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Arquivos Brasileiros de Psicologia ISSN 01008692 arquivosbrappsicologiaufrjbr Universidade Federal do Rio de Janeiro Brasil de Lara Gabriel Amador Monteiro Janine Kieling Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS Arquivos Brasileiros de Psicologia vol 64 núm 3 2012 pp 7693 Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Brasil Disponível em httpwwwredalycorgarticulooaid229025830005 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina Caribe Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Lara G A Monteiro J K 76 ARTIGOS Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS Gabriel Amador de Lara I Janine Kieling Monteiro II Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS Resumo Esta pesquisa teve como objetivo explorar as práticas dos psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS do estado de Santa Catarina A metodologia empregada foi qualitativa sendo o estudo descritivo e transversal A coleta de dados foi realizada com entrevista semiestruturada interpretada através de análise de conteúdo Participaram dez psicólogos dos CAPS I II e III de quatro regiões diferentes do estado Os resultados mostraram formação insuficiente para atuação nos serviços O trabalho em equipe foi considerado satisfatório sendo fonte de prazer para os profissionais Os dados também mostraram evolução das práticas desenvolvidas pelos psicólogos para patamares mais aproximados da proposta de atenção psicossocial contida nos preceitos da reforma psiquiátrica brasileira Os CAPS foram avaliados como de boa qualidade Alguns problemas apontados foram a má política de gestão do trabalho a escassez de recursos e a pouca articulação externa de alguns CAPS Palavraschave Psicólogos Saúde mental Psicoses Psychologists in the care of psychosis at CAPS Abstract This research aimed to explore the practices of psychologists in the care of psychoses at CAPS of Santa Catarina state The methodology used was qualitative descriptive and transversal Data collection was made of semistructured interviews analyzed through content analysis A total of 10 psychologists of CAPS I II and III in four different regions of the state participated The results showed insufficient training to work with services Teamwork was satisfactory with good partnerships and being a source of pleasure to the professionals The data also showed the evolution of practices developed by psychologists to more approximate of the psychosocial care contained in the proposal of the Brazilian psychiatric reform The Caps were assessed as being in Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 77 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 good quality Some problems cited were poor political management of labor scarcity of resources and low external articulation of some CAPS Keywords Psychologists Mental health Psychosis Psicólogos en atención a las psicosis en CAPS Resumen Esta investigación tuvo como objetivo explorar las prácticas de los psicólogos con las psicosis en los CAPS del estado de Santa Catarina La metodología utilizada fue cualitativa descriptiva y transversal La recolección de datos se realizó con entrevistas semiestructuradas interpretada a través de análisis de contenido Participaron 10 psicólogos de CAPS I II y III de cuatro regiones del estado Los resultados mostraron una formación insuficiente para trabajar en los servicios El trabajo en equipo fue satisfactorio siendo fuente de placer para los profesionales Los datos también mostraron la evolución de las prácticas desarrolladas por los psicólogos a niveles más aproximados de la propuesta de atención psicosocial contenidas en los preceptos de la reforma psiquiátrica brasileña Los CAPS fueron evaluados como de buena calidad Algunos de los problemas citados la mala gestión de la mano de obra la escasez de recursos y la baja articulación externa de algunos CAPS Palabrasclave Psicólogos Salud mental Psicosis Introdução Esta pesquisa tem como tema as práticas dos psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS A inserção dos psicólogos na saúde coletiva brasileira vem acontecendo ao longo das ultimas três décadas a partir das lutas iniciadas pelos profissionais do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental MTSM através das reformas psiquiátrica e sanitária brasileira No período em que o modelo hospitalocêntrico era predominante a participação dos psicólogos nessas instituições era insipiente sendo esses profissionais alocados principalmente em consultórios particulares Ferreira Neto 2010 Vasconcelos 2004 Foi a partir da montagem das primeiras equipes multidisciplinares de perfil ambulatorial na reforma sanitária que o psicólogo se inseriu de maneira mais incisiva nas políticas públicas de saúde Vasconcelos 2004 A expansão da rede de atenção psicossocial na década de 90 permitiu a abertura de muitas vagas neste campo de atuação Apesar disso o percurso acadêmico de graduação focado no modelo clínico liberal não se alterou de forma significativa devido a certa resistência dos profissionais às práticas inovadoras que necessitavam emergir para essa nova situação de trabalho A mudança necessária vem da premente incorporação do compromisso social e responsabilização pelas necessidades de uma demanda diferenciada baixa renda sujeitos psicóticos diversidades culturais Dimenstein 2001 Vasconcelos 2004 Lara G A Monteiro J K 78 As novas competências requeridas desde então têm se afastado do modelo clássico de atuação e se aproximado das necessidades de uma clínica comprometida com a integridade e territorialidade dos cuidados sendo mais alinhadas às propostas da atenção psicossocial No entanto muitos desafios se apresentam ainda principalmente no tocante às intervenções extraclínicas Ferreira Neto 2010 Ressaltase entretanto que a clínica psicossocial não exclui o conhecimento clássico advindo da psicopatologia e da psicanálise tão caros ao campo da saúde mental A clínica psicossocial e os CAPS As novas ações construídas se deslocaram para o interior de uma perspectiva ampliada aparecendo na literatura em saúde mental sob o cognome de clínica psicossocial Para que seja operacionalizada o profissional necessita trabalhar em rede intermediando o diálogo entre os setores públicos e a sociedade civil articulando suas ações no âmbito comunitário e familiar A intersetorialidade deve ser utilizada na recuperação dos laços sociais e ser promotora de autonomia auxiliando os sujeitos no desenvolvimento de suas potencialidades e na transformação de suas realidades contextuais Alves Francisco 2009 Dentro da política nacional de saúde mental cabe aos Centros de Atenção Psicossocial CAPS ser referência para os portadores de sofrimento psíquico grave eou crônico incluindose os sujeitos psicóticos Os CAPS trazem em suas diretrizes a realização de acompanhamento clínico e de reinserção social bem como ser uma alternativa às internações hospitalares Procuram se articular dentro de um fluxo municipalizado de saúde sendo responsáveis por organizar a rede local de saúde mental e dar máxima resolutividade aos casos que surgem na comunidade de sua responsabilidade Cavalcanti Dahl Carvalho Valencia 2009 Nunes 2005 Contam com equipes multiprofissionais que devem atuar de maneira integrada às demandas de cuidado condizentes com os paradigmas da reforma psiquiátrica Olschowsky Glanzner Mielke Kantorski Wetzel 2009 Um dos principais problemas que necessitam do tipo de cuidado oferecido nos CAPS é o dos transtornos psicóticos O espectro do quadro psicótico pode ser definido de maneira descritiva geralmente em compêndios de classificação estes utilizados oficialmente como parâmetros para os serviços públicos de saúde agrupando critérios diagnósticos para formar quadros maiores e pode também ser explicado por teorias psicológicas neurofisiológicas genéticas familiares dentre outros fatores combinados ou isolados Sadock Sadock 2008 Para os sujeitos com essa problemática pode causar extremas dificuldades de interação social autonomia e autocuidado isolamento e possíveis riscos de suicídio 10 dos casos Na abordagem desse quadro destacase a crítica de Foucault 1975 à noção de doença mental importante para o campo da atenção psicossocial Para esse autor essa concepção promove uma objetalização do sujeito e por isso negligencia as particularidades pessoais essenciais para a compreensão da história do indivíduo Para Foucault a própria noção de doença está condicionada à cultura e ao contexto no qual a mesma está inserida Assim um grupo de manifestações tidas como patológicas pode ter significados variados validados e alterados sóciohistóricamente pelos grupos humanos As pessoas atendidas pelo CAPS têm a seu dispor uma série de atividades que direcionam a reabilitação e reinserção psicossocial assim como o protagonismo dos usuários frente às suas vidas Leão Barros 2008 OnockoCampos Furtado 2006 Dentre elas podese destacar atendimentos individuais em grupo e familiares Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 79 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 oficinas artísticas visitas domiciliares atividades esportivas atividades de inserção na comunidade e assembleias de organização do serviço abertas a todos técnicos usuários familiares população Tudo isto é operacionalizado através de projetos terapêuticos individualizados os quais servirão como ferramenta para o planejamento e acompanhamento do tratamento balizando as ações da equipe bem como para a coresponsabilização do usuário pelo seu processo de reabilitação OnockoCampos et al 2009 Rinaldi Bursztyn 2008 Sanduvette 2007 Rosa 2005 Ao analisar as publicações científicas sobre CAPS entre 1997 e 2008 Ballarin Miranda e Fuentes 2010 encontraram 160 artigos com predominância da categoria temática rede de serviços em saúde mental 58 ficando em quinto lugar as pesquisas sobre os trabalhadores dos serviços 56 Estudos investigando os processos de trabalho e os impasses ganhos e dificuldades dos trabalhadores de CAPS têm sido realizados nos últimos anos em vários municípios do Brasil apresentando resultados diferentes Alverga Dimenstein 2006 Antunes Queiroz 2007 Cavalcanti et al 2009 Jardim Cartana Kantorski Quevedo 2009 Koda Fernandes 2007 Leão Barros 2008 Lopes Neto Veira Arruda Farina 2009 Luzio LAbbate 2009 Mondoni CostaRosa 2010 Nascimento Galvanese 2009 Olschowsky et al 2009 Rabelo Torres 2006 Do lado das críticas e problemas com relação à organização do trabalho os resultados mostraram a possibilidade de alguns serviços estarem se tornando ambulatórios cronificantes sem projeto terapêutico individualizado formando filas de espera para atendimento ou trabalhando sem perspectiva de alta Destacase ainda escassez e má gestão de recursos financeiros e humanos sobrecarga de funções dos técnicos desigualdades regionais na implementação da reforma baixos salários e desconhecimento da legislação em saúde mental Foram encontradas dificuldades em expandir as práticas para fora dos serviços Sobre as práticas e concepções aparecem ideias de tutela de incapacidade dos usuários de dependência excessiva da medicalização hegemonia do modelo biomédico convivência de práticas e modelos de atenção conflitantes entre os profissionais além de formação deficitária para atuar em saúde mental No entanto pesquisas também têm apontado avanços e qualidades no trabalho desenvolvido nos CAPS Campos Soares 2003 Mielke Kantorski Jardim Olschowsky Machado 2009 Kantorski et al 2009 Nunes Torrenté Ottoni Moraes Neto Santana 2008 OnockoCampos et al 2009 Há transformação no cuidado e nas relações interpessoais em relação ao modelo asilar com experiências de boas práticas de reabilitação auxilio e orientação familiar Percebeuse capacidade para acolher crises a construção de projetos terapêuticos e avanço para concepções multicausais do sofrimento psíquico Surgiram avaliações positivas dos usuários que julgaram ser tratados com respeito e afeto sentindose valorizados por poder participar nas decisões sobre seu tratamento Em pesquisa realizada em CAPS de toda região Sul do Brasil as equipes se mostraram bastante engajadas e comprometidas com o cotidiano da construção do processo de reforma Kantorski et al 2009 Atuação do Psicólogo nos CAPS Algumas pesquisas foram desenvolvidas Correia 2007 Figueiredo Rodrigues 2004 Sales Dimenstein 2009a 2009b com a finalidade de investigar práticas e desafios atuais para os psicólogos de CAPS mas nenhuma teve foco específico no acompanhamento de sujeitos psicóticos Figueiredo e Rodrigues 2004 estudaram a Lara G A Monteiro J K 80 atuação de psicólogos dos CAPS do Espírito Santo e perceberam que a desinstitucionalização não estava sendo de fato implementada no cotidiano destes profissionais Predominava o modelo clínico tradicional de abordagem psicanalítica foco na estrutura clínica e nos sintomas do usuário pouco centrado nos elementos relacionais e comunitários do adoecimento A insipiente promoção da reinserção social foi atribuída à escassez de formação específica para atuar na saúde mental e às condições de trabalho precárias Em levantamento quantitativo que reuniu os psicólogos dos CAPS de Santa Catarina Correia 2007 encontrou dados semelhantes Os pesquisados responderam que os CAPS possuem boa estrutura física mas carência de recursos humanos e financeiros Na atuação dos psicólogos também predominou a psicoterapia individual seguida pelo atendimento em grupo e em último plano o atendimento à família e à comunidade Novamente foi constatada defasagem no ensino de graduação que auxiliasse os profissionais no desempenho das suas funções Em estudo com psicólogos dos CAPS do Rio Grande do Norte Sales e Dimenstein 2009a 2009b concluíram que falta postura crítica e ação política na transformação dos saberes e dos sujeitos na busca de promoção de saúde mental A maioria dos técnicos colocou a escuta clínica qualificada como a especificidade do psicólogo na equipe mas apontaram que a prática em um CAPS é diferente do consultório privado A lacuna na formação e no conhecimento é relatada como um dos entraves ao avanço da reforma Diante das questões abalizadas considerando a necessidade de aperfeiçoamento dos quadros que atuam nos serviços de implementação da reforma psiquiátrica nacional e a ausência de pesquisas sobre o trabalho dos psicólogos dos CAPS com os usuários psicóticos fazse pertinente a seguinte questão Quais são as práticas que estão sendo desenvolvidas pelos psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS Para pesquisar este mote este estudo teve como objetivo investigar a atuação destes profissionais no contexto catarinense Além disso foi necessário estabelecer alguns objetivos secundários tais como compreender a concepção de doença mental e de psicose dos psicólogos dos CAPS I II e III de Santa Catarina analisar aspectos relacionados à formação e à atuação profissional dos psicólogos com pacientes psicóticos neste contexto identificar dificuldades e desafios encontrados em seu cotidiano de trabalho com os portadores dessa classe de sofrimento psíquico Método O delineamento utilizado foi qualitativo descritivo e transversal Pope e Mays 2009 afirmam que a pesquisa qualitativa está ligada à exploração e detecção dos significados subjetivos atribuídos às vivências singulares que os sujeitos experimentam cotidianamente sem a utilização de uma manipulação experimental do que se está procurando descrever ou explicar tendo inclusive o papel de desanuviar fenômenos sociais e atitudinais que não se deixam apreender por métodos quantitativos O pesquisador sempre está implicado em sua pesquisa e assume esse fato naturalmente sem pretender acomodarse com o argumento da neutralidade e da abstenção científica Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 81 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 Participantes Foram entrevistados presencialmente 10 psicólogos pertencendo a CAPS de quatro microrregiões do estado de Santa Catarina A seleção foi realizada por conveniência a partir dos profissionais contatados que responderam uma pesquisa quantitativa anterior A determinação do número final de participantes ocorreu através de saturação das respostas por repetição dos conteúdos Flick 2004 Os critérios de inclusão adotados foram estar no cargo há no mínimo seis meses e trabalhar em um CAPS I II ou III Participaram seis psicólogos de CAPS I dois de CAPS II e dois de CAPS III Oito mulheres e dois homens possuindo de 28 a 57 anos de idade M 435 Tinham entre quatro e 31 anos de formados M 116 e entre 10 meses a 10 anos de atuação em CAPS M 35 Na orientação teórica dos profissionais predominou a abordagem cognitivocomportamental com quatro sujeitos seguida do psicodrama com dois e a psicanálise sistêmica análise transacional e a reabilitação psicossocial com um representante cada Todos os sujeitos possuíam pósgraduação oito com especialização latu sensu e dois com mestrado sendo três com temáticas alinhadas ao foco de seu trabalho no CAPS Instrumento Foi utilizada uma entrevista com roteiro semiestruturado contendo 14 perguntas subdivididas em quatro eixos temáticos elaborados a priori a partir da revisão de literatura e dos objetivos da pesquisa A entrevista semiestruturada se apresenta como uma forma de depoimento a partir que uma sequência de perguntas abertas propostas oralmente e em uma determinada ordem que pode ser flexibilizada com a inclusão de novos questionamentos e esclarecimentos a partir do que foi respondido Pope Mays 2009 Procedimentos de pesquisa O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos número 0102011 sendo observados todos os critérios éticos necessários A coordenação estadual de saúde mental do estado de Santa Catarina e os coordenadores dos CAPS foram consultados primeiramente autorizando as coletas de dados Na coleta de dados os profissionais foram convidados por telefonema e esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa As entrevistas foram gravadas presencialmente nos locais de trabalho A coleta de dados aconteceu entre maio e agosto de 2011 Resultados e discussão As entrevistas foram transcritas codificadas tematicamente categorizadas e submetidas à análise de conteúdo a fim de ser posteriormente discutidas sob o enfoque da revisão de literatura realizada A codificação temática referese ao processo de fragmentar o corpus textual reorganizandoo a partir de partes mais gerais para categorias específicas definidas a priori Feito isso subcategorias são criadas dentro das categorias analíticas gerais predefinidas na construção do instrumento de pesquisa Quando se passa para a análise dos conteúdos levase em Lara G A Monteiro J K 82 consideração também o contexto tanto dentro do campo linguístico quanto relacional para a compreensão do material produzido na interação entre o pesquisador e o pesquisado Flick 2004 A partir do relato das entrevistas as unidades de sentido foram agrupadas em três eixos concepção de doença mental e psicose possibilidades terapêuticas no ambiente institucional e desafios e dificuldades Concepção de doença mental e psicose Quanto às noções de doença mental sete descrições foram contempladas a doença como consequência do sofrimento psíquico como forma de alterações comportamentais e emocionais como sintomas que extrapolam a normalidade como ausência de saúde como uma forma de funcionamento particular e associada ao comprometimento da vida cotidiana A doença percebida através do sofrimento psíquico que a acompanha se refere às manifestações dos sujeitos p1 p4 p8 e p10 A referência vai ser o que como eu disse no inicio é a função daquele comportamento né Então é se aquele comportamento é adaptativo ou não qual o grau de sofrimento que aquilo causa ao sujeito p1 Já a doença compreendida através de alterações comportamentais e emocionais aparece em p1 p3 p4 e p8 Na verdade doença mental está bem atrelada à questão de alteração de comportamento Também está atrelada ao sofrimento psíquico e tudo que altera o comportamento está relacionado à doença mental Por quê Por que as pessoas percebem a doença mental através da alteração do comportamento da pessoa p4 A doença vista como um conjunto de sintomas que escapam a uma percepção de normalidade pelo olhar de terceiros foram relatadas por p6 e p7 É quando a pessoa apresenta sintomas fora da normalidade que aquilo está causando algum perigo pra própria pessoa ou pra alguém p7 O fenômeno foi definido também pelo seu oposto como ausência de saúde para p5 e p7 Independente de qualquer diagnóstico de qualquer patologia Eu acho que é bem esse inverso da saúde apesar da gente não saber qual é o limite entre uma e outra p5 Quando a pessoa perde a capacidade de resolver seus conflitos e problemas a doença acontece como uma manifestação desta dificuldade acreditam p2 e p6 Aquilo que ultrapassa a capacidade do paciente de lidar com suas dificuldades p2 Além deste fato alguns participantes creem que o adoecimento mental se dá no momento em que a pessoa percebe que suas atividades cotidianas estão afetadas e aquilo lhe causa sofrimento Qualquer transtorno que traga dificuldade de adaptação Limite alguma atividade de vida não aquilo que a gente espera dele na sociedade mas que para ele seja um problema p8 Um sujeito apresentou uma percepção particular Para p9 não existem doenças e sim pessoas doentes e a doença mental é um julgamento moral sobre um funcionamento pessoal não aceito socialmente O diferente a pessoa que não se enquadra na realidade é um modo próprio de viver o mundo e vivenciar as coisas que acontecem consigo mesmo e que nem sempre é uma forma saudável de resolver Os participantes em geral demonstraram visões dispersas do processo de adoecimento Três categorias mostraram uma perspectiva que retira o foco da doença e o desloca para o sujeito do sofrimento aquele que sofre em decorrência do Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 83 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 comprometimento de suas vivências interiores e relacionais perspectiva esta que se aproximam do novo modelo epistêmico proposto no âmbito da reforma psiquiátrica nacional Amarante 2008 No entanto se mostram conflitantes com estas ideias as percepções da doença mental como alterações comportamentais e emocionais do ponto de vista externo uma vez que a vivência de sofrimento é singular e só pode ser capturada a partir do relato de quem a traz como demanda Além disto a perspectiva da doença como desvio da normalidade coloca o indivíduo em um ponto de vista assujeitado passível de intervenções do outro social na voz do especialista que através de atos curativos lhe trará novamente para o campo do comportamento não desviante O perigo deste enfoque é o profissional pautar suas práticas no controle moral do desvio no desrespeito à alteridade e singularidade deixando à margem aquilo que pode ser produtor de sociabilidades renovadas Yasui 2010 A psicose é vista pelos participantes principalmente através do viés do rompimento da pessoa com a realidade como uma falha na percepção ou na mistura entre realidade e fantasia mas podem acontecer falhas na percepção da realidade na interpretação da realidade Então acho que isso é uma forma de você compreender e explicar o que acontece quando a pessoa tem o que normalmente se classifica como psicose p1 A visão da psicose como déficit ou dificuldade também foi relatada através das dificuldades nos relacionamentos interpessoais aí entra aquela coisa do sujeito distante do sujeito que está com isolamento social o sujeito que está com o discurso desorganizado p5 e nas dificuldades para realizar tarefas cotidianas como trabalhar estudar ou organizar condições de moradia já é um transtorno mais significativo aquele que realmente cria uma dificuldade de adaptação em todas as áreas na aprendizagem desenvolvimento relacionamento profissional social p8 Como no conceito de doença as manifestações comportamentais e verbais pautam o julgamento de diversos profissionais e na psicose isto se dá através dos seus sintomas clássicos como alucinações delírios e cisões identitárias Começam a aparecer aqueles sintomas tradicionais e típicos de psicose delírios e alucinações e a gente sabe que em transtornos de humor severos também podem aparecer delírios e alucinações Mas aí a psicose Na prática no diaadia com o paciente a gente percebe outras características Aí entra aquela coisa do sujeito distante do sujeito que está com isolamento social o sujeito que está com o discurso desorganizado p5 Um participante apresentou visão única da psicose que seria um modo diferenciado de funcionamento integral do sujeito que lhe causa dificuldades sociais pela não aceitação de suas particularidades existenciais Um modo diferente de ver o mundo é uma outra forma de você enxergar às vezes uns muito mais além do que os ditos normais Enquanto que outros sim tem uma dificuldade na organização desses pensamentos e que possa dar uma qualidade ou um funcionar junto com algum grupo porque não é aceita essa forma de ver p9 Lara G A Monteiro J K 84 A pesquisa revela perspectivas predominantemente corroborativas com o saber instituído da psiquiatria clássica sobre as psicoses onde o fenômeno psicótico é tomado a partir de um saber normalizante no qual uma realidade supostamente comum a todos pauta o direito à intervenção sobre o comportamento desviante sendo esta intervenção uma ação também política Yasui 2010 Ressaltase que é importante tomar o sintoma ou manifestação dita psicótica no âmbito da experiência do sujeito aproveitar a comunicação que o sintoma positivo traz o entendendo como uma resposta ao campo social ao qual pertence aquele ser humano apontado como psicótico Guerra 2004 A prática de intervenção sobre o psicótico sem uma demanda de sofrimento localizada por ele perante o outro acaba tornandose uma operação moral de normalização e pode ser sentida por ele como uma forma de violação e violência Além disto a desinstitucionalização necessita da presença do aprendizado para a lida cotidiana com a diferença com aquilo que não cabe dentro da norma Para Sales e Dimenstein 2009b esse é o maior desafio dos profissionais que têm se aventurado no campo da reforma psiquiátrica No quesito da percepção do fenômeno que irá sedimentar os caminhos da atenção e de um provável projeto terapêutico no serviço os sujeitos se reportaram predominantemente às manifestações comportamentais e sintomáticas Então quando há uma distorção entre o que a pessoa percebe interpreta da realidade e o que a realidade mostra p1 Há também a consideração ao relato de terceiros tanto como fonte de confrontamento do discurso do usuário quanto na ideia de que os sintomas psicóticos são congruentes e não causam estranhamento à pessoa se a gente vê que aquela historia que vem trazendo diariamente a gente vai investigar a veracidade disso aí a gente percebe que aquilo não procede investigar com a família né investigar com pessoas que vivem com ele a gente percebe que aquilo não procede que aquilo pode fazer parte de um quadro psicótico p5 O comprometimento da vida cotidiana e o sofrimento subjetivo são os aspectos que devem ser considerados no julgamento de outro social e não os sintomas Você acaba vendo a pessoa você não entra no diagnóstico mas a pessoa em si e dentro daquilo ali o que dele do funcionamento dele dificulta a sua vida como um todo Vou trabalhar isso o desejo dele do que ele tá querendo modificar que é isso que a gente vai estar atuando que ele tem uma dificuldade sim mas que não é dado pelo sintoma é dado pelo funcionamento dele em relação ao que ele está sentindo p9 Diferentemente da fala dos participantes anteriores p6 e p8 admitem dificuldade em reconhecer ajustamentos psicóticos seja pela mutabilidade das manifestações seja por falha apontada na formação acadêmica O diagnóstico é muito difícil porque ele muda ele é mutável existe uma séria de fatores que se deve observar Então eu não consigo ver uma pessoa num primeiro atendimento e definir a realmente é um esquizofrênico Eu enquanto psicóloga sinto muita dificuldade eu sempre busco nos outros profissionais da área mais referências p8 Esta categoria reforça a concepção predominante trazida no conceito de psicose onde o observador externo do comportamento se faz juiz para instituir uma norma Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 85 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 Certamente que existirá em caso de sintomatologia positiva incongruência entre o relato do sujeito e de terceiros visto que a experiência particular da psicose possui uma lógica própria que dificulta os relacionamentos sociais da pessoa Rinaldi Cabral Castro 2008 Além disto a crise como expressão do rompimento radical com os laços familiares e comunitários e como comunicação de um sofrimento particular tem recebido como resposta condutas de dominação visto as ideias de periculosidade que a acompanham Willrich Kantorski Chiavagatti Cortes Pinheiro 2011 Portanto o processo de percepção acolhimento e cuidado dos sujeitos psicóticos passa pelo sofrimento pessoal em decorrência do comprometimento para a vida cotidiana sem um olhar anulador e castrador sobre os sintomas O auxilio na travessia desse processo por meio da intermediação no desenvolvimento de potencialidades está no cerne da reabilitação psicossocial Não obstante isso não exclui a necessidade de uma qualificação técnica no campo da psicopatologia que quando utilizada de maneira crítica em suas diversas vertentes irá auxiliar o profissional a orientar sua atuação A formação acadêmica dos participantes para trabalhar com os psicóticos foi julgada pela maioria como insuficiente no que diz respeito à graduação tanto por déficits teóricos quanto por carência de práticas direcionadas Apenas p5 a julgou suficiente mas não pela sua qualidade curricular mas pela sua busca pessoal por estudar a psicopatologia tradicional Por sua vez a pósgraduação foi suficiente para a maioria dos participantes apontada como aquela que veio suprir lacunas anteriores do percurso universitário principalmente nas questões clínicas clássicas Os relatos vão de encontro a dados de outras pesquisas sobre psicólogos na saúde mental Figueiredo Rodrigues 2004 Correia 2007 Sales Dimenstein 2009a Possibilidades terapêuticas no ambiente institucional O segundo eixo de análise se foca nos discursos sobre as concepções clínicas as práticas implementadas pelos psicólogos nos serviços bem como sua relação de trabalho com a equipe multiprofissional As duas primeiras categorias foram subdivididas entre clínica clássica e clínica psicossocial A primeira aqui compreendida como aquela que tem seu modelo centrado em ações individuais de avaliação psicodiagnóstica e psicoterapia influenciada pelo modelo médico e pela clínica psicanalítica tradicional com clientela foco nas classes médias e altas que acessam serviços particulares de psicologia Já a clínica ampliada ou psicossocial se localiza em meio às práticas emergentes em psicologia amplamente diversificadas e ainda em construção com seus profissionais ligados a instituições públicas ou ao terceiro setor em equipes multidisciplinares com clientelademanda de classes sociais diversificadas incluindo as mais pauperizadas que acessam serviços do SUS Ferreira Neto 2008 A concepção de clínica das psicoses se refere ao modelo idealizado o qual os participantes acreditam que deveria acontecer nos CAPS mas que pode ser diferente do qual conseguem realizar na prática devido às suas condições de trabalho A clínica clássica está representada em grande parte pela psicoterapia individual incluindo nela técnicas cognitivocomportamentais específicas citadas por p1 p4 e p10 outra é a gente começar um trabalho psicoterapêutico dessa pessoa pra ela tá entendendo sic um pouquinho o que está se passando com ela Procurar deixar claro de que apesar de você não estar vendo as alucinações não ter os delírios você acredita nelas Nesse momento a gente escuta mais do que fala p4 Lara G A Monteiro J K 86 O acolhimento e a formação do vínculo são citados como fatores importantes na medida em que diminuem o sofrimento do sujeito e auxiliam na adesão à ajuda oferecida Foi dada atenção também à farmacoterapia e às técnicas de adesão à medicação as quais foram citadas como essenciais O trabalho especializado por critério diagnóstico foi citado por três participantes como um modelo que traria maior qualidade para a terapêutica Um participante alerta para uma possível periculosidade em se misturar os usuários em algumas atividades Por sua vez a clínica psicossocial foi lembrada através de intervenções em rede familiar rede de saúde intersetorial e na promoção da autonomia do usuário direitos de cidadania desenvolvimento de potencialidades e geração de renda Chama a atenção o relato de um psicólogo que destoa dos participantes ao declarar que se deve trabalhar o sujeito e não seu quadro sendo qualquer diagnóstico secundário ao trabalho com a individualidade As respostas mostram uma tendência já apontada por Ferreira Neto 2008 com atuações se aproximando da perspectiva da atenção psicossocial Notase nos relatos dos participantes modelos que contém práticas mistas envolvendo o papel clássico de psicoterapeuta ensinado nas graduações incluindo também avaliações clínicas e orientações Somase a isso o investimento no acolhimento e na aliança comportamentos que atravessam a clínica clássica e fazem parte também do modo psicossocial As condutas da clínica psicossocial são amplamente citadas incluindo intervenções grupais em rede socializantes e reconstrutoras de projeto de vida através da perspectiva de cidadania dos usuários No entanto o trabalho intersetorial grande facilitador de inclusão e de promoção de autonomia foi citado por apenas um sujeito o que vai ao encontro dos argumentos de Nasi e Schneider 2011 que atentam para o avanço que ainda deve acontecer nas práticas que estimulem os recursos comunitários para socialização mais ampla dos usuários No que diz respeito às práticas cotidianas realizadas nos serviços a clínica clássica é amplamente praticada através da psicoterapia individual das avaliações do acolhimento e das orientações A psicoterapia individual foi citada por nove participantes sendo usada para os mais diversos motivos seja para responder a crises para realizar o vínculo com o serviço para utilização de estratégias cognitivo comportamentais de habilidades sociais e enfrentamento dos sintomas ou para atender uma necessidade do usuário mas não da equipe Apenas um não citou a psicoterapia individual como uma prática que realiza com os usuários ditos psicóticos As orientações geralmente se focaram em atividades rotineiras organização da vida pessoal aderência à medicação hábitos de higiene mas também em direitos de cidadania e formação política dos usuários No campo das estratégias psicossociais predominaram as atividades coletivas como grupoterapia grupo operativo oficinas terapêuticas atividades de socialização como festas e atividades externas ao CAPS caminhadas pescaria visitas domiciliares Além disto metade dos profissionais citou que trabalha com as famílias intervindo de maneira mais sistêmica Dentro da perspectiva ampliada são realizadas ainda atividades de formação política e de cidadania dos usuários assembleias grupo sobre direitos além de um sujeito ter também citado o acompanhamento terapêutico como estratégia de reabilitação e socialização Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 87 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 A atuação cotidiana detalhada pelos participantes também mostrou avanços na direção da clínica psicossocial em relação às pesquisas anteriores com psicólogos de CAPS Figueiredo Rodrigues 2004 Correia 2007 Sales Dimenstein 2009a As práticas também foram bastante heterogêneas com profissionais utilizandose de psicoterapia individual oficinas orientações trabalhos de reinserção articulação com a rede de apoio e intersetorial Bastante investimento tem se dado à grupalidade nas condutas o que permite ganhos no desenvolvimento interpessoal dos usuários Apesar disto apenas quatro profissionais fazem oficinas e somente dois realizam atividades externas ao CAPS Dois profissionais trabalham basicamente com atendimento individual e eventualmente com os familiares Atitudes que não promovem diretamente a reinserção social e a desestigmatização componentes centrais da atenção psicossocial às psicoses deixando lacunas na contribuição ao trabalho multidisciplinar de reabilitação Jorge Randemark Queiroz Ruiz 2006 A relação de trabalho com a equipe foi avaliada como positiva pelos profissionais Metade a considerou muito boa e outra metade afirmou que era tranquila No entanto três participantes relataram que ela nem sempre foi assim sendo difícil no passado e tendo melhorado atualmente inclusive pela alta rotatividade de técnicos no serviço Ferreira Neto 2010 afirmou que existiu historicamente uma dificuldade dos psicólogos em se integrar ao trabalho em equipe por conta de sua formação focada para o trabalho em consultório O trabalho em equipe é o pilar sustentador da atuação na atenção psicossocial pois permite a circulação dos saberes diferentes na construção dos projetos terapêuticos frente à complexidade do acolhimento vinculação e responsabilização perante os usuários e seus familiares Yasui 2010 Desafios e dificuldades Na avaliação sobre as qualidades e os problemas no atendimento aos sujeitos psicóticos dos CAPS no qual atuam os problemas se sobrepuseram em número de citações às qualidades No entanto o aspecto mais citado foi uma qualidade o bom trabalho em equipe no julgamento de sete participantes Quatro psicólogos creem que o serviço prestado pelo CAPS é de qualidade O atendimento às famílias citado por p7 e o desenvolvimento de potencialidades citado por p1 poderiam ser incluídos neste critério de qualidade do serviço A qualidade do acolhimento acaba se transformando em referência para a população em caso de situações de crise Outros aspectos positivos citados dizem respeito ao funcionamento da rede como o amplo acesso ao serviço o funcionamento de matriciamento na rede de saúde e a parceria com a polícia na resolução de crises No quesito problemas na atenção o tema mais citado foi a escassez de recursos financeiros e materiais que resulta na queda da qualidade do serviço O fato de o CAPS trabalhar mais como um ambulatório sem ter clareza de sua clientela alvo prioritária foi apontado como elemento que piora também a qualidade do cuidado Outro problema apontado foi a estigmatização do serviço e dos usuários muitas vezes pelos próprios profissionais de saúde de outros locais da rede Problema adicional relativo à rede é a falha no seu funcionamento e a resultante fragmentação dos cuidados Com os hospitais o suporte para internar é muito difícil isso A gente não tem leito não tem ala psiquiátrica A gente encaminha pro prontosocorro nem sempre o regional aceita p8 Instituições extra rede também têm tido um papel negativo sobre o atendimento como afirma p7 sobre as Igrejas Evangélicas Lara G A Monteiro J K 88 muitos pacientes são evangélicos isso interfere bastante quando têm que tomar medicação a Igreja promete que vai curar eles e deixam de tomar medicação As falas dos participantes se aproximam à de outros estudos atuais sobre a realidade da rede CAPS Em geral os profissionais as atividades e ações do CAPS são bem avaliados pelos usuários e pelos familiares que se sentem valorizados escutados e acolhidos com atenção e qualidade nas instituições que cumprem seu papel de referência para a rede de saúde mental Adicionamse a isso estudos que já vem demonstrando a efetividade dos CAPS para a diminuição de crises e ocorrência de internações Azevedo Miranda 2011 Kantorski et al 2009 Tomasi et al 2010 Os centros catarinenses parecem estar caminhando nesta direção também Não obstante os problemas locais também se repetem na literatura nacional mostrando que alguns fatores da rede pública de saúde mental são comuns entre as regiões do país e ainda necessitam de soluções a falta de recursos humanos perante a grande demanda a falta de recursos materiais a dificuldade na articulação da rede intersetorial o trabalho ainda insipiente de desestigmatização dos usuários frente à população e os profissionais de saúde Kantorski et al 2009 Apenas quatro sujeitos citaram desafios pessoais para a reabilitação das psicoses relacionados ao estigma social do psicótico Um dos participantes crê que o desafio se põe em auxiliar o crescimento político e autonômico dos usuários para que se sintam mais senhores de si e de seu caminho Seis participantes elencaram dificuldades pessoais Três categorias se referem diretamente às condições de trabalho como o excesso de demanda falta de recursos materiais e o pouco espaço físico Dificuldades relativas a lidar com os usuários foram lembradas relativas ao abandono de tratamento à cronificação e aos surtos comuns em casos de psicose Os desafios se mantêm centrados basicamente nas atitudes dos profissionais perante a rede e às famílias para a atuação que envolva uma dimensão política de intervenção na realidade social que permita uma mudança de postura frente à loucura além do protagonismo dos usuários e seus familiares para com suas vidas Yasui 2010 Nesse sentido a qualidade do acolhimento a responsabilização pelo território e a articulação adequada com os recursos da rede de saúde e intersetorial podem evitar ou combater algumas das dificuldades arroladas Pande Amarante 2011 Já a falta de recursos materiais assunto recorrente na literatura nacional sobre os CAPS pode ser combatida também como uma forma de ação clínica estimulando o protagonismo dos usuários na fiscalização dos recursos públicos e na participação no controle social do SUS Considerações finais Esta pesquisa buscou contribuir através de estratégia exploratória e compreensiva como estão trabalhando os profissionais de psicologia dos CAPS do estado de Santa Catarina especificamente com a clientela do serviço que está diretamente relacionada ao estigma da loucura os usuários psicóticos Para isso foi necessário não apenas perguntar o que estavam fazendo mas como concebiam os fenômenos com os quais estavam lidando cotidianamente Alguns resultados foram diferentes da literatura existente até o momento como o predomínio da abordagem cognitivocomportamental entre os participantes tendo as pesquisas até agora mostrado a psicanálise como referencial principal dos psicólogos de CAPS ou da rede de saúde mental dos locais investigados Figueiredo Rodrigues 2004 Ferreira Neto 2008 Sales Dimenstein Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 89 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 2009a Em geral a visão de doença mental aparece de forma mais ampliada o que inclui o sofrimento subjetivo e o comprometimento da vida cotidiana como critério principal no julgamento do que vem a ser ou não patológico No entanto a psicose ainda é vista pela maioria dos participantes em sua concepção clássica sendo considerada predominantemente um rompimento com a realidade compartilhada socialmente A formação de graduação para o trabalho com sujeitos psicóticos no CAPS se mostrou insuficiente tendo os profissionais que preencher estas lacunas com cursos de pós graduação e através do aprendizado cotidiano Por sua vez o trabalho em equipe foi considerado satisfatório com boas parcerias estabelecidas e sendo fonte de prazer confirmando fatos já encontrados pela literatura Glanzner Olschowsky Kantorski 2011 Aparece também nos dados uma evolução das práticas desenvolvidas pelos psicólogos para patamares mais aproximados da proposta de atenção psicossocial contida nos preceitos da reforma psiquiátrica nacional acrescentando ao foco do trabalho individual ações com familiares grupais e com as redes de saúde e intersetorial ainda que neste último quesito de maneira bastante tímida Os problemas apontados já são conhecidos como a má política de gestão do trabalho a precarização dos serviços e das condições de trabalho a escassez de recursos a pouca articulação externa de alguns CAPS o funcionamento ambulatorial de outros Guimarães Jorge Assis 2011 Os desafios estão ainda na tentativa de auxiliar a organização dos usuários para que reivindiquem melhorias para os serviços e isto também sirva como exercício de cidadania Há a necessidade da real implementação de trabalho em rede assumindo o papel de organizador da rede de cuidados descrito na portaria 3362002 Ministério da Saúde 2002 além de ações de diminuição de preconceitos dos próprios profissionais de saúde e da comunidade em geral para com os usuários Este trabalho não se propõe a ter um caráter explicativo mas sim compreensivo e analítico Portanto há limitações no âmbito da generalização de seus dados para outros contextos regionais brasileiros Há maior necessidade de investigação sobre a qualidade das práticas dos psicólogos que abarquem estudos avaliativos de efetividade e exploratórios que englobem o ponto de vista de outros profissionais dos CAPS usuários e familiares Referências Alverga A R Dimenstein M 2006 Psychiatric reform and the challenges posed by deinstitutionalization Interface Comunicação Saúde Educação 1020 299316 Alves E S Francisco A L 2009 Ação psicológica em saúde mental uma abordagem psicossocial Psicologia Ciência e Profissão 24 768779 Amarante P 2008 Cultura da formação reflexões para inovação no campo da saúde mental In P Amarante L B Cruz Orgs Saúde Mental formação e crítica 6579 Rio de Janeiro Laps Antunes S M M O Queiroz M S 2007 A configuração da reforma psiquiátrica em contexto local no Brasil uma análise qualitativa Cadernos de Saúde Pública 231 207215 Lara G A Monteiro J K 90 Azevedo D M Miranda F A N 2011 Oficinas terapêuticas como instrumentos de Reabilitação Psicossocial percepção de familiares Escola Anna Nery Revista de Enfermagem 152 339345 Ballarin M L G S Miranda I M S Fuentes A C R C 2010 Centro de Atenção Psicossocial panorama das publicações de 1997 a 2008 Psicologia Ciência e Profissão 304 726737 Campos C M S Soares C B 2003 A produção de serviços de saúde mental a concepção de trabalhadores Ciencia Saude Coletiva 82 621628 Cavalcanti M T Dahl C M Carvalho M C A de Valencia E 2009 Critérios de admissão e continuidade de cuidados em centros de atenção psicossocial Rio de Janeiro RJ Revista de Saúde Pública 431 2328 Correia V A C 2007 Cenários e práticas dos psicólogos nos Centros de Atenção Psicossocial de Santa Catarina Dissertação de mestrado nãopublicada Programa de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho Universidade do Vale do Itajaí Univali 139pp Dimenstein M 2001 O Psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde coletiva Psicologia em Estudo 62 5763 Ferreira Neto J L 2008 Práticas Transversalizadas da Clínica em Saúde Mental Psicologia Reflexão e Crítica 211 110118 Ferreira Neto J L 2010 A atuação do psicólogo no SUS análise de alguns impasses Psicologia Ciência e Profissão 302 390403 Figueiredo V V Rodrigues M M P 2004 Atuação dos Psicólogos nos CAPS do Espírito Santo Psicologia em Estudo 9 173181 Flick U 2004 Uma introdução à pesquisa qualitativa Porto Alegre Bookman Foucault M 1975 Doença Mental e Psicologia 2ed Rio de Janeiro Tempo Brasileiro Guerra A M C 2004 Reabilitação psicossocial no campo da reforma psiquiátrica uma reflexão sobre o controverso conceito e seus possíveis paradigmas Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 72 8396 Guimarães J M X Jorge M S B Assis M M A 2011 Insatisfação com o trabalho em saúde mental um estudo em Centros de Atenção Psicossocial Ciência Saúde Coletiva 164 21452154 Glanzner C H Olschowsky A Kantorski L P 2011 O trabalho como fonte de prazer avaliação da equipe de um Centro de Atenção Psicossocial Revista da Escola de Enfermagem da USP 453 71621 Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 91 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 Jardim V M R Cartana M H F Kantorski L P Quevedo A L A 2009 Avaliação da política de saúde mental a partir dos projetos terapêuticos de Centros de Atenção Psicossocial Texto Contexto Enfermagem 182 2418 Jorge M S B Randemark N F R Queiroz M V O Ruiz E M 2006 Reabilitação Psicossocial visão da equipe de Saúde Mental Revista Brasileira de Enfermagem 596 7349 Kantorski L P Jardim V M R Wetzel C Olschowsky A Schneider J F Resmini F Heck R M Bielemann L M Schwartz E Coimbra V C C Lange C Sousa A S 2009 Contribuições do estudo de avaliação dos centros de atenção psicossocial da região sul do Brasil Cadernos Brasileiros de Saúde Mental 11 19 Koda M Y Fernandes M I A 2007 A reforma psiquiátrica e a constituição de práticas substitutivas em saúde mental uma leitura institucional sobre a experiência de um núcleo de atenção psicossocial Cadernos de Saúde Pública 236 14551461 Leão A Barros S 2008 As representações sociais dos profissionais de saúde mental acerca do modelo de atenção e as possibilidades de inclusão social Saúde e Sociedade 171 95106 Lopes Neto D Veira H W D Arruda A T Farina H A D 2009 Atenção à saúde mental no Amazonas Brasil um olhar sobre os Centros de Atenção Psicossocial Cadernos Brasileiros de Saúde Mental 12 2337 Luzio C A LAbbate S 2009 A atenção em Saúde Mental em municípios de pequeno e médio portes ressonâncias da reforma psiquiátrica Ciência Saúde Coletiva 141105116 Mielke F B Kantorski L P Jardim V M R Olschowsky A Machado M S 2009 O cuidado em saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais Ciência Saúde Coletiva 141 159164 Ministério da Saúde 2002 Portaria GM 3362002 Disponível em httpportalsaudegovbrportalarquivospdfPortaria20GM203362002pdf Acesso em 26 de fevereiro de 2012 Mondoni D CostaRosa A 2010 Reforma psiquiátrica e transição paradigmática no interior do estado de São Paulo Psicologia Teoria e Pesquisa 261 3947 Nascimento A F Galvanese A T C 2009 Avaliação da estrutura dos centros de atenção psicossocial do município de São Paulo SP Revista de Saúde Pública 431 815 Nasi C Schneider J 2011 O Centro de Atenção Psicossocial no cotidiano dos seus usuários Revista da Escola de Enfermagem da USP 455 11571163 Nunes J A B 2005 Para além dos muros da Nossa Casa a construção de uma história em movimento Psico 363 293298 Lara G A Monteiro J K 92 Nunes M Torrenté M Ottoni V Moraes Neto V Santana M 2008 A dinâmica do cuidado em saúde mental signos significados e práticas de profissionais em um Centro de Assistência Psicossocial em Salvador Bahia Brasil Cadernos de Saúde Pública 241 188196 Olschowsky A Glanzner C H Mielke F B Kantorski L P Wetzel C 2009 Avaliação de um Centro de Atenção Psicossocial a realidade em Foz do Iguaçu Revista da Escola de Enfermagem da USP 434 781787 OnockoCampos R T Furtado J P 2006 Entre a saúde coletiva e a saúde mental um instrumental metodológico para avaliação da rede de Centros de Atenção Psicossocial CAPS do Sistema Único de Saúde Cadernos de Saúde Pública 225 10531062 OnockoCampos R T Furtado J P Passos E Ferrer A L Miranda L Gama C A P 2009 Avaliação da rede de centros de atenção psicossocial entre a saúde coletiva e a saúde mental Revista de Saúde Pública 431 1622 Pande M N R Amarante P D C 2011 Desafios para os Centros de Atenção Psicossocial como serviços substitutivos a nova cronicidade em questão Ciência Saúde Coletiva 164 20672076 Pope C Mays N 2009 Pesquisa qualitativa na atenção à saúde Porto Alegre Artmed Rabelo I V M Torres A R R 2006 Os significados da reforma psiquiátrica para os trabalhadores de saúde mental de Goiânia Estudos de Psicologia 233 219228 Rinaldi D L Bursztyn D C 2008 O desafio da clínica na atenção psicossocial Arquivos Brasileiros de Psicologia 602 3239 Rinaldi D L Cabral L H Castro G S 2008 Psicanálise e reabilitação psicossocial limites e possibilidades de articulação Estudos e pesquisas em psicologia 81 118125 Rosa L C S 2005 A inclusão da família nos projetos terapêuticos dos serviços de saúde mental Psicologia em Revista 1118 205218 Sadock B J Sadock V A 2008 Manual conciso de psiquiatria clínica Porto Alegre Artmed Sales A L L F Dimenstein M 2009a Psicólogos no processo de reforma psiquiátrica práticas em desconstrução Psicologia em Estudo 142 277285 Sales A L L F Dimenstein M 2009b Psicologia e modos de trabalho no contexto da reforma psiquiátrica Psicologia Ciência e Profissão 294 812827 Sanduvette V 2007 Sobre como e por que construir reconstruir e avaliar projetos terapêuticos nos Centro de Atenção Psicossocial CAPS Psicologia USP 181 83 100 Os psicólogos na atenção às psicoses nos CAPS 93 Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 3 7693 2012 Tomasi E Facchini L A Piccini R X Thumé E Silva R A da Gonçalves H Silva S M 2010 Efetividade dos Centros de Atenção Psicossocial no cuidado a portadores de sofrimento psíquico em cidade de porte médio do Sul do Brasil uma análise estratificada Cadernos de Saúde Pública 264 807815 Vasconcelos E 2004 Mundos paralelos até quando Os psicólogos e o campo da saúde mental pública no Brasil nas duas últimas décadas Mnemosine 10 7390 Yasui S 2010 Rupturas e encontros desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira Rio de Janeiro Editora Fiocruz Willrich J Q Kantorski L P Chiavagatti F G Cortes J M Pinheiro G W 2011 Periculosidade versus cidadania os sentidos da atenção a crise nas praticas discursivas dos profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial Physis Revista de Saúde Coletiva 211 4764 Submetido em 17122012 Revisto em 09022013 Aceito em 16022013 Endereços para correspondência Gabriel Amador de Lara gabrieldelara2hotmailcom Janine Kieling Monteiro janinekmterracombr I Mestre em Psicologia Unisinos Psicólogo do CAPS Vida Nova de Brusque Prefeitura Municipal de Brusque Santa Catarina Brasil II Docente Programa de PósGraduação em Psicologia Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS São Leopoldo Rio Grande do Sul Brasil