fato Goto 2008 Em decorrência da complexidade da fenomenologia elaborada por Husserl há dificuldade da elaboração de uma perspectiva científica unificada desta para a ciência Castro Gomes 2011 Dartigues 2008 Feijoo Goto 2017 Feijoo Mattar 2014 Holanda 2014 Mesmo com essa dificuldade Feijoo e Goto 2017 destacam dois métodos de utilização da fenomenologia em pesquisas da Psicologia a primeira apresentada por Goto 2008 e a segunda por Giorgi 2006 e Giorgi e Souza 2010 Nessa primeira proposta de Goto 2008 a pesquisa fenomenológica em psicologia retoma a ideia de Husserl acerca da psicologia fenomenológica Tanto que o autor sugere ser esta uma ciência eidética autêntica por ter em vista investigar o psicológico por meio da fundamentação do método fenomenológico husserliano Husserl conforme Goto 2008 compreende a psicologia fenomenológica como uma psicologia radical Diferente das psicologias empíricas e experimentais a abordagem fenomenológica da psicologia permite uma direção genuína e autêntica à vida psíquica podendo alcançar tanto sua expressividade exterior quanto a intimidade interior Esse alcance é devido o fato de a psicologia fenomenológica ser constituída com algumas diferenças dos outros modelos Ela deixa de ser uma ciência empírica para ser uma ciência a priori que visa a conhecer os fenômenos sem a necessidade de elaborar hipóteses o que a faz também deixar de ser uma ciência de fatos para ser eidética Essas características dão um aspecto intuitivo psicologia fenomenológica e permitem a descrição pura das vivências psíquicas Ao se constituir como ciência a priori e eidética a pesquisa por meio da psicologia fenomenológica possibilita uma nova forma de visada do objeto Esse aspecto significa que ela apresenta um caráter de ciência universal das vivências do psiquismo pois busca conhecer as essências universais deste com vista a conhecer uma concepção do ser psicológico Tal postura 22 22 suspende a visada empírica e a realidade espaçotemporal das vivências para alcançar este aspecto universal Goto 2008 A pesquisa fenomenológica se desenvolve por meio da descrição pura da essência realizada por meio da intuição e da reflexão Cabe ao pesquisador portanto ao buscar a elaboração de um modelo científico da vida interna e intencional adotar o modo de redução eidética Husserl 20121913 pois ao sair da atitude natural para a atitude fenomenológica pode alcançar o essencial e indispensável ao fenômeno sem se pautar na lógica científica natural Esse seria o método para alcançar aquilo que é essencial para a vida humana Goto 2008 Outro ponto da psicologia sugerida por Husserl apropriados para a pesquisa é a reelaboração dos modelos de psicologia empírica e científica vigentes tendo em vista a formulação de uma psicologia fenomenológica Para o alcance de tal objetivo é preciso uma postura fenomenológica visada aos próprios conceitos da psicologia para não os usar com suas definições já direcionadas à experiência mas buscar sua manifestação identitária e constituída nos processos psicológicos estudados A análise fenomenológica então é dada por meio da descrição das vivências como elas são e como se apresentam no contexto analisado para buscar suas características próprias e universais Tal método busca respeitar os princípios conforme propostos por Husserl na elaboração da fenomenologia Goto 2008 Já a segunda proposta de pesquisa por meio do método fenomenológico é de Giorgi 2006 e Giorgi e Souza 2010 a qual apresenta a fenomenologia husserliana como uma metodologia interrogativa e compreensiva do fenômeno não pautada em premissas dos eventos Para realizar a pesquisa por meio das ideias desses autores é preciso obedecer a alguns passos metodológicos os quais são fundamentais para se chegar à essência do fenômeno da psicologia e demais ciências humanas O método fenomenológico de Giorgi 2006 e Giorgi e Souza 2010 é composto por quatro passos O primeiro consiste em o pesquisar posicionarse por meio de uma atitude fenomenológica na qual suspenderá todos e quaisquer princípios ontológicos e epistemológicos diante do objeto investigado Com isso é possível o segundo no qual é identificada a instância do fenômeno que tem o foco a ser analisado pelo estudo O terceiro por meio da prática da variação livre da imaginação recolocar o fenômeno em seu campo intencional no qual ele de fato se faz fenômeno para ser possível perceber sua essência compreendida como seu sentido ou significado Desse modo por último essa essência percebida durante esse percurso será descrita e apresentada 23 23 Giorgi 2006 discute algumas variações do método como sendo legítimas e outras a serem repensadas O autor apresenta como legítimas aquelas que obedecem rigorosamente à filosofia e às ideias fenomenológicas durante suas práticas de pesquisa O autor porém apresenta algumas possibilidades de variação do método fenomenológico de pesquisa que precisam ser trabalhadas com cuidado para não se afastarem do próprio método como o modo de interpretar a redução fenomenológica a questão da variação imaginativa a possibilidade de generalizar os fenômenos e o cuidado para verificar os dados Para utilizar o método fenomenológico de Husserl nas investigações psicológicas Giorgi e Souza 2010 apresentam as determinações e procedimentos metodológicos indispensáveis para tal e esclarecem que o foco da investigação fenomenológica é realizar a redução psicológicofenomenológica Os autores afirmam que para realizar a redução fenomenológica é preciso o pesquisador suspender seus conhecimentos teóricos prévios bem como suas ideias advindas de experiências anteriores Isso é importante pois essas concepções antecedentes podem influenciar na maneira como o pesquisador se portará diante dos fenômenos das variáveis envolvidas na pesquisa e até de si mesmo Com essas suspensões o pesquisador poderá dar atenção total ao fenômeno da maneira como esse se apresenta à consciência e aquilo que foi visado como sendo empírico se torna necessariamente fenomenológico A realização da redução conforme essa postura apresentada é feita no momento em que o objeto se apresenta fenomenologicamente Desse modo pode ser considerada errônea a vinculação de experiências passadas com as do presente Isso porque conforme a fenomenologia de Husserl é primordial analisar cuidadosa e rigorosamente a experiência atual antes de se relacionar com quaisquer experiências anteriores É fundamental a atenção do pesquisador a esse passo pois quando ele escolhe e delimita seus objetos de estudo e pesquisa já possui elaborações prévias e naturais sobre esses Giorgi 2006 Giorgi Souza 2010 De acordo Giorgi 2006 a pesquisa fenomenológica também precisa evidenciar como será a variação imaginativa ao posicionar o perfil do fenômeno delimitado para o estudo pois é por meio dessa que a essência do fenômeno será alcançada Esse intento é alcançado quando é deixado o plano empírico para ser utilizado o plano eidético O autor também ressalta que pelo fato de o ato de imaginar ser dado de modo imanente na consciência o objeto da imaginação não possui existência dentro ou fora do psiquismo como algo previamente dado Esse passo metodológico apresenta elo com a própria concepção de redução eidética de Husserl 20121913 uma vez que conforme Giorgi 2006 esse ato de imaginar apresenta um passo fundamental para alcançar os perfis possíveis do objeto 24 24 Como já exposto Husserl 19292019 apresenta a possibilidade de uma sistematização da psicologia na qual é possível compreender as particularidades as generalidades e as relações entre essas duas faces do objeto estudado e por isso o cuidado com as generalizações é indicado por Giorgi 2006 Justamente por se realizar a redução eidética e a variação imaginativa o que são propostas de Husserl 20121913 a pesquisa pode favorecer descrições do fenômeno que possibilitem a descoberta não de algo que não existia mas de algo que por algum motivo encontravase velado com isso é possível compreender novas relações e vislumbrar algumas generalizações Conhecer esses dois modos de aplicar o método fenomenológico em pesquisa evidencia algumas questões a serem levadas em conta Primeiro a necessidade de o pesquisador estar atento a suas hipóteses prévias do objeto de pesquisa pois essas podem impedilo de observar descrever e compreender o fenômeno da forma como este se apresenta Segundo o fato de que experiências passadas e do presente não são necessariamente iguais ou distintas podendo haver relações entre elas Por fim o estudo fenomenológico de algo particular possibilita a formulação de relações e generalizações relativas ao objeto desde que se obedeçam rigorosamente de acordo com a fenomenologia a visão de mundo e o modo de compreensão do fenômeno Todas essas questões são relevantes para esta pesquisa Uma vez que o pesquisador escolhe e delimita seu objeto conforme seu interesse é fundamental tomar cuidado para não usar informações prévias durante o estudo para analisar o fenômeno que se mostrar durante a pesquisa e assim descrever de forma particular e geral o que foi compreendido Desse modo o modelo de psicopatologia e psicodiagnóstico de Karl Jaspers 19731913 será apresentado conforme o rigor do método fenomenológico Este será descrito da forma como se apresenta sem que haja julgamentos ou interpretações prévias Alcançada a descrição deste será apresentada também uma discussão de algumas influências que Jaspers teve ao longo de seu trabalho que foram Edmund Husserl e Immanuel Kant Isso abrirá embasamento para a discussão do trabalho diagnóstico em saúde mental da contemporaneidade 25 25 Capítulo II Transtornos mentais e a proposta psicodiagnóstica de Karl Jaspers A loucura objeto dos meus estudos era até agora uma ilha perdida no oceano da razão começo a suspeitar que é um continente Machado de Assis in O alienista Ainda hoje é um desafio para as ciências entre elas a Psicologia definir os transtornos mentais Ao longo da história esses transtornos têm sido vistos de formas bem distintas Inicialmente não se falava em transtorno mental citavase apenas a doença como um todo Mas o conceito de doença bem como o de saúde foi transformandose conforme as possibilidades de compreensão de cada época Por causa disso cabe fazer uma retomada histórica para se conhecer como essa definição foise constituindo ao longo tempo A diferença científica e paralela entre o dito fenômeno normal e o fenômeno patológico é uma busca da contemporaneidade Esses fenômenos apresentam suas variedades e sua distinção é importante mas se pode refletir se a ciência possui meios para diferenciálos O chamado estado de saúde seria aquele observado durante as circunstâncias comuns na sociedade e mesmo sendo fundamental sua delimitação os indivíduos em maior ou menor grau afastamse do estabelecido como normal sem contudo adentrarem a patologia tornando preciso pensar em fontes diversas de análise para uma conclusão Canguilhem 20121943 Durkheim 20071895 A medicina segundo Hegenberg 1998 surgiu possivelmente em conjunto com a humanidade Sofrendo ou se compadecendo com o sofrimento de alguém próximo o ser humano tinha provavelmente desde o princípio o desejo de curar o doente Com isso Scliar 2007 reitera que pesquisas paleontológicas revelam a doença como atrelada à história da espécie humana e o homem desde o início da sua vida coletiva tentando enfrentála de diversas formas baseadas na compreensão de doença e saúde O foco do presente trabalho será a discussão da saúde mental apresentando o desenvolvimento de sua compreensão ao longo da história e seu diagnóstico na contemporaneidade Desse modo sempre que forem mencionadas saúde e doença o será com relação às questões psíquicas 26 26 21 Histórico da compreensão de saúde mental Dentre as diversas culturas dos povos primitivos a definição de doença variava muito Todos os sintomas comportamentais não atribuíveis a fatos visíveis como quedas cortes machucados decorrentes de alguma atividade precisavam de alguma forma ser explicados para manter a coesão social Batistella 2007 Essa fase primitiva da concepção do conceito de saúde e doença estava fundamentada em uma base mágicoreligiosa em que comportamento sintomático era proveniente de algo misterioso introduzido no corpo da vítima por forças mágicas dos deuses ou por feiticeiros Vale ressaltar que quando se pensa nos primórdios da concepção de doença mental as pessoas com comportamentos ou falas julgados incompreensíveis eram vistos de formas diferentes por cada uma das culturas da época Desse modo poderiam ser pensados por alguns tanto como mensageiros sobrenaturais quanto como portadores de espíritos do mal por outros Cataldo Neto Annes Becker 2003 Hegenberg 1998 Scliar 2007 As doenças eram portanto atribuídas a forças alheias à pessoa e ocorriam de forma exógena afligindoa por causa de pecado ou maldição No desenvolvimento da civilização grega os fenômenos relacionados à saúde mental romperam com as superstições e práticas mágicas começou nessa época a tentativa de explicações racionais para os sintomas psíquicos Essa mudança ocorre devido aos grandes médicos gregos serem também filósofos que buscavam entender a relação homemnatureza e estavam preocupados em explicar a saúde e a doença não como processos sagrados mas possivelmente naturais Batistella 2007 Esse movimento de compreender como natural o processo de adoecer esteve alinhado possivelmente com a ideia de finitude do homem em que a existência não mais era pautada na base mágicoreligiosa mas na concretude e limitação próprias do existir biológico Logo se o corpo apresentava a possibilidade de adoecimento a alma objeto de muitas discussões filosóficas gregas também apresentou a chance ainda pouco explorada de adoecer e gerar sintomas na pessoa No contexto grego o filósofo Hipócrates começou a racionalizar a doença mental alegando mudanças comportamentais não provenientes de deuses ou demônios mas fruto do desequilíbrio dos humores corporais Com ele e seus seguidores já naquela época as alterações mentais passaram a ser concebidas como algo biológico Já Galeno durante o Império Romano revisou a teoria de Hipócrates e elaborou maior sistematização da mesma Passouse a falar 27 27 sobre uma alma racional que poderia causar danos mentais mas a doença ainda estaria dentro do homem sendo vista nesse contexto como um fenômeno endógeno Cataldo Neto Annes Becker 2003 Hegenberg 1998 Scliar 2007 O período da Idade Média na Europa foi de retrocessos e avanços no que tange ao diagnóstico em saúde mental A influência do cristianismo fez a concepção de doença orgânica ser associada ao pecado e consequentemente a cura seria alcançada pela fé já a doença mental ainda não muito esclarecida mas observada nos comportamentos dissonantes de algumas pessoas voltou a ser pensada como fruto de possessões demoníacas ou resultado de feitiçarias Notase uma similaridade ao que foi vivido na época primitiva Muitos doentes ou pessoas assim consideradas foram condenados pelos tribunais religiosos à morte para buscar a purificação da alma por meio do flagelo do corpo Nesse contexto surgiram os hospitais administrados por ordens religiosas com o intuito de abrigar os doentes e tentar restabelecer a saúde desses por intermédio de condutas religiosas que possibilitassem eles se livrarem do pecado feitiço ou possessão Batistella 2007 Cataldo Neto Annes Becker 2003 Scliar 2007 O advento do Renascimento possibilitou o surgimento de estudos em anatomia fisiologia e de individualização para a descrição da doença buscando observações clínicas Tudo isso forneceu base para estudos ainda em caráter de especulação sobre a origem das epidemias e o adoecimento humano Batistella 2007 Por conta dos estudos do corpo humano muitas doenças orgânicas puderam ser mais bem compreendidas Todavia os estudos biológicos não abarcaram a complexidade das doenças mentais o que abriu possibilidades para estudos mais específicos no tema Foucault 19971961 entendeu a loucura na Idade Média e durante o Renascimento como simbolizadora do sujeito envolvido por seus mistérios com discursos sem objetivações e definições exatas de si mesmo A loucura espelhava as experiências trágicas do homem frente ao universo infinito O louco se apresentava como aquele que revelava contradições e hipocrisias na sociedade e com o qual a medicina não se envolvia Cabe ressaltar que como citado por Hegenber 1998 a medicina possivelmente surgiu com o início da civilização mas apenas nesse período histórico com o desenvolvimento sistemático da anatomia e fisiologia estava tornandose de fato científica Desse modo nesse contexto e até o século XVII a loucura seria uma polaridade da razão Isso significa ser fruto da desorganização da conduta humana e produto do desvio do indivíduo daquilo que seria o esperado como a impossibilidade de trabalhar e de se integrar ao grupo social Os internamentos nos hospitais gerais ocorreram durante o Renascimento 28 28 pelos mais diversos motivos como solicitações de familiares ou paroquiais encaminhamentos policiais pedidos do governo e outros e não eram destinados apenas aos doentes mentais mas também a pobres criminosos viúvas órfãos prostitutas bruxas prisioneiros políticos e pessoas consideradas insanas Essa medida pode ser relacionada a uma prática do poder em que os excluídos sociais eram isolados e perdiam sua individualidade e cidadania visto que eram segredados do convívio social Já no chamado Classicismo compreendido entre os séculos XVII e XVIII surgiram hospitais com o objetivo específico de internação adotando ideais morais éticos e políticos para determinar quem seriam os internos sendo esse um marco institucional dessa fase Camargo 2003 Cataldo Neto Annes Becker 2003 Segundo Foucault 19971961 nessa conjuntura do Classicismo a loucura não estava ainda associada à doença mental Ela era pensada como fator de risco e de desordem para a sociedade de desorganização familiar e um perigo para o Estado sendo melhor então deixar o louco segredado nos hospitais uma vez que esse possuía desajustamento de conduta hábitos eou costumes Como a medicina estava se desenvolvendo o médico seria responsável por verificar a incapacidade do sujeito propenso à internação criando classificações para se julgar as pessoas com comportamento desatinado como internáveis Todavia a loucura não sendo pensada nessa época como doença mas como uma falta de manifestação da ética social fez com que o louco o desatinado fosse visto por exemplo como aquele que contava mentiras atrapalhava o convívio dos outros ou representava perigo para a sociedade associavase muitas vezes a loucura à criminalidade Foucault 19971961 No período compreendido entre os séculos XVII e XVIII vários estudiosos tentaram investigar acerca da saúde e doença fazendo a doença orgânica ser pensada de novas formas Houve estudos como Patologia Experimental doença significava com alteração dos órgãos início da concepção de doença aguda e crônica relacionandose ao tono o estado normal de resistência ou elasticidade de um órgão ou tecido doenças como fruto da alma o papel dos nervos frente os processos vitais e outros Mesmo havendo divergências nesse período a doença era vista como algo que acometia a pessoa em particular estava focada então no individual Hegenberg 1998 A partir do final do século XVIII e até o início do século XX com o mundo passando por transformações o período histórico da Modernidade fica cada vez mais evidente As revoluções industrial e francesa elaboração filosófica sobre o indivíduo estudos científicos mais elaborados e outros foram a marca do período moderno Nesse período a medicina se 29 29 tornou mais social e foi capaz de pensar condições de salubridade mais coerentes com esse momento histórico Também a prática médica individual foi mais sistematizada começando a tornarse um meio de atenção à saúde Backes et al 2009 Scliar 2007 afirma que no século XIX com os avanços estatísticos começavase a pensar na doença ligada a indicadores sociais se o corpo individual tinha sinais vitais podendo ser mensurados o corpo social também deveria têlo Juntas a Medicina e a Estatística criavam padrões para o funcionamento anatômico fisiológico e comportamental O uso do microscópio permitiu o avanço de estudos científicos cada vez mais desenvolvidos possibilitando o conhecimento de fatores epidemiológicos e etiológicos relacionados à doença Essa concepção de agentes etiológicos para as doenças culminou no surgimento de produtos químicos e vacinas mais especializados para a manutenção da saúde A medicina tornandose cada vez mais científica e deixando de lado suas antigas concepções filosóficas deixa de ser empírica para tornarse experimental focando sua atenção no corpo e na doença buscando um estado biológico dito normal Dessa forma o pensamento científico presente na Modernidade estava calcado na objetividade e fragmentação de conhecimentos que deveriam ser demonstráveis e calculáveis e a multicausalidade da doença foi uma ideia que surgiu aproximadamente na metade do século XX Backes et al 2009 Coelho e Almeida Filho 1999 afirmam que com a industrialização surgiram na Modernidade novas normas e comportamentos para alcançar maior rendimento da produção Antes do auge do período industrial a medicina estava voltada para a saúde pensando nos malefícios da doença no sujeito que precisava então ser tratado Mas quando a produção industrial se tornou o foco da sociedade a partir do século XIX a prática médica se volta para um funcionamento normal ou seja buscavase fazer as pessoas terem um desempenho similar Assim a nova demanda social fez tanto o rendimento quanto a saúde individual serem deixadas de lado para buscar uma normatização coletiva Scliar 2007 mesmo declara que nessa época com os avanços estatísticos começou a ser ditada uma norma para se encontrar o momento em que o indivíduo teria se desviado do padrão socialmente esperado A medicina e as emergentes ciências humanas estavam voltadas para agir sobre o homem tanto no corpo quanto na mente para com isso tornálo um hábil trabalhador industrial Foucault 19971961 discute que com os ideais da Revolução Francesa na Modernidade os internamentos do louco deixaram de ocorrer de forma maciça para serem feitos como resultados de estudos mais objetivos O desatinado deixou de ser pensado como aquele que especificamente faltava com a ética social ou seja não se relacionava mais 30 30 necessariamente o crime com a loucura Os internamentos passaram a ocorrer embora de forma primitiva com maior foco terapêutico em que se não pudesse obter a recuperação total do louco deveria propiciar pelo menos algum nível de adequação social para o indivíduo internado medida que era seguida no Oriente Médio desde o século VII Com Philippe Pinel no período moderno surgiu o manicômio local de internamento exclusivo para os alienados possibilitando romper a compreensão da loucura com a tradição demoníaca e passar a considerála como doença mental em que o interno necessita de cuidados remédios e apoio de outras pessoas Esse processo pode ser pensado como o início rudimentar de um tratamento mais humanizado para o doente mental e inaugura uma especialidade médica nova posteriormente chamada de Psiquiatria Camargo 2003 Ceccarelli 2005 Amarante 2009 aponta que o manicômio era o local onde o interno estava sob tutela Lá ele teria constante vigilância tratamento moral e disciplinar punições visando à correção tentariam ensinar ordens e realizar trabalhos ditos terapêuticos Com o tratamento o louco poderia perder a condição de segregado e passar a ser considerado cidadão livre pleno de direitos e deveres Nessa conjuntura a definição da loucura estava na responsabilidade do médico que como os cientistas da época buscava a produção de um saber oriundo de dados naturais apreendidos medidos descritos e revelados pela realidade A preocupação não era o doente mas a doença Isso porque como a doença orgânica estava cada vez mais sendo conceitualizada a doença mental também deveria sêlo Ao longo do século XX já se pensava em epidemiologia e etiologia da doença orgânica o que permitiu vários estudos para delimitar com maior precisão o seu padrão e como ser tratada Buscouse utilizar esse mesmo padrão para os estudos da doença mental todavia os progressos esperados não foram obtidos Dessa forma oriundo de estudos e alguns movimentos sociais surge o pensamento ainda inicial de que a norma de funcionamento e tratamento das doenças orgânica e mental seriam diferentes Hegenber 1998 Sobre a possível diferenciação quantitativa estimada entre a saúde e a doença no período Moderno Durkheim 20071895 apontou algumas reflexões Primeiro que muitas vezes associase o sofrimento à doença mas se deve pensar em doenças que não causam dor dor não relacionada às doenças e doenças com sintoma de algum prazer Segundo que a saúde é a capacidade do organismo de adaptarse ao meio sendo a doença a perturbadora dessa adaptação Não se leva em conta no entanto que não há meios de medir se essa forma de adaptação é melhor pois nem sempre a adaptação é eficaz visto que se poderia manterse adaptado à patologia Por fim especulase que a doença diminui a chance de sobrevivência 31 31 enfraquecendo o organismo mas o ser humano na infância e na velhice é muito suscetível a perigos e necessita de cuidados não necessariamente estando doente Desse modo pensando sobre a definição de normal e patológico Durkheim 20071895 revelou a necessidade de se olhar o ser humano e as condições em que este se encontra dentre elas o local onde vive o indivíduo sua idade sexo e outros fatores relevantes não podendo haver uma definição absoluta Com isso o normal deve aproximarse da média encontrada depois de se estudar determinado grupo de indivíduos não se podendo chamar de normal aquilo que é desejado por quem não pertence ao grupo em questão ou um fenômeno observado em outro grupo Já Canguilhem 20121943 rompeu com o pensamento de normal e patológico atrelado à média grupal para pensálos frente à singularidade do sujeito Para o autor a noção de normal não pode advir de um tipo considerado ideal ou de médias estatísticas fato que sempre fora feito desde o início da concepção de saúde e doença O normal deveria ser tomado em referência ao sujeito ao significado de saúde ou doença para ele sendo assim a concepção de normal seria dada pelo próprio sujeito e não pelos ideais e médias de outrem O estado perfeito de saúde foi para Canguilhem 20121943 um conceito normativo que indicou um tipo ideal de adaptação às condições de vida O estado normal não era algo empiricamente observável mas uma norma que permite correção e modificação do ser existente O autor acreditava que o organismo vivo deveria ser olhado na sua totalidade não na especificidade do sintoma porque os sintomas poderiam aparecer de forma isolada sem que fossem necessariamente uma doença assim como a doença pode existir mesmo com a ausência de sintoma Por exemplo uma pessoa pode sofrer por uma perda sem adoecer como também pode estar em quadro de euforia por conta de um transtorno de humor Os dados quantitativos para a explicação do normal e do patológico utilizados para normatização com a industrialização foram importantes no século XIX pois já sinalizam uma preocupação em se especificar as alterações entre doentes e saudáveis pelas comparações com as médias gerais No século XX todavia essas teorias já eram insatisfatórias quando começaram a ver a doença como uma variação qualitativa do normal O positivismo criou essa forma de variação quantitativa dos fenômenos normais e patológicos mas não conseguiu mais definir estas variações objetivamente já que estas alteravam o todo do organismo fazendo o sujeito ter todo seu organismo e condições modificados quando doente Coelho Almeida Filho 1999 A doença na concepção de Canguilhem 20121943 não era necessariamente patológica Para ele era normal o ser vivente ficar doente em algum momento O mesmo 32 32 acontecia com as anomalias e mutações que não podem ser pensadas exclusivamente como patológicas Doenças anomalias e mutações poderiam fazer o sujeito criar novas normas para viver fazendo com que o anormal seja algo precedente ao normal que provoca uma intenção de se buscar a normatividade Se a nova forma de vida trouxesse normatividade ou seja possibilitasse uma adaptação favorável ao indivíduo ela seria normal caso a normatividade não possibilitasse uma boa adaptação ela seria patológica Com isso normal e patológico foram encarados de acordo com a totalidade do ser e não apenas pela sua especificidade Os valores negativos e positivos poderiam variar para cada pessoa fazendo o patológico aparecer na relação do sujeito com seu ambiente não havendo pois para Canguilhem 20121943 uma patologia em essência e prédefinida mas sempre analisada no contexto existencial de quem a vivencia A compreensão da saúde mental ainda não apresentou no início do século XXI mudanças significativas em comparação com o século XX visto ainda estar pautada em muitos teóricos do século anterior A diferença do presente é buscar práticas realmente mais humanizadas tanto para o diagnóstico quanto para as práticas terapêuticas O homem é capaz de ser impactado pelos mais diversos agentes agressores e manter ou restaurar seu estado normativo Mas nas abordagens contemporâneas sobre a saúde e a doença mesmo que já sejam consideradas as dimensões psicológica e social a visão biológica ainda impera Todavia a saúde envolve fatores que são subjetivos fazendo com que o estado normativo também o seja É usual muitas ciências tomarem o fenômeno mais comum como o normal mas em ciências que se estuda a saúde essa medida não pode ser adotada Backes et al 2009 Franco 2009 elucida que a saúde mental pode ser pensada de forma que o saudável seja a capacidade de superar conflitos psíquicos e instaurar uma nova ordem mental O transtorno mental por mais complicado que seja pode ser a normatividade psíquica que o sujeito encontrou para lidar com sua demanda social e cultural naquele momento não podendo ser denominado então necessariamente patológico Normatividade psíquica seria o sujeito ser capaz de instaurar novos valores quando há uma mudança no meio cultural ou seja não se fixar demasiadamente a uma cultura ou situação sendo capaz de ressignificar Para compreender a questão da saúde mental na contemporaneidade será apresentado o modelo psicodiagnóstico de Karl Jaspers 18831969 Este foi escolhido por ser o primeiro modelo sistematizado de diagnóstico de psicopatologia do século XX precursor de uma postura diferente das compreensões apresentadas sobre o período Moderno A apresentação será para mostrar a proposta dele em uma descrição sem fazer inferências ou julgamentos de 33 33 suas características mas para mostrála tal como ela é pautandose numa perspectiva de descrição fenomenológica 22 A psicopatologia e processo diagnóstico de Karl Jaspers Karl Theodor Jaspers foi um médico psiquiatra alemão e professor universitário que nasceu em 1883 e faleceu em 1969 Ainda jovem foi diagnosticado com uma doença que poderia leválo à morte por supuração geral e precisou aprender a viver sendo doente Como médico e professor ele trabalhou na Clínica Psiquiátrica da Universidade de Heldelberg Em virtude de sua saúde não conseguiu cumprir a mesma carga horário de trabalho que seus colegas logo para compensar o déficit no trabalho clínico ele produziu várias obras visando à educação dos alunos nelas acrescentando suas reflexões filosóficas Nessa produção de Jaspers ficou explícito o homem como ser em constante busca de existir autenticamente ideia que tentou sistematizar por meio da razão Santos 2010 O processo transitório que Jaspers realizou de médico psiquiatra para filósofo foi resultado do desenvolvimento de sua intelectualidade sobre questionamentos acerca da epistemologia da Psicologia Estes possibilitaram de início a investigação dos métodos científicos da prática médica e posteriormente abrirse a refletir sobre a epistemologia da ciência como um todo e os problemas ontológicos da época Para tanto fica notável a influência da psicologia existencial e as ideias fenomenológicas de Edmund Husserl Carvalho e outros 2017 O período em que Karl Jaspers realizou seus estudos em psicopatologia foi marcado pela hegemonia do paradigma positivista enquanto esta enquadravase no rol das ciências naturais Nesse contexto os fenômenos psicopatológicos consistiam nas manifestações sintomáticas das chamadas doenças mentais e eram entendidos como fruto de alguma alteração orgânica do cérebro Consideravase que as doenças mentais tinham então sua etiologia biofísica o que desconsiderava a história de vida do paciente bem como seu contexto de vida familiar social e cultural Assim a produção de Jaspers buscou ultrapassar esses moldes puramente biomédicos e propor uma postura mais existencial do transtorno mental Teixeira 2014 A primeira edição da Psicopatologia Geral de Jaspers foi lançada em 1913 e mesmo após mais de cem anos dessa publicação mantémse como objeto de estudos A comunidade de especialistas conforme Messas 2014 ainda encontra muitos pontos de discussão na obra 34 34 de Jaspers não apenas como fonte de ideias passadas sobre as quais se pode refletir mas como aporte teórico e científico na formação de novos profissionais da Psiquiatria No presente trabalho foi utilizada a sétima edição da Psicopatologia Geral de Karl Jaspers publicada em 1959 e traduzida para o português em 1973 Esta contém os prefácios de algumas edições anteriores Já no prefácio da primeira edição do livro Jaspers 19731913 esclarece ser o objetivo de sua obra a introdução de problemas questões e métodos referentes à psicopatologia Desse modo buscou favorecer o desenvolvimento de reflexões metodológicas ao invés de se fundamentar basicamente em uma teoria Jaspers 19731913 discutiu ainda no prefácio da primeira edição a questão da pluridimensionalidade da psicopatologia Segundo o autor o estudo dessa área da ciência poderia ser realizado por meio de vários modos e caminhos que não se anulariam e poderiam inclusive complementarse A intenção de Jaspers foi favorecer a apresentação o mais completa possível da psicopatologia sem indicar predileções e crenças pessoais Tanto que concluiu o prefácio afirmando que não se deve aprender Psicopatologia e sim a observar perguntar analisar pensar psicopatologicamente Jaspers 19731913 p 8 Já no prefácio da segunda edição Jaspers 19731913 reafirmou ter mantido seus propósitos metodológicos Uma alteração substancial se deu na obra na quarta edição Nesta datada de 1942 houve uma reestruturação do conteúdo pois a psicopatologia se desenvolveu como ciência com novos estudos e o próprio autor adquiriu novos conhecimentos Todavia Jaspers manteve seu método e objetivos presentes na publicação reeditada que visavam à compreensão do fenômeno psicopatológico na existência da pessoa que o vivencia Essa continuidade metodológica de Jaspers é um dos argumentos utilizados por Messas 2014 como justificativa da relevância do trabalho do autor que mesmo após um século de sua primeira edição e embora tendo havido algumas complementações e alterações da Psicopatologia Geral os princípios compreensivos da mesma foram mantidos Isso porque as edições posteriores dessa publicação receberam reformas todavia o eixo central da ordenação metodológica de Jaspers se manteve intacto visto o autor considerar que os conteúdos empíricos cerebrais e somáticos precisaram receber atualização mas a obra não havia sido superada A psicopatologia de Jaspers tem o diferencial de reconhecer e integrar tanto os princípios da ciência biológica quanto das ciências humanas Ela buscou explicar por meio de estudos neurobiológicos as conexões causais da perturbação mas também almejou compreender a experiência individual do sujeito suas relações de sentido e relações das vivências patológicas com as outras vivências do sujeito inclusive no modo como este se 35 35 relaciona com seu meio social O humano passou a ser visto nos seus condicionantes biológico ambiental e histórico A patologia começou a ser vista a partir da existência humana e não a existência humana a partir da doença Teixeira 2014 Em sua produção Jaspers se propôs a alcançar complementaridade entre doutrinas extremistas Algumas polarizações presentes desde o século XIX são objetividade vs subjetividade científico vs especulativo doença mental vs saúde mental Perdigão 2014 p22 Os primeiros polos desses extremos estavam alinhados à visão dominante de ciência da época a qual ainda promovia a caracterização do transtorno mental ligado à parte física do corpo e com desenvolvimento análogo à doença orgânica Já o modo compreensivo de Jaspers frente às alterações psíquicas interroga o desenvolvimento do transtorno mental em conexão com as experiências vivenciais do sujeito por isso pode vislumbrar os segundos polos dos binômios destacados acima Os avanços da medicina garantiam melhor qualidade de saúde fisiológica e consequentemente maior expectativa de vida mas Jaspers 1998 afirma ter percebido uma limitação no que diz respeito à saúde mental O corpo ao viver mais tempo não abdica ou diminui a possibilidade de sofrimento psíquico pois os transtornos mentais e angústias existenciais podem existir em pessoas fisiologicamente saudáveis Por isso a proposta jasperiana é uma mudança de paradigma da psiquiatria para deixar de fazer postulações desconectadas do humano ao realizar diagnósticos não pautados na singularidade da pessoa e buscar meios de cuidar desta Jaspers 1998 Perdigão 2014 Jaspers 1998 fez referência ao transtorno mental não apenas como o indício de que algo no humano estivesse fora de ordem orgânica mas que poderia haver alguma falta de sentido existencial A proposta de psiquiatria do autor seria de uma postura psicoterapêutica médica para então ser possível compreender as demandas da pessoa na manutenção da sua saúde Esse foi seu fundamento para iniciar os estudos em psicopatologia Diante do modelo dominante da época o qual priorizava uso de substâncias fármacos e mensurações Jaspers 20051912 realizou a proposta de a intervenção pautarse naquilo que é válido necessário e complementar ao psiquismo conforme apresentado pela demanda do paciente Isso poderia ser melhor para o rendimento no trabalho organização de demandas familiares e quaisquer outras demandas apresentadas como queixa pela própria pessoa Jaspers 20051912 ainda propõe o conhecimento das demandas psicopatológicas não voltadas a reduções estatísticas ou quantitativas como estava sendo feito desde o início da modernidade Scliar 2007 Conforme Perdigão 2014 esse movimento de Jaspers propôs um método de apreensão diferente do existente que buscava um denominador comum para as 36 36 variadas perturbações mentais uma espécie de estrutura que fosse invariante o que remete à tentativa de uso da fenomenologia dos estados de perturbação mental Em sua proposição de psicopatologia Jaspers 19731913 20051912 afirmou o humano como um ser de totalidade e com capacidade de ressignificarse na continuidade da experiência vivencial Desse modo não é possível compreender elementos do psiquismo isolados do todo que a pessoa é O fenômeno psicopatológico foi compreendido nessa perspectiva como uma parte com significado dentro do todo do paciente Desse modo era fundamental a diferenciação entre o desenvolvimento singular da personalidade e o evento perturbador da vida do paciente Quando este surgia ele poderia ser visto como um processo que altera a vida psíquica global do paciente Assim esses fenômenos perturbadores promovem um novo curso de vida para o paciente interrompendo o fluxo de desenvolvimento que já existia para que emerja um novo dando outro sentido para a sua vida Jaspers 19731913 Esse paradigma de psicologia de Jaspers estava consonante com outros modelos já em desenvolvimento à sua época como os Wilhelm Dilthey Max Weber e Edmund Husserl O comum dessas perspectivas era o olhar mais ético para o humano proveniente de uma visão mais humanista e menos positivista da pessoa e de sua realidade psíquica Perdigão 2014 Perdigão 2014 exemplifica algumas influências dos pensadores da época sobre a proposta de psicopatologia de Jaspers Primeiro inspirado em Dilthey Jaspers propôs o papel do psiquiatra como observador essencial para integrar de modo coerente as formulações dos dados psíquicos apresentados pelo paciente Segundo em Weber o autor encontrou alicerce para a ideia de se realizar tal tarefa por meio de uma compreensão empática que consistia em compreender o apresentado pelo paciente do modo com a experiência dele se torna consciente durante a consulta Por último a proposta de fenomenologia de Husserl pode ser pensada como a primeira etapa da descrição da vida psíquica para ser possível compreendêla em seu contexto conteúdo modo de surgimento e outros fatores observáveis A presença da fenomenologia na psicopatologia de Jaspers 19731913 20051912 é um diferencial de sua proposta Conforme o autor ela permite conhecer os diferentes modos que as experiências humanas podem acontecer e propiciar a compreensão da realidade psíquica como um todo Desse modo ela sinaliza e favorece uma descrição segura dos fatos psicopatológicos mas não favorece uma metodologia de tratamento para eles Nesse aspecto enquanto método para a psicopatologia a fenomenologia abarca as exigências da cientificidade do campo de estudo sem excluir a vivência subjetiva da pessoa como o objeto da psicologia 37 37 Para Rodrigues 2005 pela fenomenologia Jaspers deixa de posicionar a psicopatologia como ciência alicerçada na doença mental para ser um meio de abertura descritiva de vivências psíquicas singulares Sua proposta é favorecer a complementação da psicologia para a medicina saindo da ênfase na patologia para sobressair o sujeito O objetivo não é a explicação do sujeito por meio de seu adoecimento psíquico e sim a compreensão de estados mentais perturbados por meio da vivência da pessoa enquanto ser existente Pelo exercício da descrição fenomenológica é possível compreender como o paciente vivencia seu fenômeno psicopatológico Teixeira 1993 afirma ser esse movimento a suspensão da doença como conceito ou conhecimento prévios para a possibilidade do desvelar da experiência vivida por cada sujeito Isso significa que o foco não seria mais o transtorno em si mas o sujeito que vivencia esse transtorno A fenomenologia de Jaspers conforme Teixeira 2014 ao ser aplicada à psicopatologia diferese da fenomenologia de Husserl por não visar as essências e sim compreender a relação da pessoa com perturbação mental em suas dimensões biológica social e espiritual integrando a existência No primeiro momento visa a acessar a experiência subjetiva particular para compreender a consciência de si próprio do sujeito e como ele experimenta as dimensões do existir tempo espaço corpo intencionalidade e intersubjetividade No segundo momento investigase como a pessoa vive seu modo perturbado de existir buscando o significado de suas experiências patológicas de tempo e de espaço e ainda como tem se relacionado com os outros Por fim é aberto espaço para a pessoa compartilhar seu vivido no momento em que se expressa permitindo assim as vivências ficarem mais claras para si própria e para os outros partilhar o sofrimento em um espaço de acolhimento e ser compreendida Teixeira 2014 Todo esse processo segue o movimento de investigação do ponto mais geral da vida do paciente para o mais específico De início é importante conhecer a pessoa em seu contexto de vida suas relações papéis sociais desempenhados e tudo aquilo que compõe seu campo existencial Posteriormente buscase conhecer a vivência patológica do paciente como ela surgiu como se fixou na vida da pessoa e como está manifestandose nas suas experiências cotidianas Por último a pessoa pode expressar suas percepções pessoais sobre essas vivências quais significados têm dado a elas como se sente diante do vivido Desse modo na proposta de Jaspers por meio da compreensão fenomenológica será descrito de forma minuciosa o conteúdo da vivência psicopatológica para assim ser possível vislumbrar as relações existentes entre essa vivência e as anteriores e contemporâneas O fato 38 38 é que nessa perspectiva o objeto da psicopatologia é a experiência psíquica consciente de modo a buscar compreender o que a pessoa vivencia e como faz isso Teixeira 2014 A fenomenologia de Husserl e também algumas ideias prévias de Immanuel Kant levaram Jaspers conforme aponta Correa 2011 a fazer uma distinção entre conteúdo e forma O primeiro consiste basicamente no próprio sintoma a exemplo um delírio ou um sentimento já o segundo no modo como este sintoma se apresenta seu contexto Desse modo um mesmo conteúdo dependendo da forma como é visto pode receber diagnósticos diferentes ou seja o contexto define se o conteúdo será ou não patológico O olhar fenomenológico para a psicopatologia se caracteriza pelo enfoque das vivências e dados da consciência do sujeito diante de categorias advindas da psicopatologia descritiva Teixeira 1993 Partindo dessa concepção o projeto de Jaspers buscou seguridade para as relações compreensivas da experiência do sujeito passarem por um exame científico Isso ao conectar os fenômenos psicológicos e suas manifestações nas mais diversas situações cotidianas Rodrigues 2005 Com isso é possível por meio do método fenomenológico descrever com maior precisão objetiva as vivências do paciente e compreender o processo dinâmico delas com os outros eventos psicológicos vividos concomitantemente sua organização e reorganização contínua sempre que for preciso Esse é um trabalho realizado por paciente e profissional juntos uma vez que fenomenologia ressalta a importância relacional para a compreensão do fenômeno Devese ressaltar porém que a totalidade daquilo que é vivido pelo paciente não é alcançável ela sempre é percebida em perspectivas Todavia os dados obtidos ainda mantêm o caráter científico para a produção de conhecimento uma vez que abarcam a realidade ali estudada O que não é possível e nem proposta é a obtenção de alguma lei ou teoria que seja universal pois sempre é preciso conhecer a realidade particular do sujeito Carvalho 2014 Mesmo sendo inovador esse modo de apropriar da fenomenologia para a descrição segura do fenômeno psicopatológico Perdigão 2014 considera que o marco central da psicopatologia geral de Jaspers é a compreensão empática Por meio desta o autor alcançou meios de formular uma psicologia mais clara ao seu propósito de encontro com a experiência do paciente que não é observável de modo imediato Sobre a compreensão empática do profissional Jaspers 19731913 20051912 a propôs como parte fundamental do psicodiagnóstico Para ele todo evento psíquico tem um significado que é dado pela causa situação ou forma como algo foi vivido É na presença do observador por meio de seu manejo técnico e abertura à compreensão empática que esse 39 39 significado pode emergir Esse modo de trabalho integra então no cerne do conhecimento científico a participação subjetiva e afetiva do profissional de modo diferente ao comumente visto nas ciências naturais Para isso Jaspers 20051912 traçou a diferença entre os ditos sintomas objetivos e os subjetivos São considerados sintomas objetivos aqueles passíveis de serem expressos de forma clara por meio da percepção sensorial e entendimento lógico Nessa primeira parte da definição são encontrados os sintomas próprios da fisionomia atos reflexos expressividade verbal atos motores e também características de cognição como memória e aprendizagem Da segunda parte da definição advêm sintomas como ideias paranoicas e maníacas ou mesmo falsas memórias pois exigem uma racionalização lógica da pessoa para o desenvolvimento desses sintomas Jaspers 20051912 Já os sintomas subjetivos estão envolvidos por processos que são também subjetivos o que para Jaspers 20051912 corresponde à característica de se transpor à apreensão compreensiva de outro sujeito no caso o profissional que realiza o atendimento Desse modo esses sintomas tornamse claros e podem ser acessados somente por meio da participação do profissional no processo vivido durante o trabalho clínico em que as experiências do sujeito são observadas e compreendidas e não fruto de uma apresentação racional Esse processo é subjetivo porque o profissional pode ser capaz de captar que quando o paciente expressa o fato acontecido e narra sua experiência esses dados podem não coincidir Todavia o olhar atento e participativo do profissional permitirá que este capte outras possíveis informações nos fragmentos e detalhes da expressividade do paciente nas suas ações e no modo como este tem conduzido sua vida No quesito psicodiagnóstico próprio da psicologia Jaspers 20051912 ficou preocupado com o fato de este pautarse apenas em sintomas objetivos Isso porque para o autor uma psicologia objetiva desconsidera aquilo que é de fato psíquico tendo a chance de poder ser comparada quase a um tipo de fisiologia Essa vertente da psicologia objetiva era pautada em métodos causaisexplicativos em que a conectividade psíquica é desconsiderada para se formularem leis generalizantes as quais poderiam ser induzidas independentemente do psiquismo do sujeito Jaspers 20051912 Podese entender que nesta os próprios sintomas subjetivos poderiam ser estudados de modo a ser objetivados para a expansão da ciência Com isso é papel da psicologia subjetiva manter um padrão científico ao respeitar a compreensão psíquica para o sujeito dos seus sintomas subjetivos 40 40 Por meio da descrição fenomenológica é possível alcançar a compreensão fenomenológica do vivido pelo paciente o que consiste no primeiro passo do trabalho proposto por Jaspers 20051912 A compreensão empática foi a via que o autor encontrou para complementar e diferenciar sua proposta psicodiagnóstica Esse modo de compreender vai além de entender as relações existentes entre um sintoma e a conexão intencional com o paciente pois buscará também compreender os sentidos particulares ali existentes de forma legítima Alcançase assim a essência da experiência psicopatológica a qual a partir daí poderá ser apresentada de modo consonante às exigências científicas Outra questão colocada para a discussão da psicopatologia geral é a distinção pluralista entre conhecer e compreender trabalhada por Jaspers 19731913 20051912 Perdigão 2014 ressalta sobre esse ponto que a tratativa da pessoa como objeto do conhecimento para a ciência não é paralela ao acolhimento e cuidado advindos como possibilidade da compreensão Para a autora quando se busca apenas conhecer o objeto no caso humano em sofrimento psíquico fica preservada a neutralidade do pesquisador Todavia a atitude compreensiva ocorre por meio da comunicação que culmina em algum nível na transformação do pesquisador e do sujeito da pesquisa O ato de conhecer está também ligado à explicação Esta está pautada em teorias para ser possível alcançar comprovação das hipóteses experimentais formuladas Na concepção jasperiana todo fenômeno psicopatológico tem a possibilidade de ser explicado para a identificação de suas causas Contudo a explicação não evidencia as relações existentes entre os fenômenos e outras vivências patológicas ou não e ainda que a origem da perturbação psíquica seja biológica pelo fato de acontecer em um humano desencadeará experiências singulares que precisam ser analisadas Assim o projeto de Jaspers buscou integrar o modelo causalexplicativo ao modelo históricocompreensivo por meio da fenomenologia Teixeira 2014 Conforme Jaspers 19731913 a expressividade da humanidade é diferente do encadeamento de características por meio de raciocínio lógico esta ocorre porque há uma pessoa capaz de ir ao encontro das questões íntimas de outra pessoa O trabalho de compreensão altera o trabalho em psicopatologia que sai de uma interrelação de sujeitoobjeto para a promoção de uma intersubjetividade na díade sujeitosujeito Nessa díade além de ser possível haver o conhecimento lógico da experiência surge o processo de autonomia do paciente vindo da compreensão de seu psiquismo Desse modo notase que o conhecimento é produto do encadeamento racional das regras e conectividades 41 41 lógicas da manifestação dos sintomas e de como estes se ligam um ao outro analisandose os processos mentais Já a compreensão empática ultrapassa o limite de controle da racionalidade o que conduz às relações propriamente particulares daquele psiquismo em um plano de significados com sentidos para aquela pessoa e dá o caráter psicológico ao processo Para o trabalho de compreensão empática Rodrigues 2005 aponta uma importante advertência da proposta de Jaspers É preciso que o profissional em relação com o paciente compreenda empaticamente o sintoma ali trazido nesse movimento não só de conhecer mas também de compreender Todavia o trabalho só será de fato realizado se o profissional mantiver claro seu papel nessa relação de si mesmo e de que obtém a representação do vivido pelo paciente não a vivência em si Isso porque a vivência é sempre mais complexa do que sua representação mas esta é do sujeito que a vive cabe ao profissional buscar a representação mais fidedigna possível em seu trabalho Correa 2011 descreve como é realizada a compreensão pela proposta da psicopatologia geral O ato de compreender ocorre ao se acompanhar o paciente no contexto da experiência como foram vividos os eventos situações ou questões pessoais Esses dados são alcançados por meio de representações claras do que estiver acontecendo com o próprio paciente de sua mais autêntica experiência para se apreender como cada fenômeno surge em sua consciência e quais suas sensações e sentimentos mais íntimos diante disso Esse trabalho segue os princípios do método fenomenológico Logo é fundamental a suspensão de considerações interpretações sínteses e teorias prévias nesse momento para que os dados emerjam da experiência particular descrita no atendimento Isso porque qualquer dado que não seja apresentado pela própria consciência do paciente está fora de consideração nessa fase de compreensão empática Com base nessas em suas considerações sobre o trabalho com o paciente Jaspers 1998 discute o significado da psicopatologia para a pessoa e da pessoa para a psicopatologia A crítica do autor é a possibilidade de haver foco na patologia e assim há predominância da impessoalidade repetição e estrutura para o ensino de representações vindas de quadro nosológico por meio das quais há de alguma forma o controle científico dos sintomas e o sujeito fica inserido dentro desses Outra possibilidade de foco pode ser na psicologia que inclusive é a base do trabalho descrito por Jaspers 1998 Nele o sujeito fica em evidência visto ser parte fundamental para ser possível alcançar o sentido e a compreensão do sofrimento psíquico do fenômeno psicopatológico 42 42 Tendo seu foco na psicologia Jaspers 19731913 afirma ser objetivo da psicopatologia geral alcançar uma configuração do todo e não a tentativa de sistematização ou recapitulação de resultados provenientes de partes separadas Para sua proposta de psicopatologia ser verdadeiramente geral visa à compreensão da totalidade do indivíduo Não cabe a ela ocuparse de parcialidades as quais podem provocar limitações de algumas patologias e de suas manifestações no indivíduo Embora o eixo central da proposta metodológica de Jaspers 19131973 seja a compreensão da totalidade do indivíduo o autor apresenta uma questão contraditória fundamental para ele a incompletude do ser humano A contradição reside então no fato de a visão totalitária do humano ser fruto do trabalho contínuo e crítico empreitado pelo investigador no qual busca configurar uma ordem no arranjo dos elementos parciais do indivíduo Contudo esse indivíduo mantém sua característica básica de ser essencialmente incompleto e não acessível em si mesmo ao conhecimento Conforme Messas 2014 Jaspers abdica enfaticamente de qualquer simplificação da psicopatologia proveniente de aplicações desse todo a alguma realidade empírica de modo abstrato Também não é proposta de Jaspers pautarse em modelos diversificados dos resultados vindos de propostas de psicopatologias singulares fruto de trabalho segmentados e organizados aleatoriamente como era o caso de alguns tratados de psiquiatria Isso porque muitos dos trabalhos já existentes eram compostos por literaturas com partes que mantinham uma relação aparentemente coesa na apresentação mas sem fornecer uma relação verdadeiramente orgânica e compreensível entre elas Jaspers 19731913 define a ciência psicopatológica situandoa de forma a elaborar estudos com validação universal e deixando então à filosofia os aspectos da vida humana particulares e situacionais de origem diferente da científica Como Jaspers exerce os papéis tanto de psiquiatra quanto de filósofo podese destacar como peculiaridade do autor o fato de ele compreender não ser possível segregar os conhecimentos provenientes da filosofia como o conceito de totalidade da abrangência dos estudos científicos empíricos e desse modo de elaboração intelectual Messas 2014 É possível perceber o diálogo entre filosofia e psiquiatria promovido por Jaspers mas respeitando e delimitando claramente os limites e as possibilidades de cada uma dessas fontes de conhecimento sem a promoção de uma relação forçada entre elas Jaspers 19131973 Na sua psicopatologia geral Jaspers 19131973 discute o conceito de totalidade presentes nas diversas teorias de psicopatologia existentes Para o autor teoria é o conjunto de construtos intelectuais utilizados para interpretar as relações entre os fenômenos estudados 43 43 Todavia ele destaca que esses modelos interpretativos são próprios da teoria e não fazem parte da elaboração consciente que o paciente pode realizar na descrição de suas vivências Com isso Jaspers 19731913 20051912 não busca criticar o uso de teorias no trabalho psicopatológico mas o modo imperativo como este pode ser aplicado pelo fato de o conhecimento intelectual muitas vezes acabar sobrepondose ao conhecimento vivencial do paciente O trabalho central de Jaspers 19731913 propôs um olhar humanista amparado pelo fato de a pessoa ser considerada e respeitada em primeiro lugar As pessoas com suas perturbações psíquicas deveriam ser vistas em seus valores necessidades e desejos Para tal objetivo o autor reflete sobre a possibilidade de interseção entre psiquiatria e filosofia pois a junção de conhecimentos advinda de cada uma dessas frentes poderia abarcar com mais completude complexidade humana O autor ressalta também a importância da perspectiva existencial para a psicopatologia e psiquiatria de sua época para ser possível esse viés mais humanista que favorecesse compreender a patologia a partir da pessoa e não pessoa a partir da patologia Por meio da concepção de totalidade trabalhada por Jaspers 19731913 ao se realizar o diagnóstico é preciso destacar que a patologia é uma parte da pessoa e não seu todo Desse modo é preciso compreender as experiências da pessoa sua biografia pessoal seu modo de se relacionar em sociedade e com a cultura e sua existência com detalhes para perceber a manifestação do fenômeno psicopatológico na vida do paciente como este se estrutura no seu todo e se manifesta mas também ver a pessoa como algo maior que a patologia vivenciada Toda essa sistematização psicodiagnóstica proposta por Jaspers começou a ser elaborada no início do século XX Conforme destacado o próprio autor enquanto vivo reeditou sua obra e vários estudiosos atuais da obra jasperiana afirmam que ela ainda não foi superada Para ser possível a compreensão de Jaspers e sua relação com a fenomenologia serão apresentados dois filósofos que possuem ligação com seu trabalho Edmund Husserl e Immanuel Kant 23 Influências filosóficas na psicopatologia e processo diagnóstico de Karl Jaspers Logo no início do século XX é possível notar algumas proximidades entre Karl Jaspers e Edmund Husserl O primeiro estava terminando sua graduação em Medicina e o segundo já era renomado filósofo da época Mesmo que não tenham trabalhado com muita proximidade 44 44 a fenomenologia de Husserl principalmente no que tange a sua parte descritiva influenciou Jaspers na elaboração de seu modelo de psicopatologia Walker 1994a Conforme Walker 1994a Jaspers teve contato mais próximo com duas obras de Husserl Investigações lógicas 19901901 e Filosofia como ciência rigorosa 19101911 Jaspers chegou a mandar alguns de seus trabalhos iniciais para Husserl e em um encontro com ele Jaspers tentou dialogar sobre o que seria o método fenomenológico Todavia ao ler Filosofia como ciência rigorosa Jaspers discordou da ideia de Husserl mesclar ciência e filosofia pois acreditava que estes são campos de saberes diferentes então parou até mesmo de continuar mandando textos para Husserl É possível compreender a constituição da fenomenologia de Husserl por meio de algumas ideias vindas de Brentano como o favorecimento de ensinamentos para se pensar em uma filosofia científica Isso seria possível ao realizar experimentos e utilização dos métodos próprios das ciências naturais em questões filosóficas A própria distinção dos fenômenos como físicos e psicológicos de Brentano foram uma alusão à questão empírica de seu trabalho psicológico Peres 2019b Apesar de ter desenvolvido algumas ideias Husserl manteve algumas ligações com o aprendido com Brentano como iniciar a análise filosófica com a experiência a intencionalidade da consciência e o fato de a filosofia ser sistematizada e científica Os primeiros estudos de Husserl ainda tiveram muito da influência de Brentano mas após ser criticado como sendo um autor de psicologismos ele começou a elaborar sua fenomenologia nas Investigações lógicas Peres 2019a Por meio da leitura de Investigações lógicas Jaspers se aproxima da psicologia descritiva de Husserl O psiquiatra alemão faz referências a essa obra husserliana em seu artigo de 1912 A abordagem fenomenológica em psicopatologia e na obra de 1913 Psicopatologia geral As citações voltaramse ao fato de Husserl ter elaborado uma fenomenologia mais sistematizada que permitiu um método puro de investigação descritiva Walker 1994a Peres 2014 apresentou o fato de a proposta do método fenomenológico husserliano ser a compreensão das partes constituintes do fenômeno tal como se apresenta à consciência por meio da intuição Toda essa descrição é possível por atos de comunicação e estruturação na linguagem Mas Jaspers 19731913 discordou de tal ideia e fundamentouse na ideia descritiva que Husserl elaborara anteriormente Para o autor a fenomenologia seria um método empírico de investigação descritiva por meio do diálogo com o paciente 45 45 De acordo com Walker 1994a foram vários os momentos em que Jaspers fez referência ao fato de ter estudado a questão da psicologia descritiva de Husserl presente nas Investigações lógicas Todavia manteve também firme o posicionamento de discordância com a questão da filosofia científica proposta alguns anos depois Por meio da descrição das vivências Jaspers 20051912 afirmou ser possível captar a experiência do paciente e quando estas são realizadas de forma clara e precisa possibilitam criar relações com outros casos levando à produção científica A fenomenologia seria então um método de pesquisa Diante desses apontamentos da relação entre Jaspers e Husserl é possível perceber algumas questões e restam algumas curiosidades Mesmo concordando e se aproximando da psicologia descritiva das Investigações lógicas Jaspers faz poucas referências ao autor destas Embora tenha se pautado no método fenomenológico Jaspers não se considerou um autor de psicopatologia fenomenológica mas de uma fenomenologia da psicopatologia Isso quer dizer que ele buscou descrever de forma científica uma psicopatologia que realmente fosse mais geral para alcançar com mais clareza e pureza o sentido do adoecimento psíquico na experiência do paciente Jaspers 20051912 Walker 1994a Walker 1994a afirma que Jaspers não entendeu muito as concepções de Husserl por isso acabou distanciandose do estudo das mesmas Isso porque a fenomenologia husserliana mantém dois pontos de vista a investigação intuitiva das essências e a descrição psicológica da experiência subjetiva Jaspers apreciava esse segundo ponto de vista mas negava o primeiro Assim ao notar que Husserl defendia a investigação das essências como uma forma de ciência Jaspers parou de aprofundar seus estudos na fenomenologia e não percebeu haver presente essa outra visão compatível com a sua Durante sua trajetória filosófica Husserl passou por várias fases de produção o que gerou maus entendimentos de suas ideias para algumas pessoas dentre elas Jaspers O psiquiatra se fundamentou na fenomenologia inicial husserliana que se aproximou de uma psicologia descritiva Mesmo em edições posteriores da Psicopatologia geral e em outras obras Jaspers manteve essa conexão com Husserl mas discordou das ideias de fases posteriores do filósofo que se voltaram para a intuição da essência a qual apresentou uma postura mais voltada à filosofia o que não era o interesse de Jaspers Walker 1994b Phenomenology in psychology and psychiatry da autoria de Herbert Spiegelberg foi uma das primeiras referências a tratar Jaspers como um fenomenólogo Walker 1994a Spiegelberg 1972 afirmou que o próprio Jaspers se negou ser fenomenólogo mas ainda assim pode ser considerado um pioneiro no desenvolvimento de uma fenomenologia da psicopatologia e da psiquiatria tanto que foi a base para estudos posteriores de vários outros 46 46 autores assumidamente da psicopatologia fenomenológica Um dos argumentos em que Spiegelberg 1972 se pauta para justificar esse posicionamento de Jaspers foi o de aceitar que Husserl não desempenhara um papel pessoal no desenvolvimento da obra de Jaspers embora seja possível perceber algumas semelhanças ideológicas entre as concepções dos dois Spiegelberg 1972 afirmou haver várias ideias fenomenológicas na obra de Jaspers e elegeu alguns pontos de convergência com a própria fenomenologia de Husserl Isso porque ainda que não seja totalmente explícita Jaspers estudou e apreciou as primeiras ideias da psicologia descritiva de Husserl que favorecia a compreensão da experiência vivida Jaspers 20051912 Jaspers 19731913 deixou claro que o objetivo de sua obra era apresentar uma metodologia geral que fizesse introdução aos estudos em psicopatologia Contudo Spiegelberg 1972 afirmou haver uma clara posição de apontamentos da fenomenologia para que essa obra fosse estruturada Segundo o autor há na obra de Jaspers 19731913 o primeiro capítulo que é mais longo destinado à fenomenologia Logo iniciar o texto com esses apontamentos possibilitaram inferir o caráter fenomenológico do estudo Entretanto Walker 1994b esclareceu esse questionamento por meio das discussões de Jaspers na quarta edição de sua Psicopatologia geral O psiquiatra declarou que escreveu e discorreu sobre a fenomenologia com detalhes no começo de seu livro porque esta consistia em um novo ponto de vista que poderia servir de base para os estudos em psicopatologia mas que a própria obra elucida a existência de outros pontos de vista para a realização desses estudos Logo quando o livro em questão era tomado como referência de psicopatologia fenomenológica o próprio autor afirmava que isto era uma verdade parcial pois seu objetivo era apresentar métodos da psiquiatria geral para favorecer modos de compreensão e pesquisa para a psicopatologia e o psicodiagnóstico As formas como os sintomas se ligam ao paciente e aí são exteriorizados conforme apresentado por Jaspers 19731913 podem ser relacionados também ao conceito da própria intencionalidade de Husserl que se inspirou em Brentano mas foi elaborando de forma particular desde o início da sua proposta Por todas as aproximações é possível notar as aproximações entre Jaspers e Husserl Spiegelberg 1972 Walker 1994a concluiu que mesmo não tendo muitos encontros e declarações de trocas de ideias entre Jaspers e Husserl é possível perceber aproximação de formulações entre os dois Em destaque há a ênfase em focar na descrição precisa e minuciosa do fenômeno diretamente experimentado durante a investigação para ser possível alcançar a coisa como de fato ela é Ao buscar um meio de tornar a psicopatologia uma ciência Jaspers também se 47 47 aproximou das concepções do método científico da fenomenologia husserliana em que se abstém de visões apriorísticas na aproximação do fenômeno O que distancia mais os dois foi o desejo de Husserl trabalhar para o rigor de uma filosofia científica e o intuir das essências o que era contra as ideias de Jaspers No prefácio da primeira edição de Psicopatologia geral Jaspers 19731913 declarou ter buscado um novo método para realizar o trabalho em psicopatologia Walker 1994b entendeu essa declaração como uma referência implícita ao método de Husserl nas Investigações lógicas de apreensão da experiência vivida Todavia essa referência foi omitida da quarta edição quando Jaspers 19731913 amadureceu o seu trabalho com mais informações provenientes dos estudos mais avançados da época conforme já discutido porém sem alterar o conteúdo presente na obra pois considerou que este não havia sido superado Isso permite entender que se o método fenomenológico foi uma inspiração para a primeira edição e o conteúdo não foi alterado mesmo sem ser citado novamente ele continuou presente na obra Husserl desde o início de seu trabalho fundamentou o desenvolvimento da fenomenologia em um diálogo da lógica matemática com a psicologia Dartigues 2008 já Jaspers desenvolveu sua fenomenologia dentro de seus estudos em psicopatologia porque já estudara as primeiras ideias de Husserl Walker 1994a Jaspers 20051912 19731913 buscou descrever fenomenologicamente as experiências reais vividas por seus pacientes de modo a compreender a subjetividade deles Conforme Dartigues 2008 Husserl tinha o desejo secreto de ser um filósofo definitivo ou se é possível dizêlo ao mesmo o tempo o primeiro e o último p 13 Isso quer dizer que ele quis criar uma fenomenologia que tivesse uma abrangência considerável para dar destaque a seu trabalho nas mais diversas áreas Já o trabalho de Jaspers 20051912 19731913 foi a proposição de uma fenomenologia que possibilitasse uma abordagem de compreensão da psicopatologia ou seja um objetivo empírico para uma ciência voltada ao atendimento do paciente Em conclusão de Walker 1994a as maiores convergências de Jaspers e Husserl são pontos advindos ainda das proposições de Brentano Estes seriam o início do trabalho fenomenológico a partir da experiência a intencionalidade da consciência a busca de significados reais um método científico para investigar experiências subjetivas a tratativa da psicologia como descritiva Essas ideias são perceptíveis na fenomenologia da psicopatologia de Jaspers e são parte da fenomenologia de Husserl que não as descartou mas elaborou 48 48 também outras concepções novas Entretanto são claramente pontos de semelhança entre os dois autores mesmo sem haver grandes aproximações pessoais entre eles Husserl conforme explicitado por Walker 1994b logo no prefácio das Investigações lógicas afirma que o início do trabalho fenomenológico é com a intuição da experiência dada originalmente Essa ideia consiste em suspender as teorias e pressupostos prévios para alcançar o fenômeno da forma como ele se mostra no retorno às coisas mesmas concepção presente também em Husserl 20201907 Assim o exercício da fenomenologia é uma tarefa de observar o fenômeno da experiência sem uma teoria de interpretação e preconceitos O resultado seria uma elaboração científica fruto da intuição pura base fidedigna para descobertas seguras Segundo Husserl 20201907 a fenomenologia busca retornar aos fenômenos puramente intuídos Para ele esta seria a forma mais radical da apreensão da subjetividade A captação do intuído que permite conhecer os fenômenos de forma completamente sem pressupostos e portanto sem interpretações Essa ideia de intuição da experiência pura apresenta convergência com as concepções de Jaspers na investigação do fenômeno psicopatológico Walker 1994b A proposta psicopatológica e psicodiagnóstica de Jaspers 20051912 19731913 é investigar o vivido pelo paciente suspendendo concepções prévias Para ele captar o significado do sintoma subjetivo consiste em compreender por meio da descrição o vivido na consciência do paciente O exame clínico favoreceria que nuances encobertas para o próprio paciente pudessem emergir e aquilo que continuasse encoberto não fosse alvo de conclusões A rejeição das teorias que Jaspers julgou ultrapassadas e distantes da psicologia dados provenientes do senso comum ou visões mitológicas sobre o adoecimento e quaisquer outras fontes deveriam ser deixadas de lado nesse momento para que fosse possível alcançar a experiência real do paciente de modo a descrevêla minuciosamente Walker 1994b destacou que o próprio Jaspers nomeou esse processo de atitude fenomenológica Jaspers 19731913 em seu trabalho de modo semelhante à proposta de Husserl busca a retomada dos dados originais e puros da experiência com o intuito de compreender o que está acontecendo com o paciente e como ele vivencia isso Ainda de modo similar a Husserl Jaspers 19731913 acreditava que esse trabalho de suspender teorias é um método a ser desenvolvido e realizado por meio de uma análise cuidadosa minuciosa e árdua pois é a saída da atitude natural Nos estudos de Spiegelberg 1972 sobre a fenomenologia da psicopatologia e da psiquiatria o autor percebeu essa convergência entre Jaspers e Husserl Esse último desde suas 49 49 primeiras obras enfatizou a importância do retorno às coisas mesmas ideia próxima ao que o primeiro buscou A distinção mais forte entre eles nesse quesito está no foco do trabalho Enquanto Husserl visou o método fenomenológico para questões mais diversas da psicologia Jaspers focou o método para a psicopatologia e descrições psicopatológicas Outro ponto de convergência entre Jaspers e Husserl é a consideração de a consciência ser sempre intencional dirigida a algo Walker 1994b Husserl 20121913 afirmou que a ideia da fenomenologia é baseada na intencionalidade da consciência o que consiste na concepção de a consciência direcionarse a um objeto formando uma relação mútua em que o objeto existe para aquela consciência e a consciência para aquele objeto Em seu trabalho Jaspers 20051912 lida com as percepções do paciente sobre sua experiência psicopatológica vivida o que é uma das possibilidades de apresentação da intencionalidade Walker 1994b afirmou que Husserl se amparou na filosofia de Kant para focalizar não o conteúdo do fenômeno mas seu ato experimentado na consciência todavia sua noção de intencionalidade estava atrelada à concepção já proposta por Brentano No trabalho psicopatológico e psicodiagnóstico Jaspers optou por caminho semelhante pois mais do que o conteúdo que permitiria enquadrar o paciente em algum critério diagnóstico ele buscou compreender como era a experiência daquele paciente na perspectiva fenomênica semelhante à de Kant que focalizou o tempo e o espaço A diferença então entre Husserl e Jaspers nesse ponto é que enquanto o primeiro expandiu essa forma de observar o fenômeno inclusive para fenômenos da imaginação o segundo focou nas experiências vividas dos pacientes psicopatológicos Mais uma vez divergem pelo fato de um ser mais abrangente e o outro mais específico Jaspers 19731913 utilizou a questão da intencionalidade para referirse ao ato de percepção Para ele o processo de percepção advém da junção da sensação que consiste na distinção da cor textura som e outras características do tipo o arranjo espacial e temporal características do fenômeno na fenomenologia mas que se iniciaram com a noção de fenômeno de Kant e o ato intencional a que a consciência se liga e como se liga Sobre o conceito da intencionalidade podese perceber então que as inspirações de Jaspers e Husserl foram diferentes o primeiro em Kant e o segundo em Brentano Todavia Jaspers percebe a noção de intencionalidade de Husserl em sua psicologia descritiva como uma retomada da tradição kantiana Walker 1994b Com isso o que se pode perceber é que ambos Jaspers e Husserl estavam mais ligados aos processos do que aos conteúdos e à compreensão de como ocorrem esses processos seja de forma específica como na psicopatologia seja de modo mais abrangente nas diversas áreas da psicologia 50 50 O cuidado mencionado por Walker 1994b sobre essas possíveis aproximações entre Jaspers e Husserl são provenientes de um exame mais atento das produções desses dois pensadores Embora as ideias sejam semelhantes eles não trabalharam juntos Mesmo que Jaspers possa ter estudado alguns textos publicados por Husserl no início do século XX e concordado com algumas proposições ele discordou de ideias futuras Também houve poucos encontros entre os dois para que pudesse haver trocas ideológicas mais consistentes Ou seja embora o resultado das ideias tenha semelhanças foram desenvolvidas em paralelo ou seja sem haver pontos de encontro Há também a distinção das influências filosóficas dos dois enquanto Husserl manteve forte relação com algumas ideias de Brentano Jaspers esteve mais pautado em algumas ideias sobre a definição do fenômeno conforme Kant Embora o resultado dessas influências possa ser semelhante possui intenções diferentes Um ponto de distinção possível de ser tecido pode ser o caráter prático do trabalho de Husserl e Jaspers Desde quando começou a formular as primeiras ideias da fenomenologia e mesmo em obras mais avançadas Husserl apresenta um caráter científico para sua proposta e também possibilidades de alcançar esquemas imaginativos frutos de percepções internas da pessoa Já Jaspers pelo objetivo inicial de sua produção que foi formular um material acadêmico trabalhou em aspectos realmente voltados para as experiências dos pacientes que vivenciavam alguma perturbação mental com os quais tinha contato para fornecer meios de orientar trabalhos posteriores Desse modo notase que um tinha um trabalho com vicissitudes mais abrangentes e o outro mais específicas Outra relação que pode ser mais explorada é a de Jaspers com Kant Segundo Walker 1995 o psiquiatra pontuou em muitos textos e diálogos que a influência kantiana para si foi muito relevante Ainda conforme o autor Jaspers afirmou que seu trabalho foi de certa forma a continuidade da Teoria de Conhecimento de Kant e uma crítica da metafísica voltada para questões da contemporaneidade Ideias como a de existência e transcendência podem ser tomadas como essas traduções kantianas para demandas do século XX que Jaspers 19731913 pontuou em sua proposta de psicopatologia e psicodiagnóstico A questão da representação do fenômeno na consciência discutida por Kant 20011787 pode ser percebida em Jaspers 20051912 No trabalho psicodiagnóstico o profissional favorece ao paciente descrever sua experiência de modo detalhado e organizando as ideias Com isso é possível criar uma representação na consciência daquilo que está sendo apresentado mas não em um processo de transferência e sim numa relação empática em que o fenômeno ali de alguma forma é experimentado por profissional e paciente com o intuito de compreender a experiência psicopatológica Walker 1995 51 51 Com a apresentação do trabalho de Jaspers é possível perceber que sua proposta psicopatológica e psicodiagnóstica marcaram uma postura inovadora para o trabalho em saúde mental Diferente dos olhares psiquiátricos do século XIX Jaspers buscou elaborar algo que pudesse de fato alcançar a experiência do paciente como era sua vivência e expressão do adoecimento Todo seu trabalho foi embasado na lógica acadêmica e na tentativa de fundamentar uma proposta científica Inspirado na filosofia de Kant Jaspers manteve uma postura crítica frente à questão de o que era o transtorno mental e de quem era a pessoa que o experienciava Algumas leituras de Husserl permitiram também que o psiquiatra tivesse uma noção básica da fenomenologia Tendo essa visão básica foi possível que ele desenvolvesse sua própria noção de método fenomenológico como uma possível abordagem para trabalhar com a psicopatologia de forma descritiva e voltada para a experiência do sujeito O centenário da publicação da Psicopatologia geral Jaspers 19731913 coincidiu com o ano de lançamento nos Estados Unidos da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais o DSM5 APA 2014 Este tem sido um dos manuais utilizados para nortear o diagnóstico e delinear o tratamento em saúde mental desde suas primeiras edições Ao conhecer a proposta de Jaspers com sua visão empática ao realizar o diagnóstico abrese a questão como está o psicodiagnóstico após sua proposta e há pontos de encontro entre o realizado hoje com o proposto por Jaspers Para tanto o capítulo III visa a uma discussão crítica embasada na perspectiva de Jaspers sobre questões contemporâneas do psicodiagnóstico apresentando um dos manuais psiquiátricos mais utilizados atualmente e as propostas de intervenção em saúde mental 52 52 Capítulo III O psicodiagnóstico e o trabalho em saúde mental na contemporaneidade possíveis contribuições de Jaspers e da fenomenologia Antes de formar o cientista é preciso formar o homem porque nem todos podem ser cientistas mas todos devem ser homens e aliás não pode haver verdadeiro cientista que não seja autêntico homem Pedro Dalle Nogare in Humanismos e AntiHumanismos Conforme já apresentado a sistematização de o que é o transtorno mental foi sendo reelaborada ao longo da história com base nas teorias e possibilidades de cada época A partir da modernidade com o desenvolvimento da ciência os estudos acerca desse tema se desenvolveram de modo permitir a compreensão dos mesmos e a elaboração de práticas interventivas Inicialmente aqueles que padeciam foram segredados da sociedade Vários movimentos posteriores trouxeram novas possibilidades de atuação Não é objetivo desse trabalho discutir o histórico desses movimentos mas conhecêlos para observar como o diagnóstico em saúde mental pode ser compreendido O objetivo não é propor um modelo de prática mas exibir o modo como o diagnóstico em psicologia tem sido feito por meio de uma perspectiva fenomenológica Tal ideia retomará a fenomenologia de Husserl 20201907 e sua proposição da psicologia fenomenológica na qual o sujeito e o objeto mantêm entre si uma relação de integração Será possível visualizar essa proposta para o diagnóstico da forma como fora proposto por Jaspers 20051912 19731913 em que profissional e paciente trabalhem também de forma integrada com o objetivo de práticas empáticas Desse modo fazse necessário conhecer como está a visão do DSM5 APA 2014 manual frequentemente utilizado para diagnóstico e intervenção em saúde mental e como seriam as práticas humanizadas na atualidade Nessa ideia Brito 2015 discute que as intervenções em saúde mental tiveram consideráveis alterações nas últimas décadas Elas decorreram do intuito de práticas voltadas aos direitos humanos e formas de intervir no sofrimento psíquico de modo desinstitucionalizado 53 53 31 A psicopatologia e o processo diagnóstico do DSM5 Uma nova postura de compreender e tratar as ditas doenças mentais surgem a partir da metade do século XIX Nessa fase sintomas clássicos como alucinações e delírios param de ter destaque nos estudos e se iniciam elaborações classificatórias com base em comportamentos provenientes da vida cotidiana da pessoa O resultado foi que vários hábitos passaram a ser considerados desviantes e se tornarem objeto de estudo da psiquiatria A proposta a partir desse período foi sair da classificação dos sintomas para alcançar a classificação etiológica das doenças mentais por haver a ideia de que um sistema classificatório e terapêutico eficaz só seria possível se as causas desses fossem sistematizadas Martinhago Caponi 2019 Nos Estados Unidos foi o desejo de organização estatística das doenças mentais que orientou a formulação de modelos classificatórios Houve inicialmente o Censo de 1840 e sua reformulação no Censo de 1880 Ainda com poucas classificações e dados foram estas as primeiras tentativas estadunidenses de levantar dados numéricos de incidência de transtornos mentais na população Em 1918 foi lançado o Manual Estatístico para o Uso de Instituições de Insanos com algumas classificações a mais e guia para hospitais mentais E nesse percurso histórico na primeira metade do século XX foi a psicanálise o grande marco teórico para a classificação de doenças mentais Dunker 2014 A partir da segunda metade do século XX surge em nível mundial a necessidade de organização dos sistemas diagnósticos com uniformidade de classificação dos transtornos mentais Essa necessidade perseguia o objetivo de organização dos estudos acadêmicos e práticas terapêuticas mas também tinha fins de ordem legislativa administrativa e financeira para haver uma padronização do modo de se expressar sobre tal tema e haver maior controle político Isso porque a falta de padronização e normas precisas de diagnóstico tornava difícil classificar uma pessoa como portadora ou não de transtorno mental Alarcón G Freeman 2015 Os estudos de psicopatologia realizados pelos Estados Unidos discutiram em vários momentos com os da Classificação Internacional de Doenças CID Da primeira edição da CID datada de 1893 até a quinta vigente até o início do século XX o manual buscou sistematizar causas e dados estatísticos para explicar a mortalidade das pessoas Em 1948 a Organização Mundial da Saúde OMS tomou a frente para a revisão da CID quando foi publicada a sexta edição do manual Nesta além de dados de mortalidade foram inseridas questões da morbidez causada pelas doenças 54 54 Assim em 1952 a Associação Americana de Psiquiatria APA nos EUA presidida por Adolf Meyer publicou a primeira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais DSMI Neste havia 106 categorias diagnósticas e seu foco teórico era psicanalítico e psicodinâmico Isso porque o presidente da APA assistiu em sua formação muitas conferências de Sigmund Freud e era contra o paradigma de manuais anteriores como o Emil Kraepelin no qual era colocada uma visão processual e dividida dos transtornos mentais Dunker 2014 Martinhago Caponi 2019 Assim o DSMI foi a proposta psicopatológica da APA voltada para um diagnóstico mais racional centrado nas reações dos transtornos estudos da história de vida do paciente e movimentações nessa história provenientes do próprio transtorno Ou seja o foco estava na etiologia biológica do transtorno e respostas dadas pelo paciente em seus contextos sociais Alarcón G Freeman 2015 Dunker Kyrillos Neto 2011 Com o avanço dos estudos em psicopatologia novos dados surgiram e com isso foi elaborada a segunda edição do Manual da APA o DSMII publicado em 1968 contando com 182 categorias diagnósticas Nela houve a tentativa de dialogar com a oitava edição da Classificação Internacional de Doenças CID8 formulada pela Organização Mundial de Saúde OMS por isso foram incluídas novas categorias de transtornos mentais Ainda era possível notar as ideias de Meyer presentes no DSMII pelo que continuava ali presente uma base psicanalítica e psicodinâmica Entretanto esse diálogo entre DSMII e CID8 não foi bem recebido por toda a comunidade científica logo em poucos anos já se começava a pensar na reformulação do manual e em uma nova edição Alarcón G Freeman 2015 Dunker Kyrillos Neto 2011 Martinhago Caponi 2019 A publicação do DSMIII em 1980 foi uma revolução no paradigma da nosologia psiquiátrica mundial Alarcón G Freeman 2015 Essa edição começou a ser formulada em 1974 e os objetivos principais desse projeto foram buscar uniformização e validação do diagnóstico psiquiátrico bem como estruturar práticas diagnósticas padronizadas entre os Estados Unidos e os outros países Não se tratava mais de haver diálogo entre os manuais da APA e da OMS como proposição do DSMII mas de haver nesse momento uma padronização entre eles Para alcançar tal objetivo os critérios vindos da etiologia e as referências psicodinâmicas saíram do foco para haver uniformidade das pesquisas em psicopatologia as quais passaram a ter fundamentação biomédica e das nomenclaturas diagnósticas Dunker 2014 A medicina baseada em evidências foi utilizada pelo DSMIII para ordenar seus critérios diagnósticos Esta era dada na interlocução de pesquisas científicas e práticas clínicas 55 55 de modo que as evidências obtidas serviriam de orientação para os diagnósticos e tratamentos Assim os dados para o exame do paciente já estariam previamente constituídos Com este contexto as práticas em psiquiatria foram norteadas para identificar sintomas definir diagnósticos e avaliar se os medicamentos eram eficazes Martinhago Caponi 2019 Segundo Dunker 2014 o fato de a classificação diagnóstica dos transtornos mentais tornarse arbitrária contou com boa aceitação da comunidade científica pois tornou o trabalho dos profissionais de saúde mais fácil por já existirem as evidências prévias para o diagnóstico facilitou os critérios de coberturas de seguros de saúde e o direcionamento de recursos para a saúde mental também contou com mais precisão Isso demonstrou que o objetivo de haver maior padronização dos critérios para se diagnosticar uma pessoa com algum transtorno mental estava sendo alcançado A partir do DSMIII foi possível perceber o rompimento com o paradigma de foco psicológico adotado nos DSMI e DSMII O manual mais moderno foi produzido em concomitância com o movimento de medicalização da psiquiatria e as classificações diagnósticas romperam também com as abordagens psicodinâmica e psicanalítica Este possuiu um modelo semelhante ao de Kraeplin o qual almejou elaborar classificações que fossem referenciais para a formação de profissionais e sistematizou um modelo de psicopatologia descritiva que possui grande ênfase na nosologia Martinhago Caponi 2019 Desse modo quando lançado o DSMIII conteve 265 categorias diagnósticas com embasamento ateórico tendo perspectiva de neutralidade entre as abordagens teóricas da época Foi adotado nele o modelo de classificação multiaxial no qual era visada uma metodologia mais precisa para o controle da população estatística que recebe o diagnóstico Mesmo sem ainda haver uma delimitação precisa o modelo multiaxial e categórico ofereceu critérios mais operacionalizados para os diagnósticos sendo um guia para maior confiabilidade e validade dos mesmos Alarcón G Freeman 2015 Dunker 2014 Conforme Martinhago e Caponi 2019 mais do que abandonar o referencial teórico psicanalítico o DSMIII simbolizou o início de um novo paradigma na prática psiquiátrica A definição de patologias mentais passou a ocorrer por meio de agrupamentos de sintomas não mais utilizando o histórico de vida e narrações do paciente O manual também não fez referência às possíveis causas psicológicas e sociais que pudessem gerar sofrimento psíquico nem sobre a possibilidade de este apresentarse em algum comportamento Além disso o DSMIII foi sido elaborado por um conjunto de psiquiatras estadunidenses que resgataram ideias de Kraeplin estudos das populações bancos de dados 56 56 quantitativos fundamentação neurológica e genética bem como outros campos da biologia para a compreensão dos transtornos mentais Martinhago Caponi 2019 A partir do DSMIII propôsse um manejo de pesquisas e práticas psiquiátricas Por apresentar um viés descritivoterminológico foi possível sistematizar com precisão modelos fixos de se fazer diagnósticos e fundamentos para pesquisas de cunho empíricoexperimental Diagnosticar tornouse um instrumento de convenção aceito quando houvesse a concordância das descrições realizadas sem ligação às questões ontológicas do paciente Assim as classificações dos transtornos mentais passaram a organizarse em síndromes a avaliação de comportamentos normais e patológicos deixou de basearse no modelo psicodinâmico que foi substituído pelo biomédico e novas categorias diagnósticas surgiram Alarcón G Freeman 2015 Dunker Kyrillos Neto 2011 Com o fato de o modelo psicodinâmico não fundamentar o DSMIII houve também mudança no modo de conduzir entrevistas com o paciente O modelo descritivo do manual tinha uma relação maior com o sintoma do que a compreensão do vivido pelo paciente Focar no sintoma é parte da concepção de que os transtornos mentais apresentam padrão de sinais e sintomas com desenvolvimento previsível e tratamentos com prognósticos controláveis Os passos do trabalho consistiriam em coletar na entrevista com o paciente a descrição dos seus sintomas enquadrálos em alguma classificação do manual para então identificar o tratamento mais efetivo para aquele caso Dunker Kyrillos Neto 2011 O DSMIIIR foi uma versão revisada da terceira edição do manual e publicado em 1987 com 292 categorias diagnósticas Por apresentar sua metodologia considerada disfuncional para eleger critérios de prática operacional essa revisão foi criticada pela comunidade científica Os principais pontos da não aceitação do DSMIIIR foram que algumas correções conceituais não foram satisfatórias para o diagnóstico Dentre essas podese destacar a insatisfação com a evasão para alcançar o conceito fundamental de quadros de morbidez em sua etiologia os diagnósticos de curto prazo instáveis e a não apresentação de marcação biológica nas postulações nosológicas Por isso poucos anos após foi lançada uma nova edição do manual Alarcón G Freeman 2015 Em um comparativo com a proposta de Jaspers 20051912 19731913 notase que a partir desta edição do DSMIII as propostas se tornam divergentes O primeiro sugere entrevista para a compreensão da experiência o segundo a classificação nosográfica Em um há foco na pessoa ali presente no outro no sintoma trazido Tudo isso implica em práticas diferenciadas com foco cada vez maior no transtorno e não em quem vivencia o transtorno 57 57 A quarta versão do manual em questão o DSMIV foi publicada em 1994 e apresentou 297 categorias diagnósticas Foi nele incluída a relevância de haver critério clínico para categorias com sintomas e precursoras de sofrimento comprometedor ou prejudicial à inserção social e ocupacional principalmente Os diferentes transtornos mentais obtiveram seus conceitos como síndromes ou padrões tanto comportamentais quanto psíquicos APA 1994 No DSMIV houve algumas alterações a serem destacadas Decorrentes do avanço de estudos em saúde mental os critérios diagnósticos de vários transtornos mentais foram revisados e atualizados tendo havido eliminação de alguns transtornos e também acréscimos de novos bem como a caracterização mais detalhada de alguns subtipos de transtornos inclusão em grupos por afinidades modelos de interpretação e criação de generalizações informativas Alarcón G Freeman 2015 No ano 2000 após a realização de novos estudos foi publicada uma versão atualizada do manual o DSMIVTRtendo em vista complementar e atualizar alguns dados e o acréscimo de 21 categorias diagnósticas O marco dessa atualização foi a ênfase em comorbidades entre os transtornos e cruzamentos entre os eixos presentes As principais críticas sobre este foram a complexidade de seu uso para atendimentos da Atenção Primária e realização de pesquisa bem como o uso excessivo e descuidado por profissionais de outras áreas como direito e administração que fizeram interpretações distorcidas por conta das ambiguidades e contradições presentes no próprio texto do manual Alarcón G Freeman 2015 Dunker Kyrillos Neto 2011 Martinhago Caponi 2019 Desde 1999 começaram os projetos para a elaboração de uma nova versão do DSM e em 2006 um grupo de trabalho formado por alguns psiquiatras e pesquisadores da APA começou a dar andamento à mesma Foram realizadas análises das publicações científicas e de questões que vinham sendo apontadas para a revisão as categorias diagnósticas elaboradas nas versões até então As pesquisas abarcaram diversos contextos inclusive o clínico Houve muitas críticas a essa fase de produção do manual pois ela foi mantida em caráter sigiloso até 2009 sendo publicada alguns anos depois Figueira 2017 Sandín 2013 Com isso o DSM5 é a versão mais atual do manual psiquiátrico que foi publicado em 2013 nos Estados Unidos com mais de 300 categorias diagnósticas e organização em três seções Encontramse na seção I orientações para sua utilização em contexto clínico e forense Na seção II está a descrição dos códigos e critérios diagnósticos dos transtornos mentais Já na seção III são apresentados instrumentos para avaliar sintomas critérios acerca da gênese cultural dos transtornos um exemplo paralelo para se pensar os transtornos de personalidade e são descritos alguns critérios para práticas clínicas em estudos futuros APA 2014 58 58 Os objetivos desse manual foram a definição dos transtornos mentais e o de ser uma referência tanto para a prática clínica dos mais diversos profissionais de saúde mental quanto para profissionais de outras áreas que precisem dos critérios diagnósticos dos transtornos mentais para os seus trabalhos Bandeira Campos 2017 Sandín 2013 Esses objetivos demonstram que o DSM5 além de conter dados estatísticos e epidemiológicos dos transtornos mentais bem como os critérios diagnósticos para a classificação deles apresentando também uma orientação à prática em saúde mental No site do DSM5 é possível encontrar algumas escalas acerca da gravidade de sintomas as quais são utilizadas pelo profissional e postadas no site O objetivo é realizar um levantamento estatístico mais amplo para ver a possibilidade de alcançar marcadores diagnósticas mais confiáveis daquilo que é saúde ou transtorno Figueira 2017 Sandín 2013 Mesmo não citando explicitamente essa esfera Alarcón G e Freeman 2015 afirmam haver no DSM5 enfoques ontológicos os quais favoreceram o enriquecimento do manual Estes foram percebidos pelos autores pela apresentação etiológica dos transtornos mentais com fundamentação em aspectos neurobiológicos por ter havido maior confiança e validação para as categorias diagnósticas pelo desenvolvimento de pesquisas das últimas décadas e pela abertura à continuidade delas Por haver inclusive a chance de prosseguimento das pesquisas o DSM5 tem sua nomenclatura com número arábico a fim de possibilitar os itens posteriores com DSM51 e assim por diante Todos as edições do DSM apresentaram uma definição para o conceito de transtorno mental e uma metodologia de sua classificação Essas são a base para o objeto de estudo pesquisa e utilização prática dos usuários do manual Quanto ao conceito o DSM5 edição mais recente e foco do presente trabalho apresenta que o transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais profissionais ou outras atividades importantes Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum como a morte de um ente querido não constitui transtorno mental Desvios sociais de comportamento p ex de natureza política religiosa ou sexual e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo 59 59 e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo conforme descrito APA 2014 p 20 Podese perceber que é uma definição bastante ampla que engloba muitos fatores diferentes Por conta disso são realizadas várias críticas ao DSM5 pois muitos fenômenos da vida cotidiana poderiam ser classificados como transtorno mental Já quanto à metodologia mantevese no DSM5 o modelo categorial de organização dos transtornos tendo sido todavia incorporado um modelo mais dimensional nesta edição e não mais tendo sido utilizado o modelo multiaxial Com essa inovação foi possível traçar planos de avaliação do sintoma como leve moderado ou severo em várias categorias Outra novidade foi a organização dos capítulos em consideração maior ao ciclo de vida do humano Dessa forma o começo do manual conta com os transtornos com incidência maior em fases de desenvolvimento primárias no meio quadros mais frequentes na adolescência e adultos e no fim os mais relacionados à velhice APA 2014 Bandeira Campos 2017 Martinhago Caponi 2019 Conforme a APA 2014 existem atualmente mais evidências que favorecem acréscimo de conceituação dimensional para os diagnósticos de transtornos mentais em detrimento apenas da perspectiva categorial A abordagem categorial pode conduzir o processo psicodiagnóstico a algumas problemáticas como dificuldade de delimitar diferenças claras entre os diagnósticos gerando a necessidade de criação de categorias intermediárias para abarcar a complexidade de fenômenos possibilidade do estabelecimento de mais comorbidades entre os transtornos alta incidência de diagnósticos classificados como sem outra especificação tornando desnecessário identificar fatores precursores do transtorno e ainda não auxiliar a formalização de tratamentos mais específicos Com essas problemáticas da abordagem categorial o entrelace com a abordagem dimensional foi uma alternativa no DSM5 Nesta última buscase em associação com a interpretação do profissional conhecer o relato do paciente com sua subjetividade sobre sua experiência dos sintomas vividos A expectativa é de que com o avanço dos estudos surjam mais evidências científicas promotoras da elaboração de perspectivas integrativas para a compreensão de dados objetivos e subjetivos vivenciados pelo paciente Com isso esperase haver maior precisão psicodiagnóstica APA 2014 O modelo de classificação dimensional também oferece outros recursos para a descrição de transtornos mentais As pesquisas contemporâneas levantaram evidências científicas da relação existente entre os transtornos de modo a haver alguns sintomas presentes 60 60 em diferentes categorias diagnósticas Há também dependendo do contexto a possibilidade de ambiente genética e sistema neuronal apresentarem fatores de riscos semelhantes Assim as dúvidas quanto ao diagnóstico surgidas no modelo multiaxial no dimensional puderam ser avaliadas de novas formas não só pelos sintomas presentes mas também por comportamentos não adaptativos ao contexto temperamento mudanças do rendimento do paciente em alguma atividade realizada Mantevese o objetivo de identificar e classificar o sintoma mas este deixou de ser o único para delimitar o que é ou não patológico APA 2014 Bandeira Campos 2017 O que foi possível notar ao longo das edições do DSM foi um aumento considerável no número de categorias diagnósticas São quase setenta anos desde a publicação do DSMI com 106 categorias contra as mais de 300 do DSM5 Esse fato pode despertar a dúvida houve nos últimos anos esse aumento de manifestações nosológicas diferentes Os estudos desenvolvidos ao longo dos anos permitiram maior discriminação e ordenação dos transtornos mentais Ou vivências tidas como normais passaram a ser classificadas como patológicas Os dados históricos também apresentaram mudanças na metodologia proposta pelo manual ao longo das edições De um modelo psicológico das duas primeiras edições passou se para um modelo mais nosológico Todavia havia de início um modelo mais categorial fundamentado no sintoma para na atualidade haver o modelo dimensional pautado no relato do paciente em interface com as análises do profissional Diferentemente da obra de Jaspers 19731913 que manteve em todas as suas edições o mesmo método realizando apenas alguns acréscimos decorrentes de estudos mais recentes a história do DSM é marcada por mudanças de paradigmas em sua estrutura O trabalho proposto pelo DSM5 APA 2014 faz uma proposição que permite voz mais ativa ao paciente mas o trabalho depende ainda da análise profissional para o enquadre em alguma categoria diagnóstica Não é buscado o discurso com a intenção de compreensão mas de classificação Essa postura voltada muito à nosologia parece deixar de lado a própria psicopatologia com sua possibilidade crítica mas que continua a respeitar as particularidades do humano Quando o diagnóstico é realizado o foco é a estatística a pesquisa e as novas definições que aquele transtorno aparente ter O paciente aquele que vivencia a experiência do transtorno mental de forma particular é muitas vezes esquecido A proposta de uma abordagem fenomenológica conforme Holanda 2009 é justamente de recolocar o homem no centro do processo o que significa tratar a pessoa que vivencia aquele sintoma e não puramente o sintoma como se este fosse uma entidade independente 61 61 Em suas obras e principalmente em sua Psicopatologia geral Jaspers não buscou categorizar patologias psíquicas mas fundamentar um raciocínio clínico que permitisse compreender o paciente experimentando pela empatia sua vivência Esse modelo por si já representa uma ruptura com os estudos mencionados como base em sua época bem como uma ruptura com muito do que tem sido feito na atualidade pois em muitas medidas diagnósticas e terapêuticas a intervenção chega fechada e sem respeitar a individualidade da pessoa tratada Para compreender melhor essas questões acerca de tratamento em saúde mental serão apresentados a proposta da Reforma Psiquiátrica e o modelo biopsicossocial com ênfase no Brasil Estes apresentam características de serem resultado de movimentos que têm ido na contramão de muitas posturas tradicionais 32 A Reforma Psiquiátrica e a proposta biopsicossocial de tratamento em saúde mental Embora na história da psicopatologia e do diagnóstico em saúde mental tenha havido tentativas de unificação e padronização de linguagem este é visto ainda como heterogêneo e calcado por questões próprias de cada abordagem de estudo Existem de modo paralelo uma diversidade de discursos teorias e hipóteses para definir o que são os transtornos mentais bem como traçar medidas terapêuticas para eles Martins Sequeira 2016 Em A história da loucura Foucault 19971961 apresentou um pouco das condições em que as pessoas tidas como loucas eram colocadas Como a definição de loucura e sanidade foi elaborada historicamente de acordo com os contextos ambientais culturais e sociais de cada época nem sempre o louco era só a pessoa que apresentasse de fato algum transtorno mental mas também quem divergisse das normas impostas pela sociedade Logo no início do trabalho em saúde mental os profissionais se norteavam mais por especulações uma vez não haver ainda muita produção científica nessa área E a solução da época era isolar o louco da sociedade quase com o intuito de protegêla dessa pessoa destoante e não para o cuidado em si com o internado DelOlmo e Cervi 2007 discutem as primeiras leis voltadas às pessoas com alguma enfermidade psíquica no Brasil Em 1903 houve um decreto que orientou a organização e regimento de asilos para a internação dessas pessoas como seria o funcionamento honorários e equipe de trabalhadores Houve outras leis que significaram um retrocesso da visão do paciente psiquiátrico quando em 1916 foram tidos todos como incapazes de tomarem decisões independentemente do nível e severidade de seus transtornos 62 62 A partir de 1934 percebeuse no Brasil um diálogo da psiquiatria com o direito Isso porque foram reorganizadas as formas possíveis de receber tratamento tanto antes quanto depois da internação diálogos para averiguar a decisão da internação e da alta do paciente e possibilidade de tratamento domiciliar Todavia os asilos e os manicômios brasileiros adotavam muitas medidas radicais no tratamento desde que foram criados no início do século XX Condições insalubres tratamentos ofertados por pessoas não capacitadas superlotação e outros problemas foram averiguados criticados por profissionais do mundo todo e levaram os profissionais do Brasil ao movimento de Reforma Psiquiátrica DelOlmo Cervi 2017 A Reforma Psiquiátrica foi um movimento social que no Brasil teve início na década de 1970 para propor alterações no manejo do campo da saúde mental e atenção ao usuário do serviço As propostas foram para o modo de assistência do sujeito em sofrimento e contribuição para uma posição social não segregada deste como Foucault 19971961 apresentou ter ocorrido na modernidade As principais ênfases da Reforma Psiquiátrica são a possibilidade de um espaço social para o paciente tido como louco e projetos de assistência cuidado e tratamentos diversificados fora dos asilos e manicômios Melo 2012 Cabe o destaque de que nessa mesma década ocorreu a publicação do DSMIII quando indústrias farmacológicas e seguros de vida passaram a investir no campo da saúde mental e a abordagem psicodinâmica foi substituída pelo modelo biomédico Alarcón G Freeman 2015 Dunker Kyrillos Neto 2011 Ou seja a produção do DSM estava dissonante do movimento de outros vários trabalhadores da saúde mental Isso pode ter levado a constantes modificações e edições posteriores do manual Conforme Amarante 2007 o processo de Reforma Psiquiátrica envolve algumas dimensões fundamentais A primeira é teóricoconceitual que corresponde ao significado que se dá para a sujeito em sofrimento psíquico destoante das visões biomédica e psiquiátrica tradicional do século XIX De forma semelhante a apresentada por Canguilhem 20121943 saúde e doença seriam um processo e não puramente um binômio de ideias apostas Nessa dimensão é repensado o modo de tratar e cuidar do sujeito pois se almeja ir ao encontro de sua existência concreta como também o próprio conceito do adoecimento mental é reestruturado e continuamente construído frente às relações mantidas entre profissionais usuários do serviço e toda a equipe Mesmo que não seja citado explicitamente assim como foi possível traçar um paralelo de Jaspers e Husserl é possível traçar um paralelo entre a concepção de empatia de Jaspers 2005191219731913 e a dimensão teóricaconceitual da Reforma Psiquiátrica Amarante 2007 Jaspers trabalhou para apresentar à academia um modelo de compreensão e forma de 63 63 tratamento para o paciente com transtorno mental Não era o objetivo apenas diagnosticar a pessoa mas compreender seu sintoma em sua experiência e a partir disso organizar o tratamento Possivelmente um dos fatores que faz com que Messas 2014 psiquiatra brasileiro bastante atuante nas pesquisas de psicopatologia fenomenológica afirme que a obra de Jaspers não tenha sido superada é justamente o fato de ela ser coerente com os vários projetos da Reforma Psiquiátrica que ainda estão sendo implementados A segunda dimensão da Reforma Psiquiátrica apresentada por Amarante 2007 é a técnicaassistencial Nesta se reformulam os espaços destinados ao tratamento do paciente com transtorno mental Foucault 19971961 apresentou os asilos e manicômios da modernidade como locais de isolamento dos loucos para que estes fossem disciplinados conforme interesses sociais de uma classe dominante O movimento da Reforma Psiquiátrica iniciado na Itália inspirou outros países a buscarem espaços de tratamento que não gerassem essa exclusão e fossem coerentes com a primeira dimensão desse movimento A questão jurídicopolítica é discuta por Amarante 2007 como a terceira dimensão da Reforma Psiquiátrica Ela diz respeito à questão de leis e projetos nos âmbitos civil e penal direcionados ao paciente com transtorno mental Quando iniciados os diagnósticos da loucura no século XVIII a pessoa tachada como louca era vista como perigosa e incapaz do convívio social Foucault 19971961 Melo 2012 discute que vários foram os projetos e tentativas de reorientar essa postura legal para que fosse elaborada pelo Estado uma proposta menos excludente do usuário do serviço Houve avanços com a criação de novos dispositivos Núcleo de Atenção Psicossocial Centro de Atenção Psicossocial Residências Terapêuticas e outros mas estes ainda não foram totalmente firmados havendo a internação em hospitais psiquiátricos com frequência alta A última dimensão da Reforma Psiquiátrica discutida por Amarante 2007 é sócio cultural Segundo o autor não basta a mudança no sistema é preciso que a sociedade também altere seu modo de ver a pessoa com transtorno mental O modelo biomédico que imperou durante muito tempo começou a fazer parte da visão que as pessoas em geral têm sobre o adoecimento psíquico A segregação em espaços manicomiais levou também à segregação de espaço social Pensando em um tratamento que resulte na possibilidade de reinserção social é preciso que a sociedade passe a ver a pessoa com transtorno mental além de seu transtorno como uma pessoa que possui subjetividade sonhos desejos e projetos de vida Sejam também tidos como pessoas aptas para responderem inclusive também por seus tratamentos DelOlmo Cervi 2017 64 64 Alguns pacientes com transtorno mental apresentam especificidades para seu tratamento como é o caso dos transtornos cuja crise ou surto fazem parte dos sintomas Os manicômios nessas situações utilizavam medidas de contenção por meio da força física medicamentosa e agressão moral para conter esses pacientes o que reforçava a visão segregacionista do louco Já com a proposta da Reforma as medidas estratégicas para lidar com essas situações ainda precisam ser mais bem desenvolvidas para que eles possam ser acolhidos e cuidados durante a crise sem necessariamente serem atingidos em sua humanidade Essa é a importância de serviços 24 horas e de disponibilidades de vagas em hospitais gerais com recursos e profissionais habilitados para essas situações específicas DelOlmo Cervi 2017 Melo 2012 Alguns modelos diagnósticos foram a fonte de inspiração teórica e técnica para a atuação profissional ao longo da história O primeiro é o modelo biológico que caracteriza o transtorno mental como alteração cerebral busca a identificação genética deste e avalia recursos farmacológicos para o tratamento Há também o modelo psicológico o qual possui várias abordagens psicanalítica comportamental humanista e outras que buscam compreender a origem causa e tratamento por meio de estudos advindos da psicologia Outro modelo é o sociológico neste tanto a saúde quanto os transtornos são fruto das contingências sociais sendo a perturbação mental a má administração da pessoa diante de circunstâncias ambientais Martins Sequeira 2016 Como último modelo para a atuação em saúde mental está o biopsicossocial Este propõe a integração articulada das variáveis biológicas psicológicas e sociais para a compreensão do processo de saúde e dos transtornos Ele é formulado na tentativa de evitar reduções às variáveis citadas principalmente à biológica que foi focalizada durante o início da sistematização dos processos de saúde mental Os mecanismos biológicos processos psíquicos e influências do meio social estão associados para formular as teorias e práticas clínicas de intervenção Martins Sequeira 2016 A proposição do diagnóstico biopsicossocial e da intervenção desinstitucionalizada é uma mudança radical de paradigma para o tratamento psiquiátrico A dicotomia entre as várias concepções de transtornos e a existência concreta da pessoa dificulta esse processo Quando o transtorno mental recebe o significado de doença seu tratamento fica voltado para a cura e não para a compreensão e posteriormente ajustamento na vida da pessoa A segregação da doença faz com que o foco esteja nela então são desenvolvidos aparatos para cuidar exclusivamente dela A proposta dessa não dicotomização é desenvolver novos recursos que reintegrem o 65 65 sujeito ao contato com sua existência para assim retomar suas potencialidades e possibilidades existenciais Amarante 2007 A ideia que já fora apresentada por Canguilhem 20121943 é a de que não se deve focar em um modelo estático de normalidade mas na normatividade vital A normalidade é uma definição situacional e particular quando se tenta uma generalização desses parâmetros da normalidade criase automaticamente exclusão pois esses parâmetros não abarcaram os intervalos das particularidades de todas as pessoas Nesse sentido o trabalho voltado para uma normatividade vital assemelhase à proposta de desinstitucionalização pois sai do foco do adoecimento para a compreensão do sujeito em sofrimento e pode ser reorientado de alguma forma A busca não é a cura mas o desenvolvimento da saúde e da possibilidade de integração social para o paciente Amarante 2007 Canguilhem 20121943 Está na Constituição Federal Brasil 1988 que a saúde é um direito de todo cidadão e um dever do Estado A saúde nesse contexto fica voltada às esferas físicas e biológicas mas também às psicológicas e sociais Mäder Holanda Costa 2019 Scliar 2007 Além de oferecer serviços de saúde tem havido pesquisas para identificar marcadores que possam trazer risco a saúde das pessoas O objetivo é que não seja focalizado apenas o modelo biomédico mas implantado o modelo biopsicossocial tanto no que diz respeito ao direito dos usuários como ao trabalho ativo dos profissionais de saúde Mäder Holanda Costa 2019 Foram focalizados a partir de então pesquisas mais voltadas para os fatores epidemiológicos da saúde e da doença Esses fatores permitem conhecer as condições sociais que ofertam riscos para a saúde e assim tentar minimizálas Os transtornos mentais são um desafio para a epidemiologia por conta de variedade de situações que podem culminar neles e também são pesquisados havendo a tentativa de melhores cuidados também nesse âmbito da saúde mental Todavia as pesquisas ainda não conseguem abarcar a complexidade desta pois esses estudos acabam voltando para algum padrão de normalidade ou patologia Mäder Holanda Costa 2019 Percebese ainda a complexidade de delimitar o objeto para o estudo do processo saúdedoença conforme apontado por Canguilhem 20121943 sem que sejam feitas generalizações que incapazes de abarcar a diversidade de particularidades humanas A adoção de um modelo biopsicossocial é holística e exige uma mudança real do paradigma biomédico Isso porque a visão holista traz novas concepções do homem das relações e do mundo também se adquirem por seu intermédio novos conceitos de saúde doença autonomia e de uma vida com qualidade Essa postura vai além do saber técnico científico envolve o engajamento do profissional e do usuário do serviço Pereira Barros Augusto 2011 66 66 A visão holística do modelo biopsicossocial Amarante 2007 pode ser comparada à postura descritiva de Jaspers 20051912 19731913 Mesmo que tenha bases epistemológicas próprias o trabalho consiste em olhar para o paciente além de sua doença Ele será considerado em seu todo buscando compreender o conhecimento que tem de si mesmo sobre seus sintomas e suas manifestações de saúde É a partir desse trabalho que se torna possível a recolocação da pessoa com centro e serem possíveis cuidados para uma vida saudável nos aspectos singulares das necessidades da pessoa Na postura biopsicossocial o trabalho conjunto do profissional e do usuário é permeado por uma escuta compartilhada entre eles em que haverá reflexões pertinentes para ambos Tratar o usuário como esta pessoa com subjetividade que encontra outra subjetividade pode ser um meio para que ele desenvolva sua emancipação deixe de ser uma pessoa que precisa puramente de cuidados para ser o agente ativo de seu processo de promoção de saúde tanto em seus aspectos pessoais quanto sociais Pereira Barros Augusto 2011 No que diz respeito aos profissionais é fundamental que haja medidas que incentivem sua formação e desenvolvimento Para isso podem ser trabalhadas a apropriação de metodologias que vão além do técnico e incluam o favorecimento de habilidades para cuidar da parte subjetiva do humano seja o paciente a comunidade de trabalho a equipe de trabalho ou a si mesmo Pereira Barros Augusto 2011 33 A fenomenologia como modo de intervenção em saúde mental Barreto e Morato 2009 afirmam que o sofrimento faz parte da própria ontologia humana uma vez que se consideram por exemplo o desamparo e a angústia como modos de existir do homem Com isso é fundamental uma ação clínica que olhe tanto para a compreensão dos fenômenos clínicos quanto para a ontologia Essa pode ser inclusive uma forma de se apropriar da vida biopsicossocial Amarante 2007 que se pauta no todo da pessoa Na proposta inicial de Jaspers 19731913 quando se apresenta a fenomenologia como uma abordagem da psicopatologia é possível levantar algumas proposições para a intervenção em saúde mental Essa abordagem não se baseia em interpretações adquiridas a priori ou explicações causais sobre a realidade vivida pelo pacientei uma vez que o foco não é a interpretação o que não impede que essa aconteça de forma acompanhada de uma elaboração temática diante de uma existência que se explicita como projeto de vida do paciente Jaspers 20051912 67 67 O profissional tem como foco remeter o indivíduo a si para que este reconheça sua vivência e se questione no sentido de encontrar suas próprias respostas para as situações que a vida lhe apresenta A fenomenologia como fundamentação metodológica não apresenta o objetivo de enquadrar o paciente em padrões morais ou em modelos teóricos Por meio dela buscase a compreensão das possibilidades existenciais de cada um e como é a experimentação dessas possibilidades em suas relações com as pessoas e as coisas que se apresentam no mundo Jaspers 20051912 Lessa Sá 2006 Barreto Morato 2009 Nas posturas do profissional da saúde mental tanto no modo fenomenológico Barreto e Morato 2009 quanto no modelo biopsicossocial Pereira Barros Augusto 2011 é possível observar aproximações O trabalho respeitará a singularidade do ser humano que exige do profissional abertura ao novo possibilidade de reinventar sua maneira de trabalhar revisitando sua teoria e observando a concepção subjetivasingular da sua intervenção acolhendo a constituição originária do homem Uma das medidas possíveis para esse trabalho são as terapias nas suas mais diversas nuances mas aqui focalizando a psicológica Nesse sentido cabe perguntar o que é a terapia Para responder essa pergunta pode se retomar o sentido etimológico da palavra Rehfeld 2000 explica que terapia vem do grego Terapeia que significa cuidado e cura mas também apresenta outro sentido de origem hebraica através da palavra Terufa que tem o mesmo significado de Terapeia apresentando porém um sentido preventivo e prospectivo Tomando como ponto de partida o sentido grego da palavra terapia que incorpora o sentido hebraico o profissional tem o papel de cuidar do ser do paciente pautado em suas bases teóricas e filosóficas visando a auxiliálo para que ele possa vir a cuidar de si posteriormente e não somente ser tratado do seu sintoma Segundo Pompéia e Sapienza 2010 o trabalho terapêutico é uma prócura em que a cura tem o significado de cuidar Cuidado não é algo resultante do processo mas o que acontece no passo a passo Na visão dos autores o paciente em geral ao buscar ajuda não precisa de explicações racionais uma vez que ele mesmo já pode ter críticas a respeito de seus próprios sintomas ou fazêlas com outros tipos de intervenção O trabalho consiste em levar o indivíduo a compreender seu sintoma na busca da verdade sobre si mesmo Por meio das recordações de coisas que foram importantes para ele e que pelas dificuldades de comunicação tornaramse desgastadas É possível reencontrar a expressão própria do colocarse no mundo e sentir o que nele gera liberdade para não mais ser jogo do seu sintoma Outra aproximação da postura fenomenológica Lima 2006 com o modelo biopsicossocial Pereira Barros Augusto 2011 é o modo como o paciente é visto no processo Ele é um ser consciente que tem autonomia afetividade é possuidor de emoções 68 68 próprias tendo também anseios desejos crises sonhos e sentimentos A pessoa é vista como ser processual que continuamente é entendido como tendo capacidade para a expansão da sua consciência o que promove o responsabilizarse por suas escolhas e definir a orientação futura que dará a sua história de vida O profissional de um modo mais amplo visa a um trabalho que permita o encontro verdadeiro genuíno com o paciente respeitando e valorizando a criatividade existencial que emerge de forma única em cada um Jaspers 20051912 Pereira Barros Augusto 2011 Com isso busca favorecer que cada paciente conforme sua potencialidade e capacidade de crescer existencialmente e principalmente aceitandose como é encontre seu próprio caminho por meio de suas próprias observações e reflexões O cuidado traz uma nova dimensão à prática psicológica ao visar a um acolhimento buscado pelo sujeito que procura auxílio Silva 2001 Dutra 2004 Têmse o objetivo de devolver ao homem o cuidado por sua própria existência permitir que ele seja capaz de resgatar sua própria tutela Para tanto o profissional acolhe o outro da maneira como ele se mostra suspendendo todos os esclarecimentos prévios inclusive diagnósticos Feijoo Protásio 2010 E como realizar tal trabalho com o paciente em sofrimento psíquico na saúde mental Em seus estudos acerca da psicopatologia Petrelli 1999 expõe que a condição de sofrimento psíquico consiste na vivência inautêntica do sujeito Esta é um projeto de vida que não está de acordo com a singularidade daquela pessoa Para esse autor a pessoa pode chegar a ser classificada nosologicamente mas a forma como vive o sofrimento psíquico guarda suas singularidades e a intervenção deve respeitar também essas singularidades O método fenomenológico apontado na psicopatologia por Jasper 19731913 permite chegar à essência da perturbação vivenciada pela pessoa fazendo com que embora esse não seja considerado um autor da psicopatologia fenomenológica já mostra a preocupação que emergiu para não buscar rotulações apenas por sintomas mas pela busca singular da vivência desses O pensamento de as patologias dentre as quais se incluem as psicopatologias estarem restritas apenas a quem as vivencia é dissonante frente à ideia de um pensamento cultural acerca desse tema segundo Rehfeld 1992 Nas várias instituições e intervenções para o indivíduo que está doente vêse nitidamente a presença do outro em relação com esse indivíduo Dessa forma uma patologia não pode ser pensada sem pelo menos dois sujeitos o doente propriamente dito e quem o trata da doença Nesse sentido o profissional por meio dos seus conhecimentos técnicas e percepções intuitivas irá pautado na cultura em que está inserido encontrarse com seu paciente tendo a meta de ajudálo a organizar suas informações desconexas permitindo emergir um eixo básico 69 69 e central em sua história Todavia esse trabalho não é apenas do profissional mas fruto do encontro gerado no próprio encontro com o paciente de modo similar à empatia de Jaspers 19731913 No trabalho fenomenológico o objetivo é estar presente ao outro junto ao outro e para o outro em busca do sentido de sua existência Rehfeld 1992 p 3 em que a existência consiste no viraser do homem Rehfeld 1992 considera que os quadros psicopatológicos podem ser pensados através de três variações da verdade fundamental vou deixar de ser que são falta de sentido questão existencial restrição acentuada a apenas um sentido neurose e alterações na relação com o próprio tempo psicopatologias mais severas e psicoses O comum desses quadros é que geram na pessoa sofrimento psíquico busca por se autocompreender e traz a questão da escolha sobre como conduzirá sua existência É sobre esses pontos que pode pautase a intervenção Mediante a experiência em hospital psiquiátrico Cautella Junior e Morato 2009 discutem a gênese dos transtornos mentais Ao longo da existência a pessoa se depara com situações que fazem com que ela lide com sua realidade e falta de poder sobre o destino precisando de recursos para lidar com isso Quando esses recursos são usados de forma habilidosa permitem que a existência e projeto de vida da pessoa estejam em consonância não havendo grandes conflitos Há casos porém em que essa meta não é alcançada fazendo com que a pessoa busque alguma forma divergente de adaptarse aos conflitos existenciais que podem surgir da forma como ela for capaz naquele momento desenvolvendo uma vivência cristalizada em apenas uma possibilidade o que pode ser entendido de forma ampla como algum quadro psicopatológico nas mais diversas classificações nosográficas existentes Fenomenologicamente todos os comportamentos do homem nos quais se incluem os psicopatológicos são vistos como a subjetividade humana se relaciona se abre e se refere ao mundo Com isso mesmo os quadros psicopatológicos por mais prejudiciais que possam ser são formas de se relacionar com o mundo e não podem ser pensados como errados eles podem todavia em algum momento precisar de ajustes diante das solicitações de contato que pode estar dificultado Essas dificuldades acontecem porque o contato consiste em acolher em si algo do outro o diferente logo quando o indivíduo está em uma vivência psicopatológica ele não tem segurança para ser ele mesmo fazendo aquilo que vem do outro poder ser visto como ameaçador Dichtchekenian sd Conforme a visão de Jaspers 20051912 pautada na investigação fenomenológica é possível aprofundar na experiência da existência do paciente Nesse processo o paciente é capaz de ficar cada vez mais esclarecido sobre si mesmo e sobre as cristalizações ou 70 70 interrupções que fez na sua visão de mundo possibilitando o seu autoquestionamento e gerando clarificações da sua consciência Todo esse processo de clarificação individual compreensão fenomenológica de si mesmo e de todo o seu mundo interrelacional acontece de modo específico conforme a individualidade de cada paciente que tem um contexto biográfico e crenças próprias o trabalho acontece pela investigação da experiência concreta e consciente do paciente que possui uma visão que tem validade para si Quando o paciente explora sua visão e percebe que ela tem validade apenas para ele mesmo uma vez que esta é singular à experiência de vida de cada um de forma progressiva ele pode começar a ver que as outras pessoas também possuem visões de mundo particulares à história e projetos de vida diferentes que cada um possui Esse processo permite ao paciente começar a refletir que existem também outras possibilidades para ele mesmo ver seu mundo abrindose às novas possibilidades e graus de liberdade que anteriormente não lhe eram acessíveis Henriques 2010 Nessa linha de pensamento Cautella Junior e Morato 2009 afirmam que o trabalho psicológico tem na relação de cuidado o objetivo de focar a relação intersubjetiva do paciente para buscar compreender o modo como ele está relacionandose consigo e com o mundo Buscase analisar a forma singular de o paciente relacionarse com o mundo com o outro e com seu próprio eu uma vez que todos esses fatores refletem essa sua maneira de existir Todavia os quadros psicopatológicos por serem caracterizados por uma vivência cristalizada levam a um sofrimento psíquico e desconforto que impedem o paciente de sozinho ser capaz de entrar em contato com sua realidade para transformála de modo a amenizar sua dor A intervenção na saúde mental pautada na relação do cuidado precisa acolher a pessoa que está em sofrimento psíquico para que ela aceite recontar sua história de um modo que possa construir uma nova relação com sua experiência vivida O resultado desse trabalho é fazer ficar claro para a pessoa o momento em que ela se perdeu de si mesma em seu projeto existencial e permitir que ela alcance bases para ressignificar sua experiência Henriques 2010 explica que ao ter novas possibilidades o paciente tem opções de escolha que precisa fazer c om responsabilidade compatível com o grau de clarificação da consciência atingido no seu momento existencial presente Durante esse percurso o paciente pode aprender cada vez mais a chegar a uma reflexão sobre si e seu contexto e assim buscar adaptações mais saudáveis para si de forma consciente o que pode ser uma fonte de mudança que possui significado não apenas mudança pela mudança Quando algum quadro psicopatológico é identificado este não pode ser compreendido fora do mundo da pessoa uma vez que abrange a realidade biológica histórica psicológica 71 71 social e cultural de quem a vivencia Esses quadros podem apontar para uma dificuldade da pessoa de construir significados e desenvolver seus projetos de vida É preciso que haja no processo de cuidado autocompreensão visando a maior controle pessoal autoconsciência que permita maior possibilidade de escolha autodeterminação com o objetivo de aumentar a abertura a novas possibilidades e procura de sentido ou seja comprometerse com suas escolhas e a responsabilizarse por elas Com isso o trabalho em quadros psicopatológicos visa a um treino de competências pessoais e sociais da pessoa para que ela possa por si mesma com o cuidado do profissional diminuir seu sofrimento psíquico e vazio existencial Teixeira 2006 Pompéia e Sapienza 2010 apontam que a própria intervenção no tratamento de pacientes psicóticos um dos quadros psicopatológicos mais complexos juntamente com intervenções com outros profissionais não tem como meta eliminar sintomas todavia geralmente isso acontece O foco realmente é reintegrar a experiência da psicose na vida do paciente o que possibilita que ele veja de que forma as emoções que viveu no decorrer dos surtos têm e continuam tendo sentido em sua totalidade Para os autores quando o paciente é capaz de recuperar a estrutura do sentido ele tem a possibilidade de ser capaz mais uma vez de investir em seus projetos de vida e em suas relações Os profissionais de saúde quando recebem um paciente tornamse responsáveis por acolher receber e estar abertos àquele que o procura com intuito de se restaurar de melhorar sua saúde pois conforme já exposto o sofrimento ameaça o homem de deixar de ser ele mesmo No atendimento o profissional propiciará um espaço onde a pessoa que busca saúde terá a ocupação de encontrarse consigo mesma por meio do acolhimento e da escuta profissional tendo com isso a oportunidade de enxergarse de forma mais clara Nesse sentido cuidar é possibilitar ao homem resgatar sua própria humanidade O profissional não pode tentar nortear seu trabalho conforme seu próprio modelo de saúde pois pode estar cometendo o equívoco de crer que o bem se configura de uma forma genérica para todos e fenomenologicamente isso seria negar a singularidade do existir humano Dichtchekenian sd 72 72 Considerações finais Para a realização dessa pesquisa foi preciso desenvolver um modo muito particular da postura fenomenológica a curiosidade diante do objeto para apreendêlo tal como ele é e um olhar crítico para não criar idealizações com ele Ao se buscar a compreensão de fenômeno foi possível já perceber que o próprio Husserl desenvolveu ao longo dos seus trabalhos filosóficos esse olhar apurado para a partir daí elaborar a fenomenologia Ao examinar as obras de Husserl foi possível observar seu percurso de produção e como cada conceito foi evoluindo conforme o momento vivido pelo próprio autor Mesmo que não tenha sido possível fazer uma análise detalhada da trajetória husserliana visto não ser este o objetivo do estudo foi possível notar que seu trabalho manteve umas das ideias básicas da fenomenologia a relação indissociável do pesquisador com o objeto Desse modo ficou claro como ele estava realmente envolvido com o fazer fenomenológico com seu objetivo de elaborar uma filosofia uma ciência um método e uma epistemologia A psicologia fenomenológica e a pesquisa fenomenológica foram as bases para que essa pesquisa se realizasse Isso porque por meio delas a compreensão advém da relação existente entre o pesquisador e seu objeto uma relação singular que permite a elaboração de significados fruto dessa relação A escolha dos textos o modo de leitura a apropriação dos conteúdos o formato como foram impressões neste texto tudo foi fruto de descrições críticas e algum posicionamento diante do fenômeno estudado Tendo como objetos a psicopatologia e o psicodiagnóstico em saúde mental a fenomenologia foi a possibilidade de uma reflexão crítica para se compreender como estão esses processos na contemporaneidade Para haver um parâmetro para o estudo Jaspers foi escolhido por ter tido uma relação da fenomenologia com a sua psicopatologia e por já sinalizar uma possibilidade de questionamentos para esses objetos Cabe recordar que Jaspers quando começou sua produção em psicopatologia e psicodiagnóstico já adotou uma postura de discordância com os modelos vigentes na época Sua postura era voltada de fato para a experiência do paciente um trabalho que acolhesse a pessoa que busca auxílio e meios de intervenção que resgatassem ainda mais a humanidade dessa pessoa Não era simplesmente a busca por enquadramentos diagnósticos estáticos e limitantes da proposta de Jaspers mas o entendimento do humano como um todo A prática de Jaspers retoma a questão científica por visar a resultados que possam ser expandidos para outros casos Todavia seu trabalho foi realizado respeitando a subjetividade 73 73 do paciente que era escutado tinha voz para se pronunciar durante o atendimento e se tornava o ponto de partida para a compreensão do profissional Por meio do rigor da escuta e da descrição as sínteses que foram realizadas e permitiram o desenvolvimento da psicopatologia como ciência Apesar de apresentar a fenomenologia como uma abordagem para a psicopatologia Jaspers não se considerou fenomenólogo Sua fonte de inspiração esteve mais em Kant do que no próprio Husserl mas isso não impediu que ele desenvolvesse um modo de compreensão do fenômeno psicopatológico de forma análoga ao que Husserl estava fazendo com os fenômenos psicológicos de modo mais geral Foram estudos e estudiosos que não dialogaram tanto mas mantiveram algumas semelhanças ainda assim Escolher Jaspers como esse ponto de partida para compreender a saúde mental já foi desde o início da pesquisa uma escolha de postura Não foi um teórico imparcial que tenha seguido os modelos de sua época mas um estudioso que apresentou em toda sua produção um posicionamento crítico para a saúde mental Por isso foi possível discutir algumas questões mais contemporâneas da saúde mental Nessas entender o histórico do DSM mostrou como este tem sido um manual que acompanha alguns interesses de seus organizadores Diferente da obra de Jaspers que pouco foi alterada ao longo das edições o DSM apresentou mudanças estruturais radicais ao longo de cada edição Não foi possível perceber um eixo estruturante que não tenha sido o interesse crescente da nosografia ao longo de sua história visto o número de classificações terem sempre aumentado ao longo de cada nova publicação A metodologia e a forma de olhar para o sujeito foram marcadas por imparcialidade e distanciamento com o histórico de vida do paciente o que dificulta a compreensão de sua real experiência e dá o foco ao transtorno mental Com um manual tão utilizado na saúde mental quanto o DSM fica compreensível muito do vivido durante a história da saúde mental Posturas que busquem apenas classificar transtornos não olham para as pessoas como um todo e quando olham apresentam posturas de segregação As pessoas deixam de ser percebidas como humanos que possuem possibilidades para serem tachadas como loucas e não pertencentes ao meio social A Reforma Psiquiátrica e a alteração do modelo biomédico para o biopsicossocial em saúde mental podem significar a chance de práticas que permitam mais a recolocada do humano como a prioridade do tratamento e não sua vivência alterada A atualidade parece fazer o mesmo apelo presente já em Jaspers escutar a pessoa dar voz ativa a ela durante o tratamento Essa postura não visa necessariamente a excluir as classificações nosográficas visa apenas a não focar só nelas e sim na totalidade da pessoa 74 74 O objetivo de reinserção social durante o tratamento coloca paciente e profissional em relação o que faz o trabalho ter um rendimento para além da visão biomédica da cura para a postura de cuidado e de ressignificação do próprio existir Sem que haja o processo de conscientização tanto do profissional quanto do paciente o transtorno mental será uma doença Mas o desenvolvimento da consciência coloca o transtorno mental como uma possibilidade da existência e quem o vivencia como um humano com suas possibilidades de escolha A escolha da fenomenologia como método e teoria de base dessa pesquisa não foi algo aleatório Desde quando me aproximei da fenomenologia percebi nela a possibilidade de aguçar com mais precisão meu modo curioso de ver os fenômenos do mundo A saúde mental como tema da pesquisa também veio do meu interesse contínuo sobre este desde que iniciei meus estudos em Psicologia As leis que hoje embasam algumas propostas de saúde mental ainda não conseguiram fazer superar algumas práticas desumanizadas no tratamento do paciente psiquiátrico Com esta pesquisa foi possível ver que historicamente o louco sempre vivenciou processos de segregação social Não é possível mensurar se o processo de atenção em saúde mental atual está melhor ou pior pois ele retrata características da época atual que busca muitas vezes silenciar o sintoma com ou sem o consentimento do paciente Quando Jaspers elaborou sua Psicopatologia Geral desejou apontar um método de compreensão da psicopatologia que conhecesse o homem como um todo Quando outros psiquiatras se juntaram para elaborar o DSM buscaram um meio de uniformizar tanto o modo de comunicação entre os profissionais quanto os critérios para a classificação dos transtornos Onde ficou o humano nesse processo Não se busca aqui uma crítica e romantização da saúde mental mas a compreensão de como ela se encontra pode ser o Norte daquilo que precisa ainda ser lapidado É importante haver um referencial que auxilie os profissionais a dialogarem com mais assertividade mas não se pode esquecer de que se está referindo a uma pessoa com alguma síndrome não apenas a transtornos como se estes fossem entidades isoladas Os estudos permitiram a aproximação com autores e ideias compatíveis com uma prática humana em saúde mental que traz o homem para o foco É preciso que a saúde mental seja mais estudada e se torne um tema mais acessível para as pessoas que assim poderão ter suas visões reorganizadas e aceitem com humanidade tudo que é do humano Referências 75 75 Abbagnano N 2003 Dicionário de filosofia São Paulo Martins Fontes Alarcón G R D Freeman A M 2015 Rutas ontológicas de lanosología psiquiátrica Cómo se llegó al DSM5 RevNeuropsiquiatr 781 3545 Acesso em 28 de outubro de 2020 disponível em httpwwwscieloorgpepdfrnpv78n1a06v78n1pdf Amarante P D C 2007 Saúde mental e atenção psicossocial Rio de Janeiro Fiocruz Amarante P D C 2009 Reforma Psiquiátrica e Epistemologia Caderno Brasileiro de Saúde Mental 11 p3441 American PsychiatncAssociation APA 1994 Manual Diagnósticos e Estatísticos de Transtornos Mentais DSMIV 4ª ed São Paulo Artmed American PsychiatncAssociation 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