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CAPÍTULO 1 Os Mecanismos do Mecenato no Século XVII Quando Urbano VIII se tornou papa escreveu o cronista de arte Giambattista Passeri lembrando com nostalgia os dias difíceis da década de 1670 parecia realmente que havia retornado a idade de ouro da pintura era com efeito um papa de espírito benevolente mente larga e inclinações nobres e todos os seus sobrinhos protegiam as belasartes Roma luxuosa capela de família numa das grandes igrejas de Roma o apoio e o enriquecimento de diversas fundações religiosas a constituição por um sobrinho protegido de uma coleção particular de quadros e de esculturas era esta devorante a prática generalizada Nela podemos ver refletidos os contrastes e por vezes as tensões entre o papa soberano espiritual e temporal e o homem amante da arte e chefe de uma família orgulhosa e ambiciosa Os Mecanismos de Mecenato no Século XVII Roma tinham outra escolha senão recorrer àqueles de valor reconhecido E portanto verdadeiro paradoxalmente que um viajante beminformado que visita Roma por volta de 1620 teria descoberto que a maioria das melhores pinturas modernas em Roma achavamse nas igrejas mais antigas II Dentro do quadro geral aqui delineado havia toda uma gama de variações possíveis nas relações entre um artista e o cliente que o empregava Numa extremidade da cadeia o pintor era alojado no palácio de seus mecenas e trabalhava exclusivamente para ele e seus amigos na outra encontramos uma situação que à primeira vista se assemelha visivelmente a de hoje o artista pintava uma tela sem se preocupar com um destinatário particular e a expunha na esperança de encontrar um comprador entre os visitantes de passagem Entre esses dois extremos havia uma série de meiostermos que envolviam intermediários marchands e amantes de arte bem como as atividades de viajantes estrangeiros e seus agentes Esses estágios intermediários assumiram com o avanço do século uma crescente importância mas de modo geral os artistas não usavam de bom grado a sua liberdade de trabalhar para admiradores desconhecidos e salvo notáveis exceções as exposições eram consideradas o último recurso dos artistas desempregados A relação mais estreita que poderia existir entre um artista e um mecenas era aquela que os autores do século XVII designam muitas vezes pelo termo serínt particular O artista encontrava na pessoa de seu mecenas um empregador regular que muitas vezes o alojava em seu palácio Eralhe atribuído um estipêndio mensal e por outro lado recebia pelas obras que produzia um preço normal de mercado Se se imaginasse que sua pintura poderia tirar proveito de uma visita a Parma a fim de admirar os afrescos de Correggio ou a Veneza para aperfeiçoar sua cor o mecenas encarregavase das despesas da viagem O artista era de fato tratado como um membro da família do príncipe da mesma forma que os cortesãos e os funcionários de qualquer outra espécie O grau de oficialidade do posto que ele detinha variava de acordo com o mecenas embora alguns príncipes pudessem nomear um artista nostro pittore com 8 todas as honras autoridade prerrogativas imunidades vantagens direitos recompensas emolumentos isenções e outros benefícios pertinentes ao cargo tal posto era atribuído com mais frequência aos arquitetos que aos pintores Na maioria dos casos o príncipe havia instituído dentro de seu séquito uma escala flexível de gratificações e cargos que o artista tinha condições de ascender em promoção Assim de 1637 a 1640 o status de Andrea Sacchi membro da casa do cardeal Antonio Barberini era o mesmo que o de três escravos um jardineiro um anão e uma velha ama em 1640 foi promovido a categoria mais alta dos pensionistas tomando lugar entre os escritores os poetas e os secretários Esse tipo de status era extremamente desejável para o artista e todos os autores concordam em reconhecer as vantagens enormes e às vezes indispensáveis que ela representava Alguns inconvenientes podiam por vezes apresentarse alguns artistas tinham dificuldade em deixar o serviço de seu empregador e as evidentes restrições impostas à liberdade pessoal podiam ser incômodas Em contrapartida e por mais paradoxal que isso possa parecer os artistas que gozavam dessas condições de vida e de trabalho tinham nisso uma ocasião igualável de se tornarem conhecidos pelo menos em certos meios Já observamos com efeito que os mecenas não eram totalmente desprovidos de interesses quezocalvimento a patronização às artes A presença dentro de sua casa de um pintor talentoso davalhes uma real importância e em geral mostravamse prontos a proclamar os méritos de seu protegido e mesmo a encorajálo a trabalhar para outros clientes Dada a ausência de críticos profissionais esse apoio e esse encorajamento representavam de longe para um pintor a via de acesso mais fácil para a fama É vital para o artista que deseja firmar seu nome começar com a proteção de um mecenas escreveu Passeri comentando os primeiros anos da carreira de Giovanni Lanfranco isso porque somente as grandes famílias tinham condições de conseguir que seus protegidos pintassem nas igrejas mais destacadas e era essa uma etapa indispensável na carreira de qualquer artista Se considerarmos as poderosas rivalidades nacionais que prevaleciam em Roma no século XVII não é de surpreender que o local de nascimento do artista constituisse um elemento ainda mais importante para determinar suas chances de desfrutar do status de serínt particular do que para conseguir encomendas comuns Ficamos sabendo assim que o floren6 Marcello Sacchetti ao descobrir as obras de Pietro da Cortona lhe perguntou quem era e de onde vinha E quando soube que Pietro era de Cortona chamouo seu compatriota e instalouo em seu palácio Do mesmo modo no final do século o cardeal Ottoboni acolheu em sua casa o seu compatriota veneziano Francesco Trevisani Mas as boas maneiras problema de mais alta importância para os pintores do século XVII podiam ser quase tão decisivas quanto a nacionalidade para garantir a um artista a condição de protegido Embora essa forma de mecenas fosse muito desejável numa sociedade estável Roma não se encontrava no século XVII em condição ideal para favorecêla e mantêla dadas as frequentes e às vezes drásticas mudanças de poder Uma associação por demanda estreita com um mecenas que caísse em desgraça podia tornarse um sério empecilho à ascensão quando as condições mudassem E além disso sempre havia artistas que achavam desafiadoras as restrições impostas à sua liberdade a despeito da segurança que essas pareciam garantir Além disso raras eram as famílias que tinham a possibilidade ou o desejo de sustentar um pintor em tais condições Parece pois que na maioria das vezes essa forma extrema de mecenato se aplicava aos artistas iniciantes Chegando a Roma de alguma cidade longínqua o que poderia haver de mais desejável do que uma companhia bem situada que lhe oferecesse a hospitalidade um apoio moral e um rendimento regular No entanto depois de alguns anos já com uma reputação estabelecida e Roma inundada de estrangeiros prontos a pagar preços astronômicos o artista esquecia encarar sua posição com outros olhos Felizmente sempre havia a possibilidade de um acomodamento o artista podia viver e trabalhar por sua conta mas continuava a receber um subsídio como incentivo para dar a seu mecenas a prioridade sobre os demais clientes Não obstante uma prática bastante comum era o pintor trabalhar em seu próprio ateliê e aceitar livremente as encomendas que lhe eram propostas de fontes diversas O estabelecimento ou não de um contrato entre ele e seu mecenas dependia da extensão da encomenda mas quando se examinavam os documentos da época que subsistiram vemos quais eram as condições que regulavam o trabalho desses artistas independentes Nas páginas que se seguem será distinta as diversas cláusulas que eram estipuladas com mais frequência Era muito natural que se especificassem com algum detalhe as medidas e o local da obra proposta quando se tratava de um afresco ou de uma pintura de igreja e apenas um ponto sustinha algumas dificuldades ao encomendarse um retábulo a um artista residente numa cidade distante poderia tornarse crítico o problema da iluminação da capela Isso porque embora o pintor fosse obrigatoriamente informado da destinação de seu quadro nada garantia que sem pre tivesse a possibilidade de examinar o local pessoalmente desse modo eram necessária uma longa troca de correspondência para resolver o problema O tamanho dos quadros destinados às coleções particulares era também objeto de discussões Os projetos de decoração completos que chegaram até os nossos dias demonstram que em inúmeros casos os quadros eram usados para cobrir as paredes de uma sala ou de uma galeria segundo padrões simétricos e muitíssimas vezes eram inscritos na própria parede Quando era esse o caso era importante é claro fixar com precisão as medidas de cada quadro novo encomendado e entre as cartas de que dispomos muitas são as que testemunham o interesse do mecenas por essa questão Muito frequentemente solicitavase ao artista que pintasse quadros aos pares e verificase através de muitos exemplos que essa preocupação com a função decorativa e arquitetônica da pintura influi tanto na composição quanto na dimensão dos quadros No mais das vezes também indicavase ao artista o tema do quadro que era encarregado de pintar mas é difícil determinar até que ponto o mecenas dirigia e supervisionava o tratamento dado ao tema Evidentemente isso dependia em grande parte da destinação da obra Podese supor que tinha havido um controle escrito sobre o tema de um afresco religioso ou de um retábulo mas os contratos em si raramente fornecem precisões tão detalhadas Na verdade aparentemente os pintores gozavam de uma liberdade bastante surpreendente nesse domínio mesmo para as encomendas importantes e esse fenômeno está ligado em grande parte ao refinamento cultural de Roma Os contratos firmados nas províncias em centros culturais mais modestos revelam instruções muito mais detalhadas do que os contratos que regem as encomendas de pintores nas grandes cidades Em geral indicavamse ao artista as linhas gerais do tema ficando a seu cargo acrescentar os elementos que considerasse necessários para a sua representação Muitas vezes era o próprio pintor que solicitava maiores detalhes iconográficos Assim em 1665 quando encomendaram a Guercino uma pintura de um retábulo para um mosteiro de Sicília foramlhe indicadas as dimensões da obra e especificouselhe que sua pintura devia incluir entre outras figuras a Madonna del Carmine com o Menino Jesus em seus braços Santa Teresa recebendo da Virgem o hábito e do Menino Jesus as regras da ordem São José e São João Batista as figuras devem ser mostradas inteiras e em tamanho natural e a parte superior do quadro deve ser adornada com anjos brincando Não satisfezse com essas instruções continua cas do que de costume o pintor escreveu para perguntar se a Madonna del Carmine devia ter um vestido vermelho com um manto azul segundo o costume da Igreja ou um hábito preto com um manto branco As regras da ordem que o Menino Jesus estende a santa devem apresentarse sob a forma de um livro ou de um rolo Nesse caso que palavras deveriam estar escritas nele para explicar o mistério Além disso Santa Teresa desejou saber também como seria dependurado o quadro e qual seria a iluminação Quanto às obras profanas surgiam também alguns problemas O artista que era encarregado de representar um tema tão vago quanto às Quatro Estações viase muitas vezes embarcado quando tinha de decidir sobre o que pintar e sabemos que nesses casos geralmente ele pedia conselhos a um entendido do poeta mesmo que isso não estivesse especificado no seu contrato Quando o príncipe Pampili por exemplo encomendou a Pier Francesco Mola para sua casa de campo em Valmontone um quadro que tivesse por tema os Quatro Elementos o artista foi consultar um advogado de grande renome na região e pediulhe emprestado uma genealogia dos deuses e uma edição anotada de Virgílio a fim de colher nesses livros mitos associados à representação do tema Inspirandose neles e em conversas amigáveis o pintor escolheu para representar o elemento do Ar mostrar Juno conhecida por ser a deusa do Ar no momento em que saia das nuvens a Via Láctea o rapto de Clóris por Zéfiro o rapto de Ganímedes e a aparição de Íris a Turno Outro tipo de influência podia exercerse sobre o tratamento dado por um artista a um tema particular Como o preço de um quadro ou afresco dependia muitas vezes do número de figuras de corpo inteiro que a obra continha acontecia às vezes que se contestassem em indicar esse número ao artista Quando Urbano VIII por exemplo encomendou um retábulo para a igreja de San Sebastiano al Palatino ele especificou que o quadro devia representar o mártir de São Sebastião com oito figuras as quais evidentemente foram deixadas à discrição do pintor Roma Os Mecanismos de Mercado no Século XVII como Pietro da Cortona Por outro lado esta prática generalizouse na segunda metade do século está associada mais particularmente ao pintor Giovan Battista Gaulli que foi talvez quem trouxe para Roma de sua Gênova natal onde já estava bastante estabelecida Um fator importante parece ter tido sua influência o professor Wittkower observou que a maioria dos grandes afrescos que ornaram as igrejas romanas foram executados nos últimos trinta anos do século XVII e no início do século XVIII e evidentemente como Rubens havia demonstrado no norte da Europa os modelli podiam em grandes obras desse tipo ser extremamente úteis tanto para os comitentes quanto para os assistentes Além disso a significação iconográfica desses afrescos era muitas vezes mais complexa Em 1670 Ciro Ferri foi solicitado a apresentar um modello colorido para a cúpula da igreja de SantAgnese na Piazza Navona uma vez aceito o modello o artista recebeu a instrução formal de não fazer qualquer alteração nele sem autorização especial Um controle tão severo é excepcional mas como será mostrado em capítulo posterior a família Pamphili que fizera essa encomenda sempre teve relações difíceis com os artistas É possível também que a importância que se dava à execução de esboços nessa época estivesse ligada de certa forma à crescente apreciação que se atribuía ao caráter mais espontejante desses modelos um gosto que naturalmente nascia juntamente com o aparecimento do tipo de amateur embora se tenha de aguardar o século XVIII para que se generalize a moda dessas coleções de esboços rápidos Afirmavase que Giovanni Odazzi trabalhava mais depressa do que Luca Giordano conhecido por no entanto por sua rapidez a esse respeito Giacinto Brandi também era famoso A rapidez com que uma obra era executada podia valer ao artista uma gratificação adicional sabemos que foi o caso de Gaspard Dughet mas de modo nenhum garantia sempre a aprovação crítica Os venezianos eram especialmente famosos por sua diligência mas fora de sua cidade isso lhes granjeou um certo desprezo A cláusula final dos contratos estipulava naturalmente o preço da obra e os diversos arranjos financeiros Certas fórmulas eram sistematicamente adotadas Uma parte da soma combinada era paga imediatamente como caução Esse valor variava bastante de um mínimo de um sétimo do preço total a um máximo de metade ou quase Se a obra encomendad fosse um quadro acontecia muitas vezes que o artista recebesse um outro pagamento na metade do trabalho sendo pago o saldo na conclusão assim como uma gratificação final E evidentemente havia uma série de variações possíveis na forma de remuneração No caso de grandes afrescos o pintor em geral recebia um salário mensal regular encomendava pagava os andaimes necessários para a execução dos afrescos no teto e se o trabalho fosse executado longe da residência do pintor fornecia também alojamento e alimentação Contase que o príncipe Pamphili por exemplo tratava Pier Francesco Mola que decorava sua villa em Valmontone como um membro de seu séqüito mandando servirlhe caça vitela e outras iguarias semelhantes Muito diferentes eram os critérios pelos quais eram fixados os preços das obras em si grande número de artistas tinham estabelecido os preços das principais figuras da composição negligenciando as secundárias Assim é que Domenichino recebeu 130 ducados por cada uma das figuras representadas em seus frescos da catedral de Nápoles e Lanfranco 100 ducados Este sistema era muito comum e permitia aos pintores aumentar regularmente seus preços à medida que crescia a sua reputação No entanto o status do cliente era muitas vezes tão importante quanto o do artista quando se tratava de determinar o preço Na década de 1620 o médico e amante das artes sienenses Giulio Mancini escreveu que um mecenas magnífico nunca condescendia em discutir essa questão mas remuneraria o artista de acordo com seus justos méritos É verdade que encontramos exemplos dessa atitude Em 1617 por exemplo o duque de Mântua escreveu a Guido Reni encomendandolhe um quadro que representasse A Justiça Abraçando a Paz Indicoulhe as dimensões mas não fez qualquer alusão ao preço a não ser a observação de que Guido seria generosamente recompensado Quanto aos artistas evidentemente ficavam contentes em atender a essas ofertas Paolo Guidotti que tinha um temperamento algo excêntrico costumava dizer que distribuía seus quadros gratuitamente como presentes não hesitava no entanto em aceitar em troca os presentes mais suntuosos Claude Lorrain também se mostrava astuto Ora o que é preço escrevia em 1662 o agente do cardeal Leopoldo de Medici sobre a possibilidade de lhe comprar um quadro é que serei preço pagálo prodigamente porque ele só fixa preço para as pessoas de condição medíocre Mas na verdade é provável que mesmo na época de Mancini esse tipo de liberalidade artística crítica fosse apenas o resquício de uma era passada e tendesse a desaparecer A pintura era muito mais comercializada do que sugerem esses raros exemplos Se Sua Alteza deseja ser necessário na verdade é indispensável que envie algum dinheiro como adiantamento aos pintores Estes deixaram claramente implícito que só trabalhariam para aqueles que lhes pagassem adiantado sem isso será quase impossível obter deles qualquer coisa de bom E contrastando com o exemplo de um Claude Lorrain registremos a inflexível rigidez com que Guercino impunha a prática que ele estabelecera de cobrar uma determinada soma por cada figura pintada Como meu preço habitual por figura é 125 ducatos escreveu a um de seus mais entusiastas mecenas e como Vossa Excelência se restringiu a 80 ducatos terá apenas um pouco mais da metade de uma figura Uma das consequências dessas condições era que os pintores nem sempre trabalhavam diretamente por encomenda sob qualquer uma das modalidades descritas acima Logo adoraram a prática regular de conservar em seus ateliês um pequeno número de quadros muitas vezes incompletos que exibiam aos clientes visitantes como amostras de seu trabalho Se o quadro agradasse seria rapidamente terminado depois de um entendimento com o cliente acerca do preço As atividades do siciliano Fabrizio Valguarnera um aventureiro e contrabandista de diamantes nos dão uma viva ideia da situação O único aspecto importante que se encontrava de maneira constante é este tinhase uma imensa necessidade de artistas e consequentemente suas remunerações tanto do ponto de vista do prestígio quanto a título financeiro tinham grandes chances de ser consideradas O escritor bolonhês Malvasia atribui ao papa Paulo V esse verso de Horácio que faz eco as aspirações dos pintores mesmo que de maneira geral os termos não correspondiam a realidade dos fatos Pictoribus atque Poetic omnia licent mil scudi por um simples retrato em busto mas esta soma fabulosa muito superior às que recebiam seus rivais continua excepcional mesmo numa carreira como a sua61 Carlo Maratta um pintor muito em moda e que passava por ser excessivamente caro obtinha 150 scudi por um retrato de corpo inteiro e Gaulli seu rival mais próximo cobrava 100 scudi62 Esses altos preços além de permitirem ao artista viver mais confortavelmente tiveram uma função simbólica importante Elevavam aos olhos do mundo o status da arte O historiador Baldinucci fez questão de relatar que por ocasião das vendas em leilão Rembrandt fazia altos lances por quadros e desenhos a fim de reforçar o prestígio de sua profissão e semelhante atitude vamos encontrar também na Itália63 A creer nos seus biógrafos uma das principais preocupações dos artistas no século XVII era certamente a conquista de um lugar na sociedade Foi este motivo que inspirou os renovados esforços para estabelecer em bases sólidas a sua associação profissional a Accademia di San Luca Esta instituição havia conhecido longos anos de um declínio quase contínuo depois da tentativa louvável mas pouco frutífera de Federico Zuccari em 1593 e 1594 de ressuscitála Cada vez que um novo papa ascendi ao trono eram feitas tentativas de melhorar a condição de entidade e estimular uma diferenciação entre os artistas sérios e os artesãos mecânicos Os papas eram pródigos em declarações grandiloquentes A pintura é uma profissão de grande nobreza muito diferente das artes mecânicas reconheceu o oficial da Câmara Apostólica em 1601 e em 1605 o papa Paulo V concedeu à Academia o direito de anistiar a cada ano na festa de São Lucas um homem condenado à morte Eram medidas que caminhavam na direção certa mas quase não foram decisivas Gregório XV mostrouse encorajador e em 1621 confirmou os estatutos da Accademia mas morreu antes de ter tido tempo de fazer mais Coube a Urbano VIII estabelecer a autoridade absoluta da Accademia no mundo artístico romano e finalmente entregar toda a oposição que provinha das guildas65 resca estava sempre bem vestido com finos linhos e uma peruca falava bem com maneiras invejáveis e entendiase da melhor maneira com a nobreza Giammaria Morandi dançava extremamente bem era um excelente cavaleiro e esgrimista Andrea Procaccini ocupava um apartamento magnífico decorado com belos quadros tapeçarias e outros ornamentos magníficos e quando foi para a Espanha dizem que seu estilo era mais o de um cavaleiro do que o de um pintor São elementos que caracterizaram muito mais a segunda metade do século XVII que a primeira e se refletem evidentemente nas negociações dos artistas com seus mecenas Existem algumas referências sarcásticas às dificuldades que teve em mecenato Carlos Maratta condescender como um simples favor em aceitar o nosso dinheirinho por um quadro que lhe fora encomendado Todavia parece que apesar de tais comentários a sociedade romana sempre esteve pronta a aceitar os artistas segundo a opinião que tinham de si próprios Certamente antes das histórias que escutamos não passam de versões modificadas do relato de Ridolfi que conta como Carlos V se abaixou para pegar os pincéis para Ticiano o cardeal Barberini segurando um espelho para Bernini enquanto este executava seu autoretrato em trajes de Davi o Inocêncio X estendendo uma tela a Pier Francesco Mola e assim por diante C Mecanismos de Mecenato no Século XVII uma atenção cuidadosa à leitura dos jornais a fim de poder manter uma conversa pertinente nas diversas academias que frequentava Isso define um dos requisitos essenciais e manifestos do sucesso social uma boa cultura geral Mas esse trunfo indispensável servia a um objetivo mais distante que o simples fato de brilhar nos círculos acadêmicos Está ligado inextricavelmente à preocupação de manter a respeitabilidade da arte Escreve Passeri Dessa fala total de cultura provém os disparates que descobrimos em alguns pintores que têm algum talento em sua arte mas que fora da prática da pintura são obtusos rudes e incivilizados São escarnecidos como tavole rase della plebe più vile incompetentes na arte de contar uma história com uma pronúncia ruim incapazes de uma conversa séria Fazem vergonha não apenas para si mesmos mas para o conjunto da profissão uma vergonha tão grande que faz corar até os mais simplórios A aptidão de um artista falar bem e com inteligência não servia apenas para elevar a condição da arte contribuía também para atrair mecenas poderosos pois nessa época certamente não havia gosto pelo gênios incultos Para ver os artistas do período como eles mesmos se viam basta observar seus autoretratos Serenos elegantes usando porocura com maior frequência à medida que os anos passam ostentando um ar satisfeito e arrogante olham para nós da sua superioridade raramente exibindonos as ferramentas de seu ofício mais ciços de assemelharse a seus clientes do que de indicar a sua própria singularidade Tanta ânsia em parecer respeitável e próspero era ainda mais compreensível se considerarmos a pobreza que sempre ameaçava os pintores de segundo plano Sabemos que muitos deles viviam na penúria e é muito fácil imaginar suas vidas trabalhando para marchands inseguros em interminiêves obras pias devotas produzidas em casa e mostrando ocasionalmente seu trabalho em alguma festa religiosa Os mecenas romanos estavam extraordinariamente prontos a encorajar novos artistas e por esse motivo mesmo a situação dos algo não pertencia à categoria dos pintores reconhecidos era desesperadamente cruel Não existia ainda o mito do gênio desconhecido para sustêlos em sua pobreza Menos miseráveis mas pouco próprias à edificação eram as excentricidades dos bentvegghels a colônia dos artistas holandeses e flamengos que viviam em Roma Em 1623 foi criada a Schildersbent uma espécie de sociedade de auxílio mútua que protegia os interesses dos artistas do norte da Europa na cidade Abria assim uma paralela à dos artistas italianos que no mesmo momento se esforçavam por organizar a Accademia di San Luca Mas o próprio 37 Roma nome que ela escolheu sociedade dos pássaros de mesma plumagem e a ausência de estatu dos de liderança definida mostraram bem que as duas organizações não tinham a mesma situação Isso não impediu entretanto que os bentvegghels graças essencialmente ao apoio de patronos influentes se opusessem com sucesso ao projeto da Academia de impor uma taxa a todos os artistas que viviam em Roma inclusive os estrangeiros A maioria dos europeus do Norte moravam no bairro da Via Margutta perto da Piazza di Spagna e suas atividades inauguraram uma tradição boêmia que sobrevive no regiao até hoje Organizavam banquetes sinuosos paródias de cerimônias e batismos pagãos e frequentemente chamavam a atenção da polícia Os artistas respeitáveis da Roma oficial deviam achar tudo isso bastante repugnante mas isso não impediu que o membro mais representativo dos bentvegghels Pieter van Laer fosse aceito como membro da Accademia di San Luca O sucesso de todas essas tentativas de transformar a pintura numa profissão respeitável pode ser visto no fato de os pais não se oporem a que seus filhos se tornassem artistas Embora se deva considerar com reservas os testemunhos de biógrafos obviamente tendenciosos ainda assim é notável como nos informam pouco sobre as dificuldades e esse respeito Esta figura clássica da mitologia mais tardia o artista que sonha que lutar contra os desejos de seu pai ainda era desconhecida É verdade que a maioria dos artistas provinham das classes mais modestas da sociedade mesmo que nos informem que os pais de Andrea Pozzo eram extremamente ricos e um nível social elevado desejavam ardentemente que seu filho seguisse a carreira das letras mas aceitaram facilmente o seu desejo de tornarse pintor Em geral pondo de lado os triunfos eclesiásticos uma carreira artística de sucesso ainda era a melhor maneira ao que parece de elevarse na hierarquia social É significativo que Mario de Fiori ele mesmo um pintor de grande sucesso destinasse um de seus filhos à carreira eclesiástica enquanto o outro devia seguir os seus próprios passos E Giannandrea Carlone foi julgado pelo econômo da casa dos marques Costaguti digno de dispor a sua irmã uma situação que evocava o tema de uma comédia burlesca representada em 1635 na qual um príncipe desejava casar sua filha com um pintor 38 C Mecanismos de Mecenato no Século XVII objetivo era infinitamente superior Esta ideia é que doravante os pintores eram considerados seres excepcionais e às vezes estranhos Prova disto é o declínio em Roma mas não em outras cidades da tendência a acreditar que os pintores transmitem seus talentos aos filhos Mais do que o artista é o artesão que herda a aptidão familiar Embora haja notáveis exceções o exemplo mais eminente é Bernini filho de um famoso escultor que não repugnava em utilizar seu irmão como assistente é marcante o contraste com as gerações anteriores Particularmente acentuada além disso era a diferença entre Roma e Veneza onde se continuava a considerar inferior a condição social do artista e onde a prática do trabalho familiar mais frequentemente por equipe prosseguia até o final do século XVIII No entanto a própria natureza dos contratos que examinamos mostra que a tendência geral ainda era considerar os artistas como artesãos superiores por mais flexível que fosse o controle exercido é altamente revelador o fato de ser acertado de antemão um preço e de certos pintores cobravam taxas fixas pelo número de figuras a executar pois mostra a ligação estrita do conceito de criação artística ao de habilidades mais humildes e familiares Apesar disso diversas forças poderosas personalidades essencialmente por um único homem lutaram veementemente para promover uma nova imagem do pintor O conceito de temperamento artístico era um tema a que Vasari fizera frequentes e explícitas referências mas foi preciso esperar o século XVII para que sua existência fosse amplamente aceita e o século XVIII para que assumisse o valor de dogma Os comentários sobre Guido Reni atribuídos a Paulo V e citados em página anterior podem levar a pensar que o papa foi um dos primeiros a admitir que um certo grau de excentricidade era inerente ao modo como o artista se apresentava ao mundo infelizmente por sabermos que essa admissão foi muito mais corrente na época do próprio Malvasia isto é vários anos após a conversa relatada que temos a tendência a pôr em dúvida essa probabilidade Em 1676 por exemplo o residente do rei da Savoia comentando o comportamento pouco satisfatório de Giovanni Perugini um protegido tipicamente fraco da corte de Turim escreveu que o homem não valeria nada como pintor se não houvesse nele um certo fundo de loucura E contra essa pena de fundo que faz do artista um ser excepcional e inspirado ideia ainda expressa apenas raramente que devemos examinar rapidamente alguns aspectos da carreira de Salvador Rosa porque todos os pintores foi aquele que mais contribuiu para fazer circular essa ideia Uma boa parte da fascinação que cercou a imagem de Rosa no século XIX hoje desapareceu A publicação de sua correspondência teve por efeito eclipsar o herói da legendária Companhia della Morte em proveito de 39 um homem que apresenta todas as características de um hipocondríaco Não obstante Rosa continua sendo uma figura de importância excepcional importância que ele teria também se houvesse simplesmente se contentado em espantar e fascinar seus contemporâneos com a extravangância de seu comportamento e criar assim quase sozinho essa imagem do artista como ser à parte Essa imagem encontramos a sua expressão concreta em seus inúmeros autoretratos onde ele se representa sob traços completamente diversos das feições tão suaves dos pintores da sua época Mas Salvator Rosa foi muito mais longe na sua atitude Era claramente um homem o único aliás que considerava irritantes e intoleráveis as restrições inerentes à natureza do mecenas da época e por conseguinte tentou eliminálas Muitos artistas a partir de então compreenderam a importância que pode ter na promoção de um artista o movimento que ele faz em torno de si mesmo é um efeito que no mundo ainda bastante fechado do mecenas do século XVII teria grande repercussão muito superior na verdade a tudo o que se pode ver depois Não há nenhuma dúvida de que esta sede ardente de publicidade que se manifestava à menor ocasião era muitas vezes em Rosa apenas o sinal exterior e superficial de uma determinação totalmente racional a forçar os limites do mecenação ortodoxo Repetidas vezes vêmolo utilizar as exposições para estabelecer a sua reputação e organizar uma claques a fim de proclamar a todos os seus méritos ampliando assim de maneira notável um círculo de admiradores dentro do qual a maioria dos artistas estavam prontos a viver E é exatamente ao mesmo propósito que lhe servia para explorar e projetar sua personalidade Salvator Rosa no entanto estava empenhado num batalha muito mais séria Ele foi o único entre seus contemporâneos a proclamar o direito do pintor à independência artística no sentido em que o termo é entendido hoje O fato de ele desencadear uma revolução com o único fim de demonstrar a sua conformidade aos cânones críticos da sua época é um paradoxo que teremos de examinar em capítulo posterior mas isso não afeta nem a motivação nem a eficácia de sua tática Sabemos por exemplo que recusava aceitar o adiamento que como vimos se costumava dar aos pintores em garantia da encomenda E somos informados especificamente de que ele o recusava não com o intuito de conseguir mais tarde uma oferta melhor mas porque não queria escrever à sua vontade comportandose a terminar uma obra quando podia ter em mente outra mais interessante cuja execução teria de ser adiada se houvesse um compromisso prévio Não pinto para ficar rico escreveu orgulhosamente a um mecenas potencial mas para minha própria satisfação Devo fazer de jeito que possa deixarme guiar pelos transportes do entusiasmo e utilizar meus pincéis apenas quando me sinto violentado86 uma afirmação surpreendentemente precoce de absoluta dependência do pintor C Mecanismos de Mercenato no Século XVII frente à inspiração De qualquer maneira Rosa costumava afirmar de nada servia fixar o preço de um quadro antes de têlo sequer começado O preço devia depender da qualidade do produto terminado Essa apologia dos caprichos do talento atacava os alicerces de uma opinião geralmente aceita cujas implicações examinamos acima a saber que era impossível avaliar de antemão as aptidões de um artista Deixando entender que um pintor tanto poderia executar um mau quadro quanto um bom Salvator Rosa paradoxalmente fazia mais para defender a condição superior do artista que qualquer de seus rivais que cultivavam tão assiduamente as boas maneiras à mesa Ele queria dar apenas o melhor de sua arte Pelo pouco contato que tive com ele escrevia um agente posso ver que preferiria morrer de fome a permitir que a sua produção perdesse qualidade e reputação87 Integridade sede ardente de publicidade reivindicação de independência e de inspiração excentricidade aparente todos esses elementos estavam estritamente ligados em Rosa e impressionaram seus contemporâneos mais sérios pelo menos tanto quanto seus comportamentos estranhos e irregulares intrigou os cronistas de escândalos da época Alguns deles pelo menos compreenderam a significação de sua conduta Resumindo a sua carreira Baldinucci expressouse em termos bastante claros De poucos ou melhor de nenhum dos pintores que viveram antes ou depois dele que foram seus contemporâneos podese afirmar que preservavam como ele o apreço devido à arte No entanto o aspecto negativo desse comentário é tão importante quanto o aspecto positivo Salvator Rosa realmente não teve seguidores em suas tentativas de alterar o padrão do mecena to artístico Criou uma imagem do artista que só os românticos do século XIX iriam apreciar plenamente Não há dúvida de que em sua época ele ficou isolado
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A Paraíba na Crise do Século XVIII: Subordinação e Autonomia (1755-1799)
História
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CAPÍTULO 1 Os Mecanismos do Mecenato no Século XVII Quando Urbano VIII se tornou papa escreveu o cronista de arte Giambattista Passeri lembrando com nostalgia os dias difíceis da década de 1670 parecia realmente que havia retornado a idade de ouro da pintura era com efeito um papa de espírito benevolente mente larga e inclinações nobres e todos os seus sobrinhos protegiam as belasartes Roma luxuosa capela de família numa das grandes igrejas de Roma o apoio e o enriquecimento de diversas fundações religiosas a constituição por um sobrinho protegido de uma coleção particular de quadros e de esculturas era esta devorante a prática generalizada Nela podemos ver refletidos os contrastes e por vezes as tensões entre o papa soberano espiritual e temporal e o homem amante da arte e chefe de uma família orgulhosa e ambiciosa Os Mecanismos de Mecenato no Século XVII Roma tinham outra escolha senão recorrer àqueles de valor reconhecido E portanto verdadeiro paradoxalmente que um viajante beminformado que visita Roma por volta de 1620 teria descoberto que a maioria das melhores pinturas modernas em Roma achavamse nas igrejas mais antigas II Dentro do quadro geral aqui delineado havia toda uma gama de variações possíveis nas relações entre um artista e o cliente que o empregava Numa extremidade da cadeia o pintor era alojado no palácio de seus mecenas e trabalhava exclusivamente para ele e seus amigos na outra encontramos uma situação que à primeira vista se assemelha visivelmente a de hoje o artista pintava uma tela sem se preocupar com um destinatário particular e a expunha na esperança de encontrar um comprador entre os visitantes de passagem Entre esses dois extremos havia uma série de meiostermos que envolviam intermediários marchands e amantes de arte bem como as atividades de viajantes estrangeiros e seus agentes Esses estágios intermediários assumiram com o avanço do século uma crescente importância mas de modo geral os artistas não usavam de bom grado a sua liberdade de trabalhar para admiradores desconhecidos e salvo notáveis exceções as exposições eram consideradas o último recurso dos artistas desempregados A relação mais estreita que poderia existir entre um artista e um mecenas era aquela que os autores do século XVII designam muitas vezes pelo termo serínt particular O artista encontrava na pessoa de seu mecenas um empregador regular que muitas vezes o alojava em seu palácio Eralhe atribuído um estipêndio mensal e por outro lado recebia pelas obras que produzia um preço normal de mercado Se se imaginasse que sua pintura poderia tirar proveito de uma visita a Parma a fim de admirar os afrescos de Correggio ou a Veneza para aperfeiçoar sua cor o mecenas encarregavase das despesas da viagem O artista era de fato tratado como um membro da família do príncipe da mesma forma que os cortesãos e os funcionários de qualquer outra espécie O grau de oficialidade do posto que ele detinha variava de acordo com o mecenas embora alguns príncipes pudessem nomear um artista nostro pittore com 8 todas as honras autoridade prerrogativas imunidades vantagens direitos recompensas emolumentos isenções e outros benefícios pertinentes ao cargo tal posto era atribuído com mais frequência aos arquitetos que aos pintores Na maioria dos casos o príncipe havia instituído dentro de seu séquito uma escala flexível de gratificações e cargos que o artista tinha condições de ascender em promoção Assim de 1637 a 1640 o status de Andrea Sacchi membro da casa do cardeal Antonio Barberini era o mesmo que o de três escravos um jardineiro um anão e uma velha ama em 1640 foi promovido a categoria mais alta dos pensionistas tomando lugar entre os escritores os poetas e os secretários Esse tipo de status era extremamente desejável para o artista e todos os autores concordam em reconhecer as vantagens enormes e às vezes indispensáveis que ela representava Alguns inconvenientes podiam por vezes apresentarse alguns artistas tinham dificuldade em deixar o serviço de seu empregador e as evidentes restrições impostas à liberdade pessoal podiam ser incômodas Em contrapartida e por mais paradoxal que isso possa parecer os artistas que gozavam dessas condições de vida e de trabalho tinham nisso uma ocasião igualável de se tornarem conhecidos pelo menos em certos meios Já observamos com efeito que os mecenas não eram totalmente desprovidos de interesses quezocalvimento a patronização às artes A presença dentro de sua casa de um pintor talentoso davalhes uma real importância e em geral mostravamse prontos a proclamar os méritos de seu protegido e mesmo a encorajálo a trabalhar para outros clientes Dada a ausência de críticos profissionais esse apoio e esse encorajamento representavam de longe para um pintor a via de acesso mais fácil para a fama É vital para o artista que deseja firmar seu nome começar com a proteção de um mecenas escreveu Passeri comentando os primeiros anos da carreira de Giovanni Lanfranco isso porque somente as grandes famílias tinham condições de conseguir que seus protegidos pintassem nas igrejas mais destacadas e era essa uma etapa indispensável na carreira de qualquer artista Se considerarmos as poderosas rivalidades nacionais que prevaleciam em Roma no século XVII não é de surpreender que o local de nascimento do artista constituisse um elemento ainda mais importante para determinar suas chances de desfrutar do status de serínt particular do que para conseguir encomendas comuns Ficamos sabendo assim que o floren6 Marcello Sacchetti ao descobrir as obras de Pietro da Cortona lhe perguntou quem era e de onde vinha E quando soube que Pietro era de Cortona chamouo seu compatriota e instalouo em seu palácio Do mesmo modo no final do século o cardeal Ottoboni acolheu em sua casa o seu compatriota veneziano Francesco Trevisani Mas as boas maneiras problema de mais alta importância para os pintores do século XVII podiam ser quase tão decisivas quanto a nacionalidade para garantir a um artista a condição de protegido Embora essa forma de mecenas fosse muito desejável numa sociedade estável Roma não se encontrava no século XVII em condição ideal para favorecêla e mantêla dadas as frequentes e às vezes drásticas mudanças de poder Uma associação por demanda estreita com um mecenas que caísse em desgraça podia tornarse um sério empecilho à ascensão quando as condições mudassem E além disso sempre havia artistas que achavam desafiadoras as restrições impostas à sua liberdade a despeito da segurança que essas pareciam garantir Além disso raras eram as famílias que tinham a possibilidade ou o desejo de sustentar um pintor em tais condições Parece pois que na maioria das vezes essa forma extrema de mecenato se aplicava aos artistas iniciantes Chegando a Roma de alguma cidade longínqua o que poderia haver de mais desejável do que uma companhia bem situada que lhe oferecesse a hospitalidade um apoio moral e um rendimento regular No entanto depois de alguns anos já com uma reputação estabelecida e Roma inundada de estrangeiros prontos a pagar preços astronômicos o artista esquecia encarar sua posição com outros olhos Felizmente sempre havia a possibilidade de um acomodamento o artista podia viver e trabalhar por sua conta mas continuava a receber um subsídio como incentivo para dar a seu mecenas a prioridade sobre os demais clientes Não obstante uma prática bastante comum era o pintor trabalhar em seu próprio ateliê e aceitar livremente as encomendas que lhe eram propostas de fontes diversas O estabelecimento ou não de um contrato entre ele e seu mecenas dependia da extensão da encomenda mas quando se examinavam os documentos da época que subsistiram vemos quais eram as condições que regulavam o trabalho desses artistas independentes Nas páginas que se seguem será distinta as diversas cláusulas que eram estipuladas com mais frequência Era muito natural que se especificassem com algum detalhe as medidas e o local da obra proposta quando se tratava de um afresco ou de uma pintura de igreja e apenas um ponto sustinha algumas dificuldades ao encomendarse um retábulo a um artista residente numa cidade distante poderia tornarse crítico o problema da iluminação da capela Isso porque embora o pintor fosse obrigatoriamente informado da destinação de seu quadro nada garantia que sem pre tivesse a possibilidade de examinar o local pessoalmente desse modo eram necessária uma longa troca de correspondência para resolver o problema O tamanho dos quadros destinados às coleções particulares era também objeto de discussões Os projetos de decoração completos que chegaram até os nossos dias demonstram que em inúmeros casos os quadros eram usados para cobrir as paredes de uma sala ou de uma galeria segundo padrões simétricos e muitíssimas vezes eram inscritos na própria parede Quando era esse o caso era importante é claro fixar com precisão as medidas de cada quadro novo encomendado e entre as cartas de que dispomos muitas são as que testemunham o interesse do mecenas por essa questão Muito frequentemente solicitavase ao artista que pintasse quadros aos pares e verificase através de muitos exemplos que essa preocupação com a função decorativa e arquitetônica da pintura influi tanto na composição quanto na dimensão dos quadros No mais das vezes também indicavase ao artista o tema do quadro que era encarregado de pintar mas é difícil determinar até que ponto o mecenas dirigia e supervisionava o tratamento dado ao tema Evidentemente isso dependia em grande parte da destinação da obra Podese supor que tinha havido um controle escrito sobre o tema de um afresco religioso ou de um retábulo mas os contratos em si raramente fornecem precisões tão detalhadas Na verdade aparentemente os pintores gozavam de uma liberdade bastante surpreendente nesse domínio mesmo para as encomendas importantes e esse fenômeno está ligado em grande parte ao refinamento cultural de Roma Os contratos firmados nas províncias em centros culturais mais modestos revelam instruções muito mais detalhadas do que os contratos que regem as encomendas de pintores nas grandes cidades Em geral indicavamse ao artista as linhas gerais do tema ficando a seu cargo acrescentar os elementos que considerasse necessários para a sua representação Muitas vezes era o próprio pintor que solicitava maiores detalhes iconográficos Assim em 1665 quando encomendaram a Guercino uma pintura de um retábulo para um mosteiro de Sicília foramlhe indicadas as dimensões da obra e especificouselhe que sua pintura devia incluir entre outras figuras a Madonna del Carmine com o Menino Jesus em seus braços Santa Teresa recebendo da Virgem o hábito e do Menino Jesus as regras da ordem São José e São João Batista as figuras devem ser mostradas inteiras e em tamanho natural e a parte superior do quadro deve ser adornada com anjos brincando Não satisfezse com essas instruções continua cas do que de costume o pintor escreveu para perguntar se a Madonna del Carmine devia ter um vestido vermelho com um manto azul segundo o costume da Igreja ou um hábito preto com um manto branco As regras da ordem que o Menino Jesus estende a santa devem apresentarse sob a forma de um livro ou de um rolo Nesse caso que palavras deveriam estar escritas nele para explicar o mistério Além disso Santa Teresa desejou saber também como seria dependurado o quadro e qual seria a iluminação Quanto às obras profanas surgiam também alguns problemas O artista que era encarregado de representar um tema tão vago quanto às Quatro Estações viase muitas vezes embarcado quando tinha de decidir sobre o que pintar e sabemos que nesses casos geralmente ele pedia conselhos a um entendido do poeta mesmo que isso não estivesse especificado no seu contrato Quando o príncipe Pampili por exemplo encomendou a Pier Francesco Mola para sua casa de campo em Valmontone um quadro que tivesse por tema os Quatro Elementos o artista foi consultar um advogado de grande renome na região e pediulhe emprestado uma genealogia dos deuses e uma edição anotada de Virgílio a fim de colher nesses livros mitos associados à representação do tema Inspirandose neles e em conversas amigáveis o pintor escolheu para representar o elemento do Ar mostrar Juno conhecida por ser a deusa do Ar no momento em que saia das nuvens a Via Láctea o rapto de Clóris por Zéfiro o rapto de Ganímedes e a aparição de Íris a Turno Outro tipo de influência podia exercerse sobre o tratamento dado por um artista a um tema particular Como o preço de um quadro ou afresco dependia muitas vezes do número de figuras de corpo inteiro que a obra continha acontecia às vezes que se contestassem em indicar esse número ao artista Quando Urbano VIII por exemplo encomendou um retábulo para a igreja de San Sebastiano al Palatino ele especificou que o quadro devia representar o mártir de São Sebastião com oito figuras as quais evidentemente foram deixadas à discrição do pintor Roma Os Mecanismos de Mercado no Século XVII como Pietro da Cortona Por outro lado esta prática generalizouse na segunda metade do século está associada mais particularmente ao pintor Giovan Battista Gaulli que foi talvez quem trouxe para Roma de sua Gênova natal onde já estava bastante estabelecida Um fator importante parece ter tido sua influência o professor Wittkower observou que a maioria dos grandes afrescos que ornaram as igrejas romanas foram executados nos últimos trinta anos do século XVII e no início do século XVIII e evidentemente como Rubens havia demonstrado no norte da Europa os modelli podiam em grandes obras desse tipo ser extremamente úteis tanto para os comitentes quanto para os assistentes Além disso a significação iconográfica desses afrescos era muitas vezes mais complexa Em 1670 Ciro Ferri foi solicitado a apresentar um modello colorido para a cúpula da igreja de SantAgnese na Piazza Navona uma vez aceito o modello o artista recebeu a instrução formal de não fazer qualquer alteração nele sem autorização especial Um controle tão severo é excepcional mas como será mostrado em capítulo posterior a família Pamphili que fizera essa encomenda sempre teve relações difíceis com os artistas É possível também que a importância que se dava à execução de esboços nessa época estivesse ligada de certa forma à crescente apreciação que se atribuía ao caráter mais espontejante desses modelos um gosto que naturalmente nascia juntamente com o aparecimento do tipo de amateur embora se tenha de aguardar o século XVIII para que se generalize a moda dessas coleções de esboços rápidos Afirmavase que Giovanni Odazzi trabalhava mais depressa do que Luca Giordano conhecido por no entanto por sua rapidez a esse respeito Giacinto Brandi também era famoso A rapidez com que uma obra era executada podia valer ao artista uma gratificação adicional sabemos que foi o caso de Gaspard Dughet mas de modo nenhum garantia sempre a aprovação crítica Os venezianos eram especialmente famosos por sua diligência mas fora de sua cidade isso lhes granjeou um certo desprezo A cláusula final dos contratos estipulava naturalmente o preço da obra e os diversos arranjos financeiros Certas fórmulas eram sistematicamente adotadas Uma parte da soma combinada era paga imediatamente como caução Esse valor variava bastante de um mínimo de um sétimo do preço total a um máximo de metade ou quase Se a obra encomendad fosse um quadro acontecia muitas vezes que o artista recebesse um outro pagamento na metade do trabalho sendo pago o saldo na conclusão assim como uma gratificação final E evidentemente havia uma série de variações possíveis na forma de remuneração No caso de grandes afrescos o pintor em geral recebia um salário mensal regular encomendava pagava os andaimes necessários para a execução dos afrescos no teto e se o trabalho fosse executado longe da residência do pintor fornecia também alojamento e alimentação Contase que o príncipe Pamphili por exemplo tratava Pier Francesco Mola que decorava sua villa em Valmontone como um membro de seu séqüito mandando servirlhe caça vitela e outras iguarias semelhantes Muito diferentes eram os critérios pelos quais eram fixados os preços das obras em si grande número de artistas tinham estabelecido os preços das principais figuras da composição negligenciando as secundárias Assim é que Domenichino recebeu 130 ducados por cada uma das figuras representadas em seus frescos da catedral de Nápoles e Lanfranco 100 ducados Este sistema era muito comum e permitia aos pintores aumentar regularmente seus preços à medida que crescia a sua reputação No entanto o status do cliente era muitas vezes tão importante quanto o do artista quando se tratava de determinar o preço Na década de 1620 o médico e amante das artes sienenses Giulio Mancini escreveu que um mecenas magnífico nunca condescendia em discutir essa questão mas remuneraria o artista de acordo com seus justos méritos É verdade que encontramos exemplos dessa atitude Em 1617 por exemplo o duque de Mântua escreveu a Guido Reni encomendandolhe um quadro que representasse A Justiça Abraçando a Paz Indicoulhe as dimensões mas não fez qualquer alusão ao preço a não ser a observação de que Guido seria generosamente recompensado Quanto aos artistas evidentemente ficavam contentes em atender a essas ofertas Paolo Guidotti que tinha um temperamento algo excêntrico costumava dizer que distribuía seus quadros gratuitamente como presentes não hesitava no entanto em aceitar em troca os presentes mais suntuosos Claude Lorrain também se mostrava astuto Ora o que é preço escrevia em 1662 o agente do cardeal Leopoldo de Medici sobre a possibilidade de lhe comprar um quadro é que serei preço pagálo prodigamente porque ele só fixa preço para as pessoas de condição medíocre Mas na verdade é provável que mesmo na época de Mancini esse tipo de liberalidade artística crítica fosse apenas o resquício de uma era passada e tendesse a desaparecer A pintura era muito mais comercializada do que sugerem esses raros exemplos Se Sua Alteza deseja ser necessário na verdade é indispensável que envie algum dinheiro como adiantamento aos pintores Estes deixaram claramente implícito que só trabalhariam para aqueles que lhes pagassem adiantado sem isso será quase impossível obter deles qualquer coisa de bom E contrastando com o exemplo de um Claude Lorrain registremos a inflexível rigidez com que Guercino impunha a prática que ele estabelecera de cobrar uma determinada soma por cada figura pintada Como meu preço habitual por figura é 125 ducatos escreveu a um de seus mais entusiastas mecenas e como Vossa Excelência se restringiu a 80 ducatos terá apenas um pouco mais da metade de uma figura Uma das consequências dessas condições era que os pintores nem sempre trabalhavam diretamente por encomenda sob qualquer uma das modalidades descritas acima Logo adoraram a prática regular de conservar em seus ateliês um pequeno número de quadros muitas vezes incompletos que exibiam aos clientes visitantes como amostras de seu trabalho Se o quadro agradasse seria rapidamente terminado depois de um entendimento com o cliente acerca do preço As atividades do siciliano Fabrizio Valguarnera um aventureiro e contrabandista de diamantes nos dão uma viva ideia da situação O único aspecto importante que se encontrava de maneira constante é este tinhase uma imensa necessidade de artistas e consequentemente suas remunerações tanto do ponto de vista do prestígio quanto a título financeiro tinham grandes chances de ser consideradas O escritor bolonhês Malvasia atribui ao papa Paulo V esse verso de Horácio que faz eco as aspirações dos pintores mesmo que de maneira geral os termos não correspondiam a realidade dos fatos Pictoribus atque Poetic omnia licent mil scudi por um simples retrato em busto mas esta soma fabulosa muito superior às que recebiam seus rivais continua excepcional mesmo numa carreira como a sua61 Carlo Maratta um pintor muito em moda e que passava por ser excessivamente caro obtinha 150 scudi por um retrato de corpo inteiro e Gaulli seu rival mais próximo cobrava 100 scudi62 Esses altos preços além de permitirem ao artista viver mais confortavelmente tiveram uma função simbólica importante Elevavam aos olhos do mundo o status da arte O historiador Baldinucci fez questão de relatar que por ocasião das vendas em leilão Rembrandt fazia altos lances por quadros e desenhos a fim de reforçar o prestígio de sua profissão e semelhante atitude vamos encontrar também na Itália63 A creer nos seus biógrafos uma das principais preocupações dos artistas no século XVII era certamente a conquista de um lugar na sociedade Foi este motivo que inspirou os renovados esforços para estabelecer em bases sólidas a sua associação profissional a Accademia di San Luca Esta instituição havia conhecido longos anos de um declínio quase contínuo depois da tentativa louvável mas pouco frutífera de Federico Zuccari em 1593 e 1594 de ressuscitála Cada vez que um novo papa ascendi ao trono eram feitas tentativas de melhorar a condição de entidade e estimular uma diferenciação entre os artistas sérios e os artesãos mecânicos Os papas eram pródigos em declarações grandiloquentes A pintura é uma profissão de grande nobreza muito diferente das artes mecânicas reconheceu o oficial da Câmara Apostólica em 1601 e em 1605 o papa Paulo V concedeu à Academia o direito de anistiar a cada ano na festa de São Lucas um homem condenado à morte Eram medidas que caminhavam na direção certa mas quase não foram decisivas Gregório XV mostrouse encorajador e em 1621 confirmou os estatutos da Accademia mas morreu antes de ter tido tempo de fazer mais Coube a Urbano VIII estabelecer a autoridade absoluta da Accademia no mundo artístico romano e finalmente entregar toda a oposição que provinha das guildas65 resca estava sempre bem vestido com finos linhos e uma peruca falava bem com maneiras invejáveis e entendiase da melhor maneira com a nobreza Giammaria Morandi dançava extremamente bem era um excelente cavaleiro e esgrimista Andrea Procaccini ocupava um apartamento magnífico decorado com belos quadros tapeçarias e outros ornamentos magníficos e quando foi para a Espanha dizem que seu estilo era mais o de um cavaleiro do que o de um pintor São elementos que caracterizaram muito mais a segunda metade do século XVII que a primeira e se refletem evidentemente nas negociações dos artistas com seus mecenas Existem algumas referências sarcásticas às dificuldades que teve em mecenato Carlos Maratta condescender como um simples favor em aceitar o nosso dinheirinho por um quadro que lhe fora encomendado Todavia parece que apesar de tais comentários a sociedade romana sempre esteve pronta a aceitar os artistas segundo a opinião que tinham de si próprios Certamente antes das histórias que escutamos não passam de versões modificadas do relato de Ridolfi que conta como Carlos V se abaixou para pegar os pincéis para Ticiano o cardeal Barberini segurando um espelho para Bernini enquanto este executava seu autoretrato em trajes de Davi o Inocêncio X estendendo uma tela a Pier Francesco Mola e assim por diante C Mecanismos de Mecenato no Século XVII uma atenção cuidadosa à leitura dos jornais a fim de poder manter uma conversa pertinente nas diversas academias que frequentava Isso define um dos requisitos essenciais e manifestos do sucesso social uma boa cultura geral Mas esse trunfo indispensável servia a um objetivo mais distante que o simples fato de brilhar nos círculos acadêmicos Está ligado inextricavelmente à preocupação de manter a respeitabilidade da arte Escreve Passeri Dessa fala total de cultura provém os disparates que descobrimos em alguns pintores que têm algum talento em sua arte mas que fora da prática da pintura são obtusos rudes e incivilizados São escarnecidos como tavole rase della plebe più vile incompetentes na arte de contar uma história com uma pronúncia ruim incapazes de uma conversa séria Fazem vergonha não apenas para si mesmos mas para o conjunto da profissão uma vergonha tão grande que faz corar até os mais simplórios A aptidão de um artista falar bem e com inteligência não servia apenas para elevar a condição da arte contribuía também para atrair mecenas poderosos pois nessa época certamente não havia gosto pelo gênios incultos Para ver os artistas do período como eles mesmos se viam basta observar seus autoretratos Serenos elegantes usando porocura com maior frequência à medida que os anos passam ostentando um ar satisfeito e arrogante olham para nós da sua superioridade raramente exibindonos as ferramentas de seu ofício mais ciços de assemelharse a seus clientes do que de indicar a sua própria singularidade Tanta ânsia em parecer respeitável e próspero era ainda mais compreensível se considerarmos a pobreza que sempre ameaçava os pintores de segundo plano Sabemos que muitos deles viviam na penúria e é muito fácil imaginar suas vidas trabalhando para marchands inseguros em interminiêves obras pias devotas produzidas em casa e mostrando ocasionalmente seu trabalho em alguma festa religiosa Os mecenas romanos estavam extraordinariamente prontos a encorajar novos artistas e por esse motivo mesmo a situação dos algo não pertencia à categoria dos pintores reconhecidos era desesperadamente cruel Não existia ainda o mito do gênio desconhecido para sustêlos em sua pobreza Menos miseráveis mas pouco próprias à edificação eram as excentricidades dos bentvegghels a colônia dos artistas holandeses e flamengos que viviam em Roma Em 1623 foi criada a Schildersbent uma espécie de sociedade de auxílio mútua que protegia os interesses dos artistas do norte da Europa na cidade Abria assim uma paralela à dos artistas italianos que no mesmo momento se esforçavam por organizar a Accademia di San Luca Mas o próprio 37 Roma nome que ela escolheu sociedade dos pássaros de mesma plumagem e a ausência de estatu dos de liderança definida mostraram bem que as duas organizações não tinham a mesma situação Isso não impediu entretanto que os bentvegghels graças essencialmente ao apoio de patronos influentes se opusessem com sucesso ao projeto da Academia de impor uma taxa a todos os artistas que viviam em Roma inclusive os estrangeiros A maioria dos europeus do Norte moravam no bairro da Via Margutta perto da Piazza di Spagna e suas atividades inauguraram uma tradição boêmia que sobrevive no regiao até hoje Organizavam banquetes sinuosos paródias de cerimônias e batismos pagãos e frequentemente chamavam a atenção da polícia Os artistas respeitáveis da Roma oficial deviam achar tudo isso bastante repugnante mas isso não impediu que o membro mais representativo dos bentvegghels Pieter van Laer fosse aceito como membro da Accademia di San Luca O sucesso de todas essas tentativas de transformar a pintura numa profissão respeitável pode ser visto no fato de os pais não se oporem a que seus filhos se tornassem artistas Embora se deva considerar com reservas os testemunhos de biógrafos obviamente tendenciosos ainda assim é notável como nos informam pouco sobre as dificuldades e esse respeito Esta figura clássica da mitologia mais tardia o artista que sonha que lutar contra os desejos de seu pai ainda era desconhecida É verdade que a maioria dos artistas provinham das classes mais modestas da sociedade mesmo que nos informem que os pais de Andrea Pozzo eram extremamente ricos e um nível social elevado desejavam ardentemente que seu filho seguisse a carreira das letras mas aceitaram facilmente o seu desejo de tornarse pintor Em geral pondo de lado os triunfos eclesiásticos uma carreira artística de sucesso ainda era a melhor maneira ao que parece de elevarse na hierarquia social É significativo que Mario de Fiori ele mesmo um pintor de grande sucesso destinasse um de seus filhos à carreira eclesiástica enquanto o outro devia seguir os seus próprios passos E Giannandrea Carlone foi julgado pelo econômo da casa dos marques Costaguti digno de dispor a sua irmã uma situação que evocava o tema de uma comédia burlesca representada em 1635 na qual um príncipe desejava casar sua filha com um pintor 38 C Mecanismos de Mecenato no Século XVII objetivo era infinitamente superior Esta ideia é que doravante os pintores eram considerados seres excepcionais e às vezes estranhos Prova disto é o declínio em Roma mas não em outras cidades da tendência a acreditar que os pintores transmitem seus talentos aos filhos Mais do que o artista é o artesão que herda a aptidão familiar Embora haja notáveis exceções o exemplo mais eminente é Bernini filho de um famoso escultor que não repugnava em utilizar seu irmão como assistente é marcante o contraste com as gerações anteriores Particularmente acentuada além disso era a diferença entre Roma e Veneza onde se continuava a considerar inferior a condição social do artista e onde a prática do trabalho familiar mais frequentemente por equipe prosseguia até o final do século XVIII No entanto a própria natureza dos contratos que examinamos mostra que a tendência geral ainda era considerar os artistas como artesãos superiores por mais flexível que fosse o controle exercido é altamente revelador o fato de ser acertado de antemão um preço e de certos pintores cobravam taxas fixas pelo número de figuras a executar pois mostra a ligação estrita do conceito de criação artística ao de habilidades mais humildes e familiares Apesar disso diversas forças poderosas personalidades essencialmente por um único homem lutaram veementemente para promover uma nova imagem do pintor O conceito de temperamento artístico era um tema a que Vasari fizera frequentes e explícitas referências mas foi preciso esperar o século XVII para que sua existência fosse amplamente aceita e o século XVIII para que assumisse o valor de dogma Os comentários sobre Guido Reni atribuídos a Paulo V e citados em página anterior podem levar a pensar que o papa foi um dos primeiros a admitir que um certo grau de excentricidade era inerente ao modo como o artista se apresentava ao mundo infelizmente por sabermos que essa admissão foi muito mais corrente na época do próprio Malvasia isto é vários anos após a conversa relatada que temos a tendência a pôr em dúvida essa probabilidade Em 1676 por exemplo o residente do rei da Savoia comentando o comportamento pouco satisfatório de Giovanni Perugini um protegido tipicamente fraco da corte de Turim escreveu que o homem não valeria nada como pintor se não houvesse nele um certo fundo de loucura E contra essa pena de fundo que faz do artista um ser excepcional e inspirado ideia ainda expressa apenas raramente que devemos examinar rapidamente alguns aspectos da carreira de Salvador Rosa porque todos os pintores foi aquele que mais contribuiu para fazer circular essa ideia Uma boa parte da fascinação que cercou a imagem de Rosa no século XIX hoje desapareceu A publicação de sua correspondência teve por efeito eclipsar o herói da legendária Companhia della Morte em proveito de 39 um homem que apresenta todas as características de um hipocondríaco Não obstante Rosa continua sendo uma figura de importância excepcional importância que ele teria também se houvesse simplesmente se contentado em espantar e fascinar seus contemporâneos com a extravangância de seu comportamento e criar assim quase sozinho essa imagem do artista como ser à parte Essa imagem encontramos a sua expressão concreta em seus inúmeros autoretratos onde ele se representa sob traços completamente diversos das feições tão suaves dos pintores da sua época Mas Salvator Rosa foi muito mais longe na sua atitude Era claramente um homem o único aliás que considerava irritantes e intoleráveis as restrições inerentes à natureza do mecenas da época e por conseguinte tentou eliminálas Muitos artistas a partir de então compreenderam a importância que pode ter na promoção de um artista o movimento que ele faz em torno de si mesmo é um efeito que no mundo ainda bastante fechado do mecenas do século XVII teria grande repercussão muito superior na verdade a tudo o que se pode ver depois Não há nenhuma dúvida de que esta sede ardente de publicidade que se manifestava à menor ocasião era muitas vezes em Rosa apenas o sinal exterior e superficial de uma determinação totalmente racional a forçar os limites do mecenação ortodoxo Repetidas vezes vêmolo utilizar as exposições para estabelecer a sua reputação e organizar uma claques a fim de proclamar a todos os seus méritos ampliando assim de maneira notável um círculo de admiradores dentro do qual a maioria dos artistas estavam prontos a viver E é exatamente ao mesmo propósito que lhe servia para explorar e projetar sua personalidade Salvator Rosa no entanto estava empenhado num batalha muito mais séria Ele foi o único entre seus contemporâneos a proclamar o direito do pintor à independência artística no sentido em que o termo é entendido hoje O fato de ele desencadear uma revolução com o único fim de demonstrar a sua conformidade aos cânones críticos da sua época é um paradoxo que teremos de examinar em capítulo posterior mas isso não afeta nem a motivação nem a eficácia de sua tática Sabemos por exemplo que recusava aceitar o adiamento que como vimos se costumava dar aos pintores em garantia da encomenda E somos informados especificamente de que ele o recusava não com o intuito de conseguir mais tarde uma oferta melhor mas porque não queria escrever à sua vontade comportandose a terminar uma obra quando podia ter em mente outra mais interessante cuja execução teria de ser adiada se houvesse um compromisso prévio Não pinto para ficar rico escreveu orgulhosamente a um mecenas potencial mas para minha própria satisfação Devo fazer de jeito que possa deixarme guiar pelos transportes do entusiasmo e utilizar meus pincéis apenas quando me sinto violentado86 uma afirmação surpreendentemente precoce de absoluta dependência do pintor C Mecanismos de Mercenato no Século XVII frente à inspiração De qualquer maneira Rosa costumava afirmar de nada servia fixar o preço de um quadro antes de têlo sequer começado O preço devia depender da qualidade do produto terminado Essa apologia dos caprichos do talento atacava os alicerces de uma opinião geralmente aceita cujas implicações examinamos acima a saber que era impossível avaliar de antemão as aptidões de um artista Deixando entender que um pintor tanto poderia executar um mau quadro quanto um bom Salvator Rosa paradoxalmente fazia mais para defender a condição superior do artista que qualquer de seus rivais que cultivavam tão assiduamente as boas maneiras à mesa Ele queria dar apenas o melhor de sua arte Pelo pouco contato que tive com ele escrevia um agente posso ver que preferiria morrer de fome a permitir que a sua produção perdesse qualidade e reputação87 Integridade sede ardente de publicidade reivindicação de independência e de inspiração excentricidade aparente todos esses elementos estavam estritamente ligados em Rosa e impressionaram seus contemporâneos mais sérios pelo menos tanto quanto seus comportamentos estranhos e irregulares intrigou os cronistas de escândalos da época Alguns deles pelo menos compreenderam a significação de sua conduta Resumindo a sua carreira Baldinucci expressouse em termos bastante claros De poucos ou melhor de nenhum dos pintores que viveram antes ou depois dele que foram seus contemporâneos podese afirmar que preservavam como ele o apreço devido à arte No entanto o aspecto negativo desse comentário é tão importante quanto o aspecto positivo Salvator Rosa realmente não teve seguidores em suas tentativas de alterar o padrão do mecena to artístico Criou uma imagem do artista que só os românticos do século XIX iriam apreciar plenamente Não há dúvida de que em sua época ele ficou isolado