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Arquitetura da Paraibanidade A construção da historiografia paraibana Luíra Freire Monteiro Sempre existiu em todas as sociedades ao lado do poder econômico e do poder político o poder ideológico exercido sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias de símbolos de visões de mundo de ensinamentos práticos e mediante o uso da palavra já ensinara BOBBIO 1977 ao referenciar o papel dos intelectuais na arena do poder Não à toa a historiografia foi tomada como mecanismo ideal disseminador de ideias de vontades e de interesses escusos dos seus autores desde sempre DIEHL 2002 Sendo uma prática e uma fabricação de intelectuais conforme demonstrado por CERTEAU 1998 o discurso historiográfico produz os fatos ou o que pode ser chamado de eventos elaborando e dando novos significados ao que é representado como real HOBSBAWM1998 Este por sua vez só ganha existência pela prática da escrita não sendo puro nem tal qual como ocorreu limitandose a ser mera criação do historiador1 fruto de uma operação Esta afirmação pode ser constatada no desprezo legado pelos intelectuais oitocentistas que se destinaram a escrever a historiografia sobre o Brasil à produção lusobrasileira da Real Academia Portuguesa Uma história cheia de mentiras afirmavam ser qualquer produção anterior à emancipação política especialmente se fora escrita por portugueses ou estrangeiros KANTOR 2004 Em situação reversa é provável que tal reconhecimento não existisse Contudo foi ele quem engendrou a necessidade de criação de uma história nacional que desse relevo aos grandes feitos da pátria Constituir nosso país com uma história própria foi um projeto acalentado por muitos e por vários anos O projeto tornouse realidade bem antes do Segundo Reinado abrindo caminho alguns anos depois para as histórias regionais estratégia de construção do específico em favor do geral Se antes o intento era construir uma identidade nacional posteriormente esta identidade seria solapada pelo reconhecimento das chamadas pequenas pátrias peças do gigantesco mosaico que formava a nação 1 Tamanha limitação ocorre não apenas pela vontade do historiador interessado em construir a sua versão da história consoante o seu lugar intenções e ideologias mas também em decorrência da fragilidade da existência de fontes cujo legado fragmentado é um impeditivo da recriação do evento na multiplicidade de seus aspectos Os interesses que permearam os distintos tempos de constituição dos discursos historiográficos sejam a nível nacional ou local hoje são vislumbrados com facilidade posto já reconhecermos tratarse de fabricações Vejamos com tal se deu a ponto de se buscar constituir uma identidade nacional em primeira mão para depois realizar a identidade local sustentáculo do republicanismo recém criado alegoria determinante da criação A arquitetura da historiografia brasileira A fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro2 em 1838 caracterizou o esforço necessário de se criar uma história para a nação no contexto de sua emancipação política Assim como na Europa dos oitocentos a história deveria ter um papel importante e até mesmo fundamental a desempenhar na elaboração de uma narrativa nacional que permitisse a construção ou rearranjo de determinadas peculiaridades da nova nação a fim de dar lhe a visibilidade necessária O IHGB assim como outras instituições3 foi forjado para realizar a monumental tarefa de compilar metodizar e guardar fatos e nomes no sentido de compor uma história nacional almejandose nesse arranjo a recriação de um passado singular a partir da ordenação dos fatos e da solidificação dos mitos de fundação A instituição vinha para satisfazer assim os critérios de uma vertente historiográfica eminentemente brasileira formada não apenas por brasilienses4 mas também por portugueses que assumiriam a nova nacionalidade impulsionados pela tarefa de forjar uma nacionalidade construindo a história da nação divulgandoa e solidificandoa nas gerações futuras Os membros daquele espaço não eram nem poderiam ser historiadores de ofício com formação específica para os estudos históricos eram diletantes determinados numa missão de construir um passado para o país Apesar de escolhidos por critérios sociais não se pode negar as disposições intelectuais dos mesmos que diante da tarefa assumida passaram a referir a si 2 Doravante ao nos referimos à instituição trataremos sempre pela sigla IHGB pela qual é usualmente tratada 3 A Sociedade Auxiliar da Industria nacional criada em 1817 por D João VI foi revitalizada em 1828 objetivando a centralização do Estado sobre as atividades econômicas nacionais capazes de financiar as atividades de construção da história pretendida para a nova nação Não à toa grande parte da elite econômica brasileira integrava ou tentava integrar os quadros do instituto o Colégio Pedro II e o Arquivo Público Nacional de 1837 Enquanto a primeira instituição assumia o caráter de financiadora o arquivo deteria toda a documentação necessária para a tarefa existentes ou a serem descobertos enquanto ao colégio competiria a divulgação dessa nação idealizada e inscrita numa historiografia ainda por fazer pelo IHGB a partir dos manuais formadores das novas gerações de brasileiros 4 O termo foi usado pela primeira vez por Hipólito da Costa ao lançar o Correio Brasiliense em 1822 no sentido de diferenciar os filhos dos portugueses nascidos no Brasil dos próprios portugueses moradores do país Buscavase assim a demarcação de uma identidade coletiva onde os brasilienses eram entendidos como os naturais e brasileiros quem negociava ou se estabelecera no Brasil Foi José da Silva Lisboa no mesmo ano que definiu o brasileiro como o natural do Brasil considerandoos como animais que ainda não atingiram sua plenitude assim referindose aos indígenas Somente no período pósindependência o termo foi introduzido na linguagem do poder por Carneiro de Campos Ao declarar que o adjetivo brasileiro doravante não significaria apenas o lugar de nascimento mas também de uma qualidade na esfe ra política o deputado deu um novo significado enquadrandoo como designativo dos partidários de um projeto político constitucional para o Brasil encabeçado por Pedro I independente do seu lugar de nascimento Somente quando foi definida a idéia de nação da qual se encarregou a primeira geração do IHGB o termo brasileiro tornouse um substantivo pátrio A propósito ver VAINFAS Ronaldo Dicionário do Brasil imperial 18221889 Rio de Janeiro Objetiva 2002 MACHADO Humberto Fernandes NEVES Lúcia Maria Bastos Pereira das O império do Brasil Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 e aos demais autores de trabalhos históricos como historiadores historiógrafos e cronistas5 definição dada precipuamente pela instituição a qual eram ligados lugar que institucionalizava suas falas autorizandoas Em meio ao processo de consolidação do Estado Nacional assinalado por disputas regionais coube ao IHGB o dever de sistematização de uma história tida como oficial congregando entre seus membros a elite intelectual brasileira bem como a elite política e econômica da época O recrutamento de membros a partir de determinantes mais sociais que intelectuais revelou um quadro institucional marcado por uma teia de relações pessoais Por conseguinte o espaço do IHGB sobressaiu se também como uma extensão do círculo ilustrado imperial elencandose entre seus membros vogais do Supremo Tribunal procuradores desembargadores e chefes da Secretaria dos Negócios do Império6 Tal caráter foi acentuado pelo patrocínio pessoal assumido pelo próprio imperador do Brasil D Pedro II cujas oblações incrementavam o orçamento da instituição formado em mais de 75 de dotações estatais para além da primeira O marco da produção a ser realizada doravante teria como pauta a aproximação do Brasil com a Europa embora um pouco distanciado de Portugal Esse projeto elaborado pelas elites coloniais que chegavam ao Império mantendose no poder exigia um simbolismo a ser construído de modo a sedimentar a arquitetura da nação e demandava a edificação de uma identidade própria autônoma capaz de se fazer reconhecer pelas demais nações A função pragmática dessa produção centrada na simplificação dogmática e teleológica e num esquema de fatos e imagens da nacionalidade representava o substrato do projeto de construção da história do Brasil Deveria pois ser registro de uma memória que ensejaria uma epopéia nacional a partir de fatos grandiosos bem como a própria fisionomia nacional a paisagem do Brasil ancorada em sua memória físicogeográfica Dessa forma tanto a epopéia quanto a paisagem brasileira deveriam ser além de preservadas continuamente acionadas por um 5 Historiador e historiógrafo escreviam histórias mas de diferente modo e por diversas circunstâncias Historiógrafo era um literato pensionado do Estado ou de um príncipe para escrever a sua história e correspondia quase sempre ao que se chamava cronista O historiador por sua vez era um literato que compunha uma história sem ser pensionado e quase sempre não contemporânea cabendo lhe generalizar os motivos as ligações com outros fatos e as conseqüências apresentando obras estruturais dentro de um conjunto organizado O historiógrafo por sua vez constituíase num simples analista que referia acontecimentos reunia materiais ao passo que o historiador escolhiaos colocavaos em ordem examinava os fatos julgava os homens e as coisas devendo ser menos adulador e mais imparcial que o historiógrafo Por sua vez os escritos dos cronistas sempre foram tomados como um gênero menor sem pretensão de obra acabada limitada a uma missão a um episódio posto serem trabalhos conjecturais baseados em presunções evidências incompletas pressentimentos ou suposições MORENO A Dicionário complementar da língua portuguesa ortoépico ortográfico e etimológico com um glossário de arcaísmos Porto Educação Nacional 1936 6 Já observara SCHWARCZ que fazia parte dessa lista do instituto nada menos que dez conselheiros do Estado seis desses sendo senadores Portanto aí estava reunida a nata da política imperial boa parte dela nascida em Portugal e fiel defensora da Casa de Bragança Ao fazer uma análise da hierarquia interna existente no IHGB SCHWARCZ observou algumas divisões curiosas em relação aos seus sócios que se diferenciavam em Efetivos Correspondentes Honorários e Beneméritos Enquanto a posição de presidente honorário era cativa do imperador a de presidente era exclusiva de políticos renomados Já aos sócios que adentravam por méritos acadêmicos eram reservadas majoritariamente as funções de secretários eou oradores SCHWARCZ 2000 sentimento que deveria ser enfatizado doravante o patriotismo concebido não mais como referência de uma determinada região como se dera nos tempos coloniais mas relacionado com o território brasileiro e seu passado comum que lhe deu forma Esse passado colonial por sua vez não deveria ser apagado nem visto de maneira crítica Bem ao contrário deveria ser visto como um caminho para o estabelecimento do projeto monárquico e sua história deveria ser como um desenvolvimento contínuo desde o descobrimento até aquela data Escrever história de desordens entre portugueses e brasileiros em especial a da Independência significaria abrir espaço para polêmicas conflitos de interpretações e disputas tudo aquilo que questionava o funcionamento do próprio sistema político e intelectual e que não interessava à nova nação pela ótica de seus dirigentes Mas como se faria essa construção considerandose as tensões e embates havidos no processo de emancipação política e as próprias dificuldades enfrentadas ao longo dos anos subseqüentes ao fato O que interessava às elites locais marcadas por séculos de patrimonialismo e pautadas num sistema econômico escravocrata alavancado por uma monarquia a se destacar em seu caráter de elemento exótico no quadro político do Novo Mundo Como permitir a manutenção das instituições anteriores à independência sem ocasionar traumas e fraturas no corpo social Como mostrarse separado de Portugal se este representava a primeira referência com a civilizada Europa Imaginese a dificuldade dos novos historiadores em responder adequadamente a tal problermática No sentido de resolvêla em 14 de novembro de 1840 foi proposto um concurso acadêmico por Januário da Cunha Barboza secretário perpétuo da instituição Seu objetivo era escolher um plano para escrever a história do Brasil A existência de tal concurso é demonstrativa de quanto os membros do Instituto se encontravam angustiados diante da imensa tarefa a realizar Fazer do Brasil uma nação munidos da pretensão de atingir um modelo idealizado de civilização europeia estava longe de ser simples pois o país reunia uma série de condições problemáticas passado colonial recente instituições públicas escassas e em muitos casos inexistentes populações marginalizadas marcadas pela passividade e totalmente avessas à prática da cidadania O sentido do concurso era o de definir um caminho um roteiro que permitisse a superação de tais obstáculos que contemplasse as diversas ambições por trás da escrita da história e também satisfizesse a ambição científica latente nos quadros do IHGB de realizar tal construção Foi a proposta formulada pelo naturalista alemão Karl Philipp Von Martius em 1845 que permitiu o deslindamento da questão O ensaio intitulado Como se deve escrever a história do Brasil deflagrou as linhas mestras do projeto capaz de garantir uma identidade ao Brasil dandolhe o contorno da civilização pretendida Estabelecia também as bases do que deveria ser uma história científica da nação brasileira e as proposituras necessárias à história científica da nação brasileira e as proposituras necessárias à confecção de um discurso histórico ideal àquele momento Sua percepção do que as elites que fizeram a Independência queriam para o Brasil foi decisiva para a construção de sua proposta exitosa Mas o queriam essas elites para o Brasil Diante da resposta de difícil esclarecimento cumpria fazer uma nova questão O que não queriam essas elites para o Brasil Em que se expressava a vontade das elites brancas em relação ao pretendido projeto de criação de uma identidade nacional Guimarães 1988 assevera que as elites nacionais desprezavam o índio o negro o protestantismo o republicanismo e por extensão os seus próprios vizinhos da América Latina Tais identificações não sendo aceitas pelas elites nacionais não poderiam fazer parte do projeto de nação que se queria para o Brasil Contudo como fugir da dura realidade nacional marcada pela imagem de grande laboratório racial criada a partir dos relatos de viajantes e naturalistas que encontravam guarida e larga difusão entre os intelectuais brasileiros e que viam nesse amálgama um impeditivo para o futuro pretendido A proposta de Martius parece ter sido moldada para solucionar a questão apesar de não se adequar plenamente com o pensamento das elites brasileiras As primeiras linhas de seu trabalho já esclareciam a tônica de seu argumento centrado no cariz distintivo da população brasileira e no reconhecimento de três diferentes etnias formadoras da sua composição social a branca os portugueses a vermelha os indígenas e a negra os africanos Seu ensaio se ocupou em esclarecer o lugar social de cada uma dessas etnias destacando em primeira mão os ameríndios a chamada raça cor de cobre Para tanto traçou em detalhes o que seria válido investigar naquele grupo étnico e que poderia explicar a formação da nação discurso bem acalentado no âmbito da literatura romântica indigenista tão em voga naquele momento Aos negros também dedicou um lugar na sociedade brasileira embora se verifique não ter havido esmero da parte autoral em oferecer uma perspectiva detalhada sobre a participação desses na composição da história nacional Por último referenciou a raça branca representada pelo português no contexto da formação brasileira Foi o imperativo civilizacional que fez com que aquele autor destacasse Portugal no concerto dos elementos formadores do Brasil Em Martius o português surgiria como o poderoso e essencial motor da obra colonial no Brasil posto ter sido ele quem deu as condições e garantias morais e físicas para um reino independente que foi se formando caudalosamente7 ao longo de três séculos Disso necessariamente se segue o português que como descobridor conquistador e senhor poderosamente influiu naquele desenvolvimento o português que deu as condições e garantias morais e físicas para um reino independente que o português se apresenta como o mais poderoso e essencial motor Essa ligação esse vínculo entre o Brasil e a Europa foi estimulado por Martius em sua monografia entendendoo como de suma importância para a configuração identitária da nova nação Se a América e por extensão o Brasil representavam o novo e empolgante mundo que se formava a Europa não podia ser desdenhada por ser o berço civilizacional dessas novas nações Por conseguinte sua proposta enfatizava a necessidade de se firmar na historiografia a ser escrita o branco português como ator principal da formação nacional Para tanto admoestava sobre a necessidade dos historiadores estudarem pormenorizadamente e de forma comparativa a história do comércio entre a Índia e as Américas assim como o comércio do paubrasil dos metais e pedras preciosas e por fim das plantas tropicais úteis e conhecidas na Europa no sentido de formalizar em definitivo o vínculo entre Portugal e Brasil açodado num amálgama cultural revelador A independência cortara os laços políticos com Portugal mas não conseguiria jamais desfazer a presença dos portugueses num Brasil que buscava suas próprias formas que tencionava construirse e que só o conseguiria se desse o maior destaque possível à presença portuguesa na América uma América diferente por ser uma América monárquica ordeira e civilizada bem distinta das demais repúblicas latinas juncadas de caudilhos e mandatários e cravadas pelas dissidências A porta de entrada para o Brasil na Europa encontravase em Portugal metrópole que se destinou à aventura de tornar o território americano numa extensão de si legando lhe não só a língua mas os costumes as práticas e todo um modelo de sociedade que se ancorava numa mentalidade única para seu tempo e que por isso teve seus empreendimentos reiterados pelos demais estados do Velho Mundo Portugal deveria ser o ponto de partida para todos os estudos que se pretendiam empreender doravante no Brasil no sentido de criar uma identidade para a nova nação Esta identidade não poderia prescindir do vínculo com a Europa e este poderia ser vitalizado pela investigação das ciências e artes da legislação portuguesa e de todos os recônditos coloniais que guardassem os reflexos da vida européia A pátriamãe antes considerada a própria nação deveria ser exaustivamente investigada de modo que todas as características da sociedade portuguesa pudessem ser vistas 7 É interessante destacar que Martius representou Portugal repetidas vezes em seu texto como um rio caudaloso que inundaria com suas águas todas as paisagens ao seu redor submergindo as e dominandoas sentidas tocadas e reproduzidas no Brasil sedimentandose assim a cultura portuguesa na América que deveria continuar a ser portuguesa católica e monárquica Na descrição dos homens europeus que aportaram no Brasil Martius encontrou elementos emblemáticos para construir as características da colonização portuguesa e da formação da sociedade brasileira O seu português era valente audacioso combatente e por isso mesmo deveria ser sempre mostrado de forma favorável positiva e representado a partir de quatro tipos ideais o descobridor os navegadores o religioso os jesuítas o conquistador os bandeirantes e o senhor os senhores de engenho amplamente reproduzidos na historiografia local nas décadas seguintes Indígenas e negros seriam coadjuvantes no processo capitaneado pelos portugueses Trazia à baila assim uma original visão sobre a nação em formação desconstruindo o discurso da inferioridade nacional alicerçado na mácula da mestiçagem para erigir valores que se pautariam nessa mesma mestiçagem que ao invés de danosa teria permitido a própria edificação da nação Não obstante a mestiçagem não deveria ser vista de forma tão negativa para o futuro nacional posto ter a mesma uma validade determinada quando as características físicas das raças inferiores seriam erradicadas97 definindose o futuro da nação pela ligação aos valores portugueses sólidos significantes posto que provenientes de uma sociedade organizada e superior O modelo apresentado por Martius efetivamente reconheceu a diferença existente na sociedade brasileira para depois anulála A diferença precisava ser eventualmente invalidada para que o brasileiro pudesse pensarse como moderno ocidental europeu dentro de parâmetros considerados civilizados Ao mesmo tempo em que se queria outro o Brasil aspirava à condição de ser esse mesmo outro E esse outro era o português ao qual Martius descrevia como um sangue poderoso capaz de diluir as demais marcas étnicas que escureciam a grande raça brasileira mas que em breve graças aos mesmos seria finalmente branqueada tornandose igual do mesmo tom que seus descobridores brancos Em nenhum momento Martius questionou sobre a natureza dessa mestiçagem as formas e o meio na qual a mesma veio a ocorrer no território colonial Para o bávaro a mestiçagem era um fim em si mesmo que num futuro próximo seria eliminada por completo Aos vencidos só restaria segundo sua proposta a participação passiva no projeto da nova nação e apenas na medida em que fossem absorvidos ou integrados racial e culturalmente pelos valores brancos única fonte de legitimação posto que deles decorresse os valores básicos da nova nacionalidade valores esses defendidos e produzidos pelas elites brancas locais pelo Estado brasileiro e pela Coroa Evidenciase no texto do citado autor o paradoxo relativo à sua visão do valor positivo da composição racial brasileira em primeira mão ele louvara a mestiçagem e em seguida reconheceua como um problema na constituição da nova nação sinalizando para um futuro no qual esse obstáculo seria removido Dessa forma Martius alcançou as pretensões da elite nacional ao resolver dois problemas com apenas um golpe através da lógica assimilacionista onde o inferior deveria se adaptar às condições impostas pelo superior tornandose igual a ele Assim desapareciam negros índios e mestiços que tanto incomodavam essa elite a ela se adaptando e subsumindo Observase também no ensaio analisado a perspectiva de mostrar a superioridade de um sangue o europeu português branco caucasiano perante os demais grupos inferiorizados que serviram apenas como anteparo no constructo de um povo europeu ao qual deveria o Brasil unirse se quisesse ingressar no rol das nações ditas civilizadas Não obstante é oportuno relevar que o autor mesmo considerando a superioridade da raça branca não fez referência aos demais povos europeus que participaram dessa mesma composição social nos distintos momentos históricos Franceses e holandeses num primeiro momento depois seguidos por italianos alemães espanhóis e suíços entre outros tiveram inegável influência na formação social do Brasil nomeadamente em regiões e situações específicas Entretanto sua presença foi formalmente ignorada no ensaio de Martius A particularidade da história do Brasil entretanto passava pela delimitação de diferenças entre ser brasileiro e ser estrangeiro entre ser uma sociedade com uma formação peculiar que revelasse a singularidade nacional e que se diferenciava de todas as outras cujos elementos originais estavam contidos agora num novo lugar Um problema se alçava como se pensar singular sem perder as próprias raízes Como pensar em diferenciarse do português colocá lo como um outro sem desviarse de um projeto de modernidade que nascera na Europa projeto este acalentado pelas elites brasileiras Sendo a história uma espécie de espelho onde os homens de determinada comunidade se reconhecem vislumbrando os traços comuns mesmo em diferentes grupos internos fazia se necessária a construção de uma história capaz de fazer os grupos nacionais reconhecer se num passado comum Para tanto Martius determinou o predomínio do branco europeu ou seja do português na história do Brasil Essa referência se fazia tão necessária quanto poderosa para o projeto de criação da história nacional posto que a herança portuguesa fosse o importante vínculo que ligaria o país ao continente europeu local por excelência da civilização e parâmetro que o Brasil pretendia atingir na arquitetura da nação afastandose de uma identidade latino americana O Brasil não poderia abrir mão dessa ancestralidade pois era justamente ela que garantia o seu pedigrée e logo a possibilidade de inserção no mundo civilizado das Luzes do progresso O papel do português como agente do processo civilizatório formou a matriz do pensamento oitocentista brasileiro fabricando identidades estanques fechadas e padronizadas como se pode observar na historiografia praticada no período e que adentrou o século XX a despeito das diversas mudanças que ocorreram na sociedade brasileira Com o marco fundador de Martius estava dado o passo inicial para a constituição através da historiografia de uma imagem do Brasil de uma representação do passado de uma narrativa nacional que conferisse sentido ao todo heterogêneo da nascente nação Ao que Martius chamou de sugestões explicitadas em sua monografia tornouse um modelo a ser adotado pelos historiadores do IHGB oitocentista instituindose pois o que chamamos de retórica da alteridade Seu trabalho conseguira responder as inquietações dos membros daquele conclave diante da tarefa inovadora e provocativa que tinha nos meados do século desenvolver uma arquitetura nacional que mitigasse todos os problemas existentes na passagem da condição de colônia para o jaez de nação Não à toa o IHGB alçou à qualidade de instituição oficial da escrita da história do Brasil vindo representar um tempo específico da produção histórica brasileira durante o período imperial O projeto para a execução dessa narrativa já estava posto e legitimado pela chancela institucional do IHGB estando aberta a estrada para a invenção da nação Missão esta que caberia a Francisco Adolfo Varnhagen desempenhar em função da negativa de Martius que considerou a empreitada além das suas forças e disposição recusando em suas palavras à glória de empresa tão árdua A publicação da História Geral do Brasil coleção efetivada pela tenacidade e gênio de Varnhagen é tida como o discurso criador da nação chancelado pelo IHGB inaugurando a chamada historiografia brasileira A gama de informações coletadas pelo autor facultou a realização de outros trabalhos de menos fôlego durante os anos que demarcaram o segundo reinado tempo em que o IHGB foi hegemônico em sua pretensão de escrever a história do Brasil A despeito da pretensão vitoriosa do instituto não podemos desdenhar de algumas caracteristicas que marcaram a produção nascida naquele meio uma delas diz respeito à construção de uma narrativa sobre uma nação sem diferenças internas homogênea em sua composição sem embates regionais verdadeira extensão de Portugal centro civilizador A história do Brasil seria também uma história masculina onde as mulheres apareciam raramente e como mera coadjuvantes em meio ao panteão de herois verdadeiros pais da pátria autores de grandes feitos Demarcado pelo teor da produção de sua época a historiografia do IHGB foi pensada para ser mestra uma narrativa sobre lições de vida capaz de disciplinar a sociedade pelo exemplo doutrinadora e avessa a questionamentos sobre os nãoditos e esquecimentos propositais dos intelectuais o que demarcava o lugar assumido naquele espaço de saber Todavia a instauração do sistema republicano parece ter sido um golpe violento contra a instituição Tomada como um reduto de monarquistas e financiada em grande parte pelo deposto imperador o IHGB entrou em crise e para salvarse retomou um projeto pré existente a construção da história nacional a partir das histórias locais e regionais O grande quadro de dados sobre a nação proposto por Martius poderia doravante ser montado pelos chamados estudos locais a serem realizados por institutos a serem abertos em todas as províncias acompanhando o que já havia sido feito em Pernambuco 1862 Alagoas 1869 e Ceará 1887 que criaram seus próprios institutos com o fito de produzir sua historiografia O destaque às diferenças regionais doravante se fazia necessário mas não para mostrar a heterogeneidade da formação da nação Bem ao contrário explorar esta diversidade serviria como expressão da unidade nacional E esta seria a tônica do novo projeto num ambiente pautado pelos valores ditos republicanos O Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e sua produção O projeto paraibano emergiu em 1905 sob a batuta de Álvaro Lopes Machado8 então presidente da província Na histórica data de 7 de setembro a Independência nacional apareceu como pano de fundo para o despontar da importante instituição cultural da Paraíba que obedecendo uma tônica nacional embora com sua singularidade criava seu Instituto sob o intenso e criativo apoio de dois homens de letras Irineu Ferreira Pinto e José Rodrigues de Carvalho Era mais que necessário que os paraibanos escrevessem sua própria história para que os naturais a conhecessem9 salvando as parcas fontes de conhecimento histórico porventura ainda existentes na Paraíba conforme destacou GUIMARÃES 1998 O empreendimento demarcava a transição de uma Paraíba sem história para uma Paraíba com história própria construída por seus naturais para ser consumida por seus conterrâneos 8 Lembremos que Álvaro Machado foi o terceiro governador da Paraíba sucedendo a Junta Governativa instalada após a renúncia de Deodoro da Fonseca e da destituição do primeiro governador Venâncio Neiva pelo presidente Floriano Peixoto Foi ele quem fundou o Partido Republicano da Paraíba revogou a constituição estadual promulgada na gestão anterior reorganizou a Assembleia Legislativa estadual e aprovou uma nova constituição Este dado é deveras importante para percebermos a vinculação política do nascente instituto e suas matrizes ideológicas bem distintas do IHGB Sobrinho de Maximiano Machado antigo membro do IAHGP foi por ele influenciado a repetir a expediência na Paraíba onde também criou a imprensa oficial do estado facilitando as publicações do instituto e vinculandoo definitivamente ao oficialismo do governo de então 9 O lema uma história escrita por paraibanos para paraibanos se espelhou na invectiva de Varnhagen contra a historiografia considerada lusoportuguesa Para aquele historiador tudo o que havia sido escrito antes da independência estaria cheio de mentiras O IHGP nasceu sob o mesmo modelo do congênere nacional com sócios de renome ocupando os cargos locais da república E mais sem nenhuma formação enquanto historiadores10 jornalistas professores advogados clérigos médicos juizes e promotores se destinaram a ingressar na oficina da história Eram nomes de destaque em suas localidades embuídos na missão de construir a história local Todavia nomes ilustres não significa capacidade de fazer e os homens de letras que compuseram o IHGP se defrontaram com dificuldades diversas na construção da história local tal qual ocorrera no IHGB Uma delas dizia respeito ao desconhecimento de fontes que possibilitassem a pesquisa e as consequentes narrativas sobre a Paraíba E como a imaginação é a mãe da criatividade e esta do conhecimento competiu a Irineu Pinto Ulrico Sontag e Francisco Coutinho de Lima e Moura observar que as instituições primitivas da capitania da Paraíba chegaram ao século XX nos grandes conventos seiscentistas deduzindo que os livros de tombo e registros em geral contidos no arquivo do Mosteiro de São Bento configurarseiam como documentos contendo informações sobre a Paraíba Outras iniciativas de ordem mais arqueológica que histórica tais como a localização do crânio de Peregrino de Carvalho dos restos mortais de Vidal de Negreiros a coleta de fósseis encontrados em Picuí11 e de vestígios do combate em Itabaiana no contexto da chamada Confederação do Equador configuraram a busca inicial da formação do acervo do nascente instituto12 Em 1908 foi lançada a primeira publicação representativa do IHGP Datas e notas para a história da Paraíba de Irineu Ferreira Pinto inaugurou o esforço institucional de constituir os dados para uma posterior historiografia O trabalho de Pinto demonstrou a percepção daquele intelectual na árdua tarefa da captação e catalogação de fontes para a escrita da história local assim como a reconstituição do que se julgava como histórico naquele momento A obra em edição inicial tem como marco temporal o interregno de 1501 a 1820 e seus dados se assentam segundo o próprio autor na documentação encontrada nos arquivos locais tais como cartas ordens patentes provisões e ofícios 10 É preciso destacar que os primeiros cursos superiores de história datam dos anos 30 do século XX não sendo possível encontrar um historiador de formação aqui antes desse período Somente em 1949 foi criada pelo governo do Estado a Faculdade de Filosofia da Paraíba que possuía os cursos de História Geografia Letras Neolatinas e Pedagogia em funcionamento três anos apósTal constatação se coloca ante as sucessivas críticas encontradas em trabalhos acadêmicos que tratam do tema na Paraíba e que reverberam a constatação com um intuito de menosprezar a qualidade dessa nascente historiografia Para tanto é preciso por justiça dar relevância ao entendimento de autores tais como KOSSELECK 2004 FALCON 1996 e CARBONELL 1992 reconhecendo a identidade do historiador a partir da autoconsciência de ter produzido ou tentado produzir um texto de história bem como aquele que é reconhecido por têlo produzido O trabalho feito por eruditos fosse de criticar e copiar documentos históricos desde que expressassem uma crítica do processo analisado dandolhe inteligibilidade pode ser considerado de caráter historiográfico MONTEIRO 2016 11 Destaquemos que o primeiro sítio arqueológico brasileiro reconhecido pelo IPHAN é o da Itacoatiara do Rio Ingá na Paraíba em 1944 12 A vertente arqueológica e paleontológica do IHGP se ancorava nos moldes do Instituto Pernambucano embora tais atividades não constassem em sua nomenclatura tal qual o congênere ao sul régios13 Sobre as fontes secundárias utilizadas por Pinto para contextualizar a proposta de uma História Geral da Paraíba encontramos citações de Varnhagen Southey Capistrano de Abreu Tollenare e Muniz Machado o que vem a demonstrar que o intelectual ao se assumir como historiador perscrutou a chamada historiografia lusobrasileira oitocentista buscando o contexto de produção dos documentos por ele descritos No trabalho de Pinto observase o esforço incompleto exigido na operação historiográfica o documento fonte foi transcrito sem a necessária interpretação A operação analítica tão valiosa não encontrou espaço no trabalho que se prende à heurística não alcançando a hermenêutica14 o que nos leva a deduzir que o neófito historiador talvez intentasse no futuro uma escrita mais pausada e criteriosa sobre a história da Paraíba Contudo inegável o peso que a obra de Irineu Pinto teve15 e tem na produção da história local e se destaca especialmente pela transcrição documental de mais de quatro mil peças por ele realizada nos principais arquivos portugueses A missão financiada pelo erário paraibano por ordem do presidente Castro Pinto finalizava dirimir dúvidas sobre os limites da capitania com a vizinha Pernambuco16 e rendeu quatro volumes de cópias de documentos em parte publicados na nascente Revista do IHGP em seu volume 12 e seguintes A Revista do IHGP teve como primeiro redator Manoel Tavares Cavalcanti ainda estudante de direito que em breve se tornaria deputado A ideia da publicação nasceu da percepção de Irineu Pinto de promover um intercâmbio entre o Instituto e outros espaços de conhecimento tais como os institutos regionais e entidades culturais de vários outros países17 e vingou apenas em 1910 quando foi publicado o primeiro número Necessário destacar que o financiamento da publicação foi assumido integralmente pelo estado sob o 13 Em 1916 Irineu Pinto publicou a continuidade de suas Notas Considerando o volume II da obra seminal da historiografia paraibana tem como marcos 18211862 e a descrição de fatos políticos e administrativos tais como a rebelião constitucionalista de 1821 o levante de 1817 de 1824 chegando mesmo a 1848 e o relato do presidente da província sobre a Revolta Praieira 14 Apontamentos para a história territorial da Parahyba 1911 de João Lyra Tavares tomou como modelo o trabalho de Irineu Pinto e elenca uma série de documentos sobre as datas de terras de sesmarias concedidas na capitania da Parahyba 15 Um entrecruzamento de dados entre o roteiro cronológico construído por Irineu Pinto e artigos de outros autores publicados na Revista do IHGP permite se verificar a manutenção dos temas da obra primitiva nas quais destacouse fatos e nomes silenciandose outros 16 A discordância sobre esses limites assumira novo patamar já no século XIX quando o senador Cândido Mendes de Almeida e o Barão Homem de Mello cartografaram as configurações territoriais limítrofes das três províncias irmãs sendo contestados pelo paraibano Irineo Joffily em seu livro Notas sobre a Paraíba publicado em 1892 O temor de perda de partes do território original da antiga capitania se tornou uma realidade no século XIX quando a antiga povoação de Caicó elevada à Vila Nova do Príncipe durante a subordinação da Paraíba a Pernambuco reivindicou seu desmembramento pretendendo integrarse à província do Rio Grande do Norte Tal pretensão alimentou uma disputa territorial de todo o território do Seridó paraibano que findou por ser anexado à província vizinha graças ao projeto do deputado Brito Guerra transformado em decreto em 1831 Outro naco do território da pequena província por sua vez foi abocanhado por Pernambuco em 1835 tirando o sertão do Pajeú do território da Paraíba consideravelmente minorado em razão de estratégias políticas das províncias vizinhas 17 O intercâmbio promovido por Irineu Pinto resultou no crescimento exponencial da biblioteca do instituto que semanalmente passou a receber livros e revista na ordem de mais de 600 unidades anuais o que vem a demonstrar a dedicação daquele bibliotecário à construção da memória e da história da Paraíba Em homenagem ao seu esforço a biblioteca tomou o seu nome contendo atualmente um acervo de mais de 40000 títulos sobre a Paraíba além de uma coleção de obras raras jornais revistas e documentação oficial que em sua maioria foram trasladadas para o Arquivo Nacional durante o século XIX beneplácito do presidente João Lopes Machado que ordenou à Imprensa oficial a impressão gráfica dos exemplares O trabalho de Maximiano Machado História da Província da Paraíba18 em muito serviu na construção da obra de Irineu Pinto mesmo publicada antes Esta também é considerada como uma obra angular na construção da historiografia local especialmente porque apresenta uma proposta inusitada para o momento em que foi escrita na segunda metade do século XIX quando o país transitava por grandes mudanças sociais e políticas e o IHGP sequer existia Tratase de criação individual realizada sem respaldo institucional algum e posteriormente apropriada pelo IHGP por se tratar de obra de um natural do estado que trazia em si um projeto identitário que colocava a Paraíba como protagonista da história nacional e não mero apêndice de Pernambuco Para ele seria a Paraíba Um dos estados menos conhecidos da União Brasileira e sua história depois da guerra holandesa reduziuse a poucas páginas e até podese dizer sem exagerar a poucas linhas MACHADO 1912 p 11 A criação da história da Paraíba para aquele historiador se assomava a uma necessidade de colocando a Paraíba frente ao resto do país demonstrar a singularidade de sua criação histórica erigindo ao mesmo tempo uma identidade própria distanciada do vizinho Pernambuco e nomeadamente única Antes mesmo que o regime republicano se tornasse realidade nacional e que o IHGB perdesse sua hegemonia Machado já construía a história da província antecipando em algumas décadas a narrativa de uma das peças do grande mosaico brasileiro Maximiano Lopes Machado enquanto político do partido Liberal19 era contrário à centralização do poder na Corte e à submissão das províncias às decisões políticas e econômicas emanadas do centro Lutava por uma maior autonomia das mesmas sem que para isso fosse necessária uma ruptura que prejudicasse a união nacional Enquanto historiador sua principal crítica era voltada a uma história elaborada do centro que decidia a 18 A História da Província da Paraíba foi publicada em 1912 postumamente embora desde 1886 o Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco tenha dirigido à Assembleia Provincial da Paraíba oficio intercedendo pela publicação da obra e sugerindo fosse concedida uma subvenção com este fim A autorização concedida não encontrou respaldo na vontade governamental que alegou falta de recursos João Lyra Tavares entendeu que a vinculação de Machado ao Partido Liberal respaldou o impedimento da publicação pelo governo paraibano conservador Em 1910 o próprio João Lyra Tavares vinculado ao IHGP apresentou novo projeto legislativo para publicação da obra encontrando resposta positiva junto ao governo desta feita encabeçado pelo sobrinho de Maximiano João Lopes Machado A despeito do franco apoio à publicação da obra a mesma só foi realizada em 1912 Machado faleceu em 1895 19 Segundo Mattos 1987 p 103 a disputa entre conservadores e liberais ainda na década de 1840 iria produzir estigmas que caracterizariam vencedores e vencidos O grupo conservador vencedor dos conflitos os Saquaremas passaria a identificar pejorativamente seus adversários liberais de Luzias em referência à vitória daqueles sobre estes em Santa Luzia em Minas Gerais Maximiano seria um Luzia que lutara na Revolta Praieira e que por desdobramento se levantara contra o Império Este dado é sumamente importante para compreendermos a necessidade de defesa da república e do liberalismo como um aspecto da identidade criada para o povo paraibano participação de cada província na formação da nação tal como a História Geral do Brasil de Varnhagen criticava o fato de se concentrarem na Corte os documentos históricos das províncias o que as deixava à mercê de historiadores que jamais estiveram na sua terra A História da Província da Paraíba foi pensada e escrita para se contrapor a esse impasse entre o centro do poder e as províncias dissolvendo erros e omissões PEREIRA 2012 Com este fito Machado antecipouse a Irineu Pinto e levantou a documentação referente à Paraíba que estava dispersa pelo Brasil e pelo mundo No Brasil além das consultas aos arquivos de Pernambuco e da Paraíba consultou também o Arquivo Público do Rio de Janeiro A amizade com José Higino Duarte Pereira do IAHGP franqueou o acesso aos documentos produzidos pelos holandeses que referenciavam a Paraíba e em dez anos de pesquisa intensa arregimentou um respeitável acervo20 que lhe permitiu escrever o que se considerou a primeira produção historiográfica paraibana com uma proposta de criação da identidade local como veremos adiante A terceira produção representativa da historiografia paraibana recepcionada pelo nascente IHGP é a obra Notas sobre a Paraíba do campinense Irineo Ceciliano Pereira Joffily Irineu Joffily intelectual paraibano contemporâneo de Maximiano Machado tem também uma trajetória de vida que é retratada de forma semelhante à deste Assim como Machado Joffily também estudou em Pernambuco após ter iniciado sua formação em Cajazeiras sob a tutela do Padre Inácio Rolim Os biógrafos afirmam que foi com o Padre Rolim que Joffily tomou gosto pelas coisas do sertão a temática principal de seus estudos Enquanto a obra de Machado se ateve prioritariamente ao litoral a de Joffily se voltaria ao sertão interpretando dados e relacionandoos entre si para dali compreender e analisar a formação dos conglomerados humanos os usos e costumes do sertanejo inaugurando uma história cultural mesmo que precária bem antes da academia francesa Após os exames preparatórios Irineu Joffily ingressou na Faculdade de Direito do Recife Assim como Machado logo que se formou foi nomeado para alguns cargos públicos na Paraíba tais como promotor e juiz municipal de Campina Grande Também se filiou ao Partido Liberal defendendo o ideal republicano e atacando a monarquia21 Acabou enveredando pela imprensa fundando o jornal Gazeta do Sertão em 188822 fechado por seus 20 Suas fontes incluem formidável massa de Alvarás Resoluções Cartas Ordenações e Provisões Régias Provisões do Conselho Ultramarino Diplomas com força de lei Atas de Câmaras Municipais Ofícios dos capitãesmores e de províncias das ordens MELO 1977 p 34 21 Para se compreender melhor o contexto político no qual Joffily estava inserido ver o livro Entre a Monarquia e a República Idéias e Lutas de Irinêo Joffily de autoria de José Joffily neto de Irineu Joffily 1982 22 Ainda na Faculdade de Direito do Recife Irineu Joffily fundaria um jornal acadêmico chamado Academico Parahybano que congregaria trabalhos de outros estudantes da Paraíba com artigos referentes a questões daquela Província cf G JOFFILY In JOFFILY 1977 e J adversários obrigandoo a deixar Campina Grande e refugiarse no Rio de Janeiro temeroso por sua vida Em seu exílio dedicouse à pesquisa documental sobre a Paraíba cuja documental repousava no Arquivo Nacional Ali conheceu Capistrano de Abreu historiador do IHGB que o estimulou a compilar suas crônicas do Jornal O comércio publicandoas em livro Assim em 1892 Notas sobre a Parahyba foi publicado no Rio de Janeiro23 causando notável impacto entre os intectuais brasileiros apesar de ocasionar uma recepção amarga por alguns paraibanos24 A escolha de Joffily deuse por temas da história e da geografia paraibanas desvencilhandose de uma linha cronológica uma vez que seu livro resultava de um compêndio de artigos Desvencilhouse tambem da narrativa da conquista do litoral voltandose para a análise do sertão onde vivera por muitos anos como estudante em Cajazeiras no colégio do padre Rolim Do antigo professor herdara o interesse pelo recôndito da província assim como por sua natureza defendendo a tese de que a conquista e o povoamento dessa área deveuse ao interesse dos portugueses em ali estabelecer a pecuária não se limitando apenas ao anseio pela descoberta de veios auríferos ou a preação indígena GALIZA sd assegura que Joffily teve respaldo na massa documental pesquisada nos arquivos da capital da república citandoa e que mesmo que tenha inaugurado entre nós a descrição densa de suas observações acerca do lugar como fizeram tantos viajantes estrangeiros por nós utilizados como fontes fidedignas incorporou às mesmas dados históricos coletados em Rocha Pitta Varnhagen Padre Nantes Hercckmans entre outros o que lhe assegura maior fidedignidade Não à toa suas observações subsidiaram os trabalhos de Capistrano de abreu Euclides da Cunha e Afonso Taunay É possível que a acalentada e bem criticada polêmica de sua obra contestando os limites geográficos da província constantes na cartografia existente tenha dado maior visibilidade ao trabalho posto tratarse de questão cara aos paraibanos especialmente aos JOFFILY 1982 Este veículo seria utilizado principalmente para atacar seus opositores mas também seria nele que publicaria suas crônicas e artigos referentes à Paraíba assim também como uma parte da pesquisa de Maximiano Machado Os dois também eram sócios do IAHGP sendo que Joffily apenas sócio colaborador Foi eleito Deputado Provincial por Campina Grande e anos depois Deputado Geral em 1889 alguns dias antes da proclamação da República Este fato de ter sido eleito Deputado pelo Partido Liberal em 1889 e seus desdobramentos são importantes para se compreender o contexto que lhe permitiram escrever e publicar sua obra Aquele acontecimento que pela lógica deveria ser para ele partidário do sistema republicano um momento de glória se tornou na realidade um tormento Por não ter sido empossado depois da eleição por conta do fechamento do parlamento Joffily retornou à Campina Grande a fim de rearticular seus correligionários tendo em vista as mudanças bruscas na política naquele momento Na sua volta percebeu que todos os seus opositores antes pertencentes ao Partido Conservador haviam aderido à República sendo nomeados para cargos em todas as instâncias do poder do executivo municipal e do estadual passando pelo judiciário G JOFFILY In JOFFILY 1977 p 46 entre eles Venâncio Neiva nomeado governador e Cristiane Lauritzen prefeito de Campina Com seus inimigos no poder Joffily e seu jornal foram perseguidos Seus opositores numa tentativa de empastelar A Gazeta do Sertão e ao mesmo tempo colocálo na cadeia forjaram uma cobrança judicial por uma suposta dívida que ele não teria pago O jornal foi fechado e o maquinário posto em leilão reabrindo somente em 1823 23 Nesta época a História da província da Paraíba de Maximiano Machado já havia sido concluída embora não tenha sido publicada Seu texto já havia sido apresentando em reuniões do IAHGP de onde proveio a monção de publicação às expensas do erário paraibano 24 O maior crítico da obra de Joffily foi Maximiano Machado que se dedicou a escrever artigos nos jornais provinciais para detratar a obra e seu autor por ele considerado como alguém que ainda não domina a Ciência JOFFILY 1977 P 73 membros do IHGP que cedo integraram sua obra ao cânone formador da historiografia local Da tríade estabelecida uma gama de novos trabalhos foi sendo produzida tomando por base as informações contidas nos estudos de Joffily Machado e Pinto Arquitetando a identidade paraibana A base dessa historiografia inicial sistematizada pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano teve um propósito construir uma identidade paraibana tal qual o IHGB propusera em relação a identidade nacional DIAS 199625 Para tanto seus textos deveriam se ater a este objetivo Para tanto o IHGP a partir das obras publicadas sob seu manto elegeu os sujeitos históricos delimitou os marcos temporais e demarcou os limites espaciais dessa história onde eventos identificáveis ensejaram um tipo único marcado por características singulares Os dados por si já estavam contidos nas obras basilares reconhecidas e chanceladas pela instituição de onde emergiriam com facilidade o cariz desse tipo único alguns anos depois denominado de paraibanidade26 Se a pretensão inicial dos membros do IHGP era constituir uma história de paraibanos para paraibanos voltavase também para a criação da grandeza do estado desfazendo mitos e criando herois Intrepida ab origine será a Paraíba doravante formada na historiografia que desde cedo apreciou a civilização e o progresso Nesse mister faziase mais que necessário destacar fatos nomes e situações silenciando propositadamente sobre outros tantos que não interessassem Vislumbravase também a difusão27 dessa história meticulosamente produzida de modo a quebrar a indiferença popular em relação à própria história O ideário de uma Paraíba grande forte e imorredoira passava pelo evento histórico que marcava o inicio da história local o acordo de paz entre portugueses de bom caráter em encontro com nativos de cepa positiva28 O encontro entre João Tavares e o índio 25 Segundo a lógica de Dias poderíamos inferir que o IHGP seguiria as mesmas diretrizes do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para identificar os agentes estabelecendo o mesmo grau de participação que os brancos negros e índios tiveram na formação da identidade nacional para a esfera local No livro Intrepida Ab Origine Dias desenvolveu um estudo acerca do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano centrando sua análise nos artigos publicados na Revista do instituto e suas seis primeiras edições 1909 a 1928 nos quais reverberam o intuito de produção de uma identidade local a partir da exploração de determinados marcos e eventos históricos 26 Tal identificação do tipo paraibano pretendido pelo IHGP parece ter sido criado aos poucos não havendo nenhuma ata ou documento que indique um projeto prévio com este fim Tanto o é que o termo aventado no trabalho de DIAS somente se firma em 1964 no discurso de Santa Cruz quando a historiografia produzida pelos membros e chancelada pelo IHGP é hegemônica nos estudos históricos paraibanos Contudo não nos esqueçamos se o esforço do IHGB foi de construir uma identidade nacional os institutos regionais foram criados com o mesmo intuito desta feita arquitetando as identidades locais 27 A difusão da historiografia produzida pelo IHGB como bem sabemos se deu em primeira mão nos compêndios escolares do Colégio Pedro II criado com esta finalidade Entre nós o Liceu paraibano assumiu o papel de divulgador entre os escolares da nascente historiografia paraibana a partir de seus professores e dos manuais produzidos com este fim A publicação da revista teria também esta finalidade por se tratar de um veículo de circulação mais intensa que livros dada a variedade de abordagens que poderia levar visibilizando o maior número de autores do instituto 28 A despeito de ser reconhecido por DIAS 1996 como fato histórico explorado na produção do IHGP observamos a escassez de produções sobre a temática nas revistas do IHGP no período de 1906 a 1995 No interstício citado elencamos apenas 14 artigos Contudo Piragibá resultou no fim de uma guerra que durava desde 1574 quando a capitania foi criada por ordem de D Sebastião após ser noticiado do morticínio levado a efeito pelos potiguara no engenho Tracunhaem A descendência desses dois homens resultara num povo singular o paraibano cuja essência seria naturalmente pacífica ordeira Observese que a narrativa original levada a efeito sobre tal encontro datao de 158529 quando a colônia portuguesa já estava sob o mando dos espanhois e Felipe II era o soberano na América desvanecendo a linha de Tordesilhas30 A dominação espanhola passou a ser tratada pelos historiadores brasileiros com identificável comedimento desde Varnhagen uma vez que a superposição de espanhois no cenário político português tiraria daquele povo a soberania com que eles se faziam identificar pelo mundo afora desde sua expansão ultramarina Na historiografia paraibana não se fez diferente e o elenco de problemas e rechaçamentos que Felipe II enfrentou nos variados territórios portugueses que ele dizia ter herdado comprado e conquistado além dos conflitos oriundos das possesões das províncias unidas a montante do Reno serviram como antenuante no registro histórico da conquista do território às margens do rio Parahyba último enclave colonial Pouco se fala do papel decisivo do almirante Diego Flores Valdez especialmente deslocado para esta parte do império espanhol para lograr êxito nas guerras contra os potiguara sobejamente malsucedida pelo portugueses nas tentativas que antecederam à presença espanhola No embate travado pela tropa espanhola uma vez que a tropa portuguesa ficara em Pernambuco com Martim Leitão a vitória contra os franceses que dominavam Acejutibirió é rapidamente explorado assim como o ferimento em Valdez vencedor da batalha e os louros ali logrados Até o número de espanhóis que aqui chegaram para a peleja superior ao contingente de portugueses31 é tratado com certo desleixo no sentido de não demarcar a relevância dos conquistadores na tomada triunfante do território da Capitania Real do Parahyba Antecedendo ao festejado Acordo de Paz da historiografia paraibana teríamos também a presença determinante de Francisco Castrejon alcaide no forte de São Felipe e São Tiago para o estabelecimento da conquista Outros nomes espanhóis e seu papel neste momento da história local sequer existem na historiografia construída para a Paraíba apesar 29 No documento intitulado Sumário das armadas que se fizeram e das guerras que se deram na conquista do rio Parahyba os jesuítas Simão Travassos e Jerônimo Machado relataram os sucessivos insucessos dos portugueses ao tentar conquistar o território à jusante do rio Parahyba para levar adiante a empresa colonial cerceada pela feroz presença do Potiguara cujo vasto território ali se iniciava 30 O tratado em suas bases legais deixou de vigorar somente em 1750 embora as fronteiras por ele estabelecidas tenham se afrouxado durante a União Ibérica 15801640 31 Da armada de Diogo Valdez contavam nove naus sendo sete de espanhóis e duas de portugueses Após a batalha foram deixados 110 soldados espanhóis para tomarem conta do forte mais cinquenta homens nos quais se contavam portugueses mamelucos e outra gente miúda Os dados constam no Sumário das Armadas capítulo IV de sabermos como existentes Faziase mais que necessário construir o primeiro herói local e este seria um português designado por Felipe II como ouvidor da Bahia e seu braço armado João Tavares portugueses de nascimento Repetiase aqui a proposta oitocentista de Von Martius de que o reconhecimento do Brasil seria com Portugal como agente construtor de seu passado legandolhe uma civilização A peleja da conquista parece sempre minorada diante da narrativa sobre o encontro entre João Tavares32 e Piragibe33 Estes escolhidos para encarnar os pais fundadores do povo paraibano34 tem suas biografias marcadas pelo cariz da boa índole que fizeram da nova capitania não mais um campo de guerra como as demais capitanias mas onde os acordos e negociações tomavam corpo para proporcionar um lugar melhor de civilização e progresso35 Ao tempo em que davam relevo a dois nomes nossos historiadores obnubilaram outros tantos como os nativos meros coadjuvantes na construção da nova sociedade Do mesmo modo fizeram com outros europeus inclusive o comerciante português Frutuoso Barbosa designado governador da nascente capitania cuja narrativa sobre si é extremamente ambígua36 O acordo de paz por sua vez enseja a narrativa da fundação da cidade de Filipeia assim como da própria capitania em si como o momento inaugural de uma civilização específica no contexto do Brasil37 Este evento tem importância fundamental para a construção de outra caracteristica do ser paraibano pretendido a civilidade Isto porque não se trata de um vilarejo qualquer a cidade já vinha revestida do status de cidade lugar onde deveriam se instalar as instituições coloniais e seu sustentáculo burocrático A perspectiva da cidade como lugar de civilidade por sua vez é bem própria da cultura hispânica vinculada intimamente com a península itálica na altura em que se 32 Maximiano Machado referencia o capitão João Tavares como escrivão da Câmara e juiz de órfãos de Olinda designado por Martins Leitão desde 1579 para ocupar a ilha da Gamboa e ali construir um presídio militar A mesma identificação consta na obra de Irineu Pinto que especifica a existência de uma bandeira confiada a João Tavares em 1579 que por sua conta escolheu a ilha no meio do rio onde construiu um fortim de madeira sendo depois desalojado pelos ataques indígenas 33 Tabajara desde muito aliado dos portugueses na conquista das novas terras na capitania da Bahia Piragibe é colocado não como o nativo traidor de seus iguais uma vez que feroz predador de índios para serem escravizados para a faina colonial Ele é aventado como o homem de caráter que fez a escolha a favor da melhor parte os portugueses abandonando seus aliados os potiguara e ensinando os caminhos certeiros para que suas aldeias fossem encontradas e queimadas pelos conquistadores A despeito dessa participação na conquista Piragibe é pouco citado nas narrativas posteriores ao período 34 A despeito do papel preponderante de Martin Leitão na narrativa de Maximiano Machado o ouvidor geral não ingressa no rol de fundador da identidade paraibana posto ter o mesmo após a conquista ter se retirado da capitania não deixando descendência nessas terras 35 Na narrativa de Irineu Pinto descrevese brevemente o encontro de João Tavares com o chefe índio no meio da bacia do Varadouro defronte do porto da capital onde celebrou as pazes ficando Piragybe do lado dos portugueses com os seus aliados obrigandose porém os civilizados a ajudalo na guerra aos seus inimigos potiguares e tapuias pag 20 Pinto comete em sua narrativa o equívoco de indicar o lugar do acordo de paz com marcos de seu tempo não referenciando a fonte de onde extraiu informação tão precisa 36 No Sumário das Armadas registrase as qualidades de Frutuoso Barbosa para conseguir o contrato de conquista e exploração da capitania real já tinha um acordo de paz com os potiguaras anterior a 1574 conhecia bem a terra e a cultura dos nativos assim como conseguia se comunicar com eles como quem tinha comércio das coisas da terra inclusive do pau de tinta ou pau de Pernambuco 37 No Sumário das Armadas capítulo II informase que D Sebastião já houvera ordenado a Luís de Brito de Almeida que elegesse sitio para a povoação ordem que ensejou a primeira expedição de conquista Dos eventos norteadores da produção historiográfica local a fundação da cidade de Filipeía é inegavelmente a que despertou o interesse dos historiadores do IHGP Nas revistas de 1909 a 1995 identificamos nada menos que 42 artigos explorando a temática também explorada por Irineu Pinto e Maximiano Machado generalizavam os cânones urbanos do Renascimento e também com as opulentas e regulares cidades da Flandres o que lhes rendeu notável preocupação urbanística como parte da centralização administrativa pretendida Com este fito a chamada Ley das Índias38 determinava fundações intencionais em assentos planos e regulares contandose uma praça central cujos ângulos seriam orientados segundo os pontos cardeais Nesta praça ficariam a catedral ou igreja principal a casa do governador ou máxima autoridade com residencial local e o cabildo ou ayuntamiento O desenho urbano seria definido por distância regulamentar a partir da praça em cada direção onde seriam instalados matadouro e indústrias mal odorantes as defesas pastos de utilização comum os montes onde os habitantes se proveriam de lenha caça e materiais de construção RIBEIRO 1994 Filipeia nasceu sob o modelo hispânico inegavelmente OLIVEIRA 2003 Não foi à toa o interstício entre o acordo de paz e a fundação da cidade quando os homens na fortificação asseguravam a conquista até a chegada do ouvidor com as normas para a escolha do local onde se construiria a cidade Três meses se passaram até que Martim Leitão chegasse à capitania39 e percorresse a ribeira do rio Parahyba a partir de sua foz para determinar o lugar mais condizente com as exigências para a fundação intencional da cidade terreno alto plano salubre com bons ventos e fontes de água capaz de defender se Se a vida econômica da nascente capitania se concentraria doravante no campo onde seriam implantados os engenhos e lavouras qual o sentido de um centro urbano Mais ainda qual a razão dos historiadores do IHGP fixarem suas narrativas tomando como epicentro a cidade de Filipéia Não nos esqueçamos que a diferença que se pretendia estabelecer entre a capitania do rio Paraíba se assentava num aspecto especial da mesma era diretamente vinculada ao rei que se destinara a custear de sua própria bolsa os custos para a conquista da terra após desmembrar o território de Itamaracá para criar uma nova capitania Nela não haveria donatários nem seus sucessores mas um governador vinculado diretamente à coroa40 38 Primeira legislação urbanística da idade moderna foi estabelecida formalmente por Felipe II em 1573 39 Irineu Pinto 1908 apresenta o Alvará Régio de D Felipe II datado de 29 de dezembro de 1583 na posse de Martim Leitão que ali chegou a 4 de novembro para plantar a cidade O termo em itálico provem do texto de Irineu Pinto e expressa a percepção épica da fundação de Filipeia enquanto cidade e não como uma simples vila 40 Segundo COSENTINO 2015 um governador ou capitão geral era autoridade máxima nas capitanias principais que eram Rio de Janeiro de Pernambuco Nas capitanias anexas o título do capitãomor referenciava a autoridade máxima local A Paraíba mesmo sendo uma capitania diferenciada posto que vinculada ao rei teve nomeado na pessoa de Frutuoso Barbosa um governadormor para cuidála e explorála por dez anos Destacamos nesse interim a existência de um governo geral no Brasil e do regimento do governador Tomé de Sousa que determinava a cadeia hierárquica na qual o governo geral estava no ápice Destacamos também que Frutuoso foi impedido de assumir seu cargo após a conquista local ficando em seu lugar no domínio das tropas hispânicas superiores numericamente à portuguesa o espanhol Franscisco Castrejon sendo sucedido no ano seguinte pelo juiz de órfãos de Olinda o capitão João Tavares Só após Tavares ser chamado de volta a Pernambuco foi concedido ao desafortunado Barbosa o comando da capitania emergente para cumprimento do contrato firmado em 1574 que lhe concedia dez anos de exploração e mando na terra Essa vinculação entretanto é tratada na nascente historiografia como forma de escamotear um importante dado o rei ao tempo em que se conquistou e estabeleceu a colonização na capitania era o espanhol Felipe II Felipe I para os portugueses Ao escolher o local de estabelecimento da pretendida cidade em novembro de 1585 Martin Leitão a nominou de Filipeia para homenagear o monarca seu detentor subvertendo a data préfalada da realização do acordo de paz que daria ao lugar o nome da santa do dia41 O acordo levado a cabo por um português e a nomenclatura da santa pelo mesmo desmitificaria o poder do rei hispânico sobre a capitania assim entenderam os que passaram a usar os dois nomes como uma estratégia de vinculação já estipulada pelo IHGP o motor civilizacional do Brasil seria sempre Portugal O terceiro evento considerado fundamental para a constituição da histórica local seria o domínio holandês42 Observese que nossos historiadores nunca trataram a presença dos batavos no mesmo parâmetro da presença portuguesa43 especialmente tomada como de colonizadores A perspectiva engendrada pelo IHGB especialmente por Varnhagen foi de que a colonização portuguesa se destacava por ser civilizadora Este modelo importava o arcabouço social da sua origem legando especialmente linguagem cultura e organização social política e econômica Não seria este o caso dos batavos sempre mostrados nas produções historiográficas como saqueadores exploradores e até hereges BARBOSA 2018 Para os historiadores o domínio holandês foi marcado pela cobiça exacerbada por homens ambiciosos que nada construíam nem legavam aos lugares por onde passavam44 diferenciandoos dos portugueses arquitetos da civilização nas terras conquistadas Todavia o interesse na narrativa da conquista e colonização holandesa na Paraíba tinha como intuito construir uma imagem estereotipada dos empresários calvinistas para em seguida construir a própria identidade paraibana consolidada no embate contra os invasores Observase nesta estratégia a realização integral do projeto do IHGB posto que a identidade portuguesa já estava consolidada entre nós como a da pátria mãe o que 41 O calendário litúrgico dedica a passagem entre os dias 4 e 5 de agosto como de Nossa Senhora das Neves ante a realização do milagre de nevar em pleno verão no monte Esquilino nas cercanias de Roma como sinal sobrenatural para que ali se construísse uma basílica em honra da virgem 42 Nas Revistas do IHGP 19091995 constam apenas onze artigos sobre o tema o que pode se justificar ante as dificuldades de pesquisa em documentação produzida em língua distinta Os estudos de Machado sobre o tema por sua vez parecem ter refreado quaisquer outras tentativas de análise do período documentado amplamente por Irineu Pinto em sua Datas e notas 43 Tornamos a insistir no silenciamento proposital ou não dado ao poder espanhol na capitania que ainda exige estudos a respeito A perspectiva da manutenção das nomeações anteriores ao domínio de Felipe II ancora a hipótese que o período filipino em nada abalou o amplo domínio dos portugueses neste rincão americano desconsiderando por exemplo a implantação do Código Filipino como uma adaptação diplomática das antigas leis portuguesas por Felipe II e cuja durabilidade permitiu seu uso até 1867 em Portugal e 1915 no Brasil 44 Na Paraíba inexistiram construções durante o período holandês A cidade de Filipeia já contava com notável número de conventos e igrejas erguidos em pedra calcária e que bem serviram para abrigar a soldadesca inicial Os governadores por sua vez ocuparam casas bem construídas na cidade de seis ruas onde habitava tipos como Duarte Gomes da Silveira rico proprietário incentivador e financiador do casario para a nascente população A única construção que chega aos nossos dias é a fortaleza de Santa Catarina que recebeu o nome de Forte Margaretha em homenagem à irmã de Maurício de Nassau que ordenou sua reforma e melhoria com o aprofundamento do fosso e revestimento em pedra da sua couraça Contudo destaquemos tratase de construção precária anterior à tomada da capitania pelos holandeses transformava qualquer outro povo mesmo europeu que aqui estivesse com as mesmas finalidades e práticas dos portugueses em tirano invasor digno de combate No contexto da resistência ao invasor foi construído o segundo herói paraibano André Vidal de Negreiros referendado por Irineu Pinto como O Napoleão da minha terra 190869 Foi ao filho de um plantador de cana de açúcar muitas vezes alçado a senhor de engenho que coube toda a estratégia de expulsão do invasor mal contida a indignação de ver sua terra submetida ao domínio de hereges calvinistas Vidal de Negreiros assumiu na historiografia paraibana lugar de maior destaque que aquele que lhe fora legado na História Geral do Brasil Varnhagen considerara sua parceria igualitária com João Fernandes nas lutas que destruíram o sistema produtivo açucareiro Essa parceria por sua vez não foi tão igualitária assim cabendo a Vidal de Negreiros maior destaque uma vez que desde jovem já participava de lutas e refregas pela nação imbuído de considerável sentimento nativista ao arrepio dos louros que ganhara de Portugal Dessa luta nasceu a tríade da gente brasileira em Varnhagen repetindose na historiografia paraibana O índio Camarão da etnia potiguara representaria uma porção da identidade paraibana posto que seus antepassados aqui habitaram a despeito do mesmo ter nascido na capitania do Rio Grande Henrique Dias o negro pernambucano filho de escravos libertos também aparecia como coadjuvante numa luta de lideranças múltiplas posto que em formato de guerrilhas Nas narrativas sobre este evento vislumbrase os lugares e destaques destinados aos à tríade de heróis45 que nos legaram a partir de seu caráter valoroso e guerreiro indisposto à injustiça um cariz intrépido heroico corajoso Outros nomes por sua vez foram silenciados assim como temas e eventos dessa historiografia interessada46 Intrepida ab origine registra o pavilhão da capital paraibana como uma 45 Na historiografia pernambucana João Fernandes Vieira senhor de engenho endividado com a execução de suas dívidas pela Companhia da Índias Ocidentais assume maior liderança que Vidal de Negreiros e suas decisões tem maior e decisivo impacto na guerra contra os holandeses Para os pernambucanos a ação de Dias parece se sobrepor ao do indígena Felipe Camarão o que vem a demonstrar as escolhas dos historiadores ao construir a operação historiográfica Nas narrativas de cada estado porém observase o elenco das mercês concedidas aos heróis brancos um português outro mazombo silenciandose a respeito das benesses dadas a Dias o hábito da Ordem de Cristo e o cargo de Mestre de campos e ao Camarão recebeu a patente de Capitão Mor dos índios o tratamento de Dom e a comenda de Cavaleiro da Ordem de Cristo tornandose Fidalgo A realeza espanhola concedia títulos aos povos considerados inferiores e que lutavam à frente das batalhas dandolhes um certo status social ao contrário da realeza portuguesa Exemplo é a negativa da comenda da Ordem de Santiago prometida pelos espanhóis mas por não ter sido entregue a tempo foi requerida por seus herdeiros a Luiza de Gusmão viúva de D João IV que indeferiu por três vezes o pedido 46 Raríssimo encontrar nesta historiografia temas que explorem as relações políticas entre os Países Baixos e a Espanha e suas consequências para as capitanias produtoras de açúcar ou sobre as consequências das guerrilhas levadas a efeito pelos heróis locais que destruiu os engenhos e afugentou a população num salutar exercício de causas e consequências da sublevação Pouco se aborda também a contextualização do evento num espectro mais alargado buscando destacar o fim da União Ibérica e a consequente restauração do trono português com o levante da Dinastia Bragantina e seu interesse em retomar a antiga colônia As negociações entre portugueses e holandeses e a vultosa indenização paga por Portugal a WIC para tomar posse das capitanias do Norte assim como a ordem real de extinguir os ataques às tropas holandeses são aspectos pouco abordados e extremamente necessários na análise do fato representação da gente que ali se gerou e que tomou o restante do território ao adentrar seus sertões47 Povo corajoso portador de um ethos singular posto que diferente de todos os demais dos espaços coloniais Guerreiro capaz de expulsar o estrangeiro nem um pouco menor que os pernambucanos ambos imbuídos na mesma luta contra o invasor Este caráter incontido lapidado para o paraibano também é levado em consideração na narrativa de outro evento vinculado à capitania sua subordinação administrativa a Pernambuco A Paraíba antes tomada como mero apêndice de Pernambuco cuja pequenez territorial se originava do retalhamento de outra capitania já absorvida em prol do alargamento das fronteiras pernambucanas nessa construção retórica já se iguala a Pernambuco48 Se fora criada por ordem real para ser anteparo contra os ataques do potiguara à Nova Luzitânia doravante podia ser considerada como a que criou luz própria tamanho o brio de seu povo partícipe em variados momentos em defesa da brasilidade As infundadas alegações dos governantes pernambucanos da impossibilidade da capitania em se manter autônoma após a saída dos holandeses e os relatos sobre a destruição do centro produtor açucareiro emergem nesta historiografia sob um novo viés culpabilizar os interesses imperialista dos pernambucanos desejosos de abocanhar as capitanias vizinhas para aumentar sua prosperidade que segundo FERREIRA 2008 produziam variados produtos que enriqueciam a pauta de exportações da capitania vizinha posto que embarcadas em seu porto A luta política levada a efeito pelos mandatários contra a subordinação é destacada como própria de uma gente que defende sua terra comprovando que o sentimento nativista ou seja a paraibanidade já é uma realidade no século XVIII A consequente vitória e desmembramento concedido no final do século também é usado para mostrar o cariz independente dos paraibanos Corajoso heroico incapaz de se sujeitar ao mandonismo regional Não à toa o IHGP se dedicou também a desvendar os limites da capitania especialmente voltandose para a descoberta do ponto mais oriental das Américas dado que em muito beneficiou Pernambuco nos tempos coloniais barateando seu frete e dando aos seus portos um status diferenciado49 A singularidade da posição geográfica da Paraíba cujo sentido estratégicomilitar 47 Eram estes o sertão do Piranhas o sertão do Piancó sertão dos Cariris sertão do Pajeú sertão do Seridó e sertão do Bruxaxá 48 Esta arquitetura pode ser bem observada na letra dos hinos dos dois estados Enquanto Pernambuco faz o autoelogio de fonte de vida e história neste povo coberto de glória o primeiro talvez no porvir nova Roma de bravos guerreiros imortal imortal a Paraíba de forma mais tímida salva o berço do heroísmo Se os pernambucanos falam de sua gente o hino da Paraíba personifica o próprio estado unificando sua população em corpo único flamejastes o teu gládio tua espada teu passado de glória 49 A Ponta do Seixas foi considerada como o ponto mais oriental das Américas e o mais próximo da Europa somente em 1941 quando os engenheiros Newton Tornaghi e Rubens Figueiroa apuraram as coordenadas geográficas da Ponta de Pedra e do Cabo de Santo Agostinho ambos em Pernambuco e da Ponta de Seixas concluindo que o último em território paraibano avançava 1683 metros a leste a mais que seu opositor pernambucano ensejou a criação da cidade também serviu para fortalecer a identidade local pretendida pelos IHGP50 O tardio reconhecimento de ser a Porta do sol se não foi possível como benefício nos tempos coloniais bem antes de sua descoberta ja estampara o brasão do estado durante a gestão do presidente Castro Pinto iniciada em 1912 A vocação para a nacionalidade e o republicanismo se tornou tônica dos estudos dos membros do IHGP que fora fundada nos primórdios da república e dela se locupletava O caráter máximo da identidade paraibana que emergia dos estudos daquele grêmio sobressaía nos movimentos anti monárquicos ocorridos no século anterior e com o passar dos anos somaram a Revolução de Trinta no elenco desses eventos51 A participação da Paraíba na Revolução de 1817 quando se uniu a Pernambuco contra os excessos do governo de D João VI logo após a ascensão do Brasil a Reino Unido busca demarcar o papel decisivo da Paraíba em pé de igualdade com Pernambuco Desse acontecimento emergiu mais um heroi da terra Peregrino de Carvalho enforcado aos 19 anos sob os pedidos recusados de clemência do pai português A violenta repressão levada a efeito pelo rei D João VI vitimou um sem número de paraibanos esquecidos pela historiografia em prol do mais representativo do mártires da revolta52 A Confederação do Equador evento bem explorado na historiografia do vizinho Pernambuco por sua vez aparece de forma tímida nos estudos do IHGP uma vez que seu raio de atuação limitouse às vilas de Patos e Pombal a despeito de ostentarse a bandeira do movimento como representativa da província MONTEIRO 2019 O mesmo não se pode dizer do levante de 1848 conhecido como a Revolta Praieira e plenamente explorado nos estudos de Maximiano Machado como liberal que era53 As três sublevações contra o poder central tentativas inglórias de reafirmação da vontade e necessidades locais demonstram a imbricação entre a história de Pernambuco e Paraíba fato recepcionado de má vontade pelos historiadores paraibanos Estes a despeito de variadas revoltas na província pouco exploraram tais eventos54 de crucial importância para o conhecimento do panorama político e social local Uma Paraíba que nascera republicana e liberal foi o esforço máximo de construção 50 A questão é explorada em diversos artigo de Mateus Oliveira contidos na Revista do IHGP 51 Os artigos sobre o republicanismo e o liberalismo na Paraíba ocupam o segundo lugar no ranking dos assuntos mais abordados no período 19091995 perdendo apenas para os estudos sobre a formação da cidade São 31 artigos sobre abordagens variadas do tema 1817 1824 1848 republicanismo e mais especialmente a questão de João Pessoa e a Revolução de Trinta 52 Construção nascida no Prefácio de Maximiano Machado à obra de Muniz Tavares História da Revolução de Pernambuco de 1817 53 Em seu Quadro da Revolta praieira na província da Parahyba publicada em 1854 Maximiano inaugurou seu apreço pelos levantes contra os poderes imperiais antes mesmo de que se inaugurasse o movimento republicano no Brasil 54 MONTEIRO 1987 elenca entre as insurreições populares que ocorreram na Paraíba o Ronco da abelha 185152 reconhecendoa como remanescente da Praieira e o Quebraquilos 187475 Sobre esta revolta Geraldo Irineu Joffily do IHGP escreveu sua obra A revolta dos matutos contra os doutores em 1977 dos membros do IHGP no sentido de consolidar o ideário da Paraibanidade Este foi consolidado quando da Revolução de Trinta cujo estopim para reacender as mágoas do pleito recem concluído emergiu de embate particular entre o então presidente da Paraíba João Pessoa e seu desafeto João Dantas A mitificação do cadáver rendeu à historiografia paraibana quase três décadas depois a áurea liberal decantada como própria do espírito das gentes desta terra e mesmo depois de superados os efeitos políticos do próprio movimento dali surgido continua despertando novas análises Conclusão A produção do IHGP por óbvio não se encerra nessas obras nem se limitam a tais temas O século XX permitiu a formação da historiografia paraibana pelos mais distintas abordagens e variados historiadores Nomes como o de Celso Marques Mariz com seus desbravador trabalho Através do Sertão 1910 e Apanhados históricos da Paraíba 1922 assim como o de Horácio de Almeida em Brejo de Areia 1958 e sua História da Paraíba 1964 integram o elenco de obras clássicas sobre o estado ratificadas e recepcionadas pelo IHGP Outros nomes se consolidaram como autores dessa historiografia tais como Elpídio de Almeida João de Lira Tavares José Américo de Almeida José Leal Manoel Tavares Cavalcanti Castro Pinto Coriolano de Medeiros entre tantos outros55 que marcaram as publicações da Revista do IHGP ainda hoje em atuação Compreendemos que esse esforço não se tratava simplesmente de se produzir uma história com o intuito de se elaborar uma identidade local em contraposição às das outras unidades da federação Acreditamos que o projeto era mais amplo e tinha por foco completar as lacunas que a história produzida no centro do poder político do Estado o Rio de Janeiro negligenciou o esforço era inserir a Paraíba na construção da nação demonstrando sua importância e sua participação decisiva para o processo civilizatório e vencedor que agora se apresentava sob a forma da República Eis os interesses previamente construídos que ditariam o discurso daqueles historiadores vinculados a um lugar de saber e consequentemente de poder Demonstrar a grandeza da Paraíba como preconizavam os fundadores do IHGP seria imprescindível Para tanto acentuar momentos históricos em que os paraibanos ou seus 55 Luís Hugo Guimarães elenca os seguintes nomes como representativos da historiografia da instituição nesse rol vamos encontrar Adhemar Vidal Alcides Bezerra Antônio Freire Clóvis Lima Eduardo Martins Florentino Barbosa Francisco Coutinho de Lima e Moura Francisco Barroso Francisco Lima Humberto Nóbrega João Lélis José Baptista de Mello José Gomes Coêlho José Leal Lauro Xavier Leon Clerot Luiz Pinto Matheus de Oliveira Oscar de Castro Pedro Baptista Pedro da Cunha Pedrosa Raul de Góes Rodrigues de Carvalho Sabiniano Maia Veiga Júnior entre tantos outros Vale destacar o trabalho da médica Eudésia Vieira autora de Terra dos Tabajaras uma das poucas mulheres a ter assento no instituto fundadores demonstraram seu patriotismo era fundamental E esta demonstração está cabalmente provada nas narrativas da guerra de expulsão dos holandeses o evento de maior relevo para a nascente historiografia pelo menos para a produção anterior a 1930 Nesta guerra a Paraíba prova seu patriotismo brindando a nação com um de seus maiores heróis André Vidal de Negreiros Nesse evento a Paraíba poderia demonstrar que foi tão brava e patriótica quanto Pernambuco por exemplo Contudo à Paraíba restou a resistência MELLO 1977 já que não lucrou com as intervenções urbanas do governo nassoviano A ideia não seria de se contrapor a Pernambuco mas de se igualar a ele PEREIRA 2012 O IHGP não encerrou suas atividades tampouco se desfez depois que outro grupo dessa feita de historiadores de ofício se formou na Paraíba A abertura dos cursos de História no âmbito local e a chegada de uma leva de historiadores de outras localidades franquearam uma outra história acadêmica pretensamente desvinculada do oficialato com que traduziam as relações entre a primitiva agremiação e os poderes públicos O que se verificou foi uma saudável imbricação entre acadêmicos e o próprio IHGP56 espaço de memória com notável acervo que facultou as primeiras incursões na feitura da operação historiográfica agora marcadamente profissional Se o IHGP pretendia escrever uma história feita por paraibanos para os paraibanos açodando sua produção com os interesses institucionais a abertura do NIDHR e a vinda de historiadores de outras paragens subverteu sua regra inicial inaugurando uma nova fase na arquitetura da historiografia local também marcada por interesses Bibliografia ARAÚJO FILHO Jones de Fronteiras despedaçadas da Paraíba o caso do Seridó Campina Grande EDUEPB 2018 BARBOSA Vanuza de Oliveira Nassau o brasileiro de invasor a benfeitor na escrita e Prado Mello e Almeida Campina Grande EDUPEB 2018 BOBBIO Norberto Intelectuais e o Poder Bauru Unesp 1996 COSENTINO Francisco Carlos Construindo o Estado do Brasil instituições poderes locais e poderes centrais FRAGOSO João GOUVÊA Maria de Fátima O Brasil colonial 14431580 v I Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 p 528542 DANTAS Ana Claudia de Miranda Cidades coloniais americanas Arquitextos São Paulo ano 05 n 05005 Vitruvius jul 2004 httpswwwvitruviuscombrrevistasreadarquitextos05050566 56 O Grupo José Honório Rodrigues resulta desse encontro provendo a Parahyba de inúmeros nomes de peso dentre os quais destaco o estimado professor José Otávio de Mello conhecedor sem concorrentes sobre a história paraibana DIAS Margarida Maria Santos Intrepida ab origine O instituto histórico e geográfico paraibano e a produção da história local João Pessoa Almeida gráfica e editora 1996 Diehl Astor Antônio Cultura historiográfica Memória identidade e representação Bauru EDUSC 2002 FERNANDES Ocione do Nascimento A Produção e a comercialização de mercadorias no Brejo da Parahyba do Norte 1793 1883 Dissertação Mestrado em Geografia Universidade Federal da Paraíba João Pessoa 2008 GALIZA Diana Soares de Irineo Joffily vida e obra João Pessoa IHGP sd GUIMARAES Luiz Hugo História do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano João Pessoa Editora Universitária 1998 GUIMARÃES Manoel Luís Salgado Nação e civilização nos trópicos O IHGB e o projeto de uma história nacional Estudos históricos v 1 nº 1 p 527 1988 HOBSBAWM Eric Sobre História São Paulo Companhia das Letras 1997 KANTOR Iris Esquecidos e Renascidos Historiografia acadêmica lusoamericana 1724 1759 São Paulo Hucitec Salvador Centro de Estudos Baianos UFBA 2004 MELO José Otávio de Arruda História da Paraíba lutas e resistências João Pessoa Universitária 1997 MONTEIRO Hamilton de Mattos Nordeste insurgente 18501890 São Paulo Brasileiense 1987 MONTEIRO Luíra Freire Retórica da alteridade Portugal e portugueses na historiografia brasileira São Paulo Hedra 2016 Emblemas da Paraibanidade simbologias e história nas bandeiras e brasões da Paraíba In SANTANA Flávio Carreiro de MONTEIRO Luíra Freire Orgs Limites no horizonte do tempo Textos em História Local João Pessoa Ideia 2019 NEVES Lúcia Maria Bastos Pereira das O império do Brasil Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 OLIVEIRA Mateus As coordenadas do Cabo Branco Revista IHGP 12 9193 1953 PEREIRA João Paulo Costa Rolim Os Indígenas na Primeira História da Paraíba um Estudo Sobre a História da Provincia da Parahyba de Maximiano Lopes Machado João Pessoa UFPB 2012 RIBEIRO Orlando Opúsculos Geográficos Vol5 Temas Urbanos Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1994 Pp 491497 SCHWARCZ Lílian Moritz O espetáculo das raças cientistas instituições e a questão racial no Brasil 1870 1930 São Paulo Companhia das Letras 2000 p 46 VAINFAS Ronaldo Dicionário do Brasil imperial 18221889 Rio de Janeiro Objetiva 2002